Monthly Archives: April 2015

Um acaso chamado… David

Há quem diga que “o acaso é o grande mestre das coisas” e foi nessa linha de pensamento que La Rochefoucauld se manifestou ao afirmar que “apesar dos homens se gabarem dos seus grandes feitos, estes não são, a maior parte das vezes, resultado de grandes desígnios mas tão somente do acaso”. Para o confirmar, podia citar um rol de acontecimentos acidentais que originaram produtos e empresas de grande sucesso.

Em contraponto, há quem entenda que nada acontece por acaso, que tudo tem um sentido e que a maioria das invenções, das grandes ideias e descobertas foram conseguidas à custa de muito esforço, pesquisa e trabalho. Que não existe a sorte, pois há um significado por detrás de cada ato. Thomas Edison dizia mesmo que “a maioria das descobertas são resultado de 99% de trabalho duro e só 1% de genialidade” o que, com o “somente aqueles que nada esperam do acaso são donos do destino”, secundariza a sua importância.

Mas existe uma filosofia intermédia que reconhece a importância dos acasos quando estes encontram o observador certo. Daí a afirmação de Pasteur: “Os acasos só favorecem os espíritos preparados”. Assim, o sucesso dos acasos só é possível se encontrar quem se saiba aproveitar deles, até porque há uma componente aleatória no processo da descoberta e as pessoas devem estar atentas a todo o instante para reconhecer uma coisa nova. Como em tudo na vida, dos negócios às iniciativas, apesar do trabalho e preparação que é exigível, também é necessária a sorte, embora seja preciso saber aproveitar a oportunidade sempre que ela se ofereça.

E toda esta “filosofia” vem a propósito da forma como surgiram os desportos motorizados e a pista da Costilha em Lousada. Tendo eu sido o “culpado” (para o bem e para o mal) e como ainda estou cá para o contar, é melhor escrever a história porque pode ser mais um contributo para a teoria do acaso…

Fui presidente da Associação de Cultura Musical de Lousada (ACML) “empurrado” pelo meu amigo Jaime Moura que se quis libertar do “fardo” logo no final do mandato. Fundada três anos antes pelo Paulo Cunha para salvar a Banda de Lousada, tinha nesta um “buraco negro orçamental” com grandes prejuízos anuais. A minha função principal era “inventar” receitas para conter tal “buraco”, o que não era nada fácil. Assim, organizamos bailes, provas de perícia, gincanas, tiro aos pratos e outros eventos, tudo o que pudesse gerar alguns “patacos”. No final do mandato só consegui arranjar quem me substituísse na liderança da ACML na condição de me manter na direção com o objetivo principal de continuar a organizar eventos e “cavar” massa para “dar de comer ao prejuízo”. Mas, na verdade, cada organização não rendia mais que dez a vinte contos, muito pouco para quem precisava de tapar um “buraco” sempre superior a trezentos, o que nos obrigava a multiplicar as iniciativas.

Já levava quatro anos destas andanças pela ACML quando um dia tive um problema elétrico no carro e fui à Gatel, uma oficina auto à saída da Vila. Enquanto o senhor David procedia à reparação, fiquei por ali à espera e fomos conversando, o que ele gostava de fazer. Entre outras coisas falamos da ACML e, ás tantas, disse-me: “O senhor anda a organizar provas de perícia e de tiro aos pratos para arranjar dinheiro à Associação mas, para além de muito trabalho e chatices, com certeza não lhe dão grande resultado. Se quiser mesmo fazer massa a sério, organize provas de motocrosse. Isso, sim, vale a pena.” –Oh senhor David, como é que o senhor sabe disso? E ele foi pronto na resposta: “Porque foi assim que em Guilhufe arranjaram dinheiro para a obra paroquial e só pararam porque morreu um espectador numa das corridas. Mas que aquilo dá muita massa, não tenha dúvidas”.

O “acaso” esbarrara comigo e, não sendo eu um especialista na modalidade, havia uma coisa nas palavras do senhor David que vinha de encontro à minha necessidade, isto é, às necessidades da ACML: Dinheiro. Saí da oficina a pensar no que ele me dissera e dei comigo a dar voltas à vila à procura dum terreno onde fosse possível criar uma pista de motocrosse. Acabei por parar diante de uma mata onde ocorrera um incêndio recente e por isso tinha sofrido “corte raso” das árvores, deixando “a nu” um relevo muito acidentado e com uma pequena linha de água a atravessá-lo, o que me pareceu excelente. Numa entrada da Vila, com excelente localização e bons acessos, era mesmo aquilo que eu procurava. Estava diante da mata da Costilha e acontecera o segundo “acaso”.

