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Porreiros, condescendentes, fracos…

“Portugal está na moda”, dizem os políticos, os agentes turísticos, os comerciantes, os carteiristas, os arrumadores. E os turistas vêm aos magotes, inundando as cidades e cansando os residentes. A pergunta impõe-se: afinal, qual a razão porque vem tanta gente visitar-nos? Os governantes dizem que o mérito é todo deles e só deles; os autarcas, afirmam que o país está mais bonito pelo seu trabalho; os hoteleiros realçam o facto de terem uma excelente oferta; os donos das casas de “comes e bebes”, acham que os atraem com os sabores; outros há que referem a segurança, que a vida é barata (para eles), o sol brilhante, os pasteis de nata doces e outras banalidades. Mas, cá para mim, a principal razão somos nós, gente deste país à beira mar plantado, herdeiros de Egas Moniz. Não o Egas Moniz médico, premiado com um prémio Nobel por ter “cortado a consciência” a doentes mentais. Mas o outro Egas Moniz mais velho, o aio que, segundo reza a lenda, foi descalço e de “baraço” ao pescoço até Toledo, com a mulher e os filhos e colocou-se ao dispor do imperador da Hispânia, já que D. Afonso Henriques não cumprira o acordado por ele. Hoje somos como esse Egas Moniz: andamos de “baraço ao pescoço”. E, por andar de “baraço o pescoço”, somos ainda mais uns “gajos porreiros” com os estrangeiros (de fora). Temos até tradição na arte de bem receber. Veja-se o caso do Zezé Camarinha, que levantou bem alto o orgulho algarvio. Para quem esteve atento, somos tão simpáticos a receber que, como bons anfitriões, deixamos que os concorrentes do Festival da Eurovisão “passassem” todos à nossa frente. Todos, sem exceção. Foi só por isso que ficamos no fim da lista. Porque, a canção, era “um jardim” … Que país conseguiu atirar-se do primeiro lugar do ano anterior para o último? Nenhum. “Somos o primeiro” …

Mas sempre fomos assim, pondo os outros em primeiro lugar, mesmo que nos tenham feito as maiores patifarias. Veja-.se o Isaltino Morais que “foi dentro” por “meter a mão no prato”. Que melhor exemplo de tolerância e condescendência? Que maior gesto de “inclusão social” se pode dar ao eleger um homem com o seu “currículo”, como quem confia na raposa para tomar conta do galinheiro??? Mas, como este, temos muitos outros exemplos de gente que “fez tudo pela vida” nos cargos públicos que ocupou e, apesar de enriquecer de forma rápida e estranha, “afundando” ministérios, empresas, bancos, instituições e outras “minas” que lhes foram confiadas, acabaram sempre por ser “castigados” com a atribuição de um outro “poleiro” ainda mais rentável ou de voltarem a ser eleitos. Quantos Valentin Loureiros, Sócrates, Pinhos, Armando Varas, Dias Loureiros, Duarte Limas e outros que tais não estaremos dispostos a “carregar às costas” até ao palanque do poder, apesar do que se sabe e do resto que se imagina? Todos eles, sem exceção. Estejam eles dispostos a voltar ao palco. Nós damos-lhe a mão, sem reservas, como nossos líderes queridos. Somos assim. Temos os braços abertos e mãos largas para os nossos maiores inimigos. Damos a face direita a quem nos der um murro na esquerda e confiamos o cartão de crédito a quem nos meter a mão no bolso para sacar a carteira. Porque não? Se já estão habituados a “gamar” e são “bons profissionais”, porque arriscar num “principiante”? Seria um desastre total, não tinha “jeito para a coisa” …

O Brasil leva-nos vantagem: há “homens do gamanço” que assumem sê-lo e o povo aceita. Mal por mal, sempre têm de escolher um!!! “Eu roubo, mas faço”, foi o slogan de Adhemar de Barros, ex-governador de S. Paulo. Não me lembro de ouvir um só político português a fazer tal confissão, ainda que se prove que rouba. São sempre inocentes, tal como são mentirosos. Mas nós, como permissivos que somos, os tais “gajos porreiros”, sempre que um “pilhador de dinheiro público” aparece no boletim de voto, acabamos por lhe pôr a cruz. Porquê? É mais forte do que se pensa. Só o consciente acha “indigesto” engolir o corrupto. O comum dos eleitores pensa nos benefícios conquistados e esquece tudo o resto. “Que se lixe. Ele é que é um gajo esperto“ …

