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Como nós complicamos a vida …

Lembrei-me que, quando regressei da comissão de serviço militar que fiz em Moçambique, como prenda para a minha mãe trouxe uma complexa máquina de cozinha, do mais avançado que havia naquela altura, que fazia sumos e batidos, descascava batatas e cortava-as às rodelas e em palitos, preparava bolos, para além de muitas outras funções. Na tarde em que lha entreguei, eu e os meus irmãos fizemos sumos e testamos algumas das suas capacidades, num entusiasmo que me fez ficar orgulhoso da oferta. Mas, o interesse pela máquina e pelas suas potencialidades foi sol de pouca dura. Dois dias depois, a minha mãe limpou-a e arrumou-a no armário, onde ficou muito bem “arquivada”. Disse-me que preferia continuar a cozinhar do modo a que estava habituada, com os poucos apetrechos que tinha. “A faca e um pequeno espremedor de plástico fazem a maior parte das funções daquela máquina”, disse-me ela. 

Alguns anos depois, retirou-a da prateleira onde a mantivera em repouso absoluto, limpou-a com todo o cuidado, embalou-a em bonitas folhas de papel colorido amarrado com fita decorativa a condizer e … ofereceu-ma como prenda de casamento. E eu, feito parvo, desembrulhei a oferta e dei comigo a montar os apetrechos, voltando a experimentar entusiasmado as múltiplas capacidades da máquina qual criança quando recebe um novo brinquedo … por um dia. Terminado o entusiasmo do período experimental, limpei-a, arrumei-a no armário da cozinha e, a esta distância temporal, não sei onde acabou os seus dias nem se chegou efetivamente a ser útil a alguém. 

Se nesse tempo uma máquina de batidos era uma novidade que não se via todos os dias e só em muito poucas casas, hoje tornou-se uma vulgaridade à qual já ninguém dá atenção especial. Mas, de tempos a tempos, há sempre uma marca de eletrodomésticos que lança novo modelo com novos argumentos comerciais capazes de atrair público consumidor e lá se vai comprar mais uma maquineta para alguns dias depois ir parar ao “armazém” das coisas inúteis que todos nós temos num qualquer canto da casa. 

São frequentes os lançamentos de novos equipamentos e todo o tipo de tecnologias, acompanhados de grandes campanhas publicitárias que as “vendem” como a última maravilha da ciência, capaz de tornar absurdos os nossos problemas existenciais e resolver umas quantas dificuldades do dia a dia da nossa vida. Agora as últimas novidades da moda são os robôs de cozinha e o marketing, a publicidade e todas as estratégias comerciais já as tornaram na nova moda nas cozinhas portuguesas até irem parar ao canto das coisas ultrapassadas como já sucedeu com muitas outras “maravilhas da ciência e da tecnologia”.

A dona da casa abriu uma gaveta do louceiro para procurar um saca-rolhas e ficou surpreendida ao ver a sua gaveta tão cheia de “tralha”, começando por tirar um acessório novo que não sabia bem para que servia. Depois de o fazer rodar na mão algumas vezes, acabou por se lembrar que se destinava a separar a gema da clara. A seguir tirou um outro que me disse ser para retirar o “talo” central dos ananases. E, apercebendo-se que já não “visitava” aquela gaveta há muito tempo, acabou por desabafar: “Já agora, deixa-me ver o que é que tenho para aqui guardado”. Para sua surpresa, alguns dos acessórios ainda se encontravam dentro das embalagens originais, pois isso queria dizer que nunca tinham sido utilizados, talvez porque foram mais algumas compras por impulso. Tirou uma “geringonça” para cortar os ovos cozidos às rodelas; outra para retirar os “fios” indesejáveis do feijão verde; outra para furar as batatas quando se quer recheá-las com picado; e outras mais que nem percebi qual a sua função …

Como estava numa de ver o que havia por ali, abriu a gaveta do lado. Nunca vi tanta variedade de facas em tamanho e função. O conjunto de facas maiores eram aquelas a que eu chamo “de matar os porcos” e depois eram facas para o pão, para a carne, para o peixe, para o presunto, para a fruta, para o queijo, etc., etc. Até lá estavam umas facas especiais, em porcelana. Arrumadas na gaveta, porque no dia a dia, confessou, “não é funcional estar a variar sempre de facas em função da função”. Mas, ali não faltava “ferramenta”, em quantidade e variedade. Parecia mais uma oficina de protótipos ou sala de artigos experimentais, com uma diferença: Não eram ofertas, mas coisas que custaram dinheiro … para nada! Era como se ali estivesse um cofre de dinheiro inútil e sem valor algum.