Dali fui de imediato à procura do Jaime Moura para lhe cobrar o favor que me ficara a dever quando me convenceu a substitui-lo na ACML. E, claro, aceitou “pagar a dívida” aderindo àquilo que se tornaria numa grande aventura, um ciclo vertiginoso de eventos desportivos que começaram com as motas e evoluíram para os automóveis e não só, num crescendo incrível que nos proporcionou espetáculos desportivos, nacionais e internacionais, memoráveis (e que continuam…). Certo é que, o “acaso” daquela conversa (a que se juntou depois muito, muito trabalho de tanta gente, na sua maioria, anónimos) resolveu por completo os problemas financeiros da ACML… até rompermos com a direção desta por… um outro “acaso” (ou talvez não), fazendo nascer o Clube Automóvel de Lousada.

Nesta crónica “ao acaso”, por mero acaso sobre a “teoria dos acasos”, fica-me uma dúvida: Será que o “acaso” pelo qual ainda hoje se ouvem “roncar os motores” lá para as bandas da Costilha é fruto de um “acaso” que me usou para os seus fins ou terei sido eu a aproveitar um “acaso” chamado… David?

Somos o que somos… dentro do carro

A senhora tirou o carro da garagem e rumou ao hospital que ficava à “grande” distância de… duzentos metros. Como não encontrou lugar para estacionar, foi dando voltas e mais voltas até que acabou por o arrumar “bem perto” do hospital, isto é, a cerca de … trezentos metros. Dali foi a pé à consulta e, quando regressou à viatura, tinha à sua espera, num gesto “simpático” do agente da autoridade, uma… multa por estacionamento em local proibido, provocando-lhe uma onda de revolta contra o agente e contra o hospital, os “bodes expiatórios” que tinha mais à mão para descarregar a sua própria frustração.

Ao saber deste caso somos capazes de rir e gozar com a protagonista que, não querendo andar a pé duzentos metros, acabou por percorrer quase trezentos, perdeu tempo, dinheiro e ainda levou com uma multa em cima. Não é burrice?

Mas, antes de atirarmos pedras ao seu “telhado”, sejamos capazes de olhar para nós, para os “nossos telhado de vidro” nesta dependência quase obsessiva do automóvel, que nos faz (também) fazer a mesma figura de parvos, umas vezes por comodismo, outras por vaidade, outras por falta de educação e civismo.

O automóvel em si é uma boa invenção, é útil e um excelente meio de transporte se usado com racionalidade. Mas, a verdade é que se torna facilmente numa espécie de droga que nos provoca habituação e dependência, de tal forma que não conseguimos andar cinquenta metros sem pormos o “rabo no assento”. Quantos não fazem isso, tantas vezes inconscientemente, sem nos apercebermos que ao querer chegar um pouco mais adiante podemos já não encontrar local para estacionar?

Com a multiplicação de marcas e modelos, bem cedo deixou de ser um simples meio de transporte para se transformar numa forma de ostentação, uma feira de vaidades quando não com manifestações de arrogância, arma perigosa se em mãos inconscientes. Mas, enquanto meio de transporte favorito da maioria, permite-nos conhecer o nível de educação, respeito e cultura de quem o usa.

Junto do Hospital de Lousada todos os dias assistimos às mais diversas manifestações de civismo (ou melhor, da falta dele), sendo precisamente o estacionamento “selvagem” aquele em que tal se revela com maior frequência. Existe bastante gente que ali chega para aceder ao Hospital ou ao Centro de Saúde e, sem qualquer respeito por quem quer que seja, estaciona em frente dos acessos, em cima dos passeios, das passadeiras, nos lugares reservados a pessoas com deficiência, em segunda fila ou no meio da rua como se esta lhe pertencesse. Não adiantam os sinais de “estacionamento proibido”, “paragem proibida” e outros, porque não conseguem vê-los (aliás, não os querem ver). Há dias houve um que teve a “lata” de parar em plena rotunda, fechar o carro e “ir à sua vida”, obstruindo por completo a via de circulação e impedindo o trânsito como se nada fosse.

