Monthly Archives: July 2013

Hans Isler – O Homem que fez uma Empresa, uma Universidade e uma Revolução

“E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando Cantando espalharei por toda a parte Se a tanto me ajudar o engenho e a arte… Foi assim que Camões começou, tão brilhantemente, a cantar o “peito ilustre Lusitano”. Mas eu nem sou poeta, nem sou Camões, e nem sequer tenho “engenho e arte” porque, se tivesse, iria cantar o Homem, a personalidade maior de Lousada no século XX, senão mesmo da história do concelho: HANS ISLER.

Esteve para ser técnico de máquinas de costura em terras lusas fugindo de problemas que lhe criaram no seu país, a Suíça, mas o interesse de uma empresa nacional em encontrar um sócio para alargar a atividade industrial e um mero acaso, fizeram dele esse parceiro, passando de potencial trabalhador emigrante a empresário (de sucesso), com a criação de uma empresa que ficaria localizada em Lousada: A Fabinter.

Esta empresa de confecções, começou em instalações provisórias diversas, entre as quais no antigo edifício dos Bombeiros de Lousada e no velho hospital da Misericórdia, até construírem um primeiro pavilhão naquela que viria a ser a sua localização definitiva, em Cristelos.

Ao crescer, mais parecia que nesse pavilhão existiam duas empresas, uma de calças, gerida pelo sócio, e outra de anoraques, da sua responsabilidade. Daí à rotura foi um ápice, acabando ele por controlar a sociedade com o apoio de outros conterrâneos. A partir de então a Empresa adquiriu uma dinâmica de sucesso impressionante, com ampliação das instalações e um aumento vertiginoso do volume de negócios, assente na promoção e desenvolvimento da sua marca de referência: A KISPO.

Esta marca teve uma evolução tal que rapidamente os clientes passaram a chamar “Kispos” a tudo o que fosse anoraques, sobrepondo a marca ao produto, sinal de um êxito publicitário e mais valia da marca excepcionais. Depressa se impôs e dominou totalmente o mercado interno, vindo também a expandir-se na Europa a partir da Suíça, onde Hans Isler tinha uma empresa de distribuição.

O apogeu da empresa deu-se de 77 a 85, altura em que a Fabinter tinha quase uma centena de pequenas e médias empresas a produzir para si no regime de subcontratação, com mais de doze mil pessoas a trabalharem, direta ou indiretamente, para ela.

Como empresário Hans Isler teve sempre grande sensibilidade social, (dizia ele “que difícil é ser-se empresário com preocupações sociais”), dotando a empresa de condições adequadas ao bem estar dos trabalhadores e pagando salários acima da média, algo invulgar à época. E essa preocupação atingiu um ponto tal que, dispondo de uma grande área de terreno em frente da sua fábrica e em local privilegiado da vila, mandou fazer na Suíça um projeto para ali implantar cerca de seiscentas habitações destinadas aos seus trabalhadores, com um edifício central para atividades sociais, a consumar através de uma Cooperativa de Habitação, projeto esse que deu entrada nos serviços da autarquia local. Mas, a impossibilidade de conseguir o consenso interno entre (alguns) trabalhadores e as dificuldades em fazer aprovar o projeto nas instâncias municipais pela burocracia, esse monstro que devora sonhos e vontades, tornaria a sua luta inglória em prol dos que o serviam.

Cansado de lutar, acabou por doar o terreno para outro fim também muito meritório, o da construção do Bairro Social que ali está implantado. Como Empresário e cidadão, foi um Mecenas no apoio a instituições, associações e eventos, tais como os Bombeiro Voluntários e a Associação de Cultura Musical, dois grandes beneficiários da sua benemerência.

Se a sua Empresa foi obra de sucesso, este Homem deu a Lousada, ao Norte e mesmo a Portugal algo muito mais valioso para o nosso futuro coletivo, que foi o Conhecimento, o saber que nos trouxe sobre a confecção, a tecnologia, o design, o marketing e tudo o mais relacionado com a inovação desta indústria, que fizeram da unidade fabril, no dizer de um seu colaborador muito próximo, uma verdadeira UNIVERSIDADE.

É um facto que, até aí, só existiam alfaiatarias tradicionais fazendo fatos por medida e nada mais, sendo Hans Isler pioneiro na inovação tecnológica, nos métodos e sistemas de produção, na criação do “pronto a vestir”.