Vendo bem, não passamos de marionetes nas mãos dos profissionais do marketing e da publicidade que utilizam técnicas sofisticadas para nos controlar os impulsos consumistas e levar a comprar tudo o que precisamos, mas muitíssimo pior, sobretudo o que não precisamos. É por isso, por todo aquele “lixo” que vamos comprando e acumulando dentro das nossas casas seja ele feito de tralhas para a cozinha, roupa e calçado, artigos para as férias na praia, no campo ou na neve, usar ou nunca usar, já para não falar em coisas bem mais “pesadas” em todos os aspetos, que nos tornamos escravos permanentemente à procura de ganhar mais e mais para gastar mais e mais, como se a felicidade se medisse pela quantidade de bens que compramos …    

Coincidências ou probabilidades?

Há coisas para as quais nós não temos explicação ou, melhor, para as quais se dão milhentas explicações, mas nenhuma satisfatória, como o que aconteceu com dois irmãos gêmeos que, apesar de terem vivido separados, tiveram vidas assustadoramente semelhantes. Como foi possível? “Com quatro anos de idade, Jim Lewis e Jim Springer foram separados e cada um deles teve uma família diferente. Quando anos mais tarde se encontraram, descobriram que os dois tiveram ainda em criança um cachorro chamado Toy, além de terem carros, fumar cigarros e beber cerveja, tudo da mesma marca. Mas a semelhança mais marcante foi a de que ambos foram casados duas vezes, o que até poderia ser normal, se não fosse o caso das primeiras mulheres dos dois se chamarem Linda e as segundas se chamarem Betty”. É mesmo caso para perguntar, como foi possível? Puro acaso? Mas não foram acasos a mais?

Quer seja para o bem ou para o mal, não é tão raro que em alguns momentos o “universo” conspire para que isto ou aquilo aconteça e nos surpreenda, de tal forma que, conscientemente, não sabemos o que pensar da situação ou que resposta ter para o facto. É costume dizer-se que “os astros se alinharam para que tal acontecesse”. Da mesma forma, quantas vezes uma série de factos acontecem todos uns atrás dos outros ou ao mesmo tempo, para fazer que algo se concretize ou para fazer rigorosamente o contrário? Coincidência é a palavra que os dicionários têm para sintetizar tudo isso. Mas será que tudo o que aconteceu com os gêmeos foi uma mera coincidência? Se pensarmos um pouco, não é difícil chegarmos à conclusão de que não podemos atribuir à “coincidência” a responsabilidade destes factos. A verdade é que há sempre uma explicação para tudo o que acontece nas nossas vidas, pois o facto de “nada acontecer por acaso”, mais do que uma simples frase, é uma realidade com a qual temos de conviver por mais que não consigamos entender os motivos. No entanto temos o direito de acreditar em coincidências e em coisas inacreditáveis, mesmo que seja por uma questão de fé. 

Há algumas décadas, Albert Einstein chegou a desenvolver estudos na tentativa de explicar cientificamente a coincidência. Porém, não tendo conseguido estabelecer uma regra que justificasse a sua existência, Einstein não se deu por vencido e passou a acreditar e afirmar junto dos seus que “a coincidência era a maneira que Deus tinha encontrado para permanecer no anonimato”. Parece difícil acreditar que um cientista como ele tenha atribuído ao Divino a presença da coincidência nas nossas vidas. Mas, que razões o terão levado a dizer isso diante dos resultados das suas pesquisas? Pouco importa, porque não contribui em nada para acreditarmos ou não em coincidências na nossa vida, pois “o facto de não termos explicação sobre uma coisa, não impede nem ajuda que essa coisa não aconteça”.

