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Um pinguim no meio de papagaios…

Em Portugal, associamos o luto à cor preta. Foram os nossos reis que começaram a adotar essa cor para fazer o luto, embora só no reinado de D. Manuel I se tenha generalizado no país. E, a partir daí, quando alguém se vestia de preto podia querer dizer que estava de luto, tal como na maior parte das culturas ocidentais, onde o vestir de negro podia revelar esses sentimentos de perda e respeito pela morte de alguém. Mas, noutras culturas, optaram por cores diferentes para manifestar esse sentimento. Assim, na África do Sul usam o vermelho para chorar a morte de alguém, mas na Tailândia é o roxo, na Índia o castanho ou branco, no Irão o azul e no Egipto o amarelo. Um amigo questionava-me, muito admirado: “O amarelo”? Porque não? A cor símbolo do luto é uma opção cultural, muito variada, mas as mais comuns são o branco nos países orientais e o preto nos países cristãos. Embora o luto não seja uma questão de cor da roupa a usar, de qualquer aspeto visual, de assumir um ar triste ou alegre, de manifestar o sentimento de perda do ente querido durante mais ou menos tempo. O luto é um estado de espírito, algo muito íntimo que depende e varia de pessoa para pessoa. É algo que se faz sozinho, de acordo com a forma de aceitação ou revolta pela perda, cabendo aos mais próximos dar espaço, tempo, compreensão e respeitar. Não é pelo facto de alguém se vestir de azul que sofre menos pela morte de uma pessoa do que outro que vive “fardado” de preto. Nada disso. Uma coisa é senti-lo e não o exibir e outra coisa é exibi-lo e não o sentir. Já nem falo do luto violento da Idade Média, em que os homens arrancavam cabelos e barbas e as mulheres arranhavam a cara …

A memória mais distante que possuo sobre manifestações de luto já tem várias décadas. Tinha quatro anos e ia a pé para a Carreira da Areia quando ouvi gritos estridentes e choro convulsivo. À entrada de uma casa térrea estavam várias mulheres vestidas de preto, de alto a baixo, com ar desesperado e aos gritos. A imagem foi tão forte que, a esta distância temporal, ainda hoje “vejo” aquela cena com gente a entrar e sair num movimento desusado, mas “pintado” de negro, a cor do nosso luto. Ainda me lembro das “carpideiras”, as mulheres que eram contratadas para chorar de forma “desalmada”, em prantos e lamentos continuados. Toda a família tinha de vestir-se de preto cerrado durante um certo tempo, variando esse tempo em função do grau de parentesco com o(a) falecido(a). Quanto ao viúvo(a), tinha o destino marcado: andar de preto no resto da sua vida.

No funeral vestia-se de forma formal – homem com fato e gravata e mulher de vestido – por norma em preto ou, quando muito, de cor escura. Não havia exceções, nem mesmo nas crianças. Até os velórios, que “atravessavam” a noite na casa da família com broa e aguardente a acompanhar, impunham vestes conservadoras. Este ritual na cor da noite tinha um aspeto positivo: toda a gente sabia como se devia vestir nessas ocasiões …

Lembrei-me disto porque nos últimos tempos, sempre que vou a um funeral fico na dúvida sobre o que devo usar. E há dias, em conversa com um amigo, conservador nos costumes e tradições, dizia-me que, nalguns deles dá consigo a olhar à volta, sentindo-se uma espécie de “ave rara” por estar em contraciclo com a maioria dos participantes. E que, como vai de fato ou calça e casaco clássicos, camisa e gravata, os outros “convivas” devem perguntar: “Este vem armado em quê”? Às vezes ainda aparecem outros “encasacados”, mas em regra, faz parte da minoria. Na realidade, hoje as roupas são muito variadas no funeral, indo do clássico ao informal de calça e camisa, quando não com roupa desportiva de qualquer cor. Até se chega a ver gente com calças de ganga “convenientemente rasgadas” conforme os ditames da moda, além de um ou outro vestido com decote ousado o que, no meu ponto de vista, até está correto, pois pode ajudar a “levantar o morto”. Penso que cada um é livre de se vestir da forma que entende e que não é isso que define o sentimento de perda, o respeito, o pesar e o luto por quem partiu. Já lá vai o tempo da “viúva negra”. Deu lugar à “viúva alegre”. Mais do que na cor da roupa ou no estilo, no funeral, a cerimónia onde nos despedimos de um familiar ou amigo com um “até breve”, o que importa é respeitar o momento e, especialmente, quem “partiu”. Esse amigo dizia-me que se está a acabar com as tradições e a quebrar regras sociais. E esta é uma delas.

