Monthly Archives: May 2023

Aqui, não bate coisa com coisa …

Neste nosso mundo há imensas coisas pois tudo é uma coisa, seja um objeto físico ou uma coisa espiritual, como sentimentos ou estados de espírito. Daí que todos nós falamos sempre das coisas mais diversas. “Chega-me essa coisa”, “cala-te com essa coisa”, “ando a sentir cá uma coisa” ou “as coisas que podemos ver na cidade do Porto”. Hoje quero escrever alguma coisa sobre qualquer coisa, mas até há pouco não sabia sobre que coisa havia de ser, até receber uma coisa pela internet a falar das tais coisas que todos nós falamos. É verdade, queria tanto escrever qualquer coisa, uma coisa que fosse, a falar de coisas que nós coisamos. Mas pergunto-me se devo dizer alguma coisa ou não digo coisa nenhuma? É certo que há coisas que não nos dizem respeito, há outras que não nos dizem o estado das coisas e também há quem não diga coisa com coisa, sobretudo quando bebe algumas coisas.                                                                                                                    Sabemos que algumas coisas mudam muito, mas há outras coisas que não mudam nada, mesmo que se altere qualquer coisa para ver se a coisa funciona melhor. Mas nem assim a coisa vai lá. É que, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ora, quando se juntam as duas coisas, nem sempre dá boa coisa. Chegado aqui, estou a pensar uma coisa, pois já devem estar a dizer que já não digo coisa com coisa. E se calhar até têm razão nalguma coisa, se bem que eu tenho coisas ainda para dizer.                                                                                                               Há todo o tipo de coisas. Dizem mesmo mil e uma coisas, desde coisas do arco da velha a coisas que não lembram ao diabo e até coisas que não interessam “nem ao Menino Jesus”. Sabe-se também que nem sempre a coisa bate com a coisa, que as grandes coisas são sempre as mais simples e que quem fala de muita coisa acaba por não dizer coisa nenhuma porque se perde nas coisas que as coisas têm. Por exemplo, já viram as coisas que se sabem no cabeleiro de mulheres? É que elas devem ter coisas na cabeça pois, quando alguém lhes mexe no cabelo, falam, falam e até têm sempre coisas para dizer, elogiar, denegrir ou, simplesmente, contar. E as coisas que se ficam a saber! É assim que as novidades sobre as coisas passam de boca em boca, verdadeiras ou falsas, até que a coisa se esclareça. Mas então, já se fala de outra coisa. Por isso, coisa boa é não ter coisa alguma para fazer. Ora, quem diz tal coisa, nunca precisou de coisar coisa nenhuma para ter aquelas coisas com que se compram as coisas.                                                                                                              Marisa canta “As coisas vulgares que há na vida não deixam saudades” e Quim Barreiros “Ela tem jeito para a coisa”. Já Roberto Carlos fala de “Coisas do coração” (“quantas coisas entre nós foram ditas sem falar”) e José Cid canta “Coisas do amor e do mar”. Enquanto Cláudia Pascoal diz que vive da música e de outras coisas, Gilberto Gil canta que “a fé é uma reafirmação constante e permanente do existir das coisas”. Já a Adriana Calcanhoto encanta com “Coisas sagradas permanentes” ao mesmo tempo que exibe os seios em palco, Mariana Reis lança “Coisas por dizer”. Há o programa do Nuno Markl “As minhas coisas favoritas” e Fernando Pessoa, escreveu no poema “Tabacaria”, isto: “A vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une. Sou o que penso? Mas penso ser tanta coisa. E há tantos que pensam ser a mesma coisa, que não pode haver tantos. Noutros satélites de outros sistemas, qualquer coisa como gente continuará fazendo coisas, com versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, sempre uma coisa defronte da outra, sempre uma coisa tão inútil como a outra, sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra”.                                                                             Não sei quem é o autor desta coisa, mas que é uma coisa interessante, é. Por isso transcrevo partes desta coisa que terá chegado do Brasil: “A palavra coisa tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de palavra “muleta” a que a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português. Gramaticalmente, coisa pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo, como coisar. “Ó sua coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar”? … Alceu Valença canta: “Segure a coisa com muito cuidado que eu chego já” … “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”. A garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito. Mas se ela voltar, se ela voltar que coisa linda, que coisa louca. Coisa de Jobim e Vinícius, que sabiam das coisas. Coisa não tem sexo. Pode ser masculino ou feminino … Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, “coisa nenhuma virou um monte de coisas. Mas onde a coisa tem história mesmo é na MPB. No Festival da música popular brasileira em 1966 a “coisa” estava na letra das duas vencedoras. “Disparada”, de Geraldo André, “prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar”.  E a Banda, de Chico Buarque, “para ver a banda passar, cantando coisas de amor”. Nesse ano de Festival, no entanto, a coisa estava preta ou melhor, verde oliva. E a Turma da Jovim Guarda não estava nem aí com as coisas. “Coisa linda, coisa que eu adoro” … “Essa coisa doida”, é trecho da música “Qualquer coisa”, de Caetano Veloso, que também canta “Alguma coisa está fora da ordem”. E o famoso hino a S. Paulo, “Alguma coisa acontece no meu coração”. Por essas e outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez. Afinal uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. E tal e coisa e coisa e tal. Um cara cheio de coisas é um indivíduo chato, já um cara cheio das coisas vive dando gozo. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia. O salário mínimo não dá para coisa nenhuma. A coisa pública não funciona no Brasil. Político, quando está na oposição é uma coisa, mas quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando elege o seu candidato de confiança, pensa: “Agora a coisa vai”. Coisa nenhuma. A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar, outra é fazer. Coisa feita. O eleitor já está cheio dessas coisas. Se as pessoas foram feitas para se amar e as coisas para ser usadas, porque então nós amamos tantas coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: As melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra. Paz, saúde, alegria e outras coisitas mais. Mas deixemo-nos de coisas.                                                                                            Cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: Amarás a Deus sobre todas as coisas. Entendeu o espírito da coisa?”