A Fabinter tornou-se rapidamente uma referência, uma escola que formou centenas de futuros empresários e onde foram beber o conhecimento todas as empresas de confecção nacionais (repito, todas), tornando-se no modelo a seguir e com quem aprender, sendo assim que Lousada se tornou num polo desta indústria.

Se fosse hoje, em que os créditos contam para a atribuição de licenciaturas como aconteceu recentemente com um certo ministro, aqueles que souberam aproveitar os conhecimentos ali ministrados, com certeza tinham direito à licenciatura completa porque a KISPO fez escola e foi, efetivamente, uma UNIVERSIDADE.

Mas este Homem conseguiu fazer algo impensável, algo ainda mais grandioso: Uma REVOLUÇÃO na forma de vestir dos portugueses, e não só.

Viajemos no tempo e regressemos à década de sessenta e aos hábitos e roupas dessa altura. Os homens usavam normalmente o fato escuro tradicional e, como agasalhos, o sobretudo, a gabardine ou a samarra. Quase não havia blusões, para além de alguns raros de cabedal ou camurça. Nas senhoras eram os vestidos ou conjuntos de saia e casaco clássicos, igualmente conservadores e escuros e, para o frio, o recurso ia para o casaco comprido tradicional.

Quando chegou o “KISPO” tudo isso mudou: Despiu-se o casaco para dar lugar ao anoraque comprido ou curto, simples ou acolchoado, impermeável ou não, de inverno ou de verão, clássico ou desportivo, com muitas cores vivas e variadas. A KISPO libertou as pessoas da forma de vestir e do peso da tradição, dando lugar à moda informal, alegre, desportiva. Usar “KISPO” passou a ser sinónimo de modernidade, de bom gosto e jovialidade, uma lufada de ar fresco, uma alteração radical no visual dos portugueses, no trabalho ou no lazer.

Uma grande REVOLUÇÃO. Hans Isler transformou Lousada de zona rural em polo industrial de confecções, criou e distribuiu riqueza, deixou herança para décadas, senão séculos, nesta terra que, não sendo a sua, adotou e amou, a ponto de deixar indicações para ser enterrado no cemitério mais próximo da fábrica que sonhou e construiu, em Cristelos.

Sendo certo que Lousada não soube aproveitar todo o potencial por ele criado, também é certo que não soube reconhecer, nem homenagear e honrar a sua grandeza ao nível que merecia, e dar-lhe um lugar de destaque na terra que tanto lhe deve, uma ingratidão coletiva incompreensível e uma ingratidão particular de alguns que dele tanto beneficiaram.

E é da gente simples e anónima que surgem as manifestações de agradecimento e homenagem ao Homem, como testemunham as flores depositadas regularmente na sua campa, sinal de que o guardam no coração. E é a esses que, pela grande alegria que ele tinha de viver, custa muito a acreditar na forma como dizem que nos deixou.

A antecipação do seu fim de forma tão brutal, acabou por evitar-lhe o desgosto de ter de assistir a algo de inimaginável: O Bairro Social, cuja existência só foi possível graças a ele e à sua dádiva, foi batizado com o nome de… outra pessoa, que nada fez por isso. Como foi possível cometer-se uma injustiça e uma ingratidão desta dimensão, de forma leviana e aligeirada, algo que não passaria pela cabeça de ninguém? Mas, afinal, passou!!!…

Espero que um dia no Município de Lousada, alguém de bom coração, se eleve ao nível dos justos e “dê a César o que é de César”, rebatizando aquele complexo habitacional social de “BAIRRO HANS ISLER”, dando o seu a seu dono, e erigindo ali, não um busto mas uma estátua de corpo inteiro, de um HOMEM que foi muito grande, se calhar grande demais para a terra onde “fez uma EMPRESA, uma UNIVERSIDADE e uma REVOLUÇÃO”, sem que para ser grande precise que também lhe meçam o pedestal.

A fuga dos porcos

Um canal televisivo nacional noticiou que informadores jornalísticos disfarçados de sobreiros na planície alentejana observaram milhares de porcos a atravessar a fronteira, longe do controle do pessoal do SEF (Serviço de Emigração e Fronteiras) que estava a dormir nos postos de controle (como é habitual), fugindo para Espanha pela calada da noite.