Como “submissos” que somos, somos “fortes com os fracos e fracos com os fortes”. Por isso, “baixamos as calças” se for preciso, até nos verem o tal buraco ao fundo das costas, quando um “homem grande” nos bate o pé. Ou não foi isso que aconteceu com o caso conhecido por “Manuel Vicente”? Como este “senhor” não é um “pilha galinhas” nem um gajo a quem se possa dar um pontapé no traseiro por “dá cá aquela palha”, quando quisemos empertigarmo-nos, deixando de ser uns “porreiros” para querer que a justiça funcionasse sem olhar a quem, quem levou um enorme pontapé no fundo das costas fomos nós. Que raio de estupidez querer julgar aqui em Portugal um tipo que cometeu (supostamente) um crime em Portugal! Isso não é de “gente fixe”. Fomos uns imbecis ao insistir nessa tecla durante tanto tempo e logo contra “uns gajos fortes” que nos têm na mão. Andamos a fazer birras, recusando enviar o processo do “Manuel” para Angola e o que ganhamos? Uns puxões de orelhas, de castigo contra a parede e ficamos a falar sozinhos até aprendermos. E “aprendemos mesmo”, ao ponto de mandar o tal processo judicial para Angola. Ora, eles até tinham razão: o homem é de lá, já o conhecem de ginjeira (e ele sabe e conhece os que o vão julgar …), falam a mesma língua (que não é bem a nossa), o homem não tem de ir ao estrangeiro para ser julgado e, seja qual for o resultado final do processo, que já não é importante, fica tudo em família e nós somos novamente uns “gajos porreiros”. Não é isso que interessa? Claro. Assim, até já fomos recebidos pelo “rei” que andava a dizer não nos conhecer de “urinol” nenhum. Agora, bué de fixe. “Está tudo no seu lugar, graças a Deus” e até já voltamos à condição de “país irmão” … Somos ou não somos um país tolerante, condescendente, permissivo, liberal e … fraco? Quando digo “fraco” quero dizer que, apesar da “diarreia verbal” dos governantes em que parecemos (e só parecemos) fortes, tivemos falta de força na “coluna vertebral” e não conseguimos manter a “espinha” direita. E acabamos com “o rabinho entre as pernas”, feitos “cavaleiros de triste figura” …

 

Carro novo ou velho? A pé, é pior…

O mecânico não conseguia descobrir a origem daquele ruído anormal que se ouvia na parte inferior do automóvel. Para tentar identificá-la, decidiu levar o carro à estrada nacional, em direção a Sequeiros. E lá foi pela estrada, acelerando e travando ou fazendo-o passar em pisos mais ou menos irregulares, até que parou junto à berma. Então, com o motor a trabalhar e a porta aberta, deitou-se debaixo da traseira do automóvel, porque lhe pareceu que o tal barulho incomodativo vinha dali. E, quando se encontrava deitado na estrada a tentar identificar a chave do problema, viu o carro arrancar de repente e a sair-lhe de cima, deixando-o “com cara de parvo” e os olhos postos no céu, sem saber o que se estava a passar. “Só pode ser brincadeira de algum amigo”, pensou com os seus botões. E ficou à espera que o autor da partida voltasse para o gozar. Mas ninguém apareceu nem mandou recado. O carro “voara” mesmo nas suas barbas e ele ficou apeado, tendo de regressar a pé à oficina para contar o insólito… E não deixava de pensar no sucedido e como é que o acaso o havia feito parar precisamente junto do ladrão, deixando-lhe a porta aberta e o motor a trabalhar, facilitando a vida do “artista” que não vira e só podia estar ali por coincidência. Que raio de coincidência … O carro até podia ter um barulho, mas era melhor do que ter de andar a pé.

