Monthly Archives: November 2024

Estamos (quase) sempre errados …

Como se diz, somos do tamanho do que conhecemos. Mas há pessoas que acreditam estar sempre certas, seja por ignorância ou arrogância, ego e narcisismo ou qualquer outro tipo de transtorno. E, para se afirmarem, apresentam possibilidades fixas para realidades móveis, são capazes de criar argumentos às vezes incoerentes, porque acreditam serem os donos da razão. Nunca admitem o erro nem uma opinião contrária e, se confrontados com factos, arranjam desculpas esfarrapadas. E, verdade se diga, estamos tantas vezes errados …

Quando era criança, tomava leite que vinha de uma quinta ali perto de casa. Fui lá muitas vezes e bebia sempre um copo ao sair da vaca, ainda quente. Dizia-se que “era o melhor leite” e “o alimento perfeito”. Anos mais tarde, a “verdade” passou a ser que “o leite tinha de ser fervido antes de se tomar”, e assim fez a minha mãe. Mas, anos depois, soube-se que o leite “levantava fervura” a partir dos 80 graus e saía fora do fervedor, ainda longe dos 100 graus convenientes para eliminar os microrganismos. Recomendou-se então o uso de uma “rodela” não sei de quê, para impedir que levantasse fervura antes do tempo. E a minha mãe passou a usá-la. Mais uns anitos em cima, veio uma nova verdade: O leite tem de ser “pasteurizado”. E todos nós passamos a acreditar na nova verdade, continuando a ver nele um excelente alimento. Mas não ficamos por aí. A troco da intolerância de alguns à lactose, passamos a ser bombardeados com a promoção de “leite” de soja, aveia e até arroz, como se fossem leites, com artigos científicos a denegrir o verdadeiro. E, afinal, estivemos sempre errados? E parece-me, que continuamos a estar, embora não falte quem se arrogue em ter razão.

O mesmo se passou com o azeite, outrora medido sem “esbordar”, pois, era um alimento precioso e excecional. Quando chegaram os óleos, veio a recomendar-se estes porque o azeite, não. E agora, foi reabilitado e passou a ser uma nova estrela da alimentação. Em que ficamos? 

Quem defendeu uma coisa, se calhar, já defende o seu contrário. Estivemos certos ou errados?  Quantas “verdades” como estas, afirmadas “a pés juntos” e reafirmadas veementemente, com o tempo passaram a falsas?

Sabe-se que a internet e, especialmente as redes sociais, são um campo onde o certo e o errado se atropelam. Mesmo que um tema seja muito específico, diria até científico, há muito quem não perceba “patavina”, “nem veja um boi da matéria”, mas não se inibe de emitir opinião como “verdade”, na boa, contrariando com a sua santa ignorância o parecer dos especialistas. E, certamente, terá audiência a apoiar!

Costuma recorrer ao Dr. Google em busca da resposta a problemas de saúde? Quem nunca? No entanto, os verificadores de sintomas online pecam pela falta de precisão, revela uma análise feita por especialistas, que alerta que estes só estão certos cerca de um terço das vezes. O que quer dizer, que estão errados em dois terços. Mas, porque o Dr. Google  disse, passou a ser certo?

Hoje convivemos diariamente com montanhas de informações, muitas delas que não passam de mitos, mas que as damos como certas: Água com açúcar deixa-nos calmos; só utilizamos 10% da nossa capacidade cerebral; a pasta dentífrica é boa para as queimaduras; O uso de boné provoca a queda do cabelo; a posição sexual pode facilitar a gravidez; tomar leite direto da vaca, é excelente; a vacina causa autismo; a dieta detox ajuda a eliminar as toxinas; se engolir uma chiclete, ela cola no estômago. Como estas, há milhares de “verdades” que passam de boca em boca e são dadas como certas. E assim, estamos certos ou errados?