Os informadores não conseguiram saber a razão de tal fuga porque os porcos seguiam de boca fechada mas, um agente infiltrado, seguiu um porco cansado e sequioso da longa viagem “à pata” até este, para matar a sede, emborcar algumas “pias” de suco de bolota, ficando de tal maneira grogue que saiu a correr em direção ao escuro da noite e, não se apercebendo do obstáculo, bateu com o focinho num “chaparro”, estatelando-se no chão zonzo e a grunhir.

Só assim, tonto e desbocado, é que o jornalista lhe arrancou a informação de que a debandada dos porcos para o estrangeiro era para salvar as suas vidas, devido à aproximação das eleições autárquicas de Setembro e das inevitáveis campanhas eleitorais. “Mas porque é que fogem se vocês nem sequer são do governo” quis saber o jornalista?

O porco, ainda com a cabeça a andar à roda da “focinhada”, revelou que a maioria dos candidatos autárquicos a estas eleições se tinham reunido em plenário e decidido substituir as promessas habituais (em que o povo já não acreditaria devido à crise) por festas/comício, onde irão oferecer ao povo (com o dinheiro deste) grandes patuscadas de “porco assado no espeto” regado a tinto carrascão.

Como a partir de agora abriu a “caça ao voto do Zé Povinho” em que todos os meios são válidos para atingir o fim, eles (porcos), antes que comecem as patuscadas prometidas, resolveram “dar à sola” que é como quem diz “dar à pata”, antes que o lume lhes chegue ao rabo. Mesmo zonzo, ainda lhe disse que o sindicato dos porcos, para evitar este massacre da espécie, andou em negociações com representantes dos candidatos, mediadas pelos ministérios da agricultura e da administração interna, propondo que os putativos autarcas continuassem a prometer novas estradas, pavilhões, rotundas e fontes luminosas, bem como empregos nas próprias autarquias (de lado ficou a oferta de televisões, máquinas de lavar, frigoríficos, secadores e outros artigos por serem importados), uma solução bem menos carniceira mas não aceite pelos negociadores. “Ora, ora, são boatos e vocês porcos ficaram logo à rasca” diz-lhe ele. “Pois não, será que você gostaria que lhe enfiassem um pau pelo rabo a cima até sair pela boca, e o pendurassem ao lume ?” perguntou-lhe o porco. “Não responde? Se calhar até gosta…”

Informações posteriores dizem que quase todos levavam consigo as ninhadas para evitar que, na falta de porco para as patuscadas, os candidatos alterassem a ementa para “leitão à Bairrada”.

Em nenhum ponto do país foram vistos porcos pretos em fuga, mas isso foi justificado pelo seu elevado valor nos mercados, que lhes confere o privilégio de ocuparem grandes herdades no Alentejo e de serem tratados com um estatuto especial.

Observadores estranharam a presença de grande número de burros, quase todos de óculos escuros e bem amanhados, tentando passar despercebidos entre os porcos. Mas um agente astuto, deu dois zurros a uma burra tão bem dados que esta lhe confessou que estavam a fugir porque, se ficassem no país, seriam agarrados para ministros ou outros lugares de responsabilidade.

Todos os porcos iam carregados de bolota que levavam escondida nos alforges, com medo dos assaltos. Sabe-se que, durante a fuga dos porcos através das matas, sempre que eram obrigados a atravessar alguma estrada nacional, tinham muita dificuldade em fazê-lo sem serem vistos, por esbarrarem com frequência com comboios de todo o tipo de viaturas, carregadas de artistas e cantores “Pimba” que regressavam a Portugal para as festas/comício. Nisto de festas/comício, os cantores mais requisitados são aqueles que estão no palco rodeados de bailarinas, rebolando tudo o que há para rebolar, fazendo com que os potenciais votantes parem de dar a dentada na febra do porco manco que não conseguiu fugir, de olhos esbugalhados e baba a sair pelos cantos da boca, não pela febra que estão a comer mas por aquela “franga” em cima do palco que “gostariam de comer”.

Patuscadas e promessas à parte, espero que nas próximas eleições os candidatos tenham noção clara do momento que o país atravessa, que não prometam o que não têm para dar e façam campanha pela positiva, evitando o “bota abaixo” e a guerra de acusações e de comunicados.