E daí não ficar surpreendido que, um dia destes, a família do morto contrate barracas de cerveja como existem nas Festas e tenha “bar aberto” acompanhado de “música tecno” com batida forte, onde se possam “afogar” mágoas, “anestesiar” a dor da perda e arranjar “speed” para animar o momento. Pensando bem, seria uma boa solução para atrair “clientela” jovem que, sempre que pode, evita estas cerimónias.  Só o morto não poderá “enfrascar-se”, se bem que não viria nenhum mal ao mundo, pois não tem de “soprar ao balão” na última viagem e até seria excelente para a sua “saúde”, já que o álcool é excecional a conservar corpos … Tanto em África como num país europeu, já vi algo de semelhante, onde a morte é celebrada com festa, alegria e álcool. Muito álcool. Se pensarmos que quando morrermos deixamos este mundo de sofrimento e vamos para o paraíso celeste, porque havemos de chorar em vez de celebrar? Porque temos de ficar tristes quando devíamos alegrar-nos? Ou será puro egoísmo?

Já são poucos e, em regra, mais velhos, aqueles que veem no funeral um momento solene que é preciso respeitar. E que, na solenidade desse momento único, se impõe roupa escura e conservadora, tal como num casamento ou noutra cerimónia similar. E argumenta-se que, se as pessoas se vestem para um casamento com roupa formal, clássica, apesar de alegre, celebrando uma “união passageira” para “viagem” de períodos cada vez mais curtos, porque não devem vestir-se formalmente na “cerimónia de despedida” de alguém que também vai fazer uma “viagem”, a “última”, mas que não tem retorno? Será por no casamento, que mais não é que uma “despedida de solteiro” dos noivos, se celebra a felicidade e a vida mesmo que se preveja de curta duração, enquanto no funeral, que é a “despedida” do morto, a única coisa que se pode celebrar é a certeza do “eterno descanso” e sabendo-se que é de duração “longa” e “para sempre”? Será porque os primeiros vão passar à “atividade plena”, apesar de esmorecer com o stress e a rotina, enquanto o segundo fica “sem atividade nenhuma” e a título definitivo?

Com todo isto, continuo “como o tolo no meio da ponte” quando me tenho de vestir para ir a um funeral. E, para acabar com esse grande “problema”, que deve ser só meu, das duas uma: Ou a Paula Bobone, professora de Imagem e Etiqueta “Vestimentária” e figura mediática da nossa praça, escreve um novo capítulo no seu “Dicionário da Etiqueta” destinado a “orientar-me” nesta matéria ou salvem-me o governo e o parlamento e ponham a casa em ordem “parindo” mais uma daquelas leis inúteis que não serve para coisa nenhuma, mas que venha “regular” matéria tão importante para a nossa felicidade. Senão, eu que até nem gosto de andar “engravatado”, um dia destes num qualquer funeral vou sentir-me como “pinguim solitário” no meio dum bando de “papagaios” …

Cá entre nós, será que o luto ainda tem cor?

Agora,sim, já há assunto. E vida…

Até que enfim”, dizem eles. “Já não era sem tempo”. É que as semanas haviam perdido a graça, os encontros com companheiros de trabalho ou amigos já não tinham assunto para conversa e faltava-lhes aquela adrenalina duma época. As mulheres desabafavam em desespero: “Eu já não aturo o meu marido. Bem lhe digo para ir até ao café falar com os amigos ou jogar as cartas e não adianta”. Mas, finalmente, acabou-se o sofrimento pela ausência. Voltou o “Futebol”. Acabou-se o tempo de férias, as semanas sem assunto e os fins de semana sem jogos. Já tudo voltou à normalidade. Começa-se a semana a ler e comentar os jornais desportivos, o jogo da nossa equipa, exaltando as vitórias, arranjando culpados para as derrotas. Os árbitros são corruptos, os adversários trapaceiros e nós fomos os melhores. Até quarta-feira fala-se do jogo que passou. Revive-se o passado. A partir do meio da semana já só se fala no próximo jogo, a espectativa do futuro. É no café e no tasco, no emprego e fora dele. Veem-se todos os programas televisivos dedicados à bola, com adeptos ferrenhos disfarçados de comentadores “encartados”, onde o mais sábio é o que nos defende. Sim porque, ao defender a nossa equipa, está a defender-nos a nós. Ganha-se ânimo quando se juntam as hostes, os correligionários, quando não se desanimam uns aos outros com “estamos sem ponta de lança” ou “com este treinador não vamos lá”. “Aferroam-se” os adeptos adversários para espantar medos, criar a ilusão de que já ganhamos.