Às vezes até desejo que lhes aparecesse alguém como aquele meu amigo que um dia ia de automóvel numa rua estreita de Lousada quando encontrou um carro “novinho em folha” parado e com o condutor lá dentro, a bloquear a via. Esperou dando tempo ao motorista para se aperceber da sua presença e pôr o carro em movimento mas, nada. Não vendo uma coisa nem outra, buzinou mas de dentro da viatura não houve qualquer reação pelo que, instantes depois, voltou a buzinar. Então, sim, o condutor baixou o vidro, pôs o braço de fora e acenou como quem diz “passa por cima”. Temperamental e impulsivo como é, o meu amigo não esteve com meias medidas: Engatou o carro em primeira, acelerou e acertou em cheio na traseira do automóvel “novinho em folha”. De lá saiu o condutor com as mãos na cabeça, a gritar: “Ai o meu rico carro. O que é que você fez…”. E ouviu a resposta certa: “Você fez-me sinal para lhe passar por cima e eu tentei, mas não consegui”…

O que mais choca é que, quase todos os condutores que vão ao Centro de Saúde ou ao Hospital não são doentes, só meros acompanhantes ou motoristas com tempo mais que suficiente para deixar o doente na entrada e ir estacionar em local adequado. Mas não, por vontade deles entravam com o carro pelas instalações dentro até ao consultório do médico. Ora, esse desejo deu-me uma ideia para resolver lhes resolver o problema: “Se Maomé não vai à montanha, porque não vai a montanha a Maomé”? Ou seja, se não se pode entrar pelo consultório dentro com o carro, porque não fazer com que os profissionais de saúde atendam os doentes dentro do carro como nalguns restaurantes de “serviço para fora” em que o cliente é atendido sem sair do viatura? Claro que os doentes tinham de fazer uma ginástica excepcional sobretudo quando o médico precisasse de observar certas partes… Já para apanhar injeções era tudo muito mais fácil pois a enfermeira podia estar junto à passadeira com o material preparado e, como os doentes vão ao lado do condutor, um pouco antes desciam o vidro e as calças, encostavam o rabo à janela e só paravam o tempo necessário para lhe espetarem a agulha, apertar a seringa e dar uma esfregadela. E venha o seguinte…

Mas, enquanto não se implementa este “tipo de atendimento”, seria bom que cada um assumisse as suas responsabilidades cívicas e se mentalizasse que “a sua liberdade termina onde começa a liberdade dos outros”…

O que importa mais, o destino ou o caminho?

Já fui jogador de hóquei em campo em Lousada, se bem que o meu desempenho como tal não tenha sido brilhante. Era mais um para fazer número, dar umas corridas e divertir-me, pois nem o jeito nem o pesado stick foram dignos de nota.

Por lá andei alguns anos nos primórdios da modalidade no concelho, quando as condições para jogar eram tão limitadas como eu enquanto jogador. Mesmo assim, quando soube que o campeonato da Europa ia decorrer em Madrid, decidi ir ver como se jogava a sério, sendo acompanhado nessa viagem pelo Quim e o pai, além do Artur. Difícil foi convencer o primeiro porque, dizia ele, tinha muito que fazer, não podia perder tempo e não era oportuno. Sendo empresário têxtil, estava empenhado também num projeto de hotelaria que o ocupava muito, para além de pensar que devia esperar pela reforma para poder usufruir das coisas de que gostava. Mas, um pouco a custo, lá foi connosco.

Saímos de Lousada num sábado de manhã, bem cedo, para tentar assistir a algum dos jogos desse dia. Apesar de não existirem as autoestradas de hoje, conseguimos chegar ao Real Club Hípico no início da tarde e ficamos “de boca aberta” ao entrar nas instalações desportivas onde se realizava a prova, especialmente pelo relvado imenso com vários campos marcados e onde se jogava em simultâneo. Para quem só tinha campos de terra batida (alguns deles que mais pareciam batatais em dia de chuva), onde o importante era conseguir acertar na bola e dar “varadas” fortes, aquilo era um sonho. A bola deslizava de jogador para jogador com segurança de passe e certeza na sua recepção, parecendo tudo muito fácil.

Ainda vimos alguns jogos e, nessa noite, dormimos os quatro dentro do carro “enfiados” num parque de estacionamento subterrâneo, porque estávamos “formatados” para poupar… No dia seguinte, depois de nos “maravilharmos” com os últimos jogos, seguimos para o Escorial, cansados e a precisar de um bom banho, pelo que esquecemos o carro como “alojamento” e já não abdicamos de hotel nessa noite.

