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Uma luta inglória. Ou talvez não…

O jovem autista teve um ataque de pânico. Agitado e descontrolado, batia com as mãos no peito e na cabeça. Porém, o seu cão envolveu-o, puxou-o com as patas fazendo com que se sentasse. E não o largou um segundo. Enrolados um no outro, lambendo-o e acariciando-o, pouco a pouco conseguiu fazer parar a crise, com os dois abraçados numa sintonia incrível. Fica a pergunta: “Este cão tem sentimentos”? Há dois meses que o João não ia a casa. Quando chegou, Pateta, o seu cão, correu para ele, saltou-lhe para o colo numa agitação frenética e lambeu-o no pescoço, na cara, em todo o lado, como que a desforrar-se do tempo de ausência. Fica a pergunta: “Este cão teve saudades? E gosta do dono”? Como estes, são inúmeros os momentos de cães e outros animais a revelarem em plenitude o medo, a tristeza, a alegria, o frio, o calor, a raiva, o amor e tantos outros estados de espírito. Ou não será bem assim? Quando a Becas espera pacientemente atrás da porta de vidro pela manhã até que eu apareça no corredor e entra em euforia quando a abro e lhe faço os mimos obrigatórios, será que não sente alguma coisa? Quando se deita aos meus pés, não está a sentir- se segura e protegida? Sempre que a Diana, a minha anterior cadela, se encostava a mim e roçava com a cabeça ou me chamava a atenção com a pata na minha perna como quem diz “estou aqui”, era sinal de quê? E sei bem que todos eles são animais tidos por “irracionais”!!! Não deixa de ser curioso e elucidativo que, burros e elefantes, podem sofrer depressões. Ora, para ficar deprimido não é preciso sentir e ter sentimentos? Em comparação, o pai de Valentina, a menina de 9 anos que morreu assassinada, é o quê? Um “animal racional”? A amostra de ser humano, capaz de matar a própria filha, aquilo que nenhum animal dito “irracional” faz? Terá “essa besta” sentimentos de amor paternal, bondade, compaixão e outros, tidos como exclusivos do ser humano? Onde guarda ele o sentimento de proteção dum filho que é devido a um pai, seja ele o “animal” que for? 

Não é preciso ser muito letrado para perceber que os animais não são coisas. São alguém. Como nós, têm medo, prazer, emoções. E sofrem, coisa que muita gente ainda não aceitou. Merecem ser tratados com respeito, até porque são capazes de nos entender. É nossa obrigação moral fazê-lo, com dignidade, garantindo o seu bem-estar. Fomos nós que os domesticamos e colocamos à nossa guarda. Por isso, cabe-nos a sua responsabilidade. E o que fazemos?

Avisaram a Associação Lousada Animal que um cão de grande porte se encontrava ferido no monte. Lançado o alerta, em pouco tempo os voluntários procuraram e localizaram o animal. Mas, ao encontrá-lo, o horror estampou-se nos seus rostos: no dorso traseiro, por cima do rabo, uma chaga feita de várias pústulas ocupando mais de 30 cm de diâmetro, com um intenso corrimento de pus com cheiro pestilento, onde medravam vermes, dava-lhe um aspeto horrível. Aquele animal estava num sofrimento tremendo e fugiu do voluntário, sinal de que temia os homens. Só se aproximou quando viu uma jovem, aceitou a segurança da sua proteção e acabou por repousar a cabeça nas suas pernas para receber mimos de que tanto carecia. Permanecera lá, no lugar onde o “seu dono” o abandonara e ali ficara à espera que viesse buscá-lo. Mas a sua fidelidade não teve recompensa, pois o seu dono traiu-o. Magro, esfomeado, sedento e doente, comeu e bebeu o que lhe ofereceram, retribuindo tudo com extrema docilidade. E agora? O caso era muito grave e a Associação precisava de meios que não tinha para tentar salvá-lo e libertá-lo do martírio. Para isso, lançou o apelo dramático nas redes sociais, expondo o horror a que a negligência de alguém deixou chegar o animal que, entretanto, seguira diretamente para a clínica, entregue aos cuidados do corpo técnico.     