Que os munícipes não sejam vistos como patetas com um voto na mão que é preciso agarrar, mas como pessoas com rosto, com problemas para resolver. E se está lançado o debate nacional sobre as funções do estado, seria bom que pensássemos nas funções das autarquias e no peso da sua estrutura, se devem ser as sonhadas, com os custos inerentes, ou as possíveis, em função da nossa realidade económica. Porque, no final, com taxas, multas ou impostos diretos e indiretos, são os munícipes que as pagam. E a estes, mesmo sem lhe enfiarem um pau no rabo, para não morrerem “tesos como um carapau”, já só lhes resta fazer como os porcos: FUGIR. Entretanto chegaram “novas” das Terras de Castela” que nos dizem que muitos porcos só lá ficam transitoriamente, dado que a todo o momento também ali pode abrir a “caça ao voto”, que é como quem diz, a “corrida ao porco no espeto”, pelo que preferem instalar-se em países onde não haja eleições ou sejam ao “faz de conta” com um só candidato que não precisa de prometer nada nem de encher a pança de porco aos votantes para conseguir o seu voto.

Enquanto esperam por essa mudança de país, carregam as sacas de bolota que conseguiram levar na sua fuga de Portugal até ao jardim e enterram-nas no banco, isto é, sob o banco do jardim, por ser considerado um local de referência, como que à guarda deste, correndo o risco de um qualquer porco local ali se sentar, dar com as bolotas e meter o focinho abrindo-lhe um rombo enorme se ali ficarem por muito tempo, fazendo com que o banco se quebre ou afunde quando alguém de peso ali se sentar sem saber que está sobre um enorme buraco.

É por isso que outros mais precavidos preferem carregar a maior parte das suas bolotas para lugares que são autênticos paraísos, onde não se sabe quem tem bolota nem quanto bolota tem.

Uma vaca na varanda

Está decidido, vou comprar uma vaca e corresponder ao apelo da ministra da agricultura para produzirmos os produtos que consumimos.

Estive a pensar no que poderia fazer para reduzir a minha factura mensal de bens alimentares e acho que não vou seguir o exemplo da maioria fazendo uma horta social nem sequer a última versão da horta de varanda, como vi há dias na televisão, com uma espécie de sacos pendurados nas paredes onde se produzem diversos legumes pendurados, desde salsa, alface, pepinos, tomates (não é costume eles estarem sempre pendurados?…), beringelas e plantas aromáticas.

Como nos pedem para inovar e que o país só vai para a frente com ideias novas, resolvi comprar uma vaca que vou colocar na varanda, o que me traz múltiplas vantagens. Assim, ao colocar a vaca na varanda dou a esta uma função útil, dado que até agora a varanda tem sido um espaço perdido, que só serve para aparar as cagadelas dos pássaros e dar trabalho a limpar. E como as árvores do jardim estão altas, com os ramos sobre a casa, a vaca pode comer dali as folhas, poupando-me trabalho, tempo e dinheiro a arranjar erva, para além de não ter o trabalho de as podar nem de apanhar as folhas do chão no outono. Mas as vantagens não ficam por aqui, pois como tenho o caleiro e tubo de queda roto, a água cai ali diretamente, mata a sede ao animal e lava a varanda. E já agora, como o rabo da vaca ficará a cerca de quatro metros de altura, se colocar em baixo uma espécie de pequena nora onde caem os dejetos, estes acionam um mecanismo que, ligado a um gerador, é capaz de produzir energia necessária para o meu consumo (que bom será deixar de pagar eletricidade aos chineses).

Não me posso esquecer de, com a rotação da nora, criar um sistema de distribuição dos dejetos da vaca pelo jardim, aquilo a que vulgarmente chamamos um “espalhador de m… … matéria orgânica”. Todos os dias terei leite fresco por detrás da portada do quarto, sendo que no inverno poderá estar meio refrigerado, e para o conseguir, obrigo-me a fazer exercício todas as manhãs ao mugir a vaca ou posso fazer como os vitelos e mamar diretamente da teta.

No inverno posso ainda aproveitar o bafo do bicho para me aquecer o quarto, a chamada “eficiência energética”, para o que tenho só de abrir a janela, o suficiente para ela meter o focinho dentro, o que será útil mas não inovador pois este sistema já foi usado há pouco mais de dois mil anos, em Belém.