Num domingo de manhã, a escritora norte-americana foi passear nas ruas de Paris onde estava a passar férias com o marido. Entrou numa livraria, viu o livro “Jack Frost e Outras Histórias” e comprou-o, pois era um dos seus favoritos em criança. Quando o marido o abriu leu na primeira página o nome da sua mulher e a morada, descobrindo que ela acabara de comprar o livro que lhe pertencia quando era nova. É mais uma coincidência? O matemático Joseph Mazur não acredita que tenha sido coincidência e acredita no que resumiu em probabilidades de acontecer. “Era pouco provável, mas não é incrível ter acontecido” disse ele. “Um amigo telefonar no momento em que íamos telefonar-lhe, encontrar alguém muito parecido connosco, ganhar a lotaria 4 vezes, é mais provável do que parece”, disse ele, chamando-lhe a Lei das Probabilidades e até explica as coincidências mais espetaculares, de que o exemplo desta lei é o Teorema do Macaco: “Se um macaco carregar ao acaso nas teclas de um computador durante muito tempo acabará por escrever um texto de William Shakespeare. Os piratas informáticos usam esta lógica para desvendar a palavra-passe testando milhões de hipóteses com algoritmos e computadores”. É outra forma de ver as coincidências? Dizem que é difícil acreditar em coincidências, mas é ainda mais difícil acreditar em qualquer outra coisa. 

E tudo isto me trouxe a algo semelhante à primeira parte do texto desta crónica, com algo um pouco parecido, mas que ocorreu aqui em Lousada: “Há poucos dias a senhora Conceição, com mais de oitenta anos e de boa saúde, sofreu uma queda, foi para o hospital onde lhe foi diagnosticada a morte cerebral e passados 2 dias morreu. Nada de estranho, a não ser que o senhor Antero, seu irmão gêmeo, há cerca de 2 anos, também com boa saúde, sofreu uma queda, foi parar ao hospital onde lhe foi diagnosticada a morte cerebral e passados 2 dias morreu. 

Terá sido uma coincidência? Mas o mais curioso é que a senhora Conceição quando andava na escola, um dia ao regressar a casa, caiu e partiu um braço. E o senhor Antero, nesse mesmo dia ao voltar para casa da mesma escola por um outro caminho que não o da irmã, caiu e também partiu um braço. Terão sido só coincidências e nada mais? Terá sido a matemática na famosa Lei das Probabilidades, como defende Joseph Mazur, a explicar todas estas coincidências? Ou, por muito que não se goste, é um daqueles quebra-cabeças que Deus nos deixou para pôr à prova a nossa inteligência e, quem sabe, para chegarmos à conclusão de que “há razões que a razão desconhece”? Mas que são coincidências a mais, são … 

