Monthly Archives: December 2016

A melhor prenda de Natal…

Aí estamos nós com o Natal à porta e a azáfama comercial em alta. Há mais de um mês que a publicidade, o poderoso instrumento da sociedade de consumo, usa todos os artifícios, engenhos e engodos para nos iludir e levar a comprar milhares de produtos, tidos como “próprios da quadra natalícia”. Já lá vai o tempo em que o Natal era um dos poucos momentos para se darem prendas… úteis, regra geral roupa. Era sempre nestes dias que “estreava” o fato novo, as calças ou a camisola. Mas, tal só acontecia quando a necessidade fosse evidente. Não se tinham três pares de calças, muito menos três fatos. Daí que as prendas dessa época eram bens de uso corrente, como a roupa. E brinquedos? Nada. Cada um fazia os seus, improvisando. Na noite de Natal, depois do jantar em casa da minha avó materna (mesmo em frente da casa dos meus pais), jogávamos o “rapa”, ao pinhão. Os pinhões, conseguia-os num pinheiro manso atrás de casa da avó, trepando como um gato à copa para apanhar pinhas. Abria-as e dividia os pinhões com os meus irmãos para jogar. Ao longo da noite partíamos alguns para comer. E era assim que fazíamos a noitada… No sapatinho, o Menino Jesus (ainda não tinha “nascido” o Pai Natal…) punha umas meias ou umas luvas de lã feitas pela minha mãe. E eram prendas muito bem vindas…

Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, as necessidades e os desejos. Se em criança tivéssemos prenda (e eram poucos os que a tinham), esta era um bem essencial. Em contraponto, muitas das prendas de hoje são bens supérfluos, tantas vezes recebidas com um sorriso, mas logo arrumadas na prateleira e ignoradas. No entanto, cumpre-se a tradição (criada pela sociedade de consumo…). E esta é uma das muitas razões pelas quais nos tornámos… “acumuladores de lixo”. Já há alguns anos que peço à família e amigos próximos que neste dia, como noutros momentos especiais, só me devem oferecer livros ou produtos que uso no dia a dia (creme de barbear, pasta de dentes, sabonetes, vinho, etc.). Bugigangas, não. Por favor. Já me basta as que estão espalhadas pela casa e que (quase) só são um estorvo. De tal forma que, quando alguma cai ao chão e parte… dou graças a Deus. É menos uma… E já nem falo das que estão encaixotadas!!! Talvez o facto de ter nascido em tempo de guerra, de privações e racionamento, tenha sido o motivo para nunca ter aderido verdadeiramente à sociedade de consumo, nem me ter tornado num consumista. Pelo contrário, à medida que envelheci, mais crítico me tornei do consumo desenfreado e irracional da sociedade. Mas não passei a vida sem cometer os meus “pecados” enquanto consumidor e não é necessário sair de casa para “tropeçar” nas consequências, a tal “tralha”. Muitos deles, foram (e são) motivo para uma vida mais complicada, precisamente o contrário daquilo que desejava. Tanto na casa, como nos anexos (estes são o sinal crónico de que a casa já era insuficiente para guardar todo o “lixo” que acumulamos ao longo da vida, como se tal “lixo” fosse importante para a nossa felicidade…). É curioso que, algum tempo depois de ter escrito uma crónica sobre o tema, uma simpática senhora encontrou-me na rua e veio agradecer-me. Quando perguntei porquê, contou-me que depois de o ler, recolheu todos os objetos que tinha em cima dos móveis e guardou-os em caixas. “Só deixei um objeto em cada móvel e não imagina como o trabalho de limpeza se tornou mais fácil”, confessou ela.