Negócio: O alimento que sai de um esgoto natural …

Ora, depois de ter tido uma estufa para produzir cravos em sociedade informal, negócio que foi salvo pela revolução do 25 de Abril e pela “febre de cravos vermelhos” ao fazer escoar num ápice uma produção “encalhada” e depois de ter uma exploração de coelhos também ela em sociedade informal de três amigos, que nos fizeram atravessar a Espanha à procura de progenitores, mas garanto que nunca os “tirei da cartola”, decidi agora tornar-me produtor de ovos, abraçando uma nova atividade para dar o contributo ao crescimento da economia e do PIB nacional. É verdade, esta ideia dos ovos entrou-me na cabeça depois de ver o preço a que já chegou a dúzia no supermercado e ao acreditar que a guerra na Ucrânia está aí para durar. Ora, quando a minha exploração de galinhas poedeiras estiver em plena produção, pelos meus cálculos cada ovo já deve valer 1 euro ou mais. É verdade que este é um negócio de trampa porque os ovos saem pelo mesmo buraco por onde saem as fezes e a urina da galinha. 

Ou seja, é um alimento que vem a este mundo através de um “esgoto natural”. Mas é o que é e eu quero fazer a diferença ao produzir os verdadeiros “ovos do campo, biológicos”, pois as minhas galinhas vão esgravatar na terra, comer o que a natureza lhes der, ser livres e felizes. Mas não quero ter ovos de aviário conseguidos à base de rações com muitos ingredientes que fazem mal à saúde e onde até o corante entra para o amarelo da gema ser mais vivo. Nada disso. Quando muito, poderão comer alguns grãos de milho, diria poucos para não aumentar ainda mais a importação de cereais que vêm quase todos de fora. E vai ser tudo à moda antiga pois até vou recorrer ao velho costume de lhes meter o dedo no cu para saber se têm ovo ou não para “botar” … 

O meu plano de negócio diz-me que o investimento é bom, a começar pelo pavilhão para as galinhas se abrigarem e “botarem” ovos, se bem que, como andam ao ar livre, podem “botá-los” em qualquer sítio da “propriedade” pois, se a vontade chegar longe do abrigo, só têm de se aninhar num canto e pôr, como fazíamos em criança quando no meio do monte precisávamos de nos “aliviar” …

Confesso que estou a cometer uma ilegalidade: não submeti o projeto a licenciamento para não atrasar a construção do “pavilhão” por mais 2 a 3 anos com as burocracias do costume. E assim, as obras já estão bastante adiantadas: paredes ao alto, chapa lateral e caixilharias. Só falta colocar a cobertura e pouco mais. Quanto à “propriedade” está a ficar quase toda vedada para que as galinhas andem por ali sem risco de se perder ou serem comidas pelas raposas e texugos. Vou ter de estar de olho nos ovos, porque podem ser largados em qualquer sítio, para precaver que as aves de rapina e os cucos os comam.

