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A vida extraordinária da nossa mão!

A mão humana é extraordinária. Sinceramente, nunca me dei ao cuidado de pensar na enorme importância que tem na nossa vida. É uma das partes anatómicas do corpo humano de maior complexidade funcional. A sua atividade é responsável não só pelos movimentos e ações de grande precisão, como pela área de maior sensibilidade e perceção tátil do ser humano. O simples rodar duma chave para abrir a porta, enfiar um fio na cabeça da agulha, tocar uma peça musical no piano ou o tricotar de um casaco, são gestos que exigem coordenação e sincronismo. Executa um número infindável de tarefas só possível graças à enorme capacidade de adaptação aos objetos e suas formas. E todos conhecemos a enorme importância das mãos na rotina e na execução das tarefas diárias, embora nem sempre tenhamos o devido cuidado com elas.

A mão humana é constituída por um complexo conjunto de ossos e, por isso, é considerada, depois do cérebro, o órgão que realiza as tarefas mais elaboradas no corpo humano. Para o funcionamento normal da mão e punho, participam 29 ossos, mais de 30 músculos, 30 articulações, 20 nervos terminais e de 70 ligamentos e tendões! O espaço do cérebro destinado a organizar e coordenar as funções da mão é muito significativo e revela toda a importância da mão na vida do homem.

Os dedos compridos e polegar oposto aos outros dedos é que tornam as mãos uma parte única do nosso corpo, permitindo-nos, através do tato, manusear objetos, determinar temperaturas, texturas e até o nível de rigidez daquilo em que tocamos, atirar, agarrar ou apanhar coisas.

Quando nascemos, são as mãos que primeiro nos recebem a dar as boas-vindas a este mundo e são as mãos maternas a segurar para a carícia do primeiro beijo. Quando morremos, são as mãos dos amigos e familiares que nos carregam e as dos coveiros que nos enterram!

As mãos têm expressões contraditórias pois tanto assinam tratados de paz como ordens de avançar para a guerra. Tanto afagam com ternura como batem com violência. São capazes de construir pontes que unem, mas também muros que separam. Têm engenho e arte para fabricar tecidos finos como fúria quanta baste para os rasgar. E com capacidade para criar as mais belas obras de arte, mas também de as destruir num instante. As mãos cultivam a terra e colhem os frutos, moldam o barro e criam arte, conduzem os animais, bicicletas, carros e aviões. 

Vale a pena transcrever aqui o monólogo das mãos, de Ghiaron:

“As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever …

Foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos, David agitou a funda que matou Golias; As mãos dos Césares romanos decidiram a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os antissemitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo da morte! Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.

A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar. Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva. Com as mãos tapamos os olhos para não ver e com elas protegemos a vista para ver melhor.

Os olhos dos cegos são as mãos.

As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros. O autor do “Homo Rebus” lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem. Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas. A mão aberta, acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada, mostra a força e o poder; empunha a espada, a pena e a cruz!

Modela os mármores e os bronzes; dá cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza. Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos, medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.

O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou juramento de fidelidade. O noivo para casar-se pede a mão da sua amada; Jesus abençoava com as mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes”.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. É com as mãos que provocamos lágrimas, mas é com elas que limpamos as nossas e as lágrimas alheias. Tal como é com elas que selamos um negócio e a nossa palavra de honra com o habitual aperto de mãos.

Dizia Audrey Hepburn que “à medida que envelhecemos descobrimos que temos duas mãos: Uma para nos ajudar a nós próprios e a outra para ajudar os outros”.

Ao olhar os dedos das minhas mãos a bater nas teclas do computador não posso deixar de continuar a maravilhar-me com a sua mobilidade e flexibilidade. E daí, com a enorme quantidade de tarefas em número e diversidade que executaram ao longo de uma vida. Pensando nisso, se a grande maioria foram ações de que se devem orgulhar, há umas quantas em que podiam e deviam “ter dado a mão” …  

Caloteiros ou a nova arte de roubar!