Velho ou novo, o automóvel é “ferramenta” indispensável de trabalho e lazer a que nos habituamos ou, quando não, estamos dependentes. E são mais que muitas as peripécias bizarras que acontecem a quem usa (e abusa) deste tipo de veículo. Eu próprio tenho algumas dessas histórias com estas “sucatas ambulantes” que sobrevalorizamos para além do que o bom senso recomendaria. A esse propósito, lembro-me de uma frase de autor brasileiro desconhecido, que diz tudo: “Eu me achava lindo. Agora que tenho um automóvel, tenho a certeza disso”. Eram onze e meia da manhã de um lindo dia de sol. Vindo do hospital de Lousada, quis ir ao escritório que tenho no centro da vila. Quando vi um lugar de estacionamento livre, apesar de ser do lado esquerdo da rua, aparquei. Com calma, saí para o passeio com as chaves na mão e, quando ia fechar a porta, ouvi atrás de mim uma voz autoritária: “As chaves”. Parei o movimento e olhei de lado. Tinha uma “shotgun” (caçadeira de canos serrados) encostada à cabeça, mas apontada ao céu, empunhada por um encapuzado. Pensando ser brincadeira ou garotice, esqueci o “pistolão” e olhei de novo para a minha carrinha. Vi então um carro parado no meio da rua ao lado do meu e, com a mão na porta do outro lado da carrinha, um segundo assaltante de cara tapada. “Pum”, ouvi um tiro junto ao ouvido, que ficou a zoar. O “meu vizinho” queria apressar-me e voltou a repetir: “As chaves” … Virei-me com as chaves na mão. Ele agarrou-as e ainda com a porta aberta, atirou-se para dentro da carrinha, enquanto do outro lado entrava o assaltante que estava à espera. O terceiro ladrão, condutor do outro carro, arrancou e logo atrás dele a minha carrinha. Fiquei ali “plantado” no passeio, como que a sair de um sonho e a pensar: “Roubaram-me a carrinha”. Não cheguei a ter medo, nem sequer tive tempo de apanhar um susto. Apareceu alguém que vira a cena duma varanda muito preocupado, mas agradeci e disse-lhe que estava bem, só não tinha a viatura. Depois, tranquilamente fui para o escritório. Só contei a história ao meu filho e à Teresa ao fim de alguns minutos. O Luís levou-me ao posto da GNR para participar a ocorrência e segui para casa. Era hora de almoço. Ao terminar, telefonou-me um amigo: “O meu empregado acaba de me contar que lhe roubaram a carrinha. Ora, estou a ir para o Porto. Entrei agora na autoestrada e, logo na primeira subida à saída de Paredes, está uma carrinha na berma. A matrícula da sua não começa por SI”, perguntou ele? Quinze minutos depois parava junto dela. Estava intacta, mas não andava. No esforço da fuga, depois de roubarem outro carro em Paredes, deram-lhe cabo da junta de colaça e abandonaram-na. A avaria veio na hora certa. O ditado “há males que vêm por bem” não podia ter melhor aplicação … Ou então, teria de ser mais um a andar a pé …

Mas não é só por nos roubarem o carro que ficamos apeados. Há mais formas. A noiva do meu amigo Guilherme vivia num apartamento em Gaia, na rua que vai direita à estação das Devesas. A noite já caíra e o Guilherme estava sentado dentro do carro à espera dela, encostado ao passeio e com a estação das Devesas nas suas costas. E, como é habitual nas senhoras, já passara quase uma hora sem que ela desse sinal de vida. Para ocupar o tempo e tentar conter a impaciência, o meu amigo travava e destravava o carro, acendia e apagava os faróis e mexia na alavanca de velocidades. Já farto de tanto esperar, saiu do carro e foi tocar à campainha da porta de entrada do prédio. Atendeu a mãe dela: “Já não demora”. O Guilherme virou-se para o automóvel e ficou de boca aberta: “Desapareceu”. Sem um bater de portas, sem o barulho do motor a trabalhar e sem acelerações, o carro esfumara-se. Incrédulo, olhou rua acima e abanou a cabeça. Por ali, não. Tinha de ser para o outro lado. Então, correu rua abaixo até encontrar um dos poucos transeuntes àquela hora e perguntou-lhe se vira o seu Toyota. Nada. Continuou a correr feito tolo em direção à estação. Ao dobrar a curva da estrada, viu três homens a segurá-lo e a perguntarem: “De quem é este carro? De quem é”? Descobriu depois que, ao mexer no travão e na alavanca de velocidades, acabou por deixar o carro destravado e desengatado. Quando saiu e foi tocar à campainha do prédio, como a rua tem certa inclinação em direção à estação, o carro começou a andar lentamente em marcha atrás e, como que conduzido por mão invisível, foi junto ao passeio e fez mesmo a curva ligeira antes de chegar à estação. Os três homens estavam ali parados a conversar e aperceberam-se do movimento do carro em marcha atrás, até darem conta de que não tinha condutor. Foi assim que decidiram evitar que fosse embater na estação, travando o avanço até o fazer parar. E logo a seguir chegou o Guilherme, que assim se livrou de ter de andar a pé …

