Monthly Archives: July 2014

E venha o diabo e escolha…

Um dia aterrei em Oslo, rumo à Suécia, com o Paulo Sérgio, o meu parceiro de viagem ao serviço do desporto automóvel. À nossa espera estava uma carrinha enviada pelos organizadores da prova sueca de ralicrosse, o Clube de Fineskoga, para nos levar a Holjes, duzentos quilómetros para o interior.

Já lá estavam mais comissários de outros países, com os quais enchemos uma viatura de nove lugares. Antes de partirmos, o belga Guy perguntou-me: “Trazes garrafa de whisky?” – “Para quê” perguntei. Meteu a mão no bolso das calças e tirou uma pequena garrafa, dizendo: “Lá, se tens garrafa, tens mulher”. Não valorizei a afirmação e pouco depois partimos rumo à terra dos Abba.

Entramos na floresta, passamos da Noruega para a Suécia mas, quilómetros adiante da fronteira e no meio do nada, uma brigada da polícia fez-nos paragem. Razão? Controlar a entrada de álcool, pelo que a carrinha foi revistada. Não encontraram nada e seguimos.

Estranhei, nunca vira isso em Portugal. Fiz perguntas e então soube que havia um controle apertado ao ponto dum piloto sueco no seu regresso de Portugal, da prova de Lousada, ter sido apanhado com algumas garrafas de whisky no carro, que lhe valeram meses de cadeia. Pensei que já não havia disso desde o tempo da “lei seca” na América. Lembrei-me então que o Eric e o Leif, diretores do clube de Fineskoga e nossos convidados, enquanto estiveram entre nós “molharam os pés” dia sim, dia sim.

Chegamos a Holjes, uma povoação de duzentos habitantes no meio da floresta e longe de tudo, que nessa semana tinha uma população flutuante de quinze mil pessoas, a viver em tendas e caravanas. Dormimos numa pousada na montanha e só nos encontramos com o Eric no dia seguinte. Quando nos viu, recebeu-nos com um abraço e disse meio em surdina: “Logo, tenho uma coisa especial para vós”. Eu e o Paulo ficamos a matutar no que seria. Na Suécia, só conhecíamos uma coisa boa…

Ao longo do dia sempre que nos encontrava repetia a promessa, o que nos fez aguçar a curiosidade. Até que, ao escurecer, uma carrinha Volvo parou junto de nós. Ao volante, a mulher do Eric e ele ao lado. “Entrem, é agora”. E entramos, arrancando de imediato. Então, o Eric abriu o porta luvas e retirou de lá uma garrafa. “Bebam, que este é feito por mim”, disse ele. Não queríamos acreditar… Álcool de fabrico artesanal, tido por ele como “uma coisa boa”. Por amor de Deus!!! Para não demonstrar a desilusão, levei a garrafa à boca e fingi que bebi, tendo o Paulo feito o mesmo. Prometeu ainda que, no dia seguinte, teria algo mais especial: Uma garrafa de whisky…

Nessa noite, cinco ou seis mil pessoas dançavam ao ritmo de uma banda instalada sobre um camião no centro da povoação. Um bar alimentava com dificuldade as necessidades de bebidas daquela multidão, vendendo águas e refrigerantes. Quando nos aproximamos, apercebi-me que algo estava errado, e perguntei a um comissário alemão nosso amigo. “Bernd, no bar só vendem água e refrigerantes, mas estão todos bêbedos. O que é que se passa?” – “É simples. Olha aquele par. Leva a coca-cola na mão mas vai ao carro beber da garrafa de álcool que traz. Fazem todos o mesmo”. Assim era. Meia dúzia de milhares de pessoas embalavam-se ao ritmo da música, “bêbados como cachos”, segurando-se uns aos outros para se não estatelarem no chão, com uma lata de refrigerante na mão, a fingir, e a boca na garrafa de álcool escondida no carro. Só visto. Nunca imaginei encontrar aquilo na Suécia, onde julgava só haver coisas boas… Era uma espécie de “grande sala de chuto de álcool” ao ar livre. Ah, e o Guy lá andava, provando que a sua teoria estava certa…

Com o controle apertado sobre o álcool, as pessoas furavam o esquema, produziam e bebiam até cair, sempre que podiam. E ali podia-se. Disse-me ainda que, na Alemanha, onde vivia, juntavam-se grupos de rapazes e grupos de raparigas ao fim de semana, em separado, a beber, e era “de caixão à cova”. “Contai que um dia destes isto também acontecerá em Portugal. É só uma questão de tempo. A coisa ruim espalha-se como o cancro…”

Duas décadas volvidas, já não tenho por cá o Bernd (nem o Paulo Sérgio) para lhe dizer que a sua previsão estava certa. Longe vai o tempo em que, com álcool, quase só tínhamos vinho para beber. Mas, hoje não faltam bebidas em quantidade e variedade, fracas e fortes, tornando-se um problema muito sério a ter em conta.