Em face do que vejo agora, quando olho para trás fico com a dúvida de que os meus pais talvez não me tenham educado suficientemente bem para usufruir de tudo aquilo que a vida (e o mercado) nos pode oferecer, tendo ou não tendo condições económicas para tal, com o meu dinheiro ou o dinheiro de alguém que pode ou não vir a recebê-lo, sem que seja um problema meu. Por isso, pratiquei desde criança a arte da poupança e sempre governei a minha vida em função do que tinha. E assim, as férias, o carro ou a compra de qualquer outro bem, sempre foram condicionados ao que tinha e não ao que sonhava ter. Ora, esta mentalidade está ultrapassada e hoje (quase) todos acham que têm direito a tudo aquilo que os outros têm, uma ideia vendida pelos promotores do consumismo. O recurso ao crédito fácil ou ao dinheiro e bens dos amigos e conhecidos é o novo normal. Goza-se antes, paga-se depois, se não for nesta vida vai ser na outra. Até as funerárias já promovem o “morra agora, pague depois”. É uma forma atual a que nunca me consegui adaptar. Nisso, sou antiquado. Fico com receio de não poder pagar. Ora, há muitas pessoas que convivem bem com essa modalidade e cumprem aquilo a que se comprometem. Mas, em contrapartida, há muitas mais que veem na facilidade de poder comprar e usufruir de crédito, a oportunidade de dar o golpe, mentir, enganar e viver à conta de alguém. A palavra de honra já não existe e a honra é coisa do passado.                                                                                                   O mercado emergente e promissor dos caloteiros está em alta, pelo que é caso para perguntar: “Quem ainda não deu de caras com um na vida”? Se um caloteiro paga “milagrosamente” uma dívida é costume dizer-se que “caiu um Santo abaixo do altar”. Ora, já muitos Santos caíram e os muitos caloteiros que andam por aí continuam a dever! Tem gente que promete mundos e fundos, que vai pagar com o tempo …, mas, que se saiba, com o tempo não se paga nada, só com dinheiro.  O caloteiro pensa ou até diz mesmo ao credor: “Deus lhe pague”! E ele está a ser sincero, porque está a manifestar o desejo de que Deus nos pague o valor que ele nos deve. O “nosso problema” ficaria resolvido, porque o dele já estava resolvido por natureza – não pagar nunca. Até porque, para ele, “pagar e morrer, quanto mais tarde melhor”. Se bem que a sua regra é “nunca”. Só que, como o seu interesse é contrário ao interesse do credor, este passa a vida a correr atrás dele sem que veja sinal do dinheiro que lhe é devido. Daí que, como a justiça para estas coisas (e para muitas outras) não funciona, por vezes, precisa de usar meios alternativos para “sensibilizar” o caloteiro. E o mais eficaz tem sido a publicidade.                                                                                              Sim, o caloteiro não gosta que façam publicidade ao seu “bom nome”, pois quer sempre ser discreto na sua qualidade intrínseca de “mau pagador”. Foi o que fez o comerciante do Fundão quando afixou na montra do seu estabelecimento um cartaz a dizer: “Anda um vírus a invadir os nossos estabelecimentos comerciais, que é designado por “caloteiro”. Solicita-se a todos os lojistas que os denunciem publicamente”. E ao lado tinha a relação dos devedores há mais de 5 anos. Segundo ele, resultou muito bem porque o caloteiro “não gosta de publicidade”, nem gosta que lhe chamem caloteiro pois até acha que o retrato é injusto. Porque ele é sempre justo, mesmo quando reconhece não ser “exemplar”.                                                           