Com o aproximar da quadra natalícia, a publicidade massacra-nos, tentando impingir-nos um conjunto de produtos, mais ou menos comuns nas prendas de Natal. Alguns são até anunciados como se tivessem poderes especiais, em nada associados às suas funções, como se exprimissem sentimentos. São os perfumes maravilhosos que nos levam ao paraíso terrestre, chiques, estilizados e sensuais, os chocolates aveludados associados a vidas aristocráticas e luxuosas. Além dos brinquedos encantados da “Popota” e outras figuras que tais, que põem as crianças a fazer birras, telemóveis sofisticados de múltiplas funções “ao preço da chuva” e imensas promoções dos supermercados, que aliciam o coração mais duro. E os consumidores, que pensam agir pela sua cabeça, estão enganados. Profundamente enganados. Como alguém dizia, “nascemos infetados com o vírus da compra e da moda”. É assim que as crianças se queixam aos pais “porque o outro menino tem um brinquedo melhor, mais moderno”. E eles compram. E os adultos? “A diferença entre os adultos e as crianças é que, à medida que crescem, os brinquedos vão ficando mais caros”… E se outrora a decisão de compra era ponderada e racional, hoje somos influenciados de tal forma pelo marketing e pela publicidade, que compramos de forma absolutamente irracional, quando não compulsiva. Na realidade, tornamo-nos um fantoche da publicidade, que nos impinge e envolve numa auréola de felicidade e bem estar ao comprar o produto, compelindo-nos a ter, ter, ter, para nos sentirmos realizados. E são milhões de produtos que nos querem vender a toda a hora para nos fazer felizes…

Com toda a euforia consumista esquece-se o verdadeiro significado do Natal e a grande importância que tem como ponto de encontro e último reduto da célula mais importante da sociedade, que dá pelo nome de família. Por alguma razão católicos e protestantes, religiosos e ateus, fazem-se à estrada e calcorreiam quilómetros e quilómetros para o reencontro com os seus, tantas vezes o único do ano. O que é, só por si, um milagre de Natal. Por isso, a melhor prenda de Natal que alguém pode ter nesta noite abençoada, é a família toda reunida e a presença daqueles que ama. E neste país de imigrantes, há tantos a quem vai faltar alguém que está longe. E eu serei mais um…

Um Santo e Feliz Natal.

Compramos com os olhos, mas…

Fui ao supermercado comprar fruta e, como qualquer pessoa, a minha escolha foi feita com os olhos. Quem resistia à tentação daquelas maçãs vermelhinhas, lustrosas e de pele lisinha? Claro, trouxe algumas de duas variedades, grandes, lindas, perfeitas. Mal cheguei a casa, escolhi uma grande e bonita, lavei-a, dei-lhe uma dentada… e apanhei uma desilusão: Não sabia a nada, era insípida e farinhenta. E eu tinha consciência de não dever criar expectativas altas, muito menos que me saísse uma maçã suculenta e saborosa. É nestes momentos que me vêm à memória as recordações da fruta que comia quando criança. Não havia pomares na aldeia. As fruteiras que existiam estavam normalmente nas “bordas” dos campos ou nos quintais, talvez porque a fruta não era tida como um bem “de primeira necessidade”. Na maioria das casas quase só se comia caldo e broa. E sobremesa? O que era isso? Sobremesa não fazia parte do cardápio… A fruta, verde ou madura, quando se conseguia arranjar, era comida na hora para aplacar as reclamações do estômago vazio. Na aldeia a rapaziada conhecia todas as fruteiras, os ciclos de produção e… os donos. E confesso que, fazendo parte dessa rapaziada que se considerava “com direito” a “provar” a fruta antes deles, lembro com saudade o sabor da maçã verdeal (uma variedade que desapareceu). Existia na Quinta da Aldeia uma macieira dessas, que fazia questão de visitar mais que uma vez, antes de as colherem. As “maçãs de Santiago” eram boas, perfumadas e as primeiras a amadurecer. Quanto a cerejas, era um cliente habitual de uma grande cerejeira “Bical” que havia nas Cepas, a caminho de Recemonde. Estava pendurado numa galha quando o Avelino caiu lá do alto, batendo com “os costados” de ramo em ramo, até se estatelar no chão. Nunca mais comi cerejas tão boas…. E, claro, sabiam bem quando comidas em cima da árvore, às vezes com um olho nas cerejas e outro no dono… à distância. Nos ameixos (agora mudaram de sexo sem terem de fazer qualquer cirurgia e chamam-lhe ameixas), os melhores que conhecia eram os “de aparta caroço”, também conhecidos por “carangueijos” (rebatizados com o nome pomposo de “Rainha Cláudia”). Saborosos, tão saborosos que raramente a minha avó conseguia comer um… Gostava muito das peras de água e dos “cadornos”, também conhecidos por “peras de inverno”, grandes e bonitas mas difíceis de amadurecer. Depois de colhidas, enfiavam-se no meio da palha até ficarem boas. Só conhecia dois diospireiros e estavam junto à casa da Quinta do Souto, mas não era fácil chegar-lhes… Os melhores eram (e ainda são) os “coroa de rei”. Gosto muito e ainda me vou deliciando com esta variedade, abastecido por três amigos. Só na borda de um campo a caminho de Piage é que havia morangos. Bravios e pequenos, eram muito saborosos e perfumados, uma delícia. E podia desfiar mais algumas recordações da fruta que me dava prazer a comer, fruta com paladar. Enfim, fruta a sério.