Os seres humanos mentem frequentemente, para melhorar a sua imagem, encobrir comportamentos errados, “não dar o braço a torcer” e ter de confessar que estão errados, distorcer a realidade e esconder a verdade, enfim, por tantas razões menos boas. E hoje, a mentira voa à velocidade da luz e espalha-se pelos quatro cantos do mundo como se fosse uma verdade inquestionável. E todos os utilizadores das redes sociais, disseminam-na com um clique para reenviar, sem sequer se darem ao trabalho de questionar se a mensagem, notícia, imagens ou o que quer que seja é real ou manipulada. Daí que, absorvemos muito do que ouvimos, lemos ou vemos e passamos a estar convencidos de que podemos defender essa “verdade” como 100% segura. Até porque, a maior parte das grandes mentiras trazem elementos reais à mistura. Como dizia o poeta António Aleixo: “P’ra mentira ser segura e atingir profundidade, tem que trazer à mistura qualquer coisa de verdade”. Por isso, para alguns mentirosos crónicos o poeta deixou mensagem: “Mentiu com habilidade, fez quantas mentiras quis; agora fala verdade
 e ninguém crê no que ele diz”.

Os políticos, sejam ou não governantes, também costumam manipular a realidade para atingir os seus objetivos e rapidamente saltam para outra, num jogo de cintura que tem feito muitas carreiras pessoais “brilhantes”, embora nada benéficas para o povo. Dizem que faz parte. As empresas, tantas vezes colocam no mercado “a maior invenção do século”, um “produto revolucionário”, um “milagre da tecnologia e os atributos mais diversos para produtos que, mais tarde, se vieram a revelar como uma fraude, um problema para a nossa saúde, algo que é um fiasco ou perigoso. O DDT foi o primeiro inseticida para combater determinadas pragas. E foi “milagroso” até se descobrir que os tordos em Boston “morriam como tordos” por comer as lagartas mortas pelo inseticida e, depois, que os seus resíduos apareciam no leite materno, vindo a ter consequências nos recém-nascidos. E quantos pesticidas já foram retirados do mercado por passarem de “bestiais a bestas”, do certo ao errado? Estamos na era dos produtos químicos que usamos e as empresas usam para melhorar as nossas vidas, sendo que muitos deles, tidos por maravilhosos, vieram a provar-se como criminosos, mas depois das empresas faturarem milhões de milhões. Vendidos e propagados como certos, anos mais tarde provou-se serem errados. Defendem-se “verdades”, grande parte das vezes assentes sobre areia, sem se saber de facto se o são. E qualquer discussão é perdida logo de início, simplesmente quando não se quer escutar o outro. Admitir que se está errado, não é fácil, daí “a culpa morrer solteira”.

Para precaver das nossas atitudes, há este provérbio árabe que se ajusta em boa medida ao tema: “Não digas tudo o que sabes/Não faças tudo o que podes/Não acredites em tudo que ouves/ Não gastes tudo o que tens. /Porque: Quem diz tudo o que sabe/Quem faz tudo o que pode/Quem acredita em tudo o que ouve/Quem gasta tudo o que tem. /Muitas vezes: diz o que não convém/Faz o que não deve/Julga o que não vê/Gasta o que não pode”.

O errado de ontem é o certo de hoje e o certo de hoje é o errado de amanhã? O ser humano está preso num círculo de crenças e de escolhas contraditórias, onde a verdade e a mentira, o certo e o errado, se confundem, nos enganam e fazem acreditar tanta vez de que estamos certos. Mas, estaremos certos ou errados?

Sou um “empregado não remunerado”

Já pensou que, hoje, posso sair de casa, ir a um posto de combustíveis atestar o automóvel com pagamento por cartão na própria bomba, lavar a roupa em lavandaria self-service e ir para o trabalho usando uma autoestrada com portagem automática, sem ser servido por uma única pessoa? E posso continuar ao almoço selecionando a refeição numa cantina e aproveitar o tempo livre para consultar a minha conta bancária, fazer pagamentos, transferências, escolher, marcar e pagar uma viagem e imprimir a passagem aérea, tudo através da internet, por computador, tablet ou smartphone? E no regresso, ir ao supermercado fazer compras, escolher os produtos que quero, tirá-los das prateleiras e pagar em caixa automática sem intervenção de qualquer funcionário? Posso ainda lavar o carro numa lavandaria auto e ir ao cinema com bilhete eletrónico comprado através duma aplicação móvel. O trabalho será todo meu, sem receber qualquer contrapartida, coisa que há uns anos exigia uma série de pessoas para me atender. Já pensou nisto que começou há muitos anos, mas agora está a ir além do inimaginável e nas consequências desta “revolução self-service”, de que a principal é a quantidade enorme de trabalhadores que vão para o desemprego? 