A partir daí, os voluntários da Associação viveram numa roda viva de emoções, alimentada pela solidariedade expressa no contributo dos anónimos tocados com o drama e o sofrimento daquele cachorro que fez correr tantas lágrimas e pela esperança de conseguirem curá-lo e dar-lhe um lar onde pudesse sentir que o ser humano também tinha um lado bom. Na clínica a luta continuava. A desidratação e magreza extrema do “Menino” não ajudavam à recuperação, apesar de bem cuidado, posto a soro e medicado para conter a infeção. Fez análises, RX, ecografias e, logo que foi possível, citologia, TAC e biópsias, para se chegar a uma conclusão não desejada: o tumor era maligno. Ficou ainda uma interrogação: “E a possibilidade da intervenção cirúrgica para remover aquela massa”? Agora não podia ser, pois além de duas bactérias multirresistentes diagnosticadas na citologia, o seu estado físico piorara e o corpo definhara. Era o princípio do fim. Mas ficavam intactas a dedicação, empenho, disponibilidade e amor pelos animais do grupo de pessoas envolvidas, de uma generosidade incrível, além da onda de solidariedade dos cidadãos anónimos sensibilizados pelo drama deste cão, em cujo destino se centrou a atenção e ajudas de tanta gente, o que é um sinal de esperança no ser humano.

Mas os voluntários, apesar de impotentes para o salvarem, quiseram dar-lhe mais uns dias de vida, num gesto que surpreendeu o próprio corpo clínico, onde pudesse usufruir provavelmente do que nunca teve: companhia humana, guloseimas e mimos, na última recordação e se calhar única, da “humanidade” dos seres humanos. E, revezando-se, fizeram desses dias um tributo invulgar de dedicação, compaixão e amor por um animal maltratado, abandonado e traído pelo homem e que, seguramente, sofreu muito. Porque, e nunca o esqueçamos, os animais também sofrem … como nós …

A Teresa foi a voluntária da última caminhada, da última guloseima, dos últimos mimos, dos últimos minutos. E fez questão de o ser ainda do último suspiro, exalado no seu colo, num adormecer suave. É que, no momento final, os cães precisam de um carinho e procuram um rosto familiar. Como os humanos, não querem morrer sozinhos. E é precisa uma grande coragem e muito amor para estar ali, presente. Por isso, ninguém melhor que ela para assegurar que aquele animal sentiu muita dor, sofreu, teve medo, fome, sede, tristeza e carência afetiva. Como (quase) todos nós! Mas ainda foi muito amado por esse grupo de pessoas, que se entregou por completo, sem reservas nem condições. 

Uma luta inglória? Seguramente que não … porque sentiu tudo o que fizeram por ele. E agradeceu mais no silêncio e doçura do olhar, do que se o tivesse feito com mil palavras …

Como se alguém pudesse ainda ter dúvidas …

Trabalho de “todos e cada um” …

A provar que somos animais de hábitos, está o facto do confinamento me ter criado “habituação”, uma dependência como qualquer droga barata, mas viciante. É verdade. Agora quando tenho de ir à rua, não passo muito tempo sem me dar a vontade de regressar a casa, vestir as calças de ganga rotas (eu sei que estão na moda …) e uma T-shirt, calçar botas de cano alto e ir tratar no jardim/horta, para arranjar… uma dor de costas. É que eu faço batota no confinamento. Em vez de estar enfiado em casa como um eremita, “vou para fora, cá dentro” (como na publicidade que nos aconselha a fazer férias em Portugal) “dar cabo do canastro” e, estupidamente, fico feliz. Corro o risco de, se isto durar muito mais tempo, a habituação poder passar a “vício” e depois nem sequer querer sair à rua, muito menos ter de assumir responsabilidades lá fora. E, cá para nós que ninguém nos ouve, se calhar não perco nada. Se o novo coronavírus é um grande problema que não podemos ignorar nem esquecer, a verdade é que, através do confinamento, acabou por nos fazer refletir sobre a vida desenfreada que levamos e que há muito coisa importante que deixamos para trás no dia a dia da vida. Ora, nesta fase, houve tempo para dedicarmos à família, à leitura e à casa, nos conectarmos regularmente com aqueles de quem gostamos, além de tirar partido das curiosidades, anedotas e histórias sem fim que esta crise proporcionou, ajudando a amenizar o enorme problema sanitário, económico e social. 