Já escolhi também a raça, pelo que vou comprar uma vaca barrosã, daquelas que têm uns grandes chifres que ajudarão a enfeitar a varanda, embora haja quem os use para enfeitar outro sítio…

Estava a comentar com pessoa amiga (e não digo o nome para ela não corar) sobre esta ideia luminosa que me tinha ocorrido de pôr uma vaca na varanda mas ela acabou-me depressa com as “peneiras”, dizendo-me: “Originalidade? Como é que é originalidade se não faltam vacas nas varandas???…” Apesar deste golpe nas minhas veleidades, não perdi o entusiasmo que me anima e já me imagino a chegar a casa e ver aquela cabeça engalanada a mirar-me da varanda, provavelmente a fazer um “Muuuu…… de satisfação (a não ser que esteja de costas e aí a imagem é mais arredondada (com enxota-moscas no meio).

Assim, ao contrário da grande maioria dos portugueses que se vão dedicar às hortas e à produção de legumes, eu fico com o meu problema de abastecimento de leite resolvido, diretamente do produtor e com controle de qualidade total, pois saberei de onde vem o produto. E, dado que a capacidade de produção leiteira da vaca barrosã será superior às necessidades lá de casa, vou ver se os investigadores me conseguem preparar uma geneticamente modificada que só dê leite em duas tetas e que, pelas outras, através dessa modificação, me consiga fornecer também manteiga, requeijão e iogurte, já que bolas de queijo seria muito complicado. Não podendo aproveitar a carne e o couro do animal enquanto vivo, posso recolher pelos das orelhas para fabricar pinceis artísticos e assim dedicar-me à pintura. E deu-me esta veia criativa porque a crise nos está a fazer voltar às origens, isto é, ao cultivo de legumes para consumo próprio, seja em varandas ou terraços nas cidades, seja no quintal aqui na região.

Quem conseguia arranjar um terreno para construir uma casa, antes de colocar uma pedra sequer, surribava o solo, plantava videiras e cultivava a horta nas horas vagas, numa agricultura complementar e de subsistência. Era assim que conseguia a maior parte dos legumes para consumo próprio (e dos vizinhos com quem permutava). Mas os tempos da euforia económica trouxeram o comodismo e a preguiça, a rejeição dos trabalhos agrícolas como se fossem coisa para inferiores, usando (e abusando) da facilidade de encontrar no supermercado tudo à medida sem ter de pegar na enxada, fazendo com que o terreno para além da casa fosse usado para jardim ou pavimentado, porque assim a relva estava sempre cortada, sem trabalho nenhum. Mas os escudos para os legumes no supermercado transformaram-se em euros, muitos euros que escasseiam, obrigando a reaprender ou aprender o que se rejeitou como peçonha, para evitar que essas áreas de tentação os levem.

Saibamos olhar o passado, corrigir os erros e ter a humildade de aprender para viver o futuro. Que eu vou continuar a pensar como colocar a vaca na varanda, já que fui dos que pavimentaram o quintal…

Ladroagem, os valores que (já) eram

Era eu miúdo quando um comerciante de Lousada foi a França encontrar-se com um amigo mas, como não estava em casa, uma criança francesa foi indicar-lhe onde ele se encontrava. No caminho, ao passar num pomar, apanhou uma das muitas maçãs caídas no chão e comeu-a mas, a partir daí, o garoto passou a dizer em voz alta uma palavra em francês de que ele só soube o significado quando o amigo traduziu: LADRÃO.

Àquela criança ensinaram a “Não Roubar”, mesmo uma simples maçã caída no chão. Questão de princípios e de educação. Nessa época, apesar dos bens de consumo por cá serem infinitamente menos e da pobreza ser muitíssimo mais que hoje, quase não havia roubos, pois a honestidade e o bom nome eram valores a preservar.

Como isso está tão distante e como tudo mudou… A crise é para muitos o (falso) argumento para que em Portugal se multiplicassem os roubos, e nada, mas mesmo nada, está a salvo da praga de ladrões que nos assola. Rouba-se tudo aquilo a que podem deitar a mão, dos computadores às galinhas, dos automóveis ao ouro, dos materiais de construção ao vestuário, das redes elétricas aos postos de transformação, dos produtos agrícolas às registadoras, leve ou pesado, pequeno ou grande, perigoso ou não, fácil ou difícil, vai tudo.