A revolução “self-service” começou em 1916 numa pequena loja dos Estados Unidos e nunca mais parou. Clarence Saunders, proprietário do supermercado Piggly Wiggly, em Memphis, Tennessee, foi o pai da ideia que mudou a maneira como fazemos compras. Até aí, os produtos estavam guardados atrás do balcão e o cliente limitava-se a dizer o que queria e a pagar. O empregado acompanhava todo o processo. Atendia o pedido, metia as compras em sacos, fazia a conta e recebia o dinheiro.

Com a chegada do “self-service”, o consumidor passou a poder circular pela loja, retirar os produtos das prateleiras e levá-los em cestos até à caixa. Foi assim que o retalho ganhou a dianteira da revolução “self-service”. E diz quem sabe, que “ainda não vimos nada”: há experiências em curso para substituir as caixas de supermercado por “tablets”; para fazer da voz uma ordem de pagamento; para transformar “apps” em instrumentos de compra e catálogos interativos; e, cereja em cima do bolo, entregar as compras em casa com aviões não-tripulados (os tão famosos “drones”). O certo é que, com tudo isto, a produtividade e capacidade de atendimento dispararam, abrindo caminho à criação do supermercado, do hipermercado e da grande superfície especializada, onde “o consumidor faz tudo” …

A primeira loja em Portugal deste tipo só abriria em 1961, em Lisboa e nunca mais pararam. Dizem que as vantagens para os consumidores são muitas: oferta muito maior, atendimento rápido e com preços mais baixos. Mas as empresas ganham muito mais. E nós, só trabalhamos?

O “self-service” significa uma redução enorme dos trabalhadores, um problema grave para a comunidade. E a inovação constante, como é o caso das caixas automáticas nos supermercados, faz aumentar ainda mais o desemprego, sem contrapartidas para a sociedade. É o próprio consumidor que faz a leitura dos códigos de barras, faz o pagamento, ensaca e sai com os produtos, sem haver necessidade da intervenção do colaborador da loja. E não recebe nada. Diria que é “um trabalhador não remunerado”, que tira o emprego a alguém, sem se aperceber. A tradicional linha com dezenas de caixas de saída nos supermercados pode desaparecer e os pagamentos serão feitos “em qualquer parte da loja”, “de uma forma que parece mágica” e já acontece em duas cadeias de supermercados americanas. Aliás, tem estado a ser desenvolvido lá um sistema em que o consumidor paga dizendo apenas o seu nome, nada mais. Nem tem que digitar nada. Como eles dizem, “nós ainda não vimos o que aí vem”. As “apps” vão permitir comprar “em qualquer lado e a qualquer hora” e darão “uma maior liberdade ao consumidor que não necessite ou não queira, sequer, ter a participação de outra pessoa para fazer as compras.” O futuro passará por carrinhos de compras inteligentes e os bens encomendados nas lojas “online” (outro terreno moderno do “self-service”) podem chegar a casa dos clientes nas asas de aviões não-tripulados. A Amazon já está a testar “drones” para substituir as carrinhas de entregas. É assim que, além de estar a aumentar o desemprego, a tecnologia pode vir a matar o atendimento personalizado.