Mas, pensando bem, quando houver uma vacina e isto acabar, vamos todos retomar a nossa vidinha, esquecer todas as reflexões sobre o consumismo, os problemas do degelo com o aquecimento global, as ilhas de plásticos e qualquer forma de poluição, o esgotamento dos recursos naturais, os desastres ecológicos, o stresse e a agitação do dia a dia. Voltaremos a “entrar de cabeça” na “vida antes do vírus” e seremos novamente “felizes” …

A questão do momento é o passo dado esta semana para o regresso à normalidade com a segunda fase do “desconfinamento”, palavra que não fazia parte do nosso vocabulário habitual, mas que passamos a conhecer desde que este vírus entrou nas nossas vidas, as virou de pernas para o ar e até nos obrigou a usar palavras novas. Abriram as creches, restaurantes, escolas e várias instituições e serviços, sendo certo que a preocupação é grande, porque é um processo de risco e, como tal, sujeito a recuos que ninguém deseja. Até o presidente da república, primeiro ministro e outras figuras da governação foram “almoçar fora”, num espetáculo desnecessário com a imprensa atrás, para nos mostrar que se come bem nalguns restaurantes da capital e que já se pode ir … vale a pena lá ir … se houver dinheiro para ir … 

É uma fase delicada, que exige responsabilidade de todos nós para não correr mal. É que não deixou de existir o risco de contágio e, por isso, podemos ter uma segunda onda de contágios que nos obrigue a “regressar a casa”, como em Singapura. O vírus não desapareceu por decreto, embora há quem acredite que sim. Relata a história que no caso da “gripe espanhola” ocorrido há cem anos, o grande desastre veio na segunda vaga, com a morte de muitos milhões de pessoas em todo o mundo. O facilitismo de então foi tal que se chegou a criar a Liga Anti-máscara nos Estados Unidos para combater o seu uso e deu no que deu.

Se há quem tenha receio e tome precauções – muitos foram os pais que se recusaram a levar os filhos para a creche neste primeiro dia do pós-confinamento, com medo – também se encontra quem ache que tudo terminou e são horas de voltar a fazer a vida normal, numa “normalidade perigosa”. Hoje mesmo dizia-me uma senhora que entrou num café/restaurante de máscara e … teve de a tirar. Sentiu-se mal ao ver que, estando completamente cheio, ninguém usava e nem sequer mantinha qualquer “distanciamento”. “Parecia que estavam a festejar o fim da pandemia. Tomei o café e saí com medo”, disse ela.    

O segredo do sucesso desta fase está na responsabilidade de todos, o que parece não ser fácil. Haverá sempre riscos e temos de os correr, mas usando das cautelas e precauções aconselhadas, mesmo que por mais absurdas que possam parecer. Ao proteger-nos, estaremos a proteger também os outros. O texto que se segue, de autor anónimo, ajusta-se como uma luva ao momento presente: 

“Era uma vez quatro indivíduos que se chamavam TodosAlguémCada Um e Ninguém.

Havia um trabalho importante (o regresso à vida normal depois do tempo de confinamento em casa) que tinha de ser feito (com toda a segurança) e pediram a Todos para o executar. Todos tinha a certeza que Alguém o faria. E Cada Um poderia tê-lo feito, mas na realidade Ninguém o fez. Alguém se zangou pois era trabalho de TodosTodos pensaram que Cada Um poderia tê-lo feito e Ninguém tinha dúvidas que Alguém o ia fazer.

No fim de contas, Todos fizeram críticas a Cada Um porque Ninguém fez o que Alguém poderia ter feito.

Moral da história:

Sem querer recriminar a Todos, seria bom que Cada Um fizesse aquilo que deve fazer, sem alimentar a esperança de que Alguém vai fazê-lo em seu lugar …

A experiência mostra que lá onde se espera Alguém, geralmente não se encontra Ninguém”.