Começou o campeonato, agora chamado de Liga, se bem que de liga não tem nada. Estão todos desligados, de costas voltadas. Mas a bola já rola e há assunto para as conversas de café. Os adeptos (dos três chamados de “grandes”), embora possam ver os jogos na televisão bem instalados em casa, com copo de cerveja na mão e o comando na outra para, no caso de começar a correr mal mudar de canal para não ver o desastre, sempre que podem preferem ir ao “templo” do clube, em “peregrinação” assistir no local ao “cerimonial” que é um jogo de futebol. Porque lá é que se vive com a adrenalina no máximo, no meio dos “crentes”, irmãos daquela “religião”, solidários tanto na alegria da vitória como no “melão” com que ficam se a “coisa” correr mal.

E não há nada como estar integrado em “comunhão” com aquela multidão de “fieis”, vivendo intensamente cada momento e participando no “coro” de gritos, insultos, incitamentos e apelos ao linchamento do árbitro. “Matem esse ladrão”, “és o maior”, “vai para…” e mandam-no ir ter com a mãe que não tem nada a ver com o jogo. Quando há um golo, parece que levaram uma picadela no traseiro em simultâneo, pois todo o mundo se levanta do lugar ao mesmo tempo e salta feito canguru, de braços no ar e punho cerrado. Abraça-se o vizinho que se não conhece, alarga-se o sorriso, agitam-se bandeiras, cachecóis e todo o tipo de adereços. No canto dos adeptos contrários reina um silêncio de morte, à espera da vingança. Quando o golo é da outra equipa, invertem-se as posições e o alegre vira triste, o silencioso eufórico e o herói bandido.

O árbitro, a eterna “viúva” de que ninguém gosta, já nem se veste de preto para não ser tão sinistro. Mal entra em campo recebe um coro de assobios como saudação. Contava-me um antigo árbitro que, para ficar imune aos insultos, antes de entrar em campo olhava os adeptos espalhados pelas bancadas e pensava para si: “Ena tanto filho da …” a partir daí, dizia ele, já tinham razões para lhe chamarem de tudo. Não sei qual é o gozo de andar de apito na boca, a correr o campo todo do princípio ao fim durante o tempo de jogo e nem sequer dar um chuto na bola. Mas é preciso gente para tudo, inclusive para bode expiatório dos adeptos. É nele que descarregam as suas frustrações em primeiro lugar. Por isso, um árbitro precisa de muito “poder de encaixe”…

Futebol e política sempre andaram de braço dado, porque se servem um do outro. Ambos têm um interesse comum: ganhar com o adepto, porque é este o palerma que os alimenta. O futebol sobrevive do seu contributo financeiro e os políticos do seu voto. Daí que se casem os interesses, sem concorrerem um com o outro. Chama-se “casamento perfeito”, que devia servir de “modelo” para outros casamentos …

O adepto vive da emoção, daquele sentimento único do “ganhamos” se bem que isso não passe de um carinho psicológico. Ele até acha que pertence à equipa. Daí o “nós ganhamos”. Contenta-se com pouco e nem repara que o futebol se tornou um negócio e uma das maiores indústrias mundiais, de que ele é um mero consumidor. Porém, os jogadores, treinadores, dirigentes de clubes, associações, federações e confederações nacionais e internacionais, empresários e todo um leque de empresas de interesses cruzados vivem da bolsa de valores que se gera em negócio de tamanha envergadura, nem sempre clara e transparente. Daí os “assaltos” e “apegos ao lugar” a que de vez em quando assistimos pelos lugares “maiores”, em espetáculos tristes e com pouca dignidade, de que nem sempre temos conhecimento.

Já lá vai o tempo em que o futebol era um prazer, uma diversão. Não esqueço os jogos que fazíamos no caminho de Recemonde depois de sairmos da escola, com uma bola feita de uma meia velha cheia de trapos ou folhelho. Uma dúzia de garotos acabavam suados, mas felizes, depois de dar uns quantos chutos na bola improvisada. Era só um jogo de futebol. Hoje já não é só um jogo de futebol …

E com o regresso do campeonato, ou melhor, da Liga, os adeptos voltam a ter jornais desportivos com matéria quanto baste para ler, programas televisivos para ver e rever se o seu clube ganhar (se o clube perder, esqueçam), informação preciosa para argumentar com amigos e colegas de trabalho. E ainda têm a possibilidade de estar em “celebrações” no estádio para “desopilar” e soltar o “animal” que há dentro de cada um. Liberta tensões acumuladas e é muito melhor que ir ao psiquiatra ou “descarregar” na mulher e no cão …

Afinal, quem é a “vaca leiteira”?