Depois de refrescados, eu e o Quim sentamo-nos na recepção do hotel, observando o movimento da entrada. Às tantas, parou um autocarro e começaram a sair turistas americanos de idade avançada, amparados em bengalas ou uns nos outros, manifestando grandes dificuldades de mobilidade. O Quim ficou concentrado e em silêncio, assistindo ao “desfile” do grupo de turistas em “mau estado” e, depois, com o ar de quem tinha feito uma grande descoberta, disse-me: “Oh Zé, ando eu a trabalhar e a juntar dinheiro para, quando for velho, poder viajar e fazer o que me agradar… E depois vou fazer a figura que “estes” fazem? “Estes”, se tivessem juízo, ficavam em casa à lareira, “a sopas e descanso…”

Certo é que, o impacto que lhe provocou a imagem daquele cortejo de idosos com evidentes dificuldades no andar, no equilíbrio e na incapacidade de poderem beneficiar em pleno da sua condição de turistas, lhe mudou radicalmente a maneira de pensar e de viver, passando a colocar a tónica da sua vida muito mais no Hoje, no aproveitar as oportunidade de cada dia.

Há quem pense que ainda não pode viver uma vida de verdade porque tem um qualquer obstáculo no caminho, um trabalho ou um projeto por terminar, uma promoção a alcançar, quer atingir a estabilidade económica ou por não ser o momento oportuno. Que só depois é que a vida de verdade começa, só mais tarde é que pode gozar das benesses e das belezas da vida como se entretanto vivesse no limbo ou numa pré vida, isto é, numa vida antes da vida. Puro engano, porque todos esses e outros obstáculos fazem parte da vida de verdade, porque ESTA é a nossa vida e não teremos outra..

A Vida não é um destino, onde importa chegar de qualquer jeito, mas sim uma viagem. Há que saber apreciar a “paisagem” e o “espetáculo” que, minuto a minuto essa viagem nos oferece, porque cada momento é irrepetível.

Confesso que houve um tempo em que também “adiei” a minha como se me estivesse a guardar para usufruir mais tarde das coisas boas que ela nos proporciona, como uma prenda final ao fim de anos de sacrifício e de trabalho. Pouco a pouco fui aprendendo a libertar-me desses princípios, enraizados em mim por questões culturais e pelos condicionalismos do tempo em que fui criança. Sim, porque eu, como o Quim, vivemos a infância num tempo muito difícil que nos marcou profundamente.

Todos somos fortemente condicionados por ressentimentos que carregamos do Passado e pela ansiedade em relação ao Futuro, mas só conseguimos viver o Presente, o Hoje, porque é só no Hoje que podemos apreciar o bom, o belo, o maravilhoso. Saibamos aproveitá-lo e encontrar nele aquilo que nos dá prazer e alegria. Porque a vida está aqui, não está lá atrás nem para lá do Sol…

Seremos mesmo borlistas?

Na minha adolescência gozei algumas férias de verão em casa do meu primo Albino, em Matosinhos, ocupando o tempo na praia. Ao Porto ia uma ou outra vez porque o dinheiro era pouco e não podia desperdiça-lo em transportes. Por isso, invejava os miúdos da cidade que viajavam à borla pendurados no elétrico, apesar de nas paragens o revisor os fazer saltar. Mas, mal o elétrico retomava a sua marcha, com uma pequena corrida voltavam a agarrar a boleia…

Fui borlista anos depois num Arraial Minhoto organizado na Adega Cooperativa de Lousada, tendo entrado pela porta do fundo com um grupo de amigos ajudados por um funcionário, já que não tínhamos dinheiro para o bilhete.

Os “borlistas” ou “penduras”, são pessoas que querem viajar, assistir a um espetáculo ou participar no que quer que seja, sem pagar. Para muitos, conseguir fazê-lo “à borla” é, só por si, um prazer redobrado.

Quem visita Itália e viaja em transportes urbanos numa qualquer cidade, encontra com certa frequência no interior dos autocarros, cartazes com a indicação expressa de que os “portugueses” apanhados sem bilhete serão severamente multados.

Para qualquer bom lusitano, isto de referir tão claramente os “portugueses” é, no mínimo, discriminatório. Foi também assim que o entendeu um cônsul de Portugal em Milão e, por isso mesmo, protestou e acusou o Município de Vincenza de ter declarado guerra aos portugueses de forma ostensiva. No entanto, o nosso “D. Quixote” esqueceu-se de esclarecer antecipadamente a situação e acabou por “ficar mal na fotografia” quando lhe disseram que “portugueses” significa “borlistas” em italiano e não tem qualquer conotação connosco.