Mas as produções naturais, praticamente sem a intervenção do ser humano ou com alguma ajuda aleatória, são irregulares e hoje insuficientes para a elevada procura dos mercados. Daí que se tenha passado à produção industrial, em grandes pomares, para satisfazer a muita procura e dar resposta às necessidades de mais população. Para isso, deixou-se o estrume e passou a utilizar-se fertilizantes. As pragas e doenças com que antes convivíamos (às vezes essa boa convivência só era interrompida quando ao dar uma dentada na maçã também acertávamos na lagarta) são agora combatidas com pesticidas, produtos com que hoje temos de conviver (mesmo que não o queiramos). Apesar do aspeto lindo, calibrado e perfeito das caixas de fruta que atualmente aparecem no mercado e cujo sabor quase raramente corresponde à apresentação, vivemos alheados de uma realidade: Grande parte dessa fruta contem resíduos de pesticidas. Se não tivermos isso em conta e não cuidarmos de ter algumas precauções, sofreremos as consequências. Usam-se demasiadas vezes os pesticidas de forma incorreta, sem respeito por nós, consumidores. No mundo real, o “manuseamento adequado” de pesticidas é simplesmente inviável. Nem com as formações, agora obrigatórias.. e pagas, como se deve calcular. Ninguém dá nada a ninguém, nem mesmo quando é do interesse geral, como é o caso.

Mas, voltando à fruta, felizes daqueles que conseguem ter fruta em casa… biológica, sem a utilização de fertilizantes nem pesticidas. Esses, sim, podem dizer que têm fruta caseira… Embora haja para aí muito boa gente que diz ter fruta caseira mas trata as fruteiras com todo o tipo de produtos químicos. Está bom de ver que fruta comem… É como os frangos caseiros… alimentados a ração industrial…

A questão que hoje se coloca, ao sabermos que a maior parte da fruta que compramos contem resíduos de pesticidas, é se devemos deixar de comer fruta por essa razão. Não comer uma maçã é uma má decisão mas, comer uma maçã sem a lavar ou descascar, é uma pior decisão, até porque comporta riscos. É certo que já não podemos escolher entre a fruta dos (super)mercados e aquela que eu comia em criança, pois só nos resta a primeira (embora comece a aparecer nalguns locais a fruta biológica). Um mal menor. Saibamos viver com isso… e ter os cuidados que a situação exige, para bem da nossa rica saúde…