Já se parte rumo à noite com tal objetivo. Começa-se por “aquecer os motores” com alguns “shots” e depois “é sempre a abrir”, com cerveja e todo o tipo de bebidas, até à “pedrada” final. Tal como na Suécia e na Alemanha de décadas atrás, assistimos a bebedeiras coletivas do género das que vi, um espetáculo deprimente que nos dá que pensar. E vamos ver isso dentro de dias nas Festas Grandes de Lousada, como se fosse desenvolvimento, moderno, evolução…

E as consequências? Todos as conhecemos: Comas alcoólicos, acidentes de viação às tantas da manhã, perda de vidas jovens e menos jovens, gente agarrada à cadeira de rodas…

Num tempo em que vai crescendo o movimento para a liberalização do consumo da marijuana eu, que nunca vi qualquer droga com bons olhos, começo a questionar-me sobre o que será pior, se o álcool se a droga. Enquanto o álcool dá euforia, pedalada a mais e apetência para os excessos e a violência, já a marijuana põe o pessoal “numa boa”, numa de “não se passa nada”.

E porque será que a marijuana é proibida e o álcool não? Afinal, qual dos dois provoca mais estragos na sociedade?

Não é que, comparando-os, a marijuana até já nem me parece assim tão má???!!! C’os diabos, ao que eu cheguei, para colocar uma droga ao nível do álcool… Mas, afinal, qual é pior?

É por isso que, cá por mim, entre o álcool e a marijuana,… “venha o diabo e escolha”…

Sois bôas com’ó milho…

Elas caminhavam à minha frente já há algum tempo, mãe e filha, com “aquele andar que os gatos demoram anos a aprender”. A miúda não teria mais de dezoito anos e a mãe, pouco mais do dobro. Para um homem, era um regalo apreciar aquele espetáculo de “curvas” e “balanços”, dançando ao ritmo do passo. As saias curtas, muito curtas, de uma e de outra, iam até à “linha vermelha” que marca o limite do decoro mas, com o “mexe, mexe” do caminhar, o tecido elástico puxava-as para cima, bem acima dessa linha imaginária, permitindo ver uma parte dessas “partes” interditas ao olhar público dos homens.

O curioso era que, a cada meia dúzia de passos, ora uma ora outra, agarravam as pontas das saias e puxavam-nas para baixo, tentando obrigá-las a retomar o limite da tal linha imaginária mas, dois passos à frente, as saias regressavam teimosamente à posição superior, mantendo visíveis alguns “pedaços de mau caminho”, numa manifestação de solidariedade comigo e com todos os outros “mirones”. Até que, para meu descontentamento, num cruzamento viraram à direita quando eu tinha de seguir em frente. Parei para um derradeiro olhar e fiquei a pensar “com os meus botões” se aquele “puxar” das saias para baixo seria a manifestação de um desejo real, o que seria um absurdo (pois nesse caso teria sido preferível que as fizessem mais compridas) ou antes uma forma de chamar (ainda mais?) a atenção. Continuo com a dúvida…

Uma delas levava uns óculos escuros puxados sobre a testa e, apesar do sol intenso daquele dia de verão, a sua dona manteve-os sempre na parte superior da cabeça, apontados ao céu. Também aqui me ficou uma outra dúvida: Se os estava a usar na cabeça por sofrer de “miopia cerebral” ou se eram uma parabólica disfarçada de óculos, apontada a um qualquer satélite para efeito de comunicações com extraterrestres. É que elas eram “de outro mundo”…

Pelo caminho ouviram vários piropos de homens novos e menos novos, alguns grosseiros e de cariz sexual. Mas também registei dois “atirados” de forma educada e com elegância.

O primeiro dos “pouco simpáticos” veio de uma obra, numa voz com sotaque do Porto: “Sois bôas com’ó milho…” logo seguido de outro bem mais ousado e que não vou aqui reproduzir, como se pode compreender.