Hoje, todos somos chamados a fazer “o nosso trabalho”, que é “cuidar de proteger o outro”, com responsabilidade e segurança. E medo … como o fizeram muitos pais na abertura das creches. Se calhar, bem. Será preferível que se vá lentamente pois o processo é novo e tudo vai ser diferente. Nas creches, hospitais, restaurantes, praias e tudo o mais.

E é velho o ditado: “Mais vale devagar e bem que depressa e mal” … 

Faça uma lista de grandes amigos …

Gosto de música, uma terapia para os sentidos e um prazer que me provoca bem-estar. Gosto de músicas, embora não de todas, independentemente do gênero e estilo. Se há música clássica que ouço com prazer, há muitas que dispenso, o mesmo acontecendo com o jazz, blues, pop, rock e outras. Até com o folclore e música religiosa. Apesar de tudo, gosto sobretudo da música feita canção, com um bom texto, muito especialmente se tiver “mensagem”. Na maior parte dos casos, apesar da melodia ser agradável, a letra “não diz nada” e não passa de banalidades repetidas à exaustão. Daí que, apesar dos “ganchos” usados na letra para dar “ênfase” à canção, na maioria dos casos vale a composição musical e então é só usufruir dela, sem pensar. Muito raramente se conjuga uma harmonia musical boa com um texto inteligente, que também ele nos leve “na viagem”. Por tudo isso, eu como toda a gente, tenho as minhas canções preferidas, muitas delas já com décadas de caminho, porque são intemporais. Em quase todas é a harmonia da música que tem evidência e, em regra, fico indiferente à letra que nada acrescenta, tantas vezes em língua que nem entendo. Basta-me o som da melodia e as lembranças que a ela associo.

Há dias um amigo reencaminhou-me um vídeo, gravação de uma canção interpretada por dois cantores brasileiros de que nunca ouvira falar, de cabelos compridos já brancos. Música e letra são da autoria de um deles, Oswaldo Montenegro, lançada há mais de vinte anos e cantada nesta versão com Renato Teixeira. Uau!!! Que música e, sobretudo, que texto!!! Tocou-me de tal forma que já não sei dizer quantas vezes seguidas a ouvi!!! E quanto mais a ouvia, mais apetecia voltar a ouvir. A letra é fabulosa. Questiona-nos sobre a vida como nenhuma outra que conheça. E ao sentir as palavras numa melodia envolvente, com elas também viajei na minha história de vida, dos afetos presentes e passados, pessoas, sonhos de que desisti, convicções que deixaram de ser, certezas que já eram, princípios ignorados e contradições. Mas aquilo que a torna espantosa, é como foi possível em apenas seis quadras (já que as duas últimas são uma repetição) conseguir resumir um leque de questões essenciais da nossa vida, que são transversais a todos, apesar das nossas diferenças!!! 

O título da música é “A Lista” e vale a pena “saborear” o texto e aprofundar todo o sentido da letra, porque ela desenterra-nos o passado, os desvios da estrada, os erros e fracassos. Mas será preferível, para acompanhar a leitura, ouvi-la com a música, de preferência na versão interpretada pelos dois músicos referidos e que pode ser encontrada com facilidade na internet. Aí vai a letra:       

“Faça uma lista de grandes amigos, quem você mais via há dez anos atrás … Quantos você ainda vê todo dia? Quantos você já não encontra mais?

Faça uma lista dos sonhos que tinha … Quantos você desistiu de sonhar? Quantos amores jurados pra sempre … Quantos você conseguiu preservar?

Onde você ainda se reconhece, na foto passada ou no espelho de agora? Hoje é do jeito que achou que seria? Quantos amigos você jogou fora?

Quantos mistérios que você sondava, quantos você conseguiu entender? Quantos segredos que você guardava, hoje são bobos ninguém quer saber?

Quantas mentiras você condenava, quantas você teve que cometer? Quantos defeitos sanados com o tempo, era o melhor que havia em você?

Quantas canções que você não cantava, hoje assobia pra sobreviver? Quantas pessoas que você amava, hoje acredita que amam você?

Faça uma lista de grandes amigos … quem você mais via há dez anos atrás. Quantos você ainda vê todo dia … quantos você já não encontra mais.

Quantos segredos que você guardava, hoje são bobos ninguém quer saber … Quantas pessoas que você amava, hoje acredita que amam você?”