Em qualquer indústria, mais importante que produzir é ter uma boa rede de escoamento do produto. Não me adianta nada produzir ovos, muitos ovos, e ficar com eles acumulados em casa. Não vou chocá-los nem sequer vou fazer omeletes. É por isso que já tenho cinco clientes assegurados que me garantem o consumo da produção quase na sua totalidade. Só não sei se pagam bem! Aliás, para estar seguro de que todos os ovos terão saída, parte da produção destina-se à indústria de pastelaria para poder dormir tranquilo: se não me pagarem com dinheiro, vão ter de me pagar em bolos …                                                                                               Como não podia deixar de ser, nos tempos que correm, este projeto tem uma vertente ecológica, pois pretende vir a aproveitar os restos de legumes e frutas que, doutra forma, vão parar ao caixote do lixo. Com tal medida reduzo a quantidade de lixo dando utilidade a parte dos resíduos orgânicos e, ao mesmo tempo, diminuo a quantidade de milho a comprar para alimentar as aves. Além disso, já fiz plantação de maracujás e chuchus que estão a usar as vedações como suporte para se estenderem à vontade e produzir fruta deliciosa até porque serão fertilizados com “guano” natural, resultado do aproveitamento dos excrementos das aves ricos em nitrogénio, o que me trará um rendimento suplementar, especialmente nos maracujás pois o preço está bem apetitoso … para quem vende. E até os frutos caídos serão aproveitados na íntegra ao alimentarem diretamente as galinhas.

Para me dedicar a este ramo de atividade tive de estudar bem qual a raça de galinhas poedeiras que mais interesse tinha para mim. Colhi informações dos técnicos mais credenciados e cheguei à conclusão que deveria escolher uma raça com origem nos Estados Unidos, com o nome de Rhode Island Red, pois está bem adaptada e pode pôr 250 ovos por ano ou mais. É muito ovo para uma só galinha. Ainda pensei na Pedrês Portuguesa, até porque o povo diz que “a Pedrês vale por três”. Mas lembrei-me que o mesmo povo também diz que “Santos da terra não fazem milagres”. Depois de rejeitar as raças asiáticas pois acho que “devem ter os olhos em bico” e seriam demasiados “bicos” para comer, e pôr de lado as raças inglesas por terem a mania que pertencem à monarquia, escolhi a raça americana porque pode ser que com isso me ajude a realizar o “sonho americano”.                                   Já aprendi que, no espaço que está reservado às galinhas, não posso ter cebolas, abacates, citrinos, cascas de batata nem feijão seco, pois as minhas “inquilinas” não podem comer nada disso. Ora, sendo elas consideradas “trabalhadoras”, se bem que só recebendo a título de pagamento, “cama, mesa e cuidados de saúde”, tenho de dar atenção a toda a “hotelaria” para que se sintam bem instaladas, sem stress ou agitação. Só assim poderão produzir em pleno e com qualidade. É que eu quero que os clientes se sintam muito satisfeitos com a qualidade dos ovos, a começar por mim como cliente número um e pelos meus filhos na qualidade de clientes dois e três. Já decidi que não compro um jeep para percorrer toda a propriedade vedada, com 20 hectares, digo, com 20 metros quadrados, tendo ao fundo aquilo a que o povo chama “galinheiro” embora eu, pomposamente, chamo de “pavilhão”, onde se vai abrigar um numeroso grupo de … 6 galinhas.                                                                                                  Como compreenderão, já não vou poder aceitar mais clientes para os ovos, embora esteja a equacionar fornecer um ou outro interessado em bolos, se a “mestre pasteleira” da família não desistir por cansaço. Terei a porta aberta para receber frutas e legumes, evitando que vão parar ao lixo e talvez venha a abrir uma escola para ensinar “como construir um galinheiro”. Ou, se preferir, um “pavilhão para galinhas poedeiras”. Sempre dá outro estatuto …