Todos nós sabemos que, na natureza, a vaca produz leite suficiente para alimentar as crias, os bezerros. No entanto, como o ser humano fez do leite uma base da nossa alimentação, para conseguir obter produções que possam suprir as nossas necessidades usou a seleção e manipulação genética para obter animais com mais capacidade produtiva. É assim que hoje há vacas a produzir dez vezes mais leite por dia que há cem anos. Com isso, a vaca leiteira transformou-se literalmente numa máquina de produção de leite em quantidades industriais, usada e abusada como mera indústria produtiva. E foi por isso que a “vaca leiteira” passou a ser o termo de comparação quando nos queremos referir a algo onde todos querem “mamar”. E vimos isso à pouco com o ex-ministro Manuel Pinho ao ser interpelado no parlamento (que mais me pareceu um “para lamento”), sem dizer nada aos deputados sobre os seus “ganhos adicionais” que o “dono disto tudo” de então lhe pagava enquanto foi ministro.

Ora, para desviar a conversa e “fugir com o rabo à seringa” das perguntas dos deputados, acabou por “revelar” o que todos já sabiam: “A fatura de eletricidade é uma vaca leiteira”. “Porque”, diz ele, “cobra-se tudo através da fatura da eletricidade”. Traduzido isto em miúdos e para a gente perceber, quis ele dizer que os políticos feitos Estado, usam a fatura de eletricidade para “sugar” mais e mais impostos. Seguindo a sua lógica, os políticos (onde ele está incluído) criaram não uma, mas muitas “vacas leiteiras”, sendo as faturas de eletricidade, gás natural e combustíveis algumas delas, que “alimentam” um “Estado mamão” difícil de satisfazer. Mas há mais, muito mais. Ora, como Manuel Pinho nos chamou a atenção para a “vaca” da fatura de eletricidade – e sem esquecer que ele esteve lá e não fez nada para evitar que ela fosse “usada e abusada” – fui ver com atenção a quem o seu “leitinho” alimenta e engorda. Se pensava que estava preparado para o que ia ficar a saber, confesso que nunca me passou pela cabeça que fossem tantos os “vitelos” que vivem à conta dela. E, pior, não se sabe ao certo quantos são.

Na fatura da eletricidade, além da “energia consumida” ainda nos fazem pagar pela “potência contratada” e até pelo “serviço urgências elétricas” (nem sabia que existia e era pago, usando-o ou não). Mas também estão lá uma data de taxas e impostos, tantos, que é preciso tirar um curso para os identificar. Começam logo com o “Imposto Especial de Consumo”, tão especial que não consegui saber para que é. Depois, aplicam-nos a “Taxa de Exploração DGEG”, dizendo-nos que é para financiar a Direção Geral de Energia e Geologia. Para que a conta não fique por aí, a taxa de IVA é a máxima que a lei permite ou seja, vinte e três por cento, apesar de se tratar dum bem de consumo essencial. E a lista de taxas vai mais além com a “Contribuição para o Audiovisual”, que foi a forma que os políticos encontraram para financiar o serviço público de rádio e televisão, mesmo que o cliente não use nenhum deles. Mas paga. É a justiça … estatal. Podemos sorrir um pouco, embora com “sorriso amarelo”, porque a “Contribuição do Audiovisual” só é onerada com IVA a seis por cento. Nada mau … Como ainda a procissão vai no adro, a fatura inclui a “Tarifa de Acesso às Redes Elétricas”, que é uma taxa paga pelo uso das redes (transporte e distribuição) e uso geral do sistema. E inclui ainda os CIEG, que são os “Custos de Interesse Económico Geral”, que nada têm a ver com eletricidade e servem para pagar custos de natureza ambiental, autoridade e concorrência, rendas de concessão pela distribuição em baixa tensão, ajustamentos comerciais de último recurso e muitos outros custos com descrições obscuras e complexas. Em suma, está lá tudo metido. Só a sobrecarga de impostos e taxas no setor elétrico representa quarenta por cento da fatura da luz – e não vemos luz ao fundo do túnel que nos tire deste “sugadouro” …

Mas este aproveitamento que o Estado tem dos nossos consumos para nos “sacar” mais e mais dinheiro, usando como argumentos principais a “sustentabilidade do Estado Social”, que diminui a olhos vistos, e a “redução da Dívida Pública”, que aumenta mais do que bolo no forno, não se limita à fatura de eletricidade. Estende-se à fatura de gás natural (com o imposto especial de consumo, taxa de ocupação de subsolo e IVA a vinte e três por cento), ao preço dos combustíveis onde o desaforro já ultrapassa, e muito, os cinquenta por cento em impostos, ao consumo de tabaco (que bate o record de impostos a rondar os oitenta por cento), à indispensável água (com a tarifa de saneamento, a taxa de recursos hídricos, a taxa de resíduos sólidos urbanos e, claro, o IVA), bebidas alcoólicas e açucaradas e um sem fim de bens que usamos no nosso dia a dia, como se fosse pecado capital ser consumidor.