Esta música é oportuna para este período de “confinamento”, que pode muitíssimo bem ser de recolhimento, reflexão e introspeção. De forma clara e intencional, o autor faz apelo às lembranças de cada um de nós, numa “romagem” ao passado, e desafia-nos a ter a coragem de fazer uma Lista sobre vários aspetos do que foi a nossa vida tendo como ponto de partida há dez anos atrás, como podia ser de há vinte, trinta, quarenta ou cinquenta, e completá-la com a situação no momento presente. Questiona-nos sobre os relacionamentos, dos amores aos amigos, sobre os sonhos que sonhamos e dos que desistimos e o quanto nos pode ter afetado e, por tal, se nos revemos na imagem de agora no espelho ou na foto de outrora. De forma inteligente, faz-nos perceber que coisas havia a que dávamos muita importância e de que hoje “ninguém quer saber”, tal como aquilo que condenávamos por questões de princípio acabamos por cometer em função das contingências da vida.

Mas o mais extraordinário da música é que ela nos faz “viajar” no tempo, transportados nas asas da letra com o acompanhamento de uma melodia suave e muito bem interpretada, através desse passado que se faz presente. E percebemos o quanto mudamos, desistimos, esquecemos, perdemos e deixamos para trás, como humanos que somos …    

“Vamos (quase) todos ficar bem” …

Estou farto. Já não tenho pachorra para ouvir e ver os telejornais a falarem do “novo corona vírus”. É dose a mais. O assunto é grave? É, muito grave mesmo. E as consequências sanitárias e económicas vão ser de tal dimensão, que ninguém as consegue calcular. Nem mesmo os “adivinhadores” que nos vão atirando com projeções, estimativas, cálculos e todo o tipo de números, mas não passam disso. É certo que alguém vai acertar nas previsões, da mesma forma que “um relógio parado está sempre certo duas vezes ao dia”. Precisamos de notícias sobre a pandemia? Com certeza, mas não temos de assistir todos os dias a um noticiário onde, do princípio ao fim, não se fala de outra coisa. É a contabilidade dos infetados do dia e os totais, os mortos do dia e os totais, os hospitalizados do dia e os totais, os recuperados do dia e os totais, quando não vão ao pormenor por concelho ou ainda mais especificamente. Depois são os comentários dos especialistas mais variados, todos com voto na matéria: virologistas, matemáticos, infecciologistas, pneumologistas, investigadores e psicólogos, sempre acompanhados de muitos números, gráficos com curvas ascendentes e descendentes, picos, vales e planaltos. E as suas opiniões técnicas, muitas vezes discordantes entre si e até com a opinião oficial. E as estatísticas, nacionais e por regiões, mas onde os mais velhos têm “protagonismo”, a começar pelos utentes dos Lares. Só os “estragos” que essas notícias demasiado incisivas e pormenorizadas fazem a esse grupo etário, vivendo em instituições ou em suas casas, é caso para dizer, “basta, haja moderação”. O massacre noticioso acerca deles como maior grupo de risco tem-lhes provocado consequências psicológicas graves, como medos, confusões, ansiedade e stress, que os leva a achar mesmo que “já não têm chances de continuar a viver e que o coronavírus é a sua sentença de morte”. Como ficarão ao saber que, se morrerem com o Covid-19, não terão sequer a oportunidade de se despedirem da família, nem esta deles, e serão enfiados num saco com o letreiro de “contagioso”, que só os deixará de acompanhar se forem cremados? E já nem falo na “volta ao mundo” das notícias sobre o mesmo tema, de Espanha a Inglaterra, dos Estados Unidos ao Brasil …

