Monthly Archives: May 2021

No futuro, dar no duro só no ginásio…

Estamos no “fim da linha” pois mal se acabem as gerações que ainda trabalham na construção civil e outros trabalhos braçais, como é o caso da agricultura, e só nos vão valer africanos, orientais e, com um pouco de sorte, brasileiros ou até outros sul-americanos. Portugueses de Portugal para trabalhar “no duro”, já não se fabricam. Pior, porque a nossa malta já não está para aí virada. Podem ter só o 12º. ano, mas quando tiverem de ir procurar emprego, querem … um emprego bom e o mesmo é dizer … “limpinho”. Algo onde não tenham de “vergar a mola”, “meter a mão na massa” nem “dar o corpo ao manifesto”. Para quem está “habituado e treinado” a “trabalhar no telemóvel”, chapar massa ou espetar pregos, carregar tijolos ou sacos cimento às costas, está fora de questão. Um “corpinho” daqueles, com “peitorais” bem desenvolvidos no “trabalho de ginásio”, não pode ser desperdiçado em “trabalhos menores”. Seria um desprestígio. Só o imaginar que alguém na rua os poderia chamar de “Oh trolha” é algo horrível, um estigma que os perseguiria toda a vida.   

Há dias dizia-me um empresário da construção civil que já há vários anos não tem um único aprendiz português. Houve uma mãe que lhe apareceu com o filho quase “pelas orelhas” para ver se ele conseguia “fazer alguma coisa do rapaz”, mas “foi sol de pouca dura”. Ao outro dia a mãe levou-o ao “emprego”, mas antes do almoço “já ele se tinha posto ao fresco” e nunca mais o viu. Dizia este empresário: “Hoje a rapaziada é obrigada a estudar até ao 12º. ano mesmo que andem lá só a polir os assentos das cadeiras. Por isso, como é que um moço com 16 ou 18 anos, já cheio de vícios e sem hábitos de trabalho, se agarra a “moço de massa” ou aprendiz do que quer que seja? Daqui a alguns anos vamos querer um bom profissional da construção ainda que seja para fazer uns biscates e ou não vai haver ou vão-se pagar a peso de ouro, melhor até que um grande número de gente licenciada que, nalguns casos, nem sequer sabe para que lhe serve o curso”.

Na agricultura alentejana, especialmente nas estufas do litoral, são os indianos, paquistaneses e outros emigrantes daquelas bandas que cá nos vão safando, por ser a mão de obra mais barata que se consegue encontrar no mercado e que mais se sujeita a ser usada e explorada por traficantes de “seres humanos”, como se tem visto, lido e ouvido na imprensa nos últimos tempos. Mas a maior curiosidade do drama social que todos vimos em noticiários e outros programas televisivos, chocados e revoltados no imediato, mas logo esquecidos e até incomodados como se o assunto não fosse connosco, foi o facto de ter sido a pandemia a pôr a nu o que vai por Odemira e outras terras da região, o que não deixa de ser um paradoxo: uma doença a denunciar outra “doença”. E, pelo que vimos, até parece que ninguém sabia o que por lá se passava. Foi uma “enorme surpresa” para os nossos governantes!!! Andaram a assobiar para o lado durante anos e anos fazendo “vista grossa” às condições miseráveis em que aquela gente vivia, vive e são explorados e abusados, de certo modo coniventes por omissão com a situação, enquanto reclamam do que lá fora se faz aos nossos porque, convém não esquecer, somos e continuamos a ser um país de emigrantes. Deixamos de ter autoridade moral para exigir para os nossos o que recusamos aos outros …

Esta coisa de se não gostar de trabalhos braçais, especialmente dos mais duros, não é um exclusivo dos nossos jovens. Lá fora também há  

quem pense e faça o mesmo. Estive na Costa Rica e cedo me apercebi que os trabalhos mais pesados são todos para os emigrantes idos da Nicarágua, Guatemala e outros países vizinhos. Os habitantes locais recusam terminantemente esse tipo de trabalhos tidos por menores. Já há mais de trinta anos me dizia um francês dono de uma grande empresa de construção que toda a sua mão de obra era estrangeira e só nos quadros superiores tinha alguns franceses, pois os nacionais não se dedicavam a trabalhos braçais. E mais: avisou-me num tom de adivinho que estivéssemos a contar que o mesmo iria acontecer em Portugal desde que o nosso nível económico melhorasse e os jovens tivessem mais acesso ao ensino. E não é que o homem até parece ser bruxo?!!!     