A “cunha”, essa instituição nacional …

Como os portugueses “andam em pulgas” querendo saber mais e mais sobre essa “cunha” fabulosa que valeu, ao que tudo indica, cerca de quatro milhões de euros (e de que todos nós fomos contribuintes sem o termos sabido), para além de acreditarem ter direito à verdade e saber quais os envolvidos nesse “filme” de que ninguém se assume protagonista, eu julgo ser uma ocasião propícia para falar sobre essa verdadeira instituição portuguesa conhecida por “cunha”.         Porque, goste-se ou não, vivemos no país da “cunha” e ninguém está imune e escapa ao seu contágio, embora uns, mais do que outros, convivem diariamente com muitos pedidos, influências, pressões ou empenhos. Apesar de, como português, já me ter habituado há muito a tal fenómeno, fico sempre impressionado com a naturalidade com que se usa e abusa de tal “ferramenta”, imprópria de um país dito democrático e civilizado.             Porque, muitas vezes, se sortir efeito, podem-se inverter as regras do jogo e prejudicar terceiros. E a “cunha” é para quem tem o poder de decidir, sejam governantes de qualquer nível, os amigos e os amigos dos amigos deles, dirigentes de instituições, repartições e de quem lhes é afeto ou sirva de trampolim para lá chegar. Mas sempre que ela não resulta, só fica mal visto quem a recusa, não quem a mete …        Todos sabem que em Portugal a cunha, o jeitinho, o empurrãozinho, a ajudinha, fazem parte da nossa matriz cultural e não conseguimos viver sem a utilização dessa bengala cultural e social. E isso acontece muitas vezes porque as instituições não funcionam ou funcionam mal e a administração pública está bloqueada por excesso de serviço ou problemas financeiros, incapacidade organizativa e burocracia mais que muita. Se houvesse bom rigor e tolerância zero, se as instituições funcionassem como deviam, seguramente que a cunha não medraria nem seria necessária.                                                                                                            Por vezes a “cunha” é embrulhada no sotaque brasileiro do “jeitinho”: “Podia fazer-me o “jeitinho”? E tudo encaixa como uma luva quando, numa expressão muito carinhosa, dizem “vou mexer os cordelinhos”. Está-se mesmo a ver que é a “cunha” adoçada com o “inho” tão típico da nossa língua, algo muito subtil, quase irrecusável e desculpável. Muitas vezes funciona como uma troca de favores: Hoje fazes-me este “jeitinho” e amanhã eu “mexo os cordelinhos” para te desenrascar. O intercâmbio social que está no nosso ADN e que até exportamos para o Brasil, onde cresceu e floresceu sob a roupagem de “jeitinho”, mas que não é mais do que a nossa “cunha” tradicional, tropicalizada, em muitas ocasiões à espera do retorno do favor. Lembro-me de Júlio Monteiro ter afirmado “ser a coisa mais natural do mundo meter uma cunha para que um amigo inglês chegasse à fala com o seu sobrinho, na altura ministro. Só não achou natural, disse ele, que o amigo não lhe tivesse agradecido o favor: “Depois até fiquei chateado porque usou o meu nome e nem obrigado me disse”. Quando alguém espera que agradeçam um favor …                                                                                 E foi tal “jeitinho” que tramou Eça de Queirós quando concorreu e ganhou o concurso para cônsul na Baía, mas que perdeu na secretaria ao esquecer-se do “fator C”, que outro candidato usou na hora certa. O “fator cunha”. Deste “atropelo ético” nasceria a inspiração para, com Ramalho Ortigão, escrever “As Farpas”, tendo-se referido numa delas ao seu caso assim: “Querido leitor: Nunca penses servir o teu país com a tua inteligência e, para tal, em estudar, em trabalhar e pensar! Não estudes, corrompe! Não sejas digno, sê hábil! E, sobretudo, nunca faças um concurso; ou quando o fizeres, em lugar de pôr no papel que está diante de ti o resultado de um ano de trabalho, de estudo, simplesmente escreve: Sou influente no círculo tal e não me façam repetir duas vezes!”                                                                                                                     Na literatura portuguesa há mais referências à “instituição cunha”, como é o caso de Almada Negreiros nos primeiros anos do Estado Novo, em 1933, nas páginas do Diário de Lisboa: “Há um Portugal profissional, civil e insubornável! Há, sim senhores! Mas entretanto … a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos”. Mudaram-se os tempos, mas os maus costumes não se mudaram. Eça e Almada retrataram o país das “cunhas” e, para mal dos nossos pecados, continuamos tão parecidos ao retrato que eles fizeram de nós! Aliás, não sei mesmo se com um tom mais carregado. A “cunha” é um pedido especial realizado por alguém a favor de outra pessoa. Normalmente diz-se “meter uma cunha”, para recomendar ou interceder por alguém. É uma especialidade nacional ao serviço de tudo e mais alguma coisa. A “cunha” veste roupagens diferentes, mas não deixa de ser a mesma coisa quando lhe chamam empenho, fator C, “jeitinho”, mexer os cordelinhos, empurrão, pedido ou a gasosa muito usada nos países africanos e o “pistolão” brasileiro. Vai dar tudo ao mesmo …                                                                                    Independentemente do nome que se lhe chamar, é algo que move interesses por maiores ou menores que eles possam ser, coisa que muitas vezes contorna os princípios morais, por vezes a ética e, em outras, a própria lei.                                                                                         Não deixa de ser curioso como é que neste caso presente, numa “cunha” tão valiosamente cara, ninguém a meteu, ninguém viu, ninguém sabe nada, nem ninguém assume a paternidade para uma situação de sucessivos privilégios, embora isso possa vir a abalar a própria Presidência da República. Claro, não cai bem à consciência nacional ver alguns processos administrativos ser resolvidos em tão poucos dias quando para um cidadão comum demora meses, talvez anos ou nunca chegam a ser resolvidos.  Alguém acha mesmo que somos todos iguais?

A importância da “presença” …

Na sua homilia, o padre celebrante contou uma experiência pessoal que acabara de viver e que o tocara muito. Ao acompanhar o grupo de catequese de uma das suas paróquias viu um menino afastado e, estranhando o facto, aproximou-se e perguntou-lhe o que se passava. O menino respondeu que estava triste. O senhor padre quis saber porquê e ele respondeu-lhe: “Porque a Daniela (colega de catequese) não está”. Foi a atenção dada pelo menino à não presença da sua companheira de catequese e ao seu sentimento de tristeza gerado por isso, que tocou o senhor padre. Ali estava uma criança a valorizar o que nós muitas vezes esquecemos de valorizar: a presença das pessoas de quem gostamos. 