Real ou ficcionado, narrador anónimo conta a sua história: “Pela primeira vez na vida, na semana passada, fui a uma reunião da tão criticada Igreja Universal e participei das práticas e orações dos presentes. De repente, o Pastor aproximou-se do lugar onde eu estava. Olhou-me fixamente e apontou-me o dedo. Piedosamente, ajoelhei-me e ele colocou as mãos na minha cabeça e clamou em voz alta: – Você vai caminhar! Eu, respondi-lhe baixinho: – Mas, eu não tenho nenhum problema de locomoção. Ele ignorou a minha resposta e, quase gritando, voltou a exclamar: – Irmão, você vai caminhar! Toda a Assembleia, com as mãos ao alto, começou a bradar: – Você vai caminhar! Mais uma vez, tentei explicar que não tinha problema com meus membros inferiores, mas foi em vão… Cada vez mais forte e com mais energia, ele repetiu: -Você vai caminhar! Enquanto a Assembleia, em transe, gritava ainda mais forte: – Irmão, você vai caminhar! Optei por me calar e não dizer mais nada… Quando o ato acabou, deixei a Assembleia e, acreditem ou não, o maldito Pastor tinha razão: TINHAM-ME ROUBADO O CARRO!!!”

Ora cá está mais um que teve de “ir à pata” para casa. Por isso, com carro velho ou novo, sempre é melhor do que andar a pé …

Mês de Maio, mês de “peregrinações”…

Enquanto esperava sentado no carro que chegasse a hora da reunião, dei comigo a observar para lá das montras de uma loja de vestidos de noiva e comunhões numa tarde soalheira. Foi quando vi entrar três mulheres e uma criança que me pareceram ser mãe, filhas e neta, com um objetivo: arranjar o vestido para a comunhão da mais nova. Pela idade, seria a comunhão solene. Através dos vidros pude então ver o desfilar de alguns “vestidos de noiva” em ponto pequeno, provocando sorrisos ou acenos discordantes com a cabeça durante mais de uma hora, até eu ter de me retirar de cena. É cada vez mais assim nestes meses de comunhões (primeira e solene), com toda a excitação que isso provoca, principalmente entre as progenitoras das crianças que entram na cerimónia. É um ato solene na vida da criança que está em causa? Nada disso. O que está em jogo é a “competição” entre as mulheres da terra. O resto, é o motivo …

Nalgumas paróquias da região os padres conseguiram impor uma veste comum para todas as crianças, evitando dessa maneira que a “competição” pelo melhor vestido e melhor fato – e mais caro – se estendesse a elas. Foi a forma encontrada para travar desvarios, evitar gastos supérfluos e retirar as pequenas estrelas da cerimónia ao “circo de vaidades” – o “acessório” – focando-as no essencial – a cerimónia. Mas em muitas outras, apesar das tentativas do pároco local, não foi possível chegar a consenso com os pais das crianças (melhor dizendo, com as mães…) que exigiram liberdade de escolha na vestimenta. A vaidade colocada no pedestal, acima do bom senso… A “peregrinação” com a mãe levando a reboque a criança e mais uma mulher da família (os homens, se forem na “procissão”, só são uteis como motoristas. De resto, não lhes é permitido emitir opinião ou, se o fazem, é por mera formalidade pois não conta para nada…), começa cedo e consome algumas tardes. Em cada dia visitam duas ou três casas da especialidade e já é preciso andar depressa porque, entrar numa loja, dizer ao que vão e virar o stock de alto a baixo à procura “daquele modelo especial e único”, não é coisa fácil. Num dia, correm as lojas de Penafiel, Lousada e Longra e noutro, uma casa de Lordelo, outra em Paredes e a estilista da Lixa. Para o Porto, uma tarde nunca é suficiente. E a criança veste e despe modelo atrás de modelo, num ataque continuado à paciência. É preciso gostar do vestido ou fato e poucos são os que condicionam o preço. Por um vestido dito modelo único (provavelmente repetido inúmeras vezes!), paga-se sempre de seiscentos euros para cima, conforme o número de lantejoulas e mais ou menos enfeites. Mas não se pode poupar numa competição destas senão, “fica-se mal na fotografia”. Ao fim de alguns dias, a veste para a criança está escolhida, ficando pendente dos ajustes finais. Mas a tal “peregrinação” continua até se encontrar vestido para a mãe e a avó, que em regra só serve para este tipo de cerimónias. E os vestidos para as outras mulheres da família? Isto não é fácil. São mais umas quantas tardes no “põe e tira” até descobrir o vestido certo, aquele que “cai a matar”.