A falta de mão de obra qualificada na construção civil, para não falar noutros setores de atividade, já era um problema sério antes da crise de 2008 e agravou-se com a saída de grande número de profissionais. Já tivemos levas de ucranianos e outros cidadãos de leste, que quase sempre tinham formação noutras áreas que não na construção civil, causando sérios problemas como se compreende. Vieram brasileiros em grande número, mas os mais consistentes têm sido os africanos oriundos de diversos países, que foram encobrindo a falta de mão de obra nacional, mesmo assim insuficientes para tanta necessidade. Daí estarmos numa encruzilhada: sem níveis salariais capazes de trazer de regresso a Portugal os nossos concidadãos que andam lá por fora, não sei bem o que nos resta, a não ser uma crise grave no setor. Trazer para o setor indianos, paquistaneses e outros orientais não me parece grande ideia por duas razões que são mais que evidentes: não têm um mínimo de formação e, por outro lado, seria aumentar o número de explorados aos que já existem na agricultura alentejana, nomeadamente na produção de azeite e frutos vermelhos, presas fáceis para traficantes de seres humanos como os acontecimentos provocados pela pandemia vieram expôr à luz do dia.  

Resta-nos a esperança de que a tecnologia venha a encontrar formas de “fabricar” todo o tipo de construções com robôs que, isso sim, não se importem de “sujar as mãos”, e todo o tipo de automatismos como é o caso das impressoras 3D, que têm sido ensaiadas em trabalhos de construção civil. Entretanto, como já tenho “barraca” própria para me acoitar com a família, esta só precisa de pequenas obras e pinturas de conservação, biscates para os quais se não conseguir ninguém que os faça, seja homem ou robô, cá me vou ter de desenrascar ainda que tal esforço a seguir me traga uma crise de dor de costas. Mas para essas tenho eu uma boa desculpa: são os chamados “ossos do ofício” …

“Estórias” dum pedaço de caminho…

Ao olhar a fotografia que me caiu nas mãos quando andava a remexer na muita papelada que ainda tenho e de que me quero livrar o mais depressa possível, não posso deixar de sentir uma certa nostalgia e a sensação de ser um privilegiado porque, daquele grupo de pessoas que ali aparecem sorridentes e que de uma ou outra forma estiveram ligadas ao Clube Automóvel de Lousada e aos muitos eventos que em seu nome realizamos, só eu e o José Pinto estamos vivos. Porque os outros, Jaime Moura, Bernardo Lousada, Lúcia Lousada, Paulo Sérgio e Soares Gomes, não são mais do que uma recordação e uma imensa saudade nas muitas “batalhas” em que estivemos juntos e fomos bem sucedidos, mas sobretudo da sua amizade. Ao rever aquela imagem e o fim de festa que julgo ter sido o jantar de confraternização com os participantes num Europeu de Autocross, para além de uma ou outra lágrima mais traiçoeira, vieram-me à memória pequenas “estórias” e curiosidades desses meus 23 anos feitos de corridas, das motas aos automóveis, da ACML ao CAL, algumas delas que ficaram pequenas lições de vida e retratos do povo que somos. O que começou por ser um meio para conseguir receitas para a ACML, depressa virou paixão e adrenalina pelo “circo” motorizado, até se esgotar o entusiasmo. 