A um viticultor que acabara de plantar uma vinha, roubaram os paus, os arames e… as videiras. Num roubo em Lousada utilizaram um semireboque e um empilhador e noutro uma retroescavadora e um camião. Isto diz-nos que já não é só o “pilha galinhas” que anda por aí, mas autênticas “empresas de ladroagem”, provavelmente com escritórios e estatuto legal. Será que já estão no “ranking” das melhores empresas nacionais? E contam nas exportações?

Conheci recentemente um brasileiro, hoje bem de vida mas que teve uma infância difícil. Era engraxador no parque do Joquei Clube de S. Paulo e até aos dez anos andou sempre descalço. Um dia um cliente deu-lhe uns sapatos do filho, pelo que foi logo para casa mostrá-los à mãe. Mas esta não acreditou e, convencida que ele os roubara, não só lhe bateu como o obrigou a devolvê-los ao dono. Só quando o cliente lá foi a casa confirmar a oferta é que ela acreditou.

Num meio hostil, ela defendia princípios a todo o custo e, apesar do castigo injusto, hoje agradece à mãe os valores que lhe transmitiu. Será que entre nós ainda é comum esta defesa de princípios?

Olho para trás no tempo e vejo as casas da aldeia de portas abertas, de onde nada desaparecia, todos eram confiáveis. Hoje a minha mãe tem sempre a porta trancada à chave e até colocou uma porteira exterior com trinco elétrico… Mais, faz-se aquilo que outrora seria um sacrilégio, como roubar igrejas e santos, escolas e cemitérios (um dia destes desenterram mortos para lhes tirarem os dentes e o fato), hospitais e instituições sociais (há dias roubaram uma viatura e os alimentos que eram para distribuir pelos pobres), velhos e indefesos. Até na cascata de S. João, no Porto, roubaram a imagem de Cristo e… a caixa das esmolas, claro.

Mas estes “artistas do gamanço” têm nos (muitos) políticos, gestores públicos e figuras mediáticas, e até mesmo instituições bancárias e não só, (maus) exemplos na arte dos “desvios” de dinheiro (eles não roubam…), e que arte… Se aqueles que são tidos como “oficiais e cavalheiros” não passam de “ladrões de gravata”, que se pode esperar do cidadão comum, senão seguir-lhes os exemplos? E é cada exemplo!!!… Mas se os “desvios” dos “cartolas” são graves, mais preocupante já é a opinião pública aceitá-los como um sinal de esperteza e não como ladroagem, dizendo-se mesmo que “aquele é que foi fino”. Faz o “ Elogio do Ladrão” quem o deveria condenar… E quando algum ladrão é apanhado pelas autoridades, que lá vão fazendo o que podem, se for levado a tribunal sai deste mais depressa que o agente que o apanhou.

Mas afinal quem violou a lei, o ladrão ou o polícia? Estará a lei de pernas para o ar e ninguém notou? Se culturalmente já lá não vamos e se a justiça já não consegue travar a escalada de roubos, restam-nos algumas soluções pouco ortodoxas, a referendar talvez entre os adeptos de um dos clubes grandes do futebol no dia em que a sua equipa perder o jogo decisivo com dois penáltis roubados pelo árbitro: Uma, dos pacifistas, que aos ladrões se devem atirar… flores e serem “catequizados” por psicólogos pois, se não deixarem de roubar, pelo menos que passem a ter boas maneiras ao fazê-lo. Para os radicais, há três soluções: “à lei da bala”, com o Zé de revolver à cintura e de carabina a tiracolo como no faroeste, “dormindo acordado” e podendo disparar primeiro e perguntar depois, ou aplicando a lei de talião conforme o Código de Hamurabi, expresso na máxima “olho por olho, dente por dente”, ou usando a lei islâmica com a amputação das mãos que roubarem. Cá para mim devemos é ser “fixes” e fazer “O Elogio do Ladrão”, legalizar o roubo e a “profissão” para que esta possa ser exercida por qualquer um de nós, até ensinada nas escolas pois “professores qualificados” não faltam por aí.

Assim, não haverá discriminação entre os que roubam e os que são roubados pois passaremos todos a ser ladrões, iguais entre iguais, com os mesmos direitos, cumprindo-se a democracia. E roubando-nos uns aos outros todos estaremos em “pé de igualdade” e até seremos perdoados porque, “ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão”.