Na aldeia o padre reuniu com os pais para preparar os pormenores da comunhão e dar algumas indicações. Entre outras recomendações, com algum cuidado por saber o “terreno” que pisava, apelou ao bom senso e contenção nas vestes, tanto das crianças como dos familiares. Enquanto falava com as mães, algumas cochichavam entre si dando a entender que não era para levar a sério pois a “competição” estava acesa e a maioria já tinha concluído a “peregrinação”, que é como quem diz, já havia comprado as “toilettes”. Era corrida que não tinha retorno e o “recado” viera a destempo. Nem elas estavam para aí viradas …

E há mais uma escolha. Quando a mulher diz ao marido que tem de comprar um fato, a resposta é a do costume: “Mas eu tenho o armário cheio de roupa” … “Pois tens”, diz-lhe ela, “mas já foi usada noutras cerimónias”. E ele não tem outro remédio senão deixar que ela lhe compre “qualquer coisa”, porque é ela quem escolhe. Daí que, entre arranjar roupa para a criança, pai, mãe e avós, é tarefa gigantesca que implica dias e dias de “peregrinação” pelas casas da especialidade, já para não falar no calçado, acessórios, almoço na Quinta da moda e tudo o mais. Nessa procura, por vezes frenética, encontram-se outras pessoas com problemas comuns, gente “solidária no sofrimento”.

Com a neta (que vai comungar) já “despachada”, depois de mais de uma semanada de “peregrinação” pelas lojas da região, mãe e filha voltaram à “capelinha” por onde já haviam passado para comprar novo vestido, porque o que a mãe havia adquirido “não era o tal”. Enquanto reviam as opções, entrou um casal de meia idade. A mulher começou logo a percorrer a loja revirando o stock, “à caça” do modelo de vestido ideal. Ele, cansado de servir de ama seca, perguntou: “Oh mulher, será que é desta vez que encontras alguma coisa”? E ela, que já repetia a passagem por aquela loja, resmungou com ar de “poucos amigos”: “Vamos ver, vamos ver” … Mãe e filha sorriram em sinal de solidariedade e ele aproveitou a deixa: “A senhora está-se a rir? Nem imagina o que já corri com ela. Olhe que até a Fafe fomos. Estivemos em Guimarães, em Felgueiras, em Lousada, Longra, Porto e sei lá bem que mais”. A esposa interrompeu-o para dizer: “É que eu sou a mãe do noivo” … Ele não a deixou continuar e cortou: “E eu sou o pai e não demorei nada disto a arranjar fato”. A senhora, com simpatia, tentou acalmá-lo: “O senhor tem de compreender que estas coisas não são simples”. Agastado, ele desabafou: “Isto não há homem que aguente. Ando para aqui feito Boby. “Oh Boby para aqui. Oh Boby para ali”. E não encontra nada!!! Como é possível”?

A vaidade é natural e desejável enquanto reforço da autoestima e gera competição salutar, desde que não vire obsessão. Quem pensa que a preocupação das mulheres com o seu visual tem como objetivo encantar o olhar dos homens, está enganado. Porque ao homem basta que a mulher use peças que realcem os “predicados naturais” e nem sequer repara se sapato combina com cinto, se o vestido já foi usado noutro evento. O que verdadeiramente atormenta mulher é a opinião das outras. Porque elas sabem que o mundo feminino é um circo de feras, de olhar atento para condenar vestidos imperfeitos e errados, sapatos mal escolhidos, maquilhagens desastrosas e outros deslizes da concorrência. E as comunhões, tal como os casamentos, batizados e outros atos religiosos ou não, são “palco” onde o olhar inquisidor e crítico das outras está em alerta total e perante o qual todas querem passar incólumes. Isso faz com que a procura normal de um simples vestido vire obsessão, fazendo dela uma autêntica “peregrinação” sem ser a local sagrado ou de devoção, mas esperando encontrar o “tal”, capaz de fazer o “milagre” e merecer a aprovação, ao enfrentar esse “tribunal implacável” que é a opinião feminina local …