Pertenci ao grupo que fundou e arrancou com o Clube Automóvel de Lousada e uma das muitas responsabilidades que assumi foi organizar a segurança, vigilância e controle de entradas. Tinha a difícil tarefa de tentar reduzir ao mínimo o número de “borlistas” tendo em conta que, para assegurar a sustentabilidade do clube, era importante que todos pagassem, o que não era nada fácil. Normalmente o sistema de segurança e vigilância era feito com o recurso a elementos da GNR e de uma empresa de segurança, que colocava na periferia do circuito de forma intercalada para maior eficácia. Mas nem sempre funcionou pois cheguei a encontrar homens da empresa de segurança sentados na bancada a ver a prova, longe do local onde deveriam estar, a darem a mão a “penetras” para lhes facilitar a borla, a fazerem sinais indicativos da forma como, quando e onde deviam “furar”, etc., etc..

Criei múltiplos esquemas para impedir que fosse possível passar sem bilhete ou convite, mudei cartões e métodos de controle e organização, mas vinha sempre a detetar insuficiências ou falhas face a novos estratagemas imaginados pelos “borlistas” que apresentavam todo o tipo de cartões, uns legais mas de entidades e instituições que nada tinham a ver connosco, e outros falsificados de forma grosseira ou com técnica apurada. Havia de tudo.

Um dia recebi uma chamada telefónica de um conterrâneo a trabalhar em Lisboa. Esteve mais de meia hora ao telefone a tentar convencer-me. Por ser natural de Lousada achava que tinha o direito “natural” de ser convidado. Num tempo em que as chamadas de Lisboa eram caras, gastou mais dinheiro no telefonema do que na aquisição do bilhete. Só agora, há distância de décadas, é que me apercebi que deve ter usado o telefone da empresa e, por isso, usou uma borla para tentar outra borla…

Dias depois de uma prova europeia pessoa amiga confessou-me que tinha ido, gostara muito e até entrara sem pagar. “Como? Já agora, diga-me lá como conseguiu ” pedi-lhe. E ele contou.

Nesse domingo apareceu-lhe em casa um amigo que já não via há muito tempo, convidando-o para ir à corrida. Sem suspeitar do que iria acontecer, aceitou acompanhá-lo pois era uma forma de estar com ele e apreciar o evento. O amigo era deficiente motor e conduzia um carro adaptado, que levou até à entrada do parque reservado à organização, só acessível aos possuidores de determinados cartões. Ao chegar sem qualquer tipo de identificação, fez um sinal enérgico com a cabeça aos seguranças como quem diz, “abram”. E eles, simplesmente, abriram e deixaram-nos entrar…

Mas, os maiores “borlistas” eram sempre alguns detentores de um ou outro “poder” que, usando e abusando desse mesmo “poder”, “pediam” convites para os filhos, os amigos dos seus filhos e outros “seus”, com uma desfaçatez que nem dava para acreditar…

Dizia uma mãe dinamarquesa: “Posso até andar de comboio sem bilhete, mas nunca o faria com os meus filhos. Não posso dar azo a que aprendam coisas erradas comigo”. Ao que parece, somos diferentes, muito diferentes. É tudo uma questão cultural…

Agora que o Rali de Portugal volta à pista da Costilha para repetir a Superespecial que desenhei há cerca de duas décadas perante a incredibilidade do meu amigo Jaime Moura (só acreditou depois de percorrermos a pé todo o traçado), seria bom que todos os espectadores ajudassem o CAL e a organização pagando a sua entrada, para que a prova seja sustentável cá no Norte. Mas, infelizmente, nem a questão cultural se alterou nem a situação económica geral “dá a mão” pelo que, os homens do CAL, vão ter de “fazer pela vida” na “caça aos borlistas”, a começar desde já…

Estaremos “surdos como uma porta”?

O descritivo de uma das faturas que quase todos temos de pagar depois de ultrapassarmos a idade da reforma, diz: “perda de audição”. O povo acha que tal se deve ao PDI (e abstenho-me de escrever por extenso o significado de tal sigla). Como me parece que o “cobrador” da minha fatura já deve vir a caminho, decidi fazer um exame, aquilo a que os médicos chamam de audiograma. Para tal, colocaram-me uns auscultadores nos ouvidos e, quando esperava ouvir uma música dos Beatles – que ainda considero uma referência – só senti uns silvos mais ou menos agudos, e nem sempre com grande nitidez. O resultado foi o que esperava: Não estou “surdo como uma porta” mas as minhas faculdades auditivas já tiveram melhores dias… Depois de receber o relatório com os resultados, recordei-me de uma história/anedota muito curiosa, que partilho.