So quem passa por “elas” é que sabe…

É vulgar ouvirmos dizer “isto está mal feito”. A vida não deveria ser assim. Devíamos ter boa saúde do princípio ao fim e, quando terminasse o nosso prazo de validade, “desligava-se o interruptor”. Evitava-se sofrimento, solidão, dramas, misérias humanas e tudo o que há de mais negativo e pelo qual o ser humano passa no ocaso.. Mas, será que gostaríamos de trazer gravado na testa ou em qualquer outro local mais adequado, talvez no “fundo do pacote”, o prazo de validade? De saber em que dia deixamos de “ser consumíveis”? Não me parece. E ainda bem que não temos poder para alterar esse estado de coisas pois, quando o homem altera o equilíbrio da natureza, tendencialmente é para pior. Goste-se ou não, nos últimos anos de vida definhamos, perdemos energia, mobilidade, auto suficiência para as coisas mais básicas, muitas vezes feitos prisioneiros no próprio corpo, absolutamente dependentes dos cuidados de algum familiar ou amigo, conhecido ou estranho, amador ou profissional. Quando se tem a sorte de ter alguém que cuide de nós… Não há dúvida que os mais sortudos são aqueles que têm uma retaguarda familiar capaz de lhes assegurar os cuidados necessários em casa, no seu ambiente, sem o choque que é sempre a saída para um local estranho, por melhores condições que ofereça. Mas, compatibilizar as vidas dos filhos, hoje tão agitadas, com a disponibilidade para acudir às necessidades dos seus idosos doentes e dependentes, muitas vezes a exigir demasiado dos cuidadores, não é tarefa fácil. Ajuda, e muito, ter uma boa situação económica, para pagar a profissionais e assegurar esses cuidados em casa, mantendo o idoso ou doente no seu ambiente familiar. O que é bom. E os outros? Os que não têm dinheiro para “mandar cantar um cego”, quanto mais para pagar a um cuidador? Alguns jogam ao “vai e vem”. Levam-no para o hospital, porque não está em condições de ficar em casa, mas depressa o hospital lhe dá alta e o devolve à origem. As camas são precisas para outras patologias… E, uns dias depois, lá vai ele outra vez para o hospital… e volta. Como dizia um médico amigo, com um pouco de sorte, “pode ser que morra no caminho” e o “problema” fica resolvido. E haverá mais uma cama livre…

Os lares são uma solução para quem não tem retaguarda familiar ou quando não há condições na família, nem de tempo, nem de espaço, nem de saúde. Um bom lar, sendo à partida “o mal menor”, pode acabar por ser mesmo o lugar onde o idoso encontra tudo aquilo que precisa para um resto de vida tranquilo e digno. Mas, a grande maioria das pessoas que necessita dos cuidados de alguém ainda permanece em casa ou na de familiares, normalmente filhos. E é aí, na casa de cada um, que se encontram histórias reais de dedicação, sacrifício, dádiva, solidariedade e amor, muitas delas inspiradoras de tão fantásticas que são, que ainda nos fazem acreditar na bondade do ser humano. São os cuidadores informais, normalmente pessoas íntimas, que “passam as passas do Algarve” para tratarem do marido, da mulher, do filho ou de outra pessoa mais ou menos próxima. As mulheres são a maioria dessa legião de gente boa e abnegada, e é entre os mais pobres que estão quase sempre os casos mais dramáticos. Cada um é um caso mais complexo que outro. Só quando nos aproximamos e vivemos o problema, é que temos uma noção do que aquele(a) cuidador(a) passa… ou julgamos que sabemos.

Já Camões dizia: “Mais vale experimentá-lo que julgá-lo. Mas julgue-o, quem não puder experimentá-lo”. E nós, só julgamos, tantas vezes com um conhecimento muito superficial das situações. Julgamos que sabemos das dificuldades deste ou daquele caso mas, quase sempre, estamos muito longe da realidade, da dimensão dos obstáculos que o cuidador tem de vencer todos os dias. E são sete dias da semana, trinta dias do mês, trezentos e sessenta e cinco dias do ano, quantas vezes ao longo de anos e anos… Só quem realmente passa por elas é que sabe. Verdadeiramente. E falo assim porque também já sou um. Há oito anos, desde que a Luísa teve dois AVCs e duas pernas partidas. Mas, confesso, antes não sabia do que falava e, hoje, ainda pouco sei. Porque tenho o privilégio de ter algum apoio familiar e condição económica para ter outras ajudas profissionais. Com isso, sou essencialmente cuidador à noite e nos fins de semana. Mas já passei o suficiente para dizer que não é “pera doce”. Movimentar uma pessoa que quase dobrou de peso, incontinente, quase sempre fora da realidade, sem memória de curto prazo, já dá para imaginar (e digo só imaginar), como será a vida de quem faz isso todos os dias, vinte e quatro horas por dia, sozinho, com um doente em muito pior condição que a Luísa!!! E existe uma multidão de pessoas nessas circunstâncias!!!… Gente que tem uma vida de grande exigência, às vezes sujeita a pressão psicológica brutal, sem intervalos, períodos de descanso semanais, mensais nem anuais. E tantas vezes só, sem ajuda económica que lhe alivie o fardo, sem contar com o estado para quem o cuidador não existe (e há para aí tanto subsídio dado a quem não o merece nem dele seja necessitado…), sem ter tempo para se cuidar porque já abdicou de si. Daí a frequência de depressões e esgotamentos, físicos e psíquicos, nos cuidadores. Mas raramente têm quem cuide deles, acabando muito esgotados, incompreendidos, às vezes um alvo a abater.