Presumo que não sirvo para ser senhorio, pois tenho tendência para atrair caloteiros. Será que a culpa é minha por ser tolerante e tentar compreender as dificuldades, reais ou inventadas, dos inquilinos? Ou o mal estará nos inquilinos incumpridores que, em geral, no mercado de arrendamento, são uma percentagem significativa? Se rebobinar o filme dos caloteiros tenho de reconhecer que há vários sinais comuns a todos, a começar por rapidamente deixarem de atender o telemóvel e não devolverem a chamada. Mas tal habilidade ou antes, “esperteza saloia”, é fácil de tornear usando outro telemóvel que não o nosso. Aí, “apanhados com o pé no ar”, geralmente têm duas saídas: que não podem falar porque estão numa reunião, ocupados, que devolverão a chamada de seguida (o que nunca fazem) ou marcam logo a hora e o local para o dia seguinte pois já têm o dinheiro para pagar as rendas em falta (e não aparecem), embora afirmem perentoriamente, que “as dívidas são para se pagar”.                                                                       Arrendei um armazém a dois irmãos, sendo que o mais velho é que “vendia o peixe”, conhecendo “meio-mundo e mais alguém” e tinham obras executadas e para executar de grandes montantes. Conclusão, dinheiro não era problema. Pagaram muito certinhos as primeiras rendas, mas cedo “começaram a arrastar a fala”, até se irem embora com uma dívida de 17.750,00 €. Aceitaram mesmo fazer a declaração de dívida formal, com assinaturas reconhecidas para pagar numas quantas prestações. Não recebi uma única, não tinham nada em seu nome e, como qualquer bom caloteiro, “colocavam a honestidade acima de tudo. A deles”. Mas nunca me pagaram. E o mais curioso da história é que o mais velho, um ou dois anos depois, “teve a lata” de vir porta dentro do escritório a pedir-me 50.000,00 € emprestados para “entrar num negócio excelente” e, por via disso, seria a forma de eu poder vir a receber o dinheiro que ele me devia. Nem sei como não atendi o pedido! Hoje ele seria um “caloteiro reincidente” e eu tolo, como no ditado: “À primeira cai qualquer, à segunda quem é tolo”.         Com a desculpa da pandemia, da guerra na Ucrânia e da inflação, os caloteiros profissionais têm novos argumentos reais para mentir já que, como dizia o poeta António Aleixo, “p’ra mentira ser segura/e atingir profundidade/tem de trazer à mistura/qualquer coisa de verdade”. E esses agentes do não pagar, uma profissão em crescendo e para quem as licenciaturas são uma mais-valia na “arte de pregar o calote”, que vivem em grande estilo e enriquecem à conta dos outros ou do estado (ou seja, de todos nós), até parece que têm a justiça do seu lado quando o credor se convence que, através dela, vai reaver o que lhe pertence. “Santa inocência”, que ainda acredita no pai natal. E o drama ainda é maior quando, no seu desvario, através de falências fraudulentas ou outras artes de esconder o dinheiro (dos outros) em nome da família ou amigos, prejudicam terceiros e arrastam para a falência real os que precisavam do que lhes era devido para satisfazer os seus compromissos. E, como só os credores têm vergonha, embora para pedir o que é seu, os caloteiros passeiam-se por aí em grande estilo e exibem o dinheiro, dos outros, como se fosse seu.                       Como o calote é um ramo promissor da sociedade, só falta inventar as consultoras no assunto. Um dia destes os maiores caloteiros do país, onde se destacam Joe Berardo, Filipe Vieira e outros, serão chamados para ministrar cursos na arte de “pregar o calote”, já que se não pode dizer “roubar”, e ensinar as estratégias e novas especialidades para se ser um bom “caloteiro”. E clientela não vai faltar …

