Com as alterações agora introduzidas na avaliação predial, vamos pagar mais IMI porque serão tidos em conta a “exposição solar”, as “vistas privilegiadas” e a “qualidade ambiental”. Acho bem, porque não tenho nada disso. E, como diz o brasileiro, “pimenta no c. dos outros, é refresco”. Ficam-me algumas dúvidas, que me fazem deixar algumas perguntas no ar:. No que diz respeito à exposição solar, será que os prédios do Algarve vão pagar mais taxa do que os do norte? É que para lá há mais sol ou os turistas vão mais para as praias algarvias pela noite? E no caso em que temos a casa à sombra das árvores, sejam do jardim ou da mata do vizinho? Há desconto pela redução da “exposição solar”? Alguém disse há muito tempo que “o sol quando nasce é para todos”. Pois é mas a verdade é que nem todos podem pagar o sol nem viver só à sombra…
Esta tentação que os governantes têm de meter a mão no bolso do contribuinte já vem de longe. Vejam lá que “no tempo da outra senhora” criaram uma multa de dois escudos e cinquenta centavos (ou vinte e cinco tostões ou ainda, dois mil e quinhentos reis…) para quem fosse apanhado a andar descalço na via pública, alegadamente para acabar com o “pé-descalço”. Uma mulher pobre de Cristelos foi vista por dois elementos da GNR a atravessar a estrada descalça e chamaram-na para lhe aplicar a dita multa. A pobre coitada, quase se ajoelhou a pedir para a não multarem porque, dizia ela, “eu só rompi a estrada um bocadinho ao atravessar, mas já não a rompo mais”… Ela viu logo que só os descalços é que rompiam a estrada… E, à distância de décadas, que haveria sempre um motivo para se lançar todo o tipo de taxas sobre a utilização (e rompimento) da via pública, quer com o imposto de circulação automóvel, quer com portagens nas SCUTs (que diziam ser sem custos…), quer com todo o tipo de multas alegadamente em nome da segurança.
O governo está atrasado ao taxar a exposição solar e qualidade ambiental. Nos hotéis, os quartos com “vista mar” são mais caros já há muito tempo. Nos teatros e nos concertos, os camarotes sempre foram mais caros que a plateia (que é para a plebe), embora a “música” seja a mesma… Nos estádios, a tribuna e camarotes são mais caros que o peão, embora a “tourada” seja a mesma… E se o governo pode aumentar no preço do IMI só por causa das vistas, eu também estou a pensar montar um restaurante onde, apesar da comida ser igual para todos, tenha três tipos de mesas a que correspondem três tipos de preços. Assim, existirão as mesas normais, aquelas que estão no centro do restaurante com vistas para lado nenhum ou, quando muito, para a parede de um prédio a dois metros de distância. Mas também terei mesas Low Cost e mesas VIP. As Low Cost (que, para quem não for estrangeiro quer dizer “baixo custo”), que terão um desconto de quinze por cento, ficarão em frente de uma vidraça com vistas para uma escola. Dali verá o Passado, sim, o seu Passado, pelo qual já nada pode fazer… As VIP (que, para quem não for estrangeiro, quer dizer para “pessoas muito importantes”), terão um aumento de vinte por cento no preço e serão colocadas em fila, diante de um vidro enorme, de onde se terá uma visão completa do cemitério. São as mais caras porque dali pode ver o Futuro, sim, o seu Futuro. E ao vê-lo, talvez se lembre de fazer alguma coisa por si para que ele chegue o mais tarde possível.. Ou pensa que vai para outro lugar? As vistas dos cemitérios (e do Futuro…) só para o governo é que terão desconto. Será que estão a pensar morrer em breve e com futuro de curto prazo? Eles lá sabem…
Já tinha escrito a maior parte desta crónica quando recebi um email de um amigo dando-me notícia de que um morador e proprietário de um andar em Campolide terá apresentado uma queixa à DECO, ao Provedor de Justiça e às instâncias comunitárias em Bruxelas, por recear que o facto de uma sua vizinha, moradora no prédio frente ao seu, ter por hábito tomar banhos de sol à janela e isso faça com que o fisco lhe passe a cobrar um IMI substancialmente superior, por considerar que a vista de que desfruta é “excepcional”. Com a notícia, remeteu-me também uma fotografia comprovativa da posição pouco convencional da tal mulher à janela, pernas para fora e corpo para dentro. Original, no mínimo… E é natural a preocupação deste cidadão pois, a veia criativa dos governantes não para de nos surpreender na sua febre de taxar tudo (sem austeridade), incluindo o sol, a paisagem e as belezas que o olhar alcança… Não me admirava que, mais dia menos dia, os governantes nos obriguem a andar com um contador, como os de gás natural, para saberem quanto ar consumimos por mês a respirar e juntarem esse consumo na conta da água e esgotos. A conta, é o mal menor. O que me chateia mais é ter de andar com o contador às costas…
A verdade, nua e crua, é dura, muito dura, por mais que nos queiram “dourar a pílula”. Os muitos (des)governos (uns mais que outros) arranjaram-nos uma dívida tal que só pode terminar com bancarrota. E continua, naturalmente, a aumentar, apesar dos pregões… Por isso, a forma de irem vivendo é taxarem tudo. O que se segue? É só uma questão de opção. Deu-se aos funcionários públicos, tirou-se nos combustíveis. Vai-se tapar o buraco da Caixa, tira-se no tabaco, no património, no que lhes passar pela cabeça. É a realidade.
No caso de alguma vizinha me proporcionar “vistas” semelhantes às do homem de Campolide e para não pagar mais IMI, já tenho solução: Vou entaipar as janelas mas, à boa maneira portuguesa, deixo uma frincha disfarçada para espreitar… quando não houver avaliadores das finanças por perto…