Por isso, aqui fica a minha homenagem e profundo respeito por esses ignorados do sistema, cuja ação social e assistencial não tem preço e a sociedade não valoriza como devia. Talvez por serem anónimos, verdadeiros heróis anónimos de todos os dias…

Remédios caseiros, mezinhas e rezas…

Quando outrora apanhava uma constipação e recorria ao doutor Abílio, começava por ouvir a recomendação do costume: “Sabes que, uma constipação se for tratada, dura trinta dias e, se não for, dura trinta e um. Por isso, recomendo-te caldos de galinha e cama”. Por vezes, ainda me dizia: “Porque, cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém”. Nos anos cinquenta poucos medicamentos existiam e eram as papas de linhaça na barriga ou no peito, os sanapismos de mostarda quando doíam a garganta ou as costas, os chás de malva, hortelã, cidreira, marcela, limão e outras mezinhas, o recurso para tentar curar os males de então.

À nascença, havia logo uma “razia”, fazendo com que um grande número de bebés não sobrevivesse. Daí existirem os “cemitérios dos anjinhos”, com muitas campas. Os “clientes” eram demais. Só ficavam os mais fortes, que iam adquirindo resistências naturais na luta contra os elementos, como o frio, o calor e a chuva, sem roupa nem calçado para os enfrentar, ou … morrendo com uma qualquer doença, hoje facilmente tratada. Mas os médicos eram poucos, os hospitais rudimentares e sem meios técnicos nem humanos e as boticas, hoje farmácias, sem as soluções de agora. Na falta de soluções medicamentosas, os remédios caseiros e as mezinhas eram o recurso. Para os poucos médicos e enfermeiros, o “barbeiro” era a alternativa. Como aliviar as dores de cabeça? Com rodelas de batata na testa. Para as constipações e tosse seca? Respirar o vapor de folhas de eucalipto fervidas, pois o vapor desbloqueia as vias respiratórias (eu “metia o nariz” em cima da panela e punha uma toalha sobre a cabeça para concentrar o vapor). Como tirar o dente que estava a abanar? Atava-se com um fio e prendia-se à porta. Com a cabeça do paciente bem segura, o “dentista” fechava a porta com força, o que fazia esticar o fio e levar junto o dente… Um corte no braço, na mão ou no dedo? Chupava-se a ferida e lambia-se até parar de sangrar (hoje sabe-se que a saliva tem propriedades bactericidas). Na falta de médicos, ia-se às “talhadeiras”. “Talhavam o “tresorelho” (papeira) pondo um jugo de bois, acabado de usar, no pescoço do doente e, com uma faca, faziam o sinal da cruz nove vezes dizendo uma lenga, lenga. “Talhavam” o bicho, como “talhavam” a peçonha (ambas doenças de pele), a ciática, as impigens, as ínguas (nódulos nas axilas ou nas coxas), o farfalho (doença nos cantos da boca), a zipela ou erisipela (com “caruchas” de oliveira, azeite e uma reza), as dadas (mau olhado), as aftas e até o “sol” (dores de cabeça por se apanhar muito sol). A quem tinha a “espinhela caída” (fraqueza), levantava-se a “espinhela” com alguns pequenos exercícios e um caldo de couves com três gorduras diferentes e um atado de ervas apropriado. “Cosia-se” os pés e os pulsos a quem os tivesse “abertos”. E as mulheres quando davam à luz, para recuperar as forças, deveriam comer uma galinha por dia durante trinta dias e, no final, o galo da capoeira. É que a medicina popular era, e ainda é, feita de rezas, práticas e outros rituais.