É mais fácil dizer-lo, que fazê-lo…

Foi um sábado louco. Meti na cabeça que tinha de completar alguns trabalhos de “jornaleiro” cá em casa e só parei quando começava a anoitecer. E, para quem tem o “chassi” empenado, “ferrugem” nas dobradiças e o “motor” a gripar, qualquer esforço suplementar pode ser demasiado para a máquina. Mas, vá que não vá, aguentou-se bem e deu conta do que lhe foi pedido. Mas eu explico: como tanta gente, tenho uma moradia construída há mais de quarenta anos. Tem quase a idade da nossa democracia. E jardim à volta, algum com bastante inclinação. Havia o quintal, mas tive de fazer dele um pequeno campo de jogos no tempo em que os meus filhos queriam jogar. E não foi um tempo muito longo. Passou depressa, como lhes passou a vontade de jogar. Uma parte do jardim tornou-se autêntico bosque com árvores frondosas, algumas com a idade da casa. No ano passado mandei abater umas quantas para a casa poder apanhar sol e deixar de ter cá dentro um ambiente húmido. Não satisfeito com isso, este ano pedi a um amigo ajuda para me cortar dois carvalhos e um castanheiro mas, ao contrário do ano transato, fiquei com os toros e lenha espalhados pelo campo de jogos, que passou a ter alguma utilidade. E para quê? Para fazer cavacos e lenha miúda picada, tudo destinado à minha mãe e à salamandra que lhe faz companhia no inverno. Foi a pensar nos “trabalhos” em que me estava a meter, que ela me ofereceu a prenda ideal: uma motosserra. Ora, ao receber tal oferta, o “compromisso” de lhe fornecer material combustível ficou implícito. Como praticamente só ao fim de semana é que me vinha dedicando à tarefa de fazer dos “roletes” cavacos, isso já se arrastava ao longo do último mês. Daí que neste sábado disse cá para os meus botões: “hoje vou ter de arrumar com este assunto”. De manhã dei uma volta mais aligeirada com a Becas e, mal cheguei a casa, comecei a empreitada.

De motosserra e machado na mão, fui-me aos últimos “roletes”, os mais difíceis por terem “nocas”. E só parei quando estavam feitos em bocados. Depois, foi acabar a rima de cavacos, onde já só chegava com escada, fazer outra com a lenha miúda, arrumar e despachar todo o lixo que fiz e, finalmente, lavar o campo de jogos com água à pressão. Enfim, a tarefa estava concluída … pensava eu. A noite caía quando fui tomar banho, satisfeito pelo “dever cumprido”.

Dormi bem nessa noite, apesar de me doerem todos os ossos e músculos (é nestes momentos que me dou conta que temos muitos), mas no dia seguinte acordei para a realidade: ainda tinha muito trabalho a fazer pois o jardim da encosta tem ervas com quase um metro de altura, é preciso cortar a relva noutra parte, tratar dos tomateiros e alfaces plantados há poucos dias e umas quantas coisas mais que, bem vistas as coisas, nunca mais têm fim.

Ora, esta é a sina de quem tem um pedaço de terra ao redor da casa e não gosta de o ver a monte. É a sina e a desdita. Enquanto se tem força de vontade e energia, é um prazer enorme e a coisa bem vai. Mas, quando a “máquina” geme ao mínimo esforço, o prazer vira maldição e vemo-nos confrontados com o dilema de ter um pedaço de terra, de que gostamos, e a incapacidade de cuidar dele conforme deve ser, e que é sacrifício. Quantas pessoas não há por aí que não conseguem ver o seu “quintal” por cultivar ou o jardim descuidado? E, para que isso não aconteça, vão-se arrastando atrás da enxada, da tesoura de poda ou da máquina de cortar relva (e um relvado dá muito trabalho), a querer “evitar o inevitável”, porque ninguém vai ficar a “morar” cá eternamente, só para tratar dessas questões. É fácil dizermos a alguém que já não pode cuidar da horta ou das vides, algo como: “Deixe ficar a monte e não se rale mais com isso”. É muito fácil mesmo. Difícil é a esse alguém, que cuidou do seu cantinho durante uma vida inteira, deixar de o fazer. “Fica mal. O que vão pensar de mim os vizinhos”, diz o dono. “Não consigo ir ao terreno e vê-lo a monte. Era uma vergonha” …