Claro que os trabalhadores de hoje não vão deitar “fogo às máquinas” por estarem a roubar-lhes os empregos, como na primeira revolução industrial, tendo sido “substituídos” nas suas funções pelos próprios clientes, mas é caso para estarem preocupados pois nada dos ganhos com a redução de pessoal nas empresas vai parar aos seus bolsos. E o problema coloca-se em numerosas áreas de atividade, dos postos de combustíveis aos parques de estacionamento, dos supermercados às mais variadas indústrias, da banca aos escritórios, das portagens às vendas de bilhetes para tanta coisa, dos tabuleiros de qualquer centro comercial ao restaurante self-service. É que as novas tecnologias têm, normalmente, um efeito devastador sobre o emprego. E isso quer dizer que se vão descartando as pessoas. É aí que começa o problema …

É estranha esta sociedade que, cada vez com mais frequência, nos leva a fazer funções que seriam de alguém. E com isso estamos a roubar empregos, a roubar esperanças. As caixas autónomas, instaladas como opção entre ser atendido por assistente ou, em momentos de aperto, para desenrascar mais depressa, vão passar a ser obrigação. E é assim que “somos contratados” como “empregados não remunerados”, sendo manipulados e amestrados para executar diversos tipos de tarefas, até de arrumação e limpeza como é o caso dos tabuleiros de restaurantes.

O curioso é que nalgumas empresas deste tipo nos Estados Unidos, em que os clientes assumem a tarefa de empregados não remunerados, até existe no final da linha uma pergunta automática para saber qual o valor da gorjeta que o cliente vai deixar. E# a moda pode chegar aqui. Ou está tudo bêbado ou sou eu que estou a ver as coisas “de pernas para o ar” … 

Com tudo isto, não estou a perder tempo nas filas (que só existem por falta de operadores nas caixas), mas estou a contribuir para aumentar os lucros das empresas, a atirar gente para o desemprego e a trabalhar “para aquecer” em montes de locais onde só deveria ser cliente. Mas, trabalhando “à borla” e sem beneficiar de um desconto sequer, por mais miserável que seja, posso sentir-me satisfeito porque sou muito mais evoluído, mais moderno e mais despachado …

Temos muitos tiques de “riquismo” …

Nos meios rurais como era o nosso, todas as pessoas tinham um rosto que se conhecia e um nome que se dizia ao cumprimentar. A maioria era gente pobre que trabalhava e sonhava um dia ter uma vida melhor. Gente que trabalhava de sol a sol, de horário variável conforme a luz do dia. Aprendia-se desde bem cedo na família a poupar, a não exigir o que não se podia ter, a não estragar nem desperdiçar e a não fingir que se era rico quando nem sequer se era remediado. Numa sociedade que vivia da agricultura como era esta, havia muito pouco para comer, comprar, distribuir. Estriava-se roupa nova só na Páscoa ou Natal, quando se estriava. E mesmo assim as pessoas eram alegres epartilhavam as coisas da horta e até os pedintes não iam embora só com palavras e promessas. Ao chegarem as indústrias, primeiro a Estofex que até deu regalias sociais e emprego a mulheres, e mais tarde a Fabinter, a riqueza começou a ser distribuída por quem nunca a vira. As famílias apostaram toda a sua poupança na construção de casa para viver, grande parte das vezes feita aos fins de semana num terreno de família com a ajuda de familiares e amigos, num hoje ajudo-te eu e amanhã ajudas-me tu, com muito suor e sacrifício, ao longo de anos, para terem um teto seu. E fizeram-no aprendendo a viver com o muito ou pouco que tinham. E só com isso.

Mas “o tempo é feito de mudança” e as pessoas começaram a aprender na nova escola que ensina a comprar sem dinheiro. A dependência de um ordenado certo tornou-se moeda corrente; a procura dum trabalho no Estado era garantia de segurança para o futuro; e a emigração para o estrangeiro abria um mundo de oportunidades pois até dava para ter automóvel e fazer casa nova na terra, enquanto por cá “não se saía da cepa torta”. Chegou-se, então, a um tempo de melhor nível de vida, por vezes vida sem grande nível e com mais aparências que realidade. E de repente tudo foi mudando com muitos encargos, rendimentos incertos.  Poupanças e hábitos de moderação deixaram de fazer parte da história pessoal e familiar. Com a crise veio o desemprego, as casas entregues ao banco, aumentou a pobreza e mesmo as vidas remediadas viraram falta do essencial numa realidade dolorosa. Toda a gente se queixa, a inflação escalou preços que já não recuam mais, o trabalho precário mantém-se, os recibos verdes continuam a fazer história, a fila dos que procuram cada dia o Banco Alimentar e batem à porta das instituições de solidariedade social cresceu e já não há capacidade para responder às necessidades mais prementes. Com 2 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza com menos de 591 euros, cerca de 380 mil desempregados, uma dívida pública a rondar os 280 mil milhões de euros e uma dívida total do estado e privados à volta dos 800 mil milhões, não se pode dizer que somos um país rico. Vamos lá, talvez remediado …