Nesse tempo já se queimava o nervo ciático para eliminar as dores, faziam-se cataplasmas de cebola (pensos húmidos) cozendo cebola e estendendo-a num pano que se aplicava no local da dor e davam-se clisteres para lavar o intestino. Ainda para as constipações, os “escalda pés” costumavam dar bons resultados. Para isso, punha-se água bem quente num alguidar, um cavaco sobre o alguidar para assentar os pés do doente e ia-se deitando água pelas pernas abaixo…

Para as lombrigas, usava-se chá de hortelã. No entanto, um professor deu-me uma receita bem melhor para matar a bicha solitária. Dizia ele: “Arranjas sete pães, sete ovos cozidos e um martelo. Durante uma semana, todos os dias, à mesma hora, comes um pão e um ovo cozido. Ao sétimo dia, comes só o pão, pegas no martelo e aguarda. A bicha solitária vem à boca, põe a cabeça de fora e pergunta: E o ovo? Aproveitas o momento e dás-lhe com o martelo na cabeça”…

Como não havia ortopedistas por aí, o “endireita” era o homem que resolvia tudo o que dissesse respeito a ossos, músculos e tendões. Vindo ainda desse tempo, o senhor Pinto, da Adega (porque inicialmente trabalhava na Adega Cooperativa de Lousada) foi aquele que maior projeção atingiu na região. É um amigo de longa data, que me resolveu muitos problemas e que, felizmente, ainda continua a ajudar pessoas.

Descubro algumas contradições entre o que se fazia e o que se faz. Consciente que hoje se sabe mais, muito mais, é natural que se encontrem novas soluções, às vezes contrárias às de outrora. Para aliviar a febre, hoje manda-se tirar a roupa. Noutros tempos, o conselho era para se abafar a pessoa com roupa, porque tinha de transpirar para a febre passar. Usava-se uma máxima no combate de algumas doenças, que ainda hoje é válida: “Abafa-te, abifa-te e avinha-te”.

Ao olhar para trás, dou muitas graças a Deus. Por um lado, ao permitir que escapasse entre as dificuldades desse tempo e chegasse até aqui. E, por outro, ao conceder os meios técnicos de hoje que, de forma geral, permitem o prolongamento da nossa “jornada” um pouco mais…

No entanto, assim como a indústria em geral passou a produzir produtos de duração limitada em relação àquilo que a tecnologia conhece, intencionalmente e com o objetivo de vender mais, também a indústria farmacêutica tem sido acusada de ter descoberto a cura para algumas doenças mas esconde as soluções, em nome do lucro e da rentabilidade, porque o seu negócio é vender medicamentos e não é acabar com as doenças… Pois é, negócio é negócio…

Quando outrora apanhava uma constipação e recorria ao doutor Abílio, começava por ouvir a recomendação do costume: “Sabes que, uma constipação se for tratada, dura trinta dias e, se não for, dura trinta e um. Por isso, recomendo-te caldos de galinha e cama”. Por vezes, ainda me dizia: “Porque, cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém”. Nos anos cinquenta poucos medicamentos existiam e eram as papas de linhaça na barriga ou no peito, os sanapismos de mostarda quando doíam a garganta ou as costas, os chás de malva, hortelã, cidreira, marcela, limão e outras mezinhas, o recurso para tentar curar os males de então.