Tenho de confessar que, ao fim de algumas semanas a ouvir noticiar, dia após dia, que “já há mais 252 infetados e 25 mortos”, “foram 28 os mortos nas últimas 24 horas” ou “subiu para 32” … não tenho reação. De certo modo, tornei-me insensível. Ouço falar de mortos aqui, nesta terra a que pertenço, mas parece-me que não é comigo. Só quando eu ouvir o nome de alguém que conheça possa acordar deste transe que me deixa alheado do que se passa. E não é só comigo, pois já falei com alguns amigos e estão igualmente apáticos. O Abel até dizia “que Deus me perdoe, mas ouvir falar de mais mortos ou de nada, é igual. Já não sinto, estou anestesiado”. Os mortos tornaram-se uma banalidade nas estatísticas diárias dos comunicados oficiais, embora nunca o sejam para os familiares e amigos de cada um deles, numa dor redobrada e ainda mais triste por não haver lugar a despedidas, homenagens ou tão só, velar o corpo …

Mas as conferências de imprensa das autoridades sanitárias, ou seja, do governo, onde pontificam a ministra da saúde, a diretora geral de saúde e um secretário de estado, são mais do mesmo. Todos os dias. Será por castigo? Percebo que a imprensa queira esses comunicados, perguntas e respostas e todas as pequenas questões à volta do tema. Mas não havia necessidade de ser em direto, pois os jornalistas são suficientemente inteligentes para nos fazerem a súmula daquilo que interessa e livrarem-nos da “seca”. Porque é uma grande “seca” … 

Mais do que explorar noticiosamente a pandemia, seria importante que as autoridades divulgassem orientações claras e precisas sobre o uso dos equipamentos de proteção individual, como as máscaras e os desinfetantes, para que tenham verdadeira utilidade. E estou a ver as imagens daquele homem a querer desinfetar as mãos usando para o efeito o extintor pendurado na parede …   

Apesar de todas as contradições, avanços e recuos do governo e seus mandatários, a coisa até tem corrido relativamente bem e muito se deve ao comportamento da população que respondeu positivamente ao isolamento social, salvo raras exceções. Mas tem faltado uma voz de comando única que não ande para trás e para a frente, seja isenta, faça com que as leis sejam iguais para todos e as regras não sejam meros conselhos, que tanto podem ser verdade como não o ser. Como é que num “estado de emergência”, em que não pudemos estar em grupo, impedidos de participar no funeral até de quem nos é muito próximo, de participar numa missa ou outra cerimónia religiosa, de assistir a um espetáculo ou qualquer ajuntamento social, os poderes instituídos se permitem subverter as regras e celebrarem o 25 de Abril ou deixar-se subjugar à CGTP e ao PCP, ao arrepio do “estado de emergência”, permitindo-lhes a manifestação do 1º. de Maio, como se estivessem acima da lei? Será mais importante essa manifestação ou a cerimónia de despedida de alguém que amamos e não voltaremos a ver mais? Porque se permite a primeira e se recusa a segunda sem justificação credível? De tal forma se “meteu a pata na poça” que, depois de dizerem que não havia lugar às celebrações de Maio em Fátima, agora dá-se o dito por não dito, recua-se e até parece que já são possíveis!!! Bem melhor estiveram os responsáveis religiosos. “Surpreendidos” com o recuo e agora abertura do governo, decidiram manter as Celebrações, sem peregrinos no local. Chama-se a isso, coerência e responsabilidade …

As contradições da diretora da DGS a propósito do uso das máscaras mereceram forte discordância da classe médica, pois começou por dizer que não serviam para nada, só os contagiados deviam usar por puro “altruísmo” com os outros. Só os resultados do seu uso noutros países e as pressões da classe médica fizeram mudar o discurso, com avanços, recuos e contradições. Isso mereceu críticas, caricaturas e comentários jocosos, como a mensagem seguinte: “as máscaras não servem para nada, mas até servem. Se puderes, usa-as. Mas, se calhar, não é nada preciso, porque só servem se estiveres contagiado. Mas podes estar contagiado e não saber. Por isso, será melhor usar. Não tens? Então não uses” … Veja-se que uma norma da DGS diz que “as máscaras cirúrgicas não protegem quem as usa” e, ao mesmo tempo, aconselha a quem está frágil a usá-las!!!   

Mas, toca a ter esperança e a acreditar nas frases de motivação que mais ouvimos, vemos e lemos neste tempo difícil, em especial nesta: “vamos todos ficar bem”. Acredito que isso venha a acontecer, mais dia, menos dia, mais ano, menos ano. Mas, por muito que me custe dizê-lo, “já não seremos todos” …