E, apesar duma certa recuperação, muita gente ainda não acordou ou finge que nada mudou. Quem, viva cá dentro ou vindo de fora, observar o que por aí se vê, não deixa de pensar que parecemos um país de gente rica, que dá nota pública de opulência. São caros, mas temos um parque automóvel rico que faz inveja aos pobres, telemóveis aos montes, dos mais caros e sofisticados, só roupa de marca, férias no estrangeiro nos locais mais badalados, lua-de-mel em países exóticos, consumos altos, habitações de luxo que são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Dizia-me um amigo da área financeira que “muitos vivem a crédito por conta do amanhã, com a casa, carro, barco e salário penhorados. Já só falta penhorar os filhos. Virados de pernas para o ar, já não cai um tostão furado” … 

Neste contexto, os tiques de riquismo são ofensivos, as cedências ao supérfluo tornam-se escandalosas e os exibicionismos patéticos são tidos por provocadores. Todos são chamados, à medida de cada um, a entrar no processo da recuperação necessária e urgente do país. Não é trabalho apenas dos governantes. Pouco ou nada se conseguirá se cada um não se impuser a si próprio atitudes de certa austeridade e gestos de partilha e a quem governa decisões justas e exemplo convincente. Urge que todos digamos, de modo consequente, que somos pessoas responsáveis e solidárias, irmãos e cidadãos com iguais direitos e deveres.

Mas é verdade que os governantes deveriam ser os primeiros a dar o exemplo para, pelo exemplo, enquanto cidadãos e enquanto decisores políticos, mobilizarem todos os outros. Como cidadãos, deixando de aprovar para si e usufruir de mordomias e benesses escandalosas que chocam o cidadão comum, num aproveitamento dos recursos públicos que provoca risos de chacota nos nossos parceiros do norte da Europa. E, por essa razão, são um péssimo exemplo. É como aquele pai que se farta de dizer ao filho “não roubes”, mas que passa a vida a fazer isso mesmo à sua frente. E o miúdo vai olhar para o que o pai faz e não para o que o pai diz!

Mas os tiques de riquismo nos políticos confundem-se com a estupidez e inconsciência, já para não falar na incompetência, de quem governa e gere o que é de todos sem nunca ter gerido nada na vida. Daí termos visto o desmando e esbanjamento de dinheiro na renacionalização da TAP que custou aos cofres públicos muitos milhares de milhões de euros, só, mas só por razões políticas. E o mesmo aconteceu com a Efacec, que não nos levou tanto como a TAP, mas mesmo assim foram muitas centenas de milhões pagos por nós, contribuintes. Mas essa mania de que somos ricos levou outros figurantes a realizar o Euro 2004, com a construção de 10 estádios que custaram 650 milhões de euros. Vinte anos depois, quase todos eles ainda não estão pagos e às autarquias continuam a chegar pesadas faturas. E todos os grandes negócios de estado que têm sido um manjar no banquete da corrupção e tráfico de influências?

Se fosse a enumerar as muitas obras mandadas executar tanto pelo estado central como pelas autarquias, parte delas de interesse muito duvidoso ou ruinoso, quando nem sequer chegaram a sair do papel, mas consumiram muito dinheiro, por incompetência total, tiques de riquismo ou interesses inconfessáveis dos decisores políticos, tinha de escrever vários artigos e dar-vos cabo da paciência …

Mais: como somos ricos, o anterior governo “abraçou” todos os povos das nossas antigas colónias ao decretar que podem vir para Portugal e são recebidos com direito de residência automática e todos os direitos na saúde e sociais como qualquer cidadão português, com um subsídio mensal de 750 € durante dois anos mesmo que seja vadio. “Sem nunca ter contribuído para o sistema”. Mas nós pagamos por eles. Por isso se sabe que são cada vez mais os que nunca cá viveram, mas precisando de uma cirurgia, fazer um parto ou tratamento, pedem o estatuto de residente ou até passaporte português para o fazerem cá, à custa do “Zé Povinho”, de cujo exemple mais badalado é o caso das “gêmeas brasileiras”. Mas nós pagamos por eles. São estes tiques de riquismo dos nossos governantes que nos deveriam fazer pensar! 