Na primeira prova de motocross tudo era improvisado: a direção de prova e cronometragem estavam em cima da camioneta, a vedação era em esteira, os comissários estavam nas bordas da pista, tal como o público. As bilheteiras eram dois furgões da Lousafil e os bilhetes vendidos pelas janelas. No final do dia, com a corrida terminada e as tralhas arrumadas, levei as duas dúzias de colaboradores que haviam ficado até ao fim a jantar na pensão Avenida. Estávamos cansados, mas felizes pelo sucesso organizativo e de bilheteira, quando entrou o Adriano Rafael, da Lousafil. Trazia na mão um saco de plástico e veio direto a mim: “No fim, levei as carrinhas para a fábrica e quando as fui limpar e lavar encontrei espalhado no interior este dinheiro” e entregou-me o saco, num gesto raro que nunca esqueci. Na avalanche dos três a quatro mil espectadores os “bilheteiros” atiravam com as notas para uma caixa, mas muitas voaram e ficaram nos furgões.

Numa das primeiras provas de autocross nacional, para preparar a pista contratamos os serviços de uma motoniveladora à empresa de Lousada Irmãos Magalhães, de Lodares. Depois dos treinos na tarde de sábado a máquina entrou em pista para os arranjos do costume e eu vim para casa pois o domingo seria longo. Logo de manhã quando entrei no circuito vi a motoniveladora parada na reta da meta mesmo na partida. Não pensei nisso até ao momento em que pedi para a retirarem porque se aproximava a hora de começar. E o manobrador da máquina? Não estava nem ninguém sabia quem era. Aguardamos um pouco à espera que aparecesse, mas em vão e o tempo urgia. Enquanto o Jaime Moura tentava entrar na máquina fechada à chave, meti-me no carro e fui a Lodares, ao armazém e sede da empresa, mas estava fechado. Perguntei aos vizinhos que encontrei e nada sabiam até que um me disse quem era o encarregado e onde morava. Estava em casa, mas o choque veio a seguir: o manobrador tinha as chaves e morava em Fonte Arcada, para lá de Penafiel, mas não sabia onde. Para não perder tempo, fiz-me à estrada, pois a hora da partida aproximava-se depressa. Em Fonte Arcada andei às cegas de porta em porta até que alguém me soube dizer onde morava o rapaz. Apareceu-me a mãe: o João saíra, fora para um casamento. E lá fui ao casamento procurar o João, conseguindo finalmente encontrá-lo e levá-lo a entregar-me a chave porque só contava regressar à pista no final do dia. Cheguei ao circuito à justa e dei com o Jaime e o Rodrigo Ribeiro a acabar de desmontar a porta da máquina …

Uma das muitas funções que tinha durante os primeiros anos era a montagem da vigilância ao redor do circuito e controle de entradas, organizando elementos da GNR e da empresa de segurança para que as “borlas” fossem o menos possível. Mas era uma luta difícil pois até tinha de vigiar quem tinha essa função. Um dia descobri um vigilante sentado na bancada a ver a corrida, muito tranquilo, em vez de estar no seu posto e, logo a seguir, um membro da autoridade a dar a mão a três borlistas para os ajudar a subir a borda e entrar. E que fazer quanto o vigilante da entrada que controla os bilhetes dá sinal a um pequeno grupo e, um a um, espaçadamente, vão até ele, fingem que mostram o bilhete, ele finge que o rasga e deixa-o entrar? Ou quando apareciam pessoas com todo o tipo de cartões alegando ser oficiais de justiça, licenciados federativos, polícias, etc.? Atém um elemento da judiciária entrou alegando estar a perseguir um criminoso que, alegadamente, estaria entre a multidão …

Numa das minhas voltas de controle ao sistema, apanhei o “penetra” precisamente no momento em que ele chegou dentro. Estava um autêntico Cristo, a sangrar na cara, braços e mãos. Atravessara um silvado fechado por onde nunca pensei que alguém fosse capaz de passar. Pelo sacrifício e saber que não tinha como pagar bilhete, ficou a ver a prova. Mas a mais interessante “entrada” foi-me contada por um amigo. Alguns dias depois dum Ralicrosse Europeu ele disse-me que tinha ido ver a prova, gostara muito e nem sequer pagara.  Quis saber como o conseguiu e lá contou a história. Um amigo de Braga passou em casa dele e perguntou-lhe se queria ir à corrida. Disse que sim, convencido que ele comprara bilhetes. No carro adaptado por causa da deficiência o amigo deu-lhe boleia, dirigindo-se à entrada principal. Quando os seguranças de serviço se iam a dirigir ao carro, levantou a cabeça num gesto autoritário como quem diz “abram a porta” e, sem mais, deixaram-nos passar e entrar para um parque destinado à organização. A esta distância pergunto-me se o amigo do meu amigo não teria um amigo na porta de entrada!

