Como se diz, somos do tamanho do que conhecemos. Mas há pessoas que acreditam estar sempre certas, seja por ignorância ou arrogância, ego e narcisismo ou qualquer outro tipo de transtorno. E, para se afirmarem, apresentam possibilidades fixas para realidades móveis, são capazes de criar argumentos às vezes incoerentes, porque acreditam serem os donos da razão. Nunca admitem o erro nem uma opinião contrária e, se confrontados com factos, arranjam desculpas esfarrapadas. E, verdade se diga, estamos tantas vezes errados …
Quando era criança, tomava leite que vinha de uma quinta ali perto de casa. Fui lá muitas vezes e bebia sempre um copo ao sair da vaca, ainda quente. Dizia-se que “era o melhor leite” e “o alimento perfeito”. Anos mais tarde, a “verdade” passou a ser que “o leite tinha de ser fervido antes de se tomar”, e assim fez a minha mãe. Mas, anos depois, soube-se que o leite “levantava fervura” a partir dos 80 graus e saía fora do fervedor, ainda longe dos 100 graus convenientes para eliminar os microrganismos. Recomendou-se então o uso de uma “rodela” não sei de quê, para impedir que levantasse fervura antes do tempo. E a minha mãe passou a usá-la. Mais uns anitos em cima, veio uma nova verdade: O leite tem de ser “pasteurizado”. E todos nós passamos a acreditar na nova verdade, continuando a ver nele um excelente alimento. Mas não ficamos por aí. A troco da intolerância de alguns à lactose, passamos a ser bombardeados com a promoção de “leite” de soja, aveia e até arroz, como se fossem leites, com artigos científicos a denegrir o verdadeiro. E, afinal, estivemos sempre errados? E parece-me, que continuamos a estar, embora não falte quem se arrogue em ter razão.
O mesmo se passou com o azeite, outrora medido sem “esbordar”, pois, era um alimento precioso e excecional. Quando chegaram os óleos, veio a recomendar-se estes porque o azeite, não. E agora, foi reabilitado e passou a ser uma nova estrela da alimentação. Em que ficamos?
Quem defendeu uma coisa, se calhar, já defende o seu contrário. Estivemos certos ou errados? Quantas “verdades” como estas, afirmadas “a pés juntos” e reafirmadas veementemente, com o tempo passaram a falsas?
Sabe-se que a internet e, especialmente as redes sociais, são um campo onde o certo e o errado se atropelam. Mesmo que um tema seja muito específico, diria até científico, há muito quem não perceba “patavina”, “nem veja um boi da matéria”, mas não se inibe de emitir opinião como “verdade”, na boa, contrariando com a sua santa ignorância o parecer dos especialistas. E, certamente, terá audiência a apoiar!
Costuma recorrer ao Dr. Google em busca da resposta a problemas de saúde? Quem nunca? No entanto, os verificadores de sintomas online pecam pela falta de precisão, revela uma análise feita por especialistas, que alerta que estes só estão certos cerca de um terço das vezes. O que quer dizer, que estão errados em dois terços. Mas, porque o Dr. Google disse, passou a ser certo?
Hoje convivemos diariamente com montanhas de informações, muitas delas que não passam de mitos, mas que as damos como certas: Água com açúcar deixa-nos calmos; só utilizamos 10% da nossa capacidade cerebral; a pasta dentífrica é boa para as queimaduras; O uso de boné provoca a queda do cabelo; a posição sexual pode facilitar a gravidez; tomar leite direto da vaca, é excelente; a vacina causa autismo; a dieta detox ajuda a eliminar as toxinas; se engolir uma chiclete, ela cola no estômago. Como estas, há milhares de “verdades” que passam de boca em boca e são dadas como certas. E assim, estamos certos ou errados?
Os seres humanos mentem frequentemente, para melhorar a sua imagem, encobrir comportamentos errados, “não dar o braço a torcer” e ter de confessar que estão errados, distorcer a realidade e esconder a verdade, enfim, por tantas razões menos boas. E hoje, a mentira voa à velocidade da luz e espalha-se pelos quatro cantos do mundo como se fosse uma verdade inquestionável. E todos os utilizadores das redes sociais, disseminam-na com um clique para reenviar, sem sequer se darem ao trabalho de questionar se a mensagem, notícia, imagens ou o que quer que seja é real ou manipulada. Daí que, absorvemos muito do que ouvimos, lemos ou vemos e passamos a estar convencidos de que podemos defender essa “verdade” como 100% segura. Até porque, a maior parte das grandes mentiras trazem elementos reais à mistura. Como dizia o poeta António Aleixo: “P’ra mentira ser segura e atingir profundidade, tem que trazer à mistura qualquer coisa de verdade”. Por isso, para alguns mentirosos crónicos o poeta deixou mensagem: “Mentiu com habilidade, fez quantas mentiras quis; agora fala verdade
e ninguém crê no que ele diz”.
Os políticos, sejam ou não governantes, também costumam manipular a realidade para atingir os seus objetivos e rapidamente saltam para outra, num jogo de cintura que tem feito muitas carreiras pessoais “brilhantes”, embora nada benéficas para o povo. Dizem que faz parte. As empresas, tantas vezes colocam no mercado “a maior invenção do século”, um “produto revolucionário”, um “milagre da tecnologia e os atributos mais diversos para produtos que, mais tarde, se vieram a revelar como uma fraude, um problema para a nossa saúde, algo que é um fiasco ou perigoso. O DDT foi o primeiro inseticida para combater determinadas pragas. E foi “milagroso” até se descobrir que os tordos em Boston “morriam como tordos” por comer as lagartas mortas pelo inseticida e, depois, que os seus resíduos apareciam no leite materno, vindo a ter consequências nos recém-nascidos. E quantos pesticidas já foram retirados do mercado por passarem de “bestiais a bestas”, do certo ao errado? Estamos na era dos produtos químicos que usamos e as empresas usam para melhorar as nossas vidas, sendo que muitos deles, tidos por maravilhosos, vieram a provar-se como criminosos, mas depois das empresas faturarem milhões de milhões. Vendidos e propagados como certos, anos mais tarde provou-se serem errados. Defendem-se “verdades”, grande parte das vezes assentes sobre areia, sem se saber de facto se o são. E qualquer discussão é perdida logo de início, simplesmente quando não se quer escutar o outro. Admitir que se está errado, não é fácil, daí “a culpa morrer solteira”.
Para precaver das nossas atitudes, há este provérbio árabe que se ajusta em boa medida ao tema: “Não digas tudo o que sabes/Não faças tudo o que podes/Não acredites em tudo que ouves/ Não gastes tudo o que tens. /Porque: Quem diz tudo o que sabe/Quem faz tudo o que pode/Quem acredita em tudo o que ouve/Quem gasta tudo o que tem. /Muitas vezes: diz o que não convém/Faz o que não deve/Julga o que não vê/Gasta o que não pode”.
O errado de ontem é o certo de hoje e o certo de hoje é o errado de amanhã? O ser humano está preso num círculo de crenças e de escolhas contraditórias, onde a verdade e a mentira, o certo e o errado, se confundem, nos enganam e fazem acreditar tanta vez de que estamos certos. Mas, estaremos certos ou errados?