Com gente desta, com “tiques” de que somos um país rico onde o dinheiro sobra, temos que ter muito medo de vir a ficar cada vez mais pobres … 

Desfile de Vaidades em local de recato

As três mulheres chamaram-me a atenção pela forma acalorada como falavam, duas delas com ar muito preocupado. Percebi depois que uma se chamava Joaquina e manifestava aflição porque “a cabeleireira lhe disse que já não tinha vaga para lhe arranjar o cabelo e, muito menos, para tratar das unhas”. E completou: “Vejam lá vocês como é que eu me vou apresentar depois de amanhã diante das pessoas da minha família, algumas que eu já não vejo há anos? Vão pensar que eu sou para aqui uma pelintra? Não me faltava mais nada! Vou arranjar o cabelo e vou, ainda que tenha de ir ao Porto”. A mais despreocupada, de sorriso nos lábios, entrou na conversa só para dizer que já tinha marcações para a cabeleireira e esteticista há mais de quinze dias, pois não queria correr o risco de não ter vaga como a Joaquina. E a terceira, com ar pesaroso, confessou que ainda conseguira que a cabeleireira lhe lavasse a cabeça, mas já não tinha tempo para lhe fazer os caracóis que ela tanto queria. Falou também em familiares que já não via há muito e que, quase de certeza, estariam lá. Pela conversa, percebi que aquelas três mulheres deveriam ir para algo como um casamento ou batizado, pois agora já não é tempo de comunhões.                                                                     Apanhei a conversa a seguir já a Joaquina perguntava às outras qual o vestido que iam usar, porque ela comprara na outra semana numa loja em Penafiel um vestido azul-celeste para “fazer ver” às primas de Gaia “quem se veste bem”, pois pensam que por não sermos da cidade “nós somos umas parolas”. A despreocupada adiantou logo que também já estava servida pois no dia anterior foi ao Norte Shopping e encontrou um vestido que lhe “fica a matar”. E a que ainda não tinha cabeleireira para lhe tratar da “crista”, ante o despacho das outras, choramingou: “Eu estive à espera do meu marido, mas como ele nunca tem tempo para ir comigo a lado nenhum, vou ter de me desenrascar à última hora e, se calhar, também vou dar um salto ao Norte Shopping e trato das duas coisas”. Perguntou à amiga a que loja fora e prometeu comprar um vestido diferente do dela. Entretanto fui chegando à conclusão de que devia ser mesmo um casamento e distraí-me a imaginar aquelas “criaturas de Deus” a “cortar na casaca dos outros” durante toda a boda. Só voltei a prestar atenção à conversa quando ouvi falar em flores. Imaginei que fossem flores para atirar aos noivos à saída da igreja, mas fui surpreendido quando uma delas se gabou: “Mandei fazer um arranjo de flores que vai custar cento e trinta euros, mas tem de tudo”. Então, fiquei baralhado: Arranjo de flores no casamento? Para quê? Será para assear o altar? Logo outra retorquiu: “Pois eu vou levar um ramo de orquídeas muito lindo”. Mas a terceira desfez o meu equívoco: “Como sei que vão ser muitas flores pois cada familiar leva um raminho e dá para cobrir a sepultura, encomendei uma coroa de 

flores para colocar no meio e desta vez, se falarem de mim, é para me invejar”. Foi aí que se fez luz e percebi que as três mulheres estavam a preparar-se para ir ao cemitério no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. Mas admirei-me da preocupação do trio com os preparativos e a forma de se apresentarem, pois acho que a ida ao cemitério não era propriamente uma passagem de modelos nem um concurso de Miss Universo. A meu lado estava uma senhora amiga que assistiu àquele “filme” e, como mulher, certamente viu mais do que eu. E perguntei-lhe o que é que se estava a passar porque eu não estava a perceber! Mas ela era mulher, “viu tudo” muito bem e “abriu o livro”: 