Numa prova nacional de autocross um piloto de Paços de Ferreira despistou-se numa curva e contracurva, capotou e deu três ou quatro cambalhotas. Corremos para o local, vimos que ele estava bem e um dos comissários perguntou-lhe se custava muito dar uma cambalhota assim. E ele, com ar divertido, disse: “Só custa nas primeiras 500” …

Numa das primeiras vezes que o Rali de Portugal veio a Lousada o Jaime fez questão de convidar todos os presidentes e vereadores do Vale do Sousa para assistirem à prova numa bancada junto à torre. Correu tudo bem até que me chamaram porque o vereador de uma câmara qualquer queria falar com um responsável do CAL. Quando cheguei o vereador, de forma grosseira, reclamou porque aquilo não eram condições para receber autarcas, pois devia fazer isto, aquilo e aqueloutro, num rol de requisitos absurdos que eu ouvi, paciente e tranquilamente. Quando acabou, só lhe disse: “Que eu saiba, o senhor aqui é convidado e não pagou bilhete. Saiba que estamos a oferecer-lhe o que temos e o melhor que conseguimos fazer, a troco de nada. Devia agradecer. E não aceitamos conselhos de quem saiba mais, mas de quem tenha feito melhor”. E virei as costas àquele tipo arrogante e mal agradecido.        

Olhando para trás e a muitos anos de distância dessa viagem incrível que fiz pelo mundo dos desportos motorizados, sem nunca ter sequer experimentado as emoções de um guiador ou volante, sem valorizar a arrogância, sobranceria, oportunismo e chico-espertice que encontrei pelo caminho, relembro e agradeço a Deus sobretudo o que recebi, e foi muito, por ter partilhado essa viagem com pessoas excecionais de diversos quadrantes sociais, todas elas importantes para o sucesso do desporto motorizado em Lousada, mesmo que o seu nome nunca apareça nos relatos nem nos registos dessas histórias. E pelas muitas lições de vida desde a solidariedade, resiliência, humildade, partilha, entusiasmo, alegria, capacidade de sofrimento e espírito de sacrifício. Mas, muito especialmente, pelas amizades que ficaram para o resto do caminho …

A despedida de um amigo …

Não gostamos de falar da morte e até achamos que o simples facto de a mencionar pode atrai-la. Daí ser assunto que não é tema para uma conversa simples e toda a gente foge dele “como o diabo da cruz”. É sabido por nós que nascemos, vivemos e morremos e não há como fugir à morte. Todos temos um “prazo de validade”, que só não vem impresso na testa ou noutra parte mais discreta do corpo como nos produtos do supermercado porque os políticos andam distraídos. No dia em que algum achar que isso pode dar votos, irá propor aos seus correligionários uma lei que obrigue o “fabricante” a gravar o prazo numa qualquer parte do corpo à “saída da fábrica”, indicando a data a partir da qual “estamos impróprios para consumo”, que é com quem diz, “para deitar fora”.  

Vendo bem, ainda não andamos com rótulo nenhum à vista a indicar o nosso “prazo de validade”, mas temos de andar permanentemente com um cartão onde, indiretamente, esse prazo está explícito. Assim, quando o agora “cartão de cidadão” indica a data de nascimento, é o mesmo que dizer há quantos anos fomos “fabricados”. E o consenso é geral: “estamos impróprios para consumo” a partir de certa idade, a idade da reforma, que tem vindo a aumentar só por conveniência do orçamento de estado, já que não há como “alimentar tantos inúteis”. A partir daí somos tratados como qualquer produto descartável do tipo “use e deite fora”. Mas, como nos produtos do supermercado em que ainda há quem os consuma muito para além do prazo de validade que vem escrito no pacote sem receio de apanhar uma intoxicação, também com nas “pessoas fora de prazo” se verifica essa tolerância, o que me permite continuar a andar por aí e ser “consumido” por quem não tem medo de “morrer intoxicado”, numa última oportunidade. Claro que também nos tornamos mais baratos, tal e qual os produtos que estão em fim de prazo e que os supermercados vendem a metade do preço ou menos, para ver se recuperam algum, caso contrário vai tudo para o lixo a rendimento zero, como com todos nós.