Políticos e política … partidos!

Desde já e para que não fiquem dúvidas, confesso que considero a política uma atividade nobre, daquelas em que uma pessoa se dá aos outros, mas quando é exercida como um serviço em prol do bem da comunidade, pondo sempre o interesse comum acima dos interesses pessoais e até dos partidos. No entanto, sendo a política uma missão tão dura e exigente, quase um verdadeiro sacerdócio, quando observo a corrida muito interessada de tantas pessoas aos cargos políticos, sinceramente, desconfio e não acredito que a maior parte o faça por amor à causa pública e, muito menos, ao serviço do bem comum. Será mesmo caso para perguntar quais os interesses, que incompetências, que privilégios, que vantagens, que compadrios, que benefícios, que benesses, subvenções ou vaidades põe essa gente a correr tanto!                                                                                                       Tive a resposta de um homem que já passou pela “jota” de um partido. Disse-me ele, sem papas na língua, que quando estava na faculdade foi assediado no sentido de se filiar num partido e, como não estava para aí virado respondeu negativamente, tendo ouvido o que não esperaria da boca do “angariador”: “Não sejas estúpido e se queres ter o futuro garantido, inscreve-te, pois podes ter a certeza de que terás emprego e ajudas que não terás de outra forma”. Com tal “empurrão”, e como não era estúpido, tornou-se militante da “juventude” desse partido e os resultados que os “angariadores” lhe “venderam”, recebeu-os em dobro. Hoje, afastado da política, confessa ter sido esta o “trampolim” certo para alcançar a excelente posição que tem na vida. E que é ali na faculdade que os partidos procuram “arregimentar” militantes com promessas de acessos privilegiados e uma carreira na política, dita “ao serviço da causa pública” …                                                                                                                              Hoje os profissionais da política são normalmente oriundos das jotas partidárias, pessoas que abandonaram (ou não conseguiram, sequer, começar a exercer) outras atividades. Raramente chegaram a ter uma profissão em que se realizassem enquanto cidadãos e muitos só têm emprego quando o partido está no poder. Alguns até abandonaram (ou não conseguiram concluir) a formação académica para abraçar a profissão de político. Ao que parece, há mesmo quem não esconda a aversão a qualquer forma de trabalho. Esta realidade gera o chamado “carreirismo político”, uma situação em que o objetivo principal do envolvido é a defesa do seu interesse pessoal de chegar o mais longe e mais alto possível. O que verdadeiramente lhe interessa é a carreira profissional. Mal começa a dar os primeiros passos na “arte”, rápido aprende todas as técnicas de um bom “alpinista da política” e, veja-se, do sucesso: trepar por cima dos outros, intrigas, assaltos ao poder, cotoveladas, jogos de bastidores, traições, conspirações, etc,. Na hora própria, não há amigos ou só os de conveniência. E quando chegam a adultos não sabem fazer mais nada, porque, na verdade, nunca foram nem fizeram outra coisa. Alguns até se gabam de terem começado na escola secundária, como se isso lhes confira algum atributo especial para o seu currículo ou vantagem competitiva. Na prática, muitos são os que nunca aprenderam verdadeiramente a “trabalhar”.                                                                                                                 Hoje, um dos grandes problemas da vida política portuguesa é o peso que nela têm esses carreiristas, pois secundarizam os interesses da comunidade e dos cidadãos, que dizem representar, em benefício dos próprios interesses e/ou dos partidos onde se abrigaram. Por isso, nas campanhas eleitorais prometem tudo e mais alguma coisa, mas depois de eleitos, depressa esquecem o compromisso com quem os elegeu de tão preocupados que estão a defender os seus interesses, a começar pelo “tacho” que não põem em causa por nada nem sequer por ninguém, e a servir não o povo, mas o partido a quem devem obediência, pois que, caso contrário, não voltarão a ser candidatos (e lá se iria a carreira política por água abaixo). É que o partido está acima da freguesia, do concelho e até do país. E basta olhar para este governo e perceber a quantidade de carreiristas sem competência a quem o país está entregue. A fatura paga-a o povo. Deus nos valha …                                  Todos somos animais políticos e, consequentemente, responsáveis pela condução da coisa pública. E, em democracia, a responsabilidade é ainda maior. Tem razão o Papa Francisco em tudo aquilo que disse sobre isso. Embora se tenha referido só aos cristãos, o conselho serve perfeitamente para toda a gente, a começar pelos “aproveitadores”: “Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Enquanto cristãos, não podemos lavar as mãos como Pilatos. Temos obrigação de nos envolver na política, porque a política é uma das formas mais altas da caridade, dado que procura o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política. É certo, a política está muito suja, mas eu pergunto: “Está suja porquê?” Porque os cristãos não se meteram nela com espírito evangélico? É uma pergunta que eu faço. É fácil dizer que a culpa é dos outros… Mas o que é que eu faço? Isto é um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever para um cristão.”                   O conceituado político e diplomata americano Henry Kissinger dizia que “noventa por cento dos políticos dão aos dez por cento restantes uma péssima reputação”. Será que esta afirmação se ajusta à nossa realidade ou peca por defeito ou por excesso? É um facto que a classe política em Portugal não tem feito grande coisa pela sua reputação e o seu bom nome, pois basta-nos tudo o que temos visto e ouvido nos últimos tempos com os inúmeros exemplos de como não deveria ser um político, para perceber e ficar consciente que a sua credibilidade anda “pelas ruas da amargura”, o que os descredibiliza e faz com que as pessoas deixem de acreditar na política partidária e nos políticos. E além disso, por não sofrerem consequências pelos seus atos indignos, o que afasta os melhores para desempenhar cargos de poder e atrai os pilantras e golpistas. 