“Abençoadas mães que geraram tanta beleza” foi o que me pareceu mais elegante, embora não sei qual terá sido o preferido de uma e de outra porque nunca se mostraram chocadas com nenhum deles. Pelo contrário, várias vezes comentaram entre si sempre que ouviam um, rindo nalguns casos.

Os piropos são frases ou expressões dirigidas a alguém, normalmente para demonstrar apreço pelos atributos físicos. Entre nós, quase sempre são “atirados” pelos homens às mulheres e raramente em

sentido contrário.

Noutros tempos, eram uma das formas de chamar a atenção da mulher, com frases mais ou menos elaboradas mas quase sempre de forma educada e cavalheiresca, uma manifestação elogiosa dos atributos daquela a quem eram dirigidos. E as mulheres gostavam disso. Tantas vezes foram o primeiro contacto para uma relação futura e duradoira, num tempo em que era difícil haver um primeiro contacto…

Mas esses tempos deram lugar a novos tempos, em que homens e mulheres se libertaram do peso da tradição, dos usos e costumes e em que as liberdades individuais permitiram outras formas de relacionamento entre ambos, com todas as facilidades para um primeiro contacto (mesmo no sentido literal), pelo que o piropo na forma e objetivo para que era usado passou a ser mais raro, sendo em algumas ocasiões substituído por uma forma carregada de insinuação, alguma grosseria e até má educação. Embora se continuem a ouvir piropos simpáticos, como antigamente…

Trago este tema à liça porque veio a público que um partido político da nossa praça tem na sua agenda propor a “criminalização” dos piropos, dizendo os mentores de “ideia” tão brilhante que estes são uma forma de assédio sexual que deve ser punida pela justiça.

Francamente, será que “aquela gentinha” que foi viver para Lisboa “à nossa custa”, com a condição de fazer alguma coisa de útil pelo país, não tem nada mais importante para tratar do que a “chachada” dos piropos? É assim que querem fazer um brilharete par(a)lamentar? Estarão eles muito “chocados” com os piropos que por aí se vão atirando às senhoras ou com os “piropos” que lhes mandam como resultado das tristes figuras de que são protagonistas? É que até parece que as coisas importantes de Estado já estão resolvidas…

Se estão tão obcecados com o “assédio sexual” que existe no país, e de que consideram o piropo o responsável maior ao ponto de ser motivo para se “fabricar” mais uma lei que não servirá para nada, como muitas outras, acho que, antes disso, devem parar de imediato com o “assédio sexual” que eles, “ditos” representantes do povo, fazem ao povo, nas suas costas. É que, pelas costas, além de assédio… é covardia.

Porque, como toda a gente sabe, é nas costas do povo que eles nos… … “lixam” (para não usar um “piropo” mais popular)…

A solidão, esse mal do nosso século…

O senhor António foi visitar um velho médico, colega de trabalho que já não via há muitos anos. Estava no jardim e, quando o viu, veio à porta recebê-lo esboçando um sorriso e arrastando uma das pernas com alguma dificuldade. Um abraço selou o reencontro e depois de um desfiar de velhas recordações, disse-lhe o amigo: “Venha ver a minha mulher que está pior do que eu”. E estava. Mas o desabafo do amigo que mais o preocupou veio depois: “Que Deus nos leve aos dois”. O senhor António confortou-o e tentou incutir-lhe ânimo dizendo-lhe que haviam de melhorar, era só uma questão de tempo. “Não, meu amigo, não é a doença que nos mata. O que nos mata é a solidão”, respondeu-lhe ele.

A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido nestes tempos de transformações profundas da sociedade, tão cheios de liberdade, de independência e… do nosso próprio egoísmo. Há quem a considere o grande mal do século e não tem só a ver com a presença ou ausência de pessoas, pois pode sentir-se solidão no meio de muita gente. Tem muito mais a ver com falta de compreensão, com aquele sentimento de abandono, rejeição, inutilidade, ressentimento e falta de esperança.

A decadência da família tradicional, a perda de solidariedade e de outros valores, leva a que, cada vez seja maior o número de pessoas a viverem sozinhas. Dessas, os idosos são os mais afetados por esse mal, especialmente quando são tidos pelos filhos e outros familiares como inúteis, um estorvo, alguém que só dá trabalho e de quem se desejam libertar o mais rapidamente possível.