A tecnologia e redes sociais dão-nos uma falsa sensação de presença, pois é possível acompanhar a vida de centenas de amigos, colegas, conhecidos do Facebook, Instagram e participar em conversas no WhatsApp. Por isso, temos a sensação de estarmos satisfeitos. Mas será mesmo assim? Até parecemos aquele chato que nos diz que ver um espetáculo na televisão é a mesma coisa que assistir ao vivo!                                                               Todos sabem que não é verdade. Dizem que a tecnologia aproximou os distantes e distanciou os próximos, uma realidade. Agora é muito fácil falar com alguém que está do outro lado do mundo (e eu sei bem disso por experiência própria), o que é bom. Mas na verdade, a maior parte das pessoas com quem mantemos contacto no dia a dia estão bem perto, tantas vezes tão perto que era possível falar com elas cara a cara, na sua presença e não estar a falar sozinho para um pequeno aparelho, quando não a falar “para o boneco” com um apetrecho enfiado em cada ouvido. Se alguma coisa positiva teve a quarentena imposta pela pandemia, foi fazer-nos perceber claramente que nos faz falta estar junto, na presença das pessoas. E isso quer dizer estar com elas, poder tocar-lhes, encostar, abraçar e beijar. Porque o “falar à distância” não tem nada, mesmo nada a ver com o estar presente. Mas a tecnologia fez com que tenhamos negligenciado a necessidade dessa presença, levando-nos a trocar um benefício por um prejuízo. Quem acreditar que, “para estar junto não precisa de estar perto”, está errado. Sabemos que nem sempre é possível, mas esse tem de ser o desejo e o objetivo principal nas nossas vidas. Porque não há videochamada que substitua o olho no olho, nem emoji que substitua o abraço. A tecnologia tem coisas boas e facilitou as nossas vidas, mas só serve para ajudar. Vendo bem, ao dizermos “vamos almoçar” ou “encontramo-nos em casa, no café ou na rua” é que está certo. Todos nós sabemos disso, mas esquecemos depressa. E não podemos ficar à espera de uma nova pandemia para nos lembrar de novo o valor da “presença”.

Estar presente faz toda a diferença, porque é um sinal de prioridade e a forma de estar e sentir. Relações requerem comprometimento e sacrifício para gerar confiança. Mandar um e-mail não é o mesmo que estar no velório e dar os parabéns pelo telefone não é a mesma coisa que estar na fotografia atrás do bolo com o aniversariante. Presença é uma grande demonstração de amizade ou amor, porque através dela oferecemos algo muito valioso: Tempo.

É sabido que muitas vezes não damos o devido valor ao que temos e só nos damos conta disso quando deixamos de o ter. E nisso incluem-se as pessoas de quem gostamos, porque no corre, corre da vida, nós damos a sua presença como adquirida e garantida. E estamos muito enganados.

Ao olhar para trás é esse sentimento que me ficou em relação à Luísa, antes e mesmo depois de adoecer. Acredito que não soube usufruir da sua presença tanto quanto podia e devia. Apesar de tudo, nos últimos anos aproveitei a sua presença sempre que pude, mesmo quando não havia nada para dizer pela sua dificuldade em comunicar. Mas até nos seus silêncios os abraços diziam-me muito e um simples “obrigado” que ela usava frequentemente sempre que a ajudava em qualquer pequena tarefa, quando não acompanhado de um sorriso, enchiam-me a alma. E, apesar de condicionada pela doença e todas as suas limitações, mentiria se dissesse que hoje não sinto muito a falta da sua presença cá em casa, aquilo que eu dava por adquirido, mas que, afinal, não era. No meu consciente, jamais achei que a perderia. Num tempo em que jovens e menos jovens privilegiam o contacto com os outros através das redes sociais em prejuízo do cara a cara, em que mesmo quando estão juntos fisicamente comunicam entre si pelos meios virtuais como que ausentes de quem está presente, a “presença” completa do corpo e espírito de uns para os outros, isso de olhar olhos nos olhos e ver o brilho de um sentimento, é um valor que nunca podemos deixar cair, sem correr o risco de deixar de ser humanos …