À nascença, havia logo uma “razia”, fazendo com que um grande número de bebés não sobrevivesse. Daí existirem os “cemitérios dos anjinhos”, com muitas campas. Os “clientes” eram demais. Só ficavam os mais fortes, que iam adquirindo resistências naturais na luta contra os elementos, como o frio, o calor e a chuva, sem roupa nem calçado para os enfrentar, ou … morrendo com uma qualquer doença, hoje facilmente tratada. Mas os médicos eram poucos, os hospitais rudimentares e sem meios técnicos nem humanos e as boticas, hoje farmácias, sem as soluções de agora. Na falta de soluções medicamentosas, os remédios caseiros e as mezinhas eram o recurso. Para os poucos médicos e enfermeiros, o “barbeiro” era a alternativa. Como aliviar as dores de cabeça? Com rodelas de batata na testa. Para as constipações e tosse seca? Respirar o vapor de folhas de eucalipto fervidas, pois o vapor desbloqueia as vias respiratórias (eu “metia o nariz” em cima da panela e punha uma toalha sobre a cabeça para concentrar o vapor). Como tirar o dente que estava a abanar? Atava-se com um fio e prendia-se à porta. Com a cabeça do paciente bem segura, o “dentista” fechava a porta com força, o que fazia esticar o fio e levar junto o dente… Um corte no braço, na mão ou no dedo? Chupava-se a ferida e lambia-se até parar de sangrar (hoje sabe-se que a saliva tem propriedades bactericidas). Na falta de médicos, ia-se às “talhadeiras”. “Talhavam o “tresorelho” (papeira) pondo um jugo de bois, acabado de usar, no pescoço do doente e, com uma faca, faziam o sinal da cruz nove vezes dizendo uma lenga, lenga. “Talhavam” o bicho, como “talhavam” a peçonha (ambas doenças de pele), a ciática, as impigens, as ínguas (nódulos nas axilas ou nas coxas), o farfalho (doença nos cantos da boca), a zipela ou erisipela (com “caruchas” de oliveira, azeite e uma reza), as dadas (mau olhado), as aftas e até o “sol” (dores de cabeça por se apanhar muito sol). A quem tinha a “espinhela caída” (fraqueza), levantava-se a “espinhela” com alguns pequenos exercícios e um caldo de couves com três gorduras diferentes e um atado de ervas apropriado. “Cosia-se” os pés e os pulsos a quem os tivesse “abertos”. E as mulheres quando davam à luz, para recuperar as forças, deveriam comer uma galinha por dia durante trinta dias e, no final, o galo da capoeira. É que a medicina popular era, e ainda é, feita de rezas, práticas e outros rituais.

Nesse tempo já se queimava o nervo ciático para eliminar as dores, faziam-se cataplasmas de cebola (pensos húmidos) cozendo cebola e estendendo-a num pano que se aplicava no local da dor e davam-se clisteres para lavar o intestino. Ainda para as constipações, os “escalda pés” costumavam dar bons resultados. Para isso, punha-se água bem quente num alguidar, um cavaco sobre o alguidar para assentar os pés do doente e ia-se deitando água pelas pernas abaixo…

Para as lombrigas, usava-se chá de hortelã. No entanto, um professor deu-me uma receita bem melhor para matar a bicha solitária. Dizia ele: “Arranjas sete pães, sete ovos cozidos e um martelo. Durante uma semana, todos os dias, à mesma hora, comes um pão e um ovo cozido. Ao sétimo dia, comes só o pão, pegas no martelo e aguarda. A bicha solitária vem à boca, põe a cabeça de fora e pergunta: E o ovo? Aproveitas o momento e dás-lhe com o martelo na cabeça”…

Como não havia ortopedistas por aí, o “endireita” era o homem que resolvia tudo o que dissesse respeito a ossos, músculos e tendões. Vindo ainda desse tempo, o senhor Pinto, da Adega (porque inicialmente trabalhava na Adega Cooperativa de Lousada) foi aquele que maior projeção atingiu na região. É um amigo de longa data, que me resolveu muitos problemas e que, felizmente, ainda continua a ajudar pessoas.

Descubro algumas contradições entre o que se fazia e o que se faz. Consciente que hoje se sabe mais, muito mais, é natural que se encontrem novas soluções, às vezes contrárias às de outrora. Para aliviar a febre, hoje manda-se tirar a roupa. Noutros tempos, o conselho era para se abafar a pessoa com roupa, porque tinha de transpirar para a febre passar. Usava-se uma máxima no combate de algumas doenças, que ainda hoje é válida: “Abafa-te, abifa-te e avinha-te”.

Ao olhar para trás, dou muitas graças a Deus. Por um lado, ao permitir que escapasse entre as dificuldades desse tempo e chegasse até aqui. E, por outro, ao conceder os meios técnicos de hoje que, de forma geral, permitem o prolongamento da nossa “jornada” um pouco mais…

No entanto, assim como a indústria em geral passou a produzir produtos de duração limitada em relação àquilo que a tecnologia conhece, intencionalmente e com o objetivo de vender mais, também a indústria farmacêutica tem sido acusada de ter descoberto a cura para algumas doenças mas esconde as soluções, em nome do lucro e da rentabilidade, porque o seu negócio é vender medicamentos e não é acabar com as doenças… Pois é, negócio é negócio…