Um cientista quis fazer um estudo sobre o comportamento das pulgas. Colocou uma sentada sobre a mesa de ensaio e ordenou-lhe: “Salta”. E a pulga saltou. Então, cortou-lhe uma perna, colocou-a novamente na mesa e voltou a ordenar: “Salta”. A pulga saltou de imediato. Agarrou na pulga e cortou-lhe uma segunda perna, dando-lhe nova ordem: “Salta”. E, para sua surpresa, a pulga saltou outra vez. Em cada fase do ensaio o cientista parava e tomava notas no caderno de apontamentos para mais tarde fazer um relatório do estudo e, a cada perna que cortava, repetia a ordem e a pulga continuava a saltar. Até que cortou a última e mais uma vez ordenou : “Salta”. Para seu espanto, dessa vez a pulga manteve-se quieta. Ao ver que ela não reagiu ficou empolgado mas, querendo confirmar a experiência, repetiu a ordem: “Salta”. Mas ela manteve-se no lugar. Entusiasmado perante tal situação, ficou a meditar durante algum tempo sobre o que observara até chegar a uma conclusão, que escreveu no seu relatório: “A pulga, quando amputada de todas as suas pernas, perde por completo a faculdade auditiva, isto é, fica surda que nem uma porta”.

Quando li esta história/anedota, sorri perante o seu desfecho invulgar, com o “cientista” a chegar a uma conclusão absurda e disse cá para mim que isto só poderia acontecer nas anedotas… Mas, pensando bem, na vida real muitas vezes tropeçamos com casos bem absurdos… Vejamos.

É sabido que os músicos que faziam parte da banda da Associação de Cultura Musical de Lousada (ACML) saíram desta em 2012, uma opção legítima como a de qualquer prestador de serviços que não quer continuar a servir a entidade patronal, se bem que a forma e a razão invocada deixam muito a desejar e em nada os prestigia. Entretanto, o auto intitulado “grupo de dissidentes” criou uma nova associação e uma nova banda só que, ao mudar-se para a nova coletividade, “carregou” consigo as fardas, instrumentos musicais e três viaturas que são pertença da ACML, como se de bens pessoais se tratasse… Apesar das solicitações da direção da ACML, a verdade é que nada do que lhe pertencia foi devolvido. Minto, tempos depois uma das viaturas “apareceu” junto da sede e as chaves na caixa do correio, se bem que a viatura estivesse… avariada.

Perante este cenário e para recuperar a posse dos outros carros, a direção resolveu recorrer à justiça e, sem surpresa para muita gente, o processo já se arrasta pelo tribunal à cerca de dois anos apesar das viaturas estarem registadas a favor da ACML, o que facilmente é comprovável pelo livrete e registo de propriedade, sem que aqueles que as retêm tenham qualquer documento legal que lhes confira legitimidade para o fazer. Ao que se sabe, a cada decisão do juiz sucede-se um recurso, o subterfúgio legal para arrastar o processo no tempo, talvez à espera que as viaturas caiam de podres quando forem entregues ao seu legítimo dono…

Segundo responsáveis da ACML, houve uma decisão no sentido das viaturas serem devolvidas a esta mas, de imediato foi interposto recurso para que só fossem entregues as chaves e respetivos livretes, mas não as viaturas. Do lado da associação acharam que isso era um absurdo, algo que nunca iria acontecer. Mas, não é que o recurso foi aceite e a direção da ACML já pode levantar as CHAVES e os LIVRETES? Finalmente!!! Mas as viaturas, NÃO…

Já estou a ver o filme. Quando os diretores, alunos ou professores tiverem de ir a algum lado, juntam-se na entrada da sede, metem-se dentro do Livrete, o que fizer de motorista enfia as Chaves “no buraco mais à mão” e lá vão felizes e contentes estrada fora…

Absurdos à parte, o bom senso mandaria que houvesse um diálogo sério entre as partes, extra judicial, para que os subsídios que os poderes públicos atribuem às duas coletividades não sejam estupidamente esbanjados, neste e noutro processo a decorrer. Porque, imagino eu, não é essa a intenção de quem atribui os subsídios…

Ou será que perderam a audição e estão “surdos como uma porta”, tal e qual a pulga?