O senhor Manuel já comemorara os seus noventa anos de idade há alguns meses, quando o médico o proibiu de fazer esforços e de se incomodar. “O coração está preso por um fio”, disse-lhe o doutor. “Não puxe por ele, que pode partir-se a qualquer momento”. Mas, quem é que conseguia convencê-lo a deixar de pegar na enxada e tirar as ervas que nasciam no meio da horta? Os filhos, casados e com as suas vidas organizadas, já só lá iam ao fim de semana … se a vida o permitisse. E não cultivavam terreno … nem sabiam. Por isso, não valia a pena contar com eles. Só podia contar consigo pois, por eles, o terreno ficaria votado ao abandono. “Era o que faltava”, dizia ele. Normalmente, essas pessoas que estão “agarradas” ao seu canto, conquistaram-no a pulso e com muito sacrifício. E, como lhes custou tanto, dele tiraram sempre tudo o que era possível, quase sempre em trabalhos para além da hora laboral e ao fim de semana, rendimento extra para compor o orçamento familiar, não traduzido em dinheiro, mas em hortaliças, vinho ou fruta. E no prazer de colher e saber o que se está a comer …    

Não tenho pretensões de ser como o senhor Manuel e a minha horta é coisa pequena … mas dá que fazer. Pior é o jardim. Também sou dos que não gostam de os ver descuidados, mas prometo a mim mesmo não ficar “apanhado do clima” se os vir votados ao abandono.

É tão fácil de dizer. Só não sei se o vou conseguir fazer …

Não há maior prova de amor…

A função do sono é, sem dúvida, repor as energias do corpo. É como se lá entrasse uma equipa de limpeza e manutenção para despejar o caixote do lixo das toxinas, reparar tecidos, fazer descansar os órgãos e filtrar os acontecimentos do dia. Alfred Vogel dizia que “o sono é o remédio do qual não podemos abdicar” e é por isso que andamos um terço da vida a dormir. Eu tenho de “aterrar” seis a oito horas por noite, caso contrário, ando por aí com “um melão na cabeça”, a abrir a boca como se fosse anormal. Já o nosso presidente Marcelo só dorme metade, tal como Napoleão e Margaret Tatcher. Para quem dorme tão pouco, a tarefa de recuperação fica difícil. E, das duas uma: ou a sua “equipa de manutenção” é mais numerosa ou trabalha de empreitada. Mas, dormir nem sempre é sinal de descanso, de recuperação da energia perdida. Quantas vezes não dormimos um número de horas tido como mais que suficiente e acordamos ainda mais cansados? Foi o que me aconteceu esta noite. De manhã estava tão cansado e com o corpo tão dorido, que mais parecia ter dormido a noite dentro da máquina de lavar roupa, aos trambolhões.

Por norma, depois de deitar a Luísa ainda fico pela sala até ela “pegar o sono”. Aproveito para ler, escrever ou ver se há algum filme de ação na televisão porque, como ela não aprecia, só tenho essa ocasião para ver. Se houver, deito-me tarde. E há uma boa razão para a deixar adormecer antes de me deitar: quero poupá-la ao sacrifício e tortura do meu “ressonar”, com que já sofreu quanto baste.

Sei que não sou caso único nem sequer o maior “roncador”, pois quase um quarto da população “toca trombone” à noite, se bem que a maioria não tem essa perceção (nem quer ter). Entre todos eles, há os que afirmam a pés juntos que não ressonam, ainda que não saibam se sim ou não. Depois, existe o grupo dos que admitem ressonar “ligeiramente” nos dias em que estão muito cansados ou quando “enfardaram” um jantar mais pesado. São as desculpas esfarrapadas do costume. Segue-se um grande grupo que ressona muito, mas não considera que isso seja um problema (para eles, não é). E, finalmente, os que têm consciência plena de que são “excelentes roncadores”, a tal ponto que se chegam a acordar a si próprios. Já passei por essa fase, mas agora estou mais contido, com “registo” suave. A Luísa já dorme bem … se adormecer antes de mim.