Enfim, estamos num país sem rumo, onde a ética é uma miragem, a corrupção uma instituição, o esquecimento um mal crónico de muitos governantes que nunca se lembram nada de nada, a honestidade uma coisa do passado, em que a competência e mérito são ignorados para dar lugar aos carreiristas da política e aos “boys”, a coladores de cartazes e caciques. Além disso, os partidos políticos, como detentores quase em exclusivo dos acessos ao poder e, consequentemente, aos “tachos”, não se inibem de os usar para premiar a militância dos seus “fregueses”, sem que importe para nada a competência para servir o país e os portugueses. 

E o drama é que vivemos acomodados e felizes a contar o pequeno subsídio que os políticos fazem questão de nos fazer crer que é uma cedência pessoal (pois só falta ser entregue em mão para se ter a certeza de quem é o benemérito), sem ver que antes já nos tinham ido ao bolso por via dos impostos, “sacar” muito mais …

As minhas viagens: A natureza no Brasil

Gosto muito de viajar e tenho de dar graças a Deus por todas aquelas viagens que me permitiu fazer e de que guardo boas recordações, muitas delas com a família toda ou só com os filhos quando a Luísa não estava disposta a fazer-nos companhia. Também fiz numerosas viagens com amigos, muitas por via da minha ligação ao desporto automóvel e à sua vertente internacional e, noutras, levado quase à força por amigos que me querem bem. Mas ficaram tantas outras por realizar e que gostaria muito de fazer? Claro que sim, pois a partir do momento em que a Luísa adoeceu, fiquei condicionado como bem se compreende. Mas não me lamento por isso pois, como costumo dizer, “tenho de dar graças a Deus pelo que tenho em vez de me lamentar pelo que não tenho”. Na vida, nunca teremos, nem devemos, ter tudo o que desejamos, até por uma questão de nos fazer descer à terra, dar valor a tudo o que dela recebemos e nos tornar mais humildes.

Para mim, viajar é conhecer e confrontarmo-nos com outras culturas, outros saberes, paisagens, gentes e realidades diferentes, que nos faz alargar horizontes, valorizar o muito que temos e de que estamos (quase) sempre a reclamar e poder ver e aprender outras coisas que são melhores do que aquilo que temos. A minha preferência vai para as viagens sem programa, sem horários, muito mais ao encontro e à descoberta da natureza do que propriamente a visitar monumentos ou grandes cidades só porque sim, com destino que poderá mudar ao longo da estrada embora na maior parte das viagens em família tive de me “sujeitar” à decisão de quem tinha “a última palavra a dizer”, por questões de mais comodidade e menos risco.

E lembrei-me desta coisa de “andar com a mochila às costas” porque, por acaso, dei comigo a rever as fotografias de uma viagem ao Brasil há seis anos atrás, num autêntico “mergulho” ao que aquele país tem de melhor para se visitar: a natureza. “Assediados” por uma família de brasileiros de quem somos amigos e que insistiam para irmos até lá, juntei-me à Teresa e ao Agostinho para viajar ao seu encontro em Maringá e com eles continuar a viagem à descoberta do Brasil. E o sô Marcílio, a esposa, a Luciana e o Daniel lá estavam para nos receber de braços abertos e fazer sentir que estávamos em casa.