Crónica para o diretor do jornal …

Hoje, mal soube a notícia, disse a mim mesmo que esta crónica seria dedicada a ti. Mas, confesso, estou sem jeito para escrever o que quer que seja, faltam-me as palavras e nem sei bem por onde começar. E o problema está em mim, pois não se pode escrever sobre alguém de que, pessoalmente, se conhece pouco, a não ser do resultado do seu trabalho.                                                                                                                   Devo dizer que és o culpado de eu ter voltado a escrever “coisas” para um jornal, depois de me ter aventurado a percorrer esse caminho já lá ia um bom par de anos. No teu jeito bem tranquilo, não me fizeste um convite formal, mas disseste:                                                                            “O senhor podia voltar a escrever para o jornal, se quisesse”. A conversa foi de curta duração, mas deixaste-me a pensar no assunto e, dias depois, acabei por te telefonar a dizer que “acedia à tua sugestão (que nem sequer chegou a ser um pedido) e ia ver se escrevia qualquer coisa. Já lá vão mais de dez anos, já respondi à tua sugestão com cerca de 500 crónicas que, como são mais longas do que é habitual, funcionam como soporífero para os leitores que se aventuram a ler para além do título, correndo o risco de adormecer a meio.                                                                                                                             E sei disso porque alguns amigos (que gostam das notícias tipo telegrama), já me têm manifestado esse “defeito”. Mas a verdade é que durante estes mais de dez anos nunca me disseste para escrever artigos mais ou menos curtos, nem para abordar ou não um ou outro tema. Deste-me rédea solta de tal forma, que isso me levou a explorar alguns assuntos que, no dizer de um amigo meu, “não estão de acordo com a minha condição”. Mas é preciso ir para além do “politicamente correto” de vez em quando, agitar as águas e as consciências, brincar com a minha condição humana e os meus defeitos, que são os mesmos de muito boa gente que não gosta de se ver ao espelho …                                                                                Ia-me esquecendo que me enviaste muitas mensagens ao longo destes anos todos, uma realidade muito incómoda … para ti. Porque foram sempre a perguntar a mesma coisa: “ainda vai enviar o artigo para o jornal desta semana”? É que nem sempre tive tempo ou a inspiração para escrever atempadamente a crónica semanal quando passou a ser habitual e daí o teres de “me lembrar” que estava a ser precisa para preencher esse espaço no jornal. E fizeste-me trabalhar muitas vezes fora de horas para cumprir contigo um contrato que não assinamos nunca e sem quaisquer cláusulas de direitos e obrigações. E hoje aqui, confesso-te que o fiz muitas vezes a pensar que não podia trair a tua confiança, pela enorme responsabilidade que é exigida ao diretor de um jornal regional e pelas dificuldades de sustentabilidade com que se deve defrontar para o manter de pé, especialmente neste tempo surreal das redes sociais.                                                                        Também nunca me perguntaste quanto terias de me pagar por cada crónica que eu escrevi, mas é verdade que nunca me apresentaste a conta do que teria de pagar pela publicação de cada uma, se calhar por cada linha. Nunca houve necessidade dessa contabilidade do deve e haver e as únicas coisas que recebi (e não serão de pouca monta), foram as borlas em um ou dois jantares do jornal para os quais me convidaste e as amáveis palavras, tuas e da tua mãe, como estímulo, para compensar o trabalho de matraquear nas teclas do computador.                                                                                 Encontramo-nos na rua por mero acaso há três ou quatro meses e eu ainda quase não abrira a boca quando me deixaste sem reação. Nesse teu tom tranquilo habitual informaste-me que não terias mais do que três meses de vida, como quem diz que vai ficar nu por falta de roupa ou conhece o prazo de validade da sua “pilha”. E tinhas razão. Como disse, a surpresa da notícia fez com que não te desse os parabéns, que dou agora por, com erros e acertos, avanços e recuos, ter “carregado” e levado a bom porto a herança da família “Afonso” que é este Jornal. E, deixa-me que te diga, é tarefa em que eu não me aventuraria. Assim, ao conseguires “levar a carta a Garcia” e o mesmo é dizer “cumprir a missão eficazmente, por mais difícil ou impossível que possa parecer”, tens todo o meu apreço, o meu abraço e a minha homenagem.                                                                                                          Para concluir, apesar de querer andar por cá mais uns anitos a tentar bater a idade de minha mãe, faço-te um pedido: Ao instalares-te nessa “nova morada” e depois de assumires as funções de direção do Jornal  do Purgatório onde estás para o processo temporário de purificação em que a alma é preparada para entrar no Reino dos Céus, reserva-me desde já um espaço nesse Jornal para as minhas crónicas, já que cada uma deve contar um ponto para a remissão dos meus pecados, que não são assim tão poucos. Mas não te preocupes se para os remir por completo tiver de escrever muitos milhares de crónicas, para as quais já tenho muito material – só o dossier TAP é um poço sem fundo que nunca mais acaba de nos surpreender – e, em abono da verdade, tempo não me faltará, pois terei “todo o tempo do mundo” …                  E até um dia destes, meu caro Sérgio Afonso, Diretor do TVS.