Aí estamos nós com o Natal à porta e a azáfama comercial em alta. Há mais de um mês que a publicidade, o poderoso instrumento da sociedade de consumo, usa todos os artifícios, engenhos e engodos para nos iludir e levar a comprar milhares de produtos, tidos como “próprios da quadra natalícia”. Já lá vai o tempo em que o Natal era um dos poucos momentos para se darem prendas… úteis, regra geral roupa. Era sempre nestes dias que “estreava” o fato novo, as calças ou a camisola. Mas, tal só acontecia quando a necessidade fosse evidente. Não se tinham três pares de calças, muito menos três fatos. Daí que as prendas dessa época eram bens de uso corrente, como a roupa. E brinquedos? Nada. Cada um fazia os seus, improvisando. Na noite de Natal, depois do jantar em casa da minha avó materna (mesmo em frente da casa dos meus pais), jogávamos o “rapa”, ao pinhão. Os pinhões, conseguia-os num pinheiro manso atrás de casa da avó, trepando como um gato à copa para apanhar pinhas. Abria-as e dividia os pinhões com os meus irmãos para jogar. Ao longo da noite partíamos alguns para comer. E era assim que fazíamos a noitada… No sapatinho, o Menino Jesus (ainda não tinha “nascido” o Pai Natal…) punha umas meias ou umas luvas de lã feitas pela minha mãe. E eram prendas muito bem vindas…
Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, as necessidades e os desejos. Se em criança tivéssemos prenda (e eram poucos os que a tinham), esta era um bem essencial. Em contraponto, muitas das prendas de hoje são bens supérfluos, tantas vezes recebidas com um sorriso, mas logo arrumadas na prateleira e ignoradas. No entanto, cumpre-se a tradição (criada pela sociedade de consumo…). E esta é uma das muitas razões pelas quais nos tornámos… “acumuladores de lixo”. Já há alguns anos que peço à família e amigos próximos que neste dia, como noutros momentos especiais, só me devem oferecer livros ou produtos que uso no dia a dia (creme de barbear, pasta de dentes, sabonetes, vinho, etc.). Bugigangas, não. Por favor. Já me basta as que estão espalhadas pela casa e que (quase) só são um estorvo. De tal forma que, quando alguma cai ao chão e parte… dou graças a Deus. É menos uma… E já nem falo das que estão encaixotadas!!! Talvez o facto de ter nascido em tempo de guerra, de privações e racionamento, tenha sido o motivo para nunca ter aderido verdadeiramente à sociedade de consumo, nem me ter tornado num consumista. Pelo contrário, à medida que envelheci, mais crítico me tornei do consumo desenfreado e irracional da sociedade. Mas não passei a vida sem cometer os meus “pecados” enquanto consumidor e não é necessário sair de casa para “tropeçar” nas consequências, a tal “tralha”. Muitos deles, foram (e são) motivo para uma vida mais complicada, precisamente o contrário daquilo que desejava. Tanto na casa, como nos anexos (estes são o sinal crónico de que a casa já era insuficiente para guardar todo o “lixo” que acumulamos ao longo da vida, como se tal “lixo” fosse importante para a nossa felicidade…). É curioso que, algum tempo depois de ter escrito uma crónica sobre o tema, uma simpática senhora encontrou-me na rua e veio agradecer-me. Quando perguntei porquê, contou-me que depois de o ler, recolheu todos os objetos que tinha em cima dos móveis e guardou-os em caixas. “Só deixei um objeto em cada móvel e não imagina como o trabalho de limpeza se tornou mais fácil”, confessou ela.
Com o aproximar da quadra natalícia, a publicidade massacra-nos, tentando impingir-nos um conjunto de produtos, mais ou menos comuns nas prendas de Natal. Alguns são até anunciados como se tivessem poderes especiais, em nada associados às suas funções, como se exprimissem sentimentos. São os perfumes maravilhosos que nos levam ao paraíso terrestre, chiques, estilizados e sensuais, os chocolates aveludados associados a vidas aristocráticas e luxuosas. Além dos brinquedos encantados da “Popota” e outras figuras que tais, que põem as crianças a fazer birras, telemóveis sofisticados de múltiplas funções “ao preço da chuva” e imensas promoções dos supermercados, que aliciam o coração mais duro. E os consumidores, que pensam agir pela sua cabeça, estão enganados. Profundamente enganados. Como alguém dizia, “nascemos infetados com o vírus da compra e da moda”. É assim que as crianças se queixam aos pais “porque o outro menino tem um brinquedo melhor, mais moderno”. E eles compram. E os adultos? “A diferença entre os adultos e as crianças é que, à medida que crescem, os brinquedos vão ficando mais caros”… E se outrora a decisão de compra era ponderada e racional, hoje somos influenciados de tal forma pelo marketing e pela publicidade, que compramos de forma absolutamente irracional, quando não compulsiva. Na realidade, tornamo-nos um fantoche da publicidade, que nos impinge e envolve numa auréola de felicidade e bem estar ao comprar o produto, compelindo-nos a ter, ter, ter, para nos sentirmos realizados. E são milhões de produtos que nos querem vender a toda a hora para nos fazer felizes…
Com toda a euforia consumista esquece-se o verdadeiro significado do Natal e a grande importância que tem como ponto de encontro e último reduto da célula mais importante da sociedade, que dá pelo nome de família. Por alguma razão católicos e protestantes, religiosos e ateus, fazem-se à estrada e calcorreiam quilómetros e quilómetros para o reencontro com os seus, tantas vezes o único do ano. O que é, só por si, um milagre de Natal. Por isso, a melhor prenda de Natal que alguém pode ter nesta noite abençoada, é a família toda reunida e a presença daqueles que ama. E neste país de imigrantes, há tantos a quem vai faltar alguém que está longe. E eu serei mais um…
Um Santo e Feliz Natal.