No dia seguinte rumamos ao Pantanal, que só é a maior área alagada do planeta, em pleno Mato Grosso, para ficar alojados no Refúgio da Ilha, que não é propriamente uma pousada, mas uma fazenda que recebe pessoas de todo o mundo. Situado no delta do Salobra, é um lugar para curtir a natureza, relaxar e valorizar cada minuto. O local onde fica o Refúgio é perfeito. Uma ilha circundada por um rio de água cristalina onde se pode mergulhar. A diversidade das espécies é enorme. A fauna e flora dessa região pantanosa, é protegida, cuidada e celebrada pela família Copetti com uma visão ecológica perfeita. Um lugar magnífico onde tudo foi pensado ao pormenor, pelos homens e pela natureza. Como que a receber-nos, um papa-formigas especial surgiu no mato. Por ali andavam capivaras, jaguatiricas, tamanderás, ariranhas, araras de todos os tipos, papagaios e outras espécies. Os jacarés são imensos na região e nas lagoas junto ao Refúgio, até onde rastejam. E há a onça que fotografamos de perto dentro do rio à caça de jacarés. Uma experiência incrível num lugar e numa região a não perder. Efetivamente aquele refúgio é um local paradisíaco, uma maravilha para os amantes da natureza, uma terapia para desligar deste mundo agitado pela tranquilidade e paz que transmite.

Depois de nos despedirmos a contragosto do Pantanal, rumamos a sul para visitar a enorme Central Hidroelétrica de Itaipu junto do ponto onde confluem as fronteiras do Brasil, Argentina e Paraguai, tendo observado o fenómeno dos “sem terra” acampados junto à berma das estradas em preparação para invadir fazendas, conquistar terreno, roubar gado para comer. E fomos até à Foz do Iguaçu onde nos hospedamos, para visitar no dia seguinte as famosas Cataratas do Iguaçu, divididas entre a Argentina e o Brasil e integradas em dois parques enormes, um em cada país. Estas Cataratas são uma das maiores cachoeiras do mundo, com uma extensão de 2,7 quilómetros de comprimento, mais de 80 m de altura e com um conjunto de 275 quedas de água. A partir da entrada do parque, essa espantosa mancha verde de floresta subtropical considerada Património da humanidade, fomos transportados de autocarro até ao início das Cataratas. Seguiu-se uma longa caminhada pelo Trilho das Cataratas através da mata atlântica, à descoberta de cada queda de água, tendo sido confrontados com uma sucessão enorme que nos deixou cada vez mais encantados com o espetáculo maravilhoso das quedas e a sua dimensão impressionante, até à passarela em frente da Garganta do Diabo, a queda com maior fluxo destas Cataratas. Nesse trajeto, bordejando as Cataratas, existem uns quantos mirantes de onde se podem colher imagens espetaculares pois todas as quedas são muito fotogénicas. O passeio de bote Macuco Safari é o complemento ideal para os visitantes mais radicais, numa viagem pelo leito do rio Iguaçu até bem perto das quedas dos Três Mosqueteiros, dando para optar entre “com banho” ou “sem banho” e o mesmo é dizer com ou sem emoção. 

Como complemento da visita às Cataratas, também pudemos usufruir do enorme Parque das Aves, uma visita obrigatória para quem gosta destas coisas. É um parque temático com cerca de 1500 animais de 140 espécies diferentes entre aves, repteis e mamíferos. Está focado na conservação das aves lindas e exuberantes da Mata Atlântica. Um parque excelente, com muita vegetação e viveiros enormes onde se pode entrar, fotografar e conviver de muito perto com uma enorme variedade de aves exóticas, coloridas, bem-adaptadas e até mesmo à solta. 

Para mim que nasci e cresci a conviver com outras, foi mais uma excelente experiência até pela beleza irreal de algumas delas como os tucanos, araras, papagaios, periquitos e flamingos, para além de muitas outras de que nem sequer sei o nome, mas são parte desse mosaico multicolor. Tivemos ainda tempo para ir jantar à Argentina e visitar um centro comercial numa pequena cidade da Bolívia, além de comer uma piza portuguesa com bacalhau na Foz do Iguaçu.

Desta viagem ao Brasil, para além da excelente disposição do grupo de amigos de que fiz parte, ficou-me o enorme “banho de natureza” preservada no seu melhor, de uma beleza tal que nos enche a alma. E ficou-me a vontade de um dia poder repetir essa jornada …