O ressonar (ronco) é um fenômeno natural, mas pouco agradável, que não é exclusivo dos humanos (a minha cadela Diana brindava-nos frequentemente com algumas “sinfonias caninas” …). Classifico os “roncos” em função da intensidade, começando pelos “sopradores”. Não são mais que respirações profundas tipo “vendaval” ou “bufo”, como quem está a soprar ao lume. Depois vêm os “diplomatas”. São roncos sem nível sonoro elevado e de registo variável. Incomodam, mas parece que não. Seguem-se os “motoqueiros”, pois o ruído que sai da boca dos “roncadores” mais parece o trabalhar de uma moto Harley Davidson em momento de aceleração. O barulho produzido passa a porta e chega ao quarto vizinho. Por fim, os “grunhidores”. Devem ter alguma costela de suíno pois o som produzido através da boca é uma boa imitação do GRRRRRR, GRRRRRR do porco, com os lábios a tremer tipo BRRRRRRRR. Às vezes misturam estes sons com bufos fortes, num GRRRRRR, GRRRRRR — FUUU, FUUU. O ronco atravessa a porta, chega à sala, faz ricochete e inunda a cozinha e tudo fica a vibrar. E então, se estiverem a dormir “de papo para o ar”, o aparelho sonoro vibra no máximo, fazendo o som ecoar pela casa toda, qual terramoto…

Ressonar pode perturbar tanto o sono de quem ronca quanto o da pessoa que dorme ao lado. De tal forma afeta o parceiro(a), que é a terceira causa de divórcio. Ora, só quem passa pela experiência pode avaliar da tortura que pode ser querer dormir ao lado de alguém com esse problema. A situação mais traumatizante que vivi colocou-me um roncador no outro canto do quarto onde dormia. Mal ele pôs a cabeça na almofada, adormeceu de imediato, sem me dar tempo a “passar para o lado de lá” e começou a “grunhir” com tal vigor, que já não consegui adormecer. Fiquei para ali de cabeça enfiada debaixo dos lençóis, coberta com a almofada, na tentativa de atenuar aquele som tenebroso no silêncio da noite. Já a hora ia adiantada e eu sem pregar olho, quando me lembrei duma situação que a Luísa viveu na viagem de comboio de Lisboa para o Porto. Um dos passageiros adormeceu e começou a ressonar, incomodando as outras pessoas. Uma jovem que viajava na mesma carruagem, levou o caso para a brincadeira e disse: “eu calo-o já”. Meteu os dedos à boca, sacou um assobio forte e o roncador calou-se logo. Mas, pouco depois, voltou a ressonar. E a moça assobiou de novo e continuou a assobiar ao longo da viagem, enquanto os outros passageiros se divertiam com a situação. Foi assim que naquele enorme quarto, a meio da noite, dei comigo a assobiar. E ele calou-se … mas voltou ao mesmo de seguida. Dei mais duas ou três assobiadelas e, não sei se foi por ele deixar de roncar ou se foi do cansaço, adormeci. Pensando bem, há uma certa analogia entre os humanos e os perus: ao ouvir um assobio, se nós estivermos a ressonar, calamo-nos. Os perus, sempre que ouvem o assobio, fazem em coro, “Glu, Glu, Glu … Glu, Glu, Glu”.

Outra forma de calar o parceiro(a) que dorme connosco é usando a técnica da cotovelada. Sempre que ele(a) ressone, aplique-lhe uma cotovelada. O roncador para e, normalmente, procura outra posição. Pode não resolver à primeira, mas ao fim de algumas cotoveladas, acaba por encontrar posição que não o obriga a “cantar”. Ou então está a evitar receber mais cotoveladas. Senhora amiga diz que “o cala a pontapé”. Aproveitem. Ao que parece, resulta…

Em conversa entre amigos, questionava-se qual é a maior prova de amor que alguém pode dar ao parceiro(a). Um dizia que é fazer uma declaração pública, de joelho no chão, oferecendo o anel de noivado. Outra, achava que seria ser surpreendida com uma viagem ao destino dos seus sonhos. Um terceiro entendia que o máximo, era um fim de semana romântico em casa, sem mais ninguém, com ele a levar-lhe o pequeno almoço à cama. Por fim, o homem mais velho, confessou o seu pecado: “A maior prova de amor é-me dada pela minha mulher todas as noites”. Os outros olharam para ele e ficaram à espera, para ver o que iria sair dali. E ele continuou: “O mais natural seria que ela, logo na primeira noite passada comigo e ainda antes de amanhecer, fizesse as malas e “se pusesse na alheta”, para não mais regressar. Porque deve ser um sacrifício terrível tentar dormir junto de mim. É que eu … ressono como um porco”.