No período do Renascimento era vulgar as pessoas deixarem crânios sobre a mesa sem qualquer problema. Não passavam disso mesmo, mas tinham uma mensagem implícita: “lembra-te que vais morrer”. O objetivo desse lembrete era para se encarar sem receio a existência da morte e a certeza de que não somos eternos, passando a dar mais valor a cada dia e conseguir aproveitar plenamente a vida. Ora, meia dúzia de séculos depois temos muito mais medo dela. E a prova disso é que antigamente morria-se em casa e em casa se fazia ainda velório e funeral. Mas pouco a pouco fomos afastando tudo isso, escondendo, ao ponto de hoje se morrer nos hospitais para além de ter empurrado tanto o velório como o funeral para fora de casa, dando toda a razão a Woody Allen quando diz: “Eu não tenho medo da morte. Só não quero estar lá quando ela acontecer”.

Tudo isto para dizer que recebi uma chamada telefónica de um amigo que há muitos anos emigrou para França, “a salto”, e onde fez toda a sua vida de adulto até se reformar. Ali constituiu família e viu nascer dois filhos, tendo nos últimos anos vivido numa roda viva entre Paris e Lousada. Estranhei a voz muito arrastada e sofrida que revelava um grande esforço para falar. Começou por perguntar pela minha saúde e da família e depois disse: “Estou a telefonar-lhe para me despedir de si. O meu tempo está a chegar ao fim e restam-me poucos dias de vida”. Surpreendido pela chamada telefónica, mas especialmente pela razão que acabava de me revelar, perguntei-lhe o que se estava a passar. E ele, a muito custo, foi dizendo: “Apareceu-me um cancro nos pulmões e tenho andado a fazer tratamento aqui em França. Agora descobriram outro nos intestinos e já não há nada a fazer. É o fim e os médicos já nem me deixam sair aqui do hospital. É por isso que me venho despedir de si e agradecer-lhe por ter sido um bom amigo com quem pude contar sempre”. Enquanto ele falava, permaneci calado, estupidamente calado perguntando-me o que se podia dizer a alguém nestas circunstâncias? Mentir-lhe piedosamente, tentando fazer crer que havia esperança quando os médicos já o haviam desenganado? Naquele momento o que melhor me pareceu fazer foi ouvi-lo, estando ele totalmente consciente de que a morte se aproximava a passos largos e que lhe restava pouco tempo para fazer o que desejava: despedir-se de algumas pessoas. Falou tranquilamente embora com muita dificuldade sobre como a doença ficou fora de controle e de estar muito próximo o seu fim. Consegui retribuir o agradecimento e dizer-lhe que a nossa amizade continuava para lá do que viesse a acontecer hoje, amanhã ou na semana que vem. A nossa despedida, apoiada na fé de ambos, foi a promessa dum reencontro numa outra dimensão, numa outra vida.

A caminho de Lisboa, a chamada telefónica acompanhou-me sempre durante toda a viagem, como um recado a lembrar-me que podemos receber “guia de marcha” a qualquer instante, sem pré-aviso, apesar da sociedade manipular tudo para nos fazer crer na eterna juventude, escondendo a existência da morte como algo que faz parte da vida. E pensei no meu amigo e na sua coragem ao pegar no telefone e ligar-me com três objetivos claros: Dizer que iria morrer (sem citar esta palavra) dentro de poucos dias, despedir-se com um “até breve” e agradecer-me por ser seu amigo. Confesso que não sei como reagiria no seu lugar e se seria capaz desta chamada telefónica, embora diga frequentemente que não tenho medo da morte nem sequer de falar dela, mas sim do sofrimento, especialmente do sofrimento inútil que não tem esperança. 

E estou com o filósofo brasileiro Mário Costella quando diz que “não temos que ter medo da morte, mas sim de uma vida inútil” …