Isso é visível em todos os sectores da sociedade. Até os hospitais estão a viver esse problema, com o abandono de idosos, pois muito frequentemente ali vão deixá-los mas depois “esquecem-se” de os reclamar, dando muitas vezes moradas falsas para não serem incomodados com telefonemas chatos para irem “recolher os velhos”, como se de lixo se tratasse.

O senhor Alberto vai todos os domingos visitar a irmã mais velha ao Lar onde vive há algum tempo. Quando se atrasa, ela fica inquieta, queixa-se de dores de cabeça ou de qualquer outro mal estar, sempre indisposta. Mas, mal chega, volta a alegria e as dores desaparecem como que por encanto.

Se as pessoas soubessem como é importante uma simples visita aos idosos que vivem sós ou em Lares… E o importante não é dar-lhes alguma coisa mas “dar-se”, concedendo-lhes tempo, ouvindo-os, prestando-lhes atenção, porque eles precisam de falar, querem ser úteis, ter quem os escute. Como é bom dar tempo a quem o tempo escasseia…

O que é que pensará alguém ao ver e sentir que os filhos não têm ( e não querem ter) tempo para ele? Ao sentir que passou a ser um inútil, alguém que está a mais na sua própria casa? Ao aperceber-se que se tornou invisível aos olhos da sociedade, vendo passar por si a multidão que não o “vê”?

Ao ver-se só, esquecido pela família, sem os amigos que já partiram ou estão distantes, ignorado pela comunidade, deixa-se dominar por esse terrível sentimento de solidão, de inutilidade, e as coisas inúteis são descartáveis, vão parar ao caixote do lixo.

Anselmo (nome fictício de alguém bem real) já só anda apoiado numa bengala e vivia na companhia da mulher, acamada e sem mobilidade. Apesar de perto morarem três filhos casados, somente uma das noras ia lá a casa preparar-lhe uma sopa quando ele pedia ajuda mas… cobrando uma certa quantia em dinheiro pelo serviço prestado. Os filhos também o visitavam… na noite de Natal e pouco mais. No entanto, todos eles viviam em casas que eram pertença dos pais, livres do “incómodo” de pagar renda… Até que se cansou de estar sozinho, sem o apoio de quem tinha esse dever…

A solidão pode ser um bom local para se visitar mas, seguramente, nunca será um bom lugar para lá se viver até porque é deprimente e, o solitário, um deprimido, um pobre coitado. Há quem a veja como uma condenação, uma consequência inevitável do abandono pelo outro à sua própria sorte, “condenado” a viver só. Diz-se que é o pavor de muitos e o alívio de poucos.

Todos nós acreditamos que somos alguém até ao dia em que, de repente e num momento de solidão, começamos a perceber que as coisas não são como pensávamos. E isso dá medo. Medo da ausência, de não ter com quem dividir, com quem partilhar o sofá, a cama, as alegrias e as tristezas, a vida…

Ninguém quer ficar sozinho, todos querem pertencer à multidão. Mas a solidão é uma consequência destes tempos. E o absurdo é que, tendo à nossa disposição tecnologia, meios de comunicação e informação como em nenhuma outra época, mesmo assim somos solitários. Aliás, vimos a este mundo sozinhos e, no final, morremos sós.

Nada sabemos (ou queremos saber) de solidão, de estar só e abandonado, como um velho no jardim procurando captar a atenção de alguém mas, os que passam, ficam indiferentes e viram a cara para o lado, como que fugindo do velho, como que fugindo da velhice, como se assim a pudessem rejeitar um dia. Mas ela chegará… e pode vir carregada de solidão, daquela que se não quis ver no velho…

A lição, num jogo de matraquilhos…

A humildade exprime a rara certeza de que ninguém é superior a ninguém. O pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas e o muito conhecimento faz com que se sintam humildes. Por coincidência, ou não, é assim que as espigas sem grão erguem a cabeça para o céu, enquanto que as cheias a baixam para a terra.

Devemos curvar-nos perante alguém? Claro que sim. Perante os grandes? Nem pensar. Somente perante os humildes no coração.

Ao longo da minha jornada conheci a humildade, aquela que vem de dentro, genuinamente, quase sempre em gente simples. Mas também encontrei a altivez, na atitude de quem se julga superior e age com presunção e arrogância, subestimando os outros, a quem dedica somente olhares de desdém.