“Lembra-se que depois de amanhã é o dia de Todos os Santos e de ir ao cemitério rezar pelos mortos? Só não deve saber que quase todas as mulheres se arranjam “à maneira” como se fossem para um casamento! Ai daquela que vá com um vestido qualquer e com o cabelo mal-amanhado! Se virem assim alguém, são as familiares as primeiras a criticá-la dizendo “pobre coitada”, “parece uma desgraçada”, “até deixa ficar mal a família”. A maior parte delas nem sequer vai à missa e fica no cemitério a olhar as outras, de soslaio, para avaliar, criticar e dizer mal. A roupa tem de ser nova, sapatos a condizer, maquilhagem completa. As flores devem ser caras e com arranjos espetaculares, já que o mulherio faz uma passagem geral às campas, como os juízes num concurso, a comentar entre si: “Olha que flores tão pobrezinhas”? “Mas que arranjo mais parolo”! “Onde descobriria esta um arranjo tão espetacular”? Só falta mesmo cada uma dar pontos para atribuir um prémio! Mais que o morto, conta a competição entre elas. E o que virem ali, dá conversas para toda a semana lá na aldeia”!

E durante a procissão no final da missa, lá estão no cemitério à espera, mais para se mostrar do que participar, qual passagem de modelos, 

com sussurros críticos e sorrisos amarelos. Sabe, mais do que o Dia de Fiéis e Defuntos, eu digo que é uma Feira de Vaidades e Má-Língua. E o curioso é que uma boa parte só vai visitar os mortos uma vez no ano, precisamente neste dia, porque é um ponto de encontro obrigatório e, uma mulher que se preze, nunca pode faltar. E olhe que elas apostam forte: na sua “decoração” pessoal, no que vestem, no que calçam e nos arranjos de flores. Pois o mais importante é aparecer e “parecer”. E os mortos? Pouco importam, são só o motivo para aquele desfile, sendo o cemitério a passerelle”!

A ser verdade que se fez disto uma competição, é uma oportunidade excelente para criar um concurso com categorias diversas, a saber: Melhor Vestido, Melhor Arranjo de Flores, Crítica Mais Contundente e Mordaz, Melhor Maquilhagem, Melhor Penteado. Claro que por detrás de tudo isto está todo um negócio feito à medida destas “necessidades” e que movimenta muito dinheiro, com especulação nos preços porque nisto, ninguém trava gastos, nem regateia. Supermercados, floristas, lojas de chineses e outras, vendem produtos para a ocasião e à porta dos cemitérios os vendedores ambulantes resolvem os esquecimentos, quer seja de flores, lamparinas ou velas. Já poucas são as pessoas que usam flores de casa, pois “até parece mal” e não se pode ficar mal visto em relação ao vizinho do lado. Por isso, há que comprar flores caras para dar nas vistas e sair em grande na boca das outras! 

Por princípio, quando vou ao cemitério gosto de silêncio e alguma tranquilidade, e este não é o meu dia preferido para o fazer. Por isso, estava “a leste” da realidade. Mas, para confirmar tudo o que ouvi, resolvi passar em dois cemitérios só para confirmar se havia “desfile de modelos” ou não. E, que Deus me perdoe a intenção com que lá fui, mas tem uma grande dose de verdade. Neste dia um, muitas mulheres transformam o cemitério numa “passerelle” onde se exibem toiletes, penteados e arranjos florais. Pior ainda, a intenção de ir lá para lembrar e homenagear os entes queridos que já morreram, passa para segundo plano, esquecida entre os vestidos e flores, vaidades pessoais e má-língua, e por se perder, transformando um dia que devia ser de memória e respeito por quem morreu, num dia de exaltação, exibição e vaidades sem sentido por quem “ainda” cá ficou …