Um dia, depois de jantarmos, reunimos um pequeno grupo de recém chegados à Escola Agrícola e fomos ao café do senhor Álvaro, em S. Martinho do Bispo, ali mesmo ao lado. Tinha chegado a Coimbra há pouco mais de duas semanas e, sendo caloiro, provinciano e tímido, não me arriscava a sair sozinho.

Lá chegados, espalhamo-nos pelo café, tendo eu ido parar junto de uma mesa de matraquilhos onde o jogo estava animado e com muitos espectadores. Um dos jogadores, grande e peludo, de camisa aberta e olhar arrogante, exibia-se como a “estrela” local. Depois de ganhar alguns jogos seguidos, a dupla derrotada deu lugar a outra, que também perdeu, e esta deu lugar a uma terceira que também viria a ser “cilindrada” pela “estrela” de serviço e pelo seu parceiro, continuando a exibir-se como um pavão armado.

Eliminada a terceira equipa e como mais ninguém se perfilava para jogar contra os vencedores, o homem grande questionou o público: – “Então não há mais candidatos a levar uma abada?” E voltou a repetir o desafio, olhando com sobranceria o público à sua volta, carregando as palavras de intenção.

Perante a insistência, o Fausto, o meu colega de turma que viera de Lamego, perguntou-me baixinho: “Jogas alguma coisa disto?” – “Eu? Joguei algumas vezes, mas pouco” respondi-lhe em surdina, com receio de ser ouvido. Para minha surpresa, chegou-se à frente e disse timidamente: “Jogamos nós”.

O Fausto pôs-me à defesa e ficou na frente. “Aí vamos nós”, pensei comigo. O grandalhão, que também jogava no ataque, pegou numa bola e, antes de a lançar, disse ao parceiro com um sorriso cínico: “Vamos lá depenar estes patos”. E lançou a bola…

O Fausto apanhou-a, prendeu-a com os médios, passou-a para os avançados dominando-a e, com uma velocidade estonteante, fez finta e marcou golo. Fiquei de boca aberta. O grandalhão, de sorriso amarelo, lançou a segunda bola e a cena repetiu-se com uma finta diferente mas igualmente rápida. E foi golo. Num ápice chegamos aos dez a zero, o total das bolas da mesa de matraquilhos. O homem grande perdeu o sorriso e até eu, que pouco trabalho tivera, estava mudo de espanto porque nunca vira ninguém jogar assim. O Fausto permanecia tranquilo, discreto.

O nosso adversário perdeu o ar “fanfarrão” mas, não querendo dar-se por vencido, aceitou outro jogo, já bem menos confiante, tendo sido novamente derrotado por dez a zero. Estava com cara de incrédulo, como não querendo acreditar no que lhe estava a acontecer. Numa manifestação do orgulho ferido, arriscou um terceiro desafio e foi batido mais uma vez pelos mesmos números, acabando por desistir sem honra nem glória, perdendo o sorriso e a altivez, absolutamente humilhado à frente do “seu” público até porque humilhação não é só levar um pontapé, mas merecê-lo.

Ao subestimar a capacidade alheia e não ter em conta as nossas potencialidades (para ser mais correto, as do Fausto), cavara a sua própria sepultura. E na sua arrogância, que o levou a acreditar que era superior a todos os outros, mais parecia um balão insuflado que, à primeira picadela (e que picadela) esvaziou-se e desapareceu.

Por uma questão de sanidade mental, penso que todos nós devíamos ser humilhados pelo menos uma vez na vida para a arrogância dar lugar à maturidade e aprendermos que aquela é algo de que nos devemos despir dado que conduz à queda.

Curiosamente, nos dias seguintes, o nosso adversário aproximou-se de nós já com um espírito bem diferente daquele com que se apresentou quando o conhecemos, tendo deixado cair a máscara da superioridade para dar lugar à disponibilidade para aprender. E o Fausto, o perito na matéria, dispôs-se com humildade e paciência a dar-lhe algumas lições…

Ao recordar esta pequena história, hoje e à distância de muitos anos, não posso deixar de pensar que quando estivermos a subir, seja na importância do cargo que ocupamos, nos bens que possuímos ou noutra coisa qualquer, não nos devemos esquecer de ser humildes com as pessoas com que nos cruzamos porque, no sobe e desce da vida, podemos encontrar-nos com elas ao descer…