Agora que “está fora do poleiro” e para “dar tanga” aos deputados que estavam lá para saber outras coisas, Manuel Pinho “batizou” a fatura da eletricidade como uma “vaca leiteira”, com a intensão de desvalorizar as chamadas “rendas da edp” a que ele está associado e passando o ónus da energia cara para quem “mama” na dita “vaca”.

O ex-ministro da economia errou ao tomar a “parte pelo todo” ou não quis dizer a verdade aos deputados, como não lhes havia dito nada daquilo que eles queriam saber. A “fatura da eletricidade”, tal como a “fatura do gás natural”, o “preço dos combustíveis” e outras faturas, não são nenhuma “vaca leiteira”. Longe disso. Para mim, mais não são do que simples “tetas” onde os políticos puseram a “boca” do Estado a “mamar”, muito mais do que seria aceitável, escandalosamente, sem respeito pela verdadeira “vaca”. Porque, afinal, a verdadeira “vaca leiteira” que tem de sustentar este Estado, “faminto e insaciável”, é o desgraçado do “Contribuinte”. E “Contribuintes” somos todos nós que consumimos, trabalhamos e produzimos, mas que nem sempre temos consciência que, para os políticos, não passamos de “vacas leiteiras” … E, das duas uma: Ou damos um coice em quem “mama demais” ou a maioria destas “vacas” vai morrer “seca como um carapau” …

Além de Festa, “ponto de encontro”…

Acabou a festa. Agora, é o desmontar das barracas, o carregar dos contentores, o retirar de cabos elétricos e arcos de iluminação, o desfazer do palco em peças, o mudá-lo para o próximo local. E vão-se os carroceis, os carrinhos de choque, o “canguru” e outras diversões mais ou menos radicais dum parque improvisado com curta duração. Há gruas, camiões grandes e pequenos, furgões, carrinhas, caravanas e gente a carregar as tralhas feitas entretenimento e negócio nas Festas Grandes de Lousada. Só ficou a barraca das farturas para nos empanturrar de frituras de farinha e água, polvilhadas com açúcar e canela, feitos pedaços de tentação que nutricionistas desaconselham. Durante os dias de festa a Vila acordou atapetada de lixo espalhado pelo chão em tudo quanto é sítio, menos nos locais onde devia ser colocado. É curioso como ninguém conseguiu acertar com os copos de plástico nos “ecopontos” nem com o lixo nos contentores. Devia haver algum problema, pois muito desse lixo foi parar ao chão pela mão de gente civilizada, mas que estava afetada pela “síndrome da manada” – fazer o que a manada faz. O trabalho ficou para o pessoal da câmara e da empresa de recolha. E foi muito para lá do razoável. Além do lixo as Festas também “pariram” dejetos humanos em cada canto mais ou menos escondido, odor intenso a urina em cada porta como se a rua fosse uma latrina coletiva (as portas de madeira que sofreram tal “tratamento” estarão protegidas dos ataques do bicho da madeira durante o próximo século porque, se aproximar, morre com o pivete), preservativos, moradores com sono e mal humorados por noites em branco e jovens adolescentes a deambular, anestesiados a álcool e pensando que a noitada ainda não terminara e com cara de aparvalhados, enquanto os paizinhos dormiam na “paz do Senhor … dos Aflitos”.

Elogia-se ou critica-se a organização pelos artistas contratados para dar espetáculo e animar as noites de acordo com o gosto de cada um, se o fogo de artifício foi bonito de se ver e fazem-se comparações com as Festas de Paredes e, especialmente, as de Freamunde, porque se mantem essa rivalidade absurda, de um bairrismo da Idade da Pedra.

As Festas Grandes são cada vez “mais grandes”. Porque tem que ser.  Não se pode ficar atrás da concorrência nem das outras comissões de festas. Quando era criança, a Festa Grande era “Grande”, mas “curta”. Vi-a crescer no número de dias que ocupa a vila, anima forasteiros e desanima moradores. No estender da iluminação a mais avenidas, ruas, praças e vielas da vila. Na crescente quantidade e, às vezes, qualidade, de artistas “cabeça de cartaz”, cuja escolha nem sempre é consensual. As Festas já se estendem por vários dias seguidos, sem falar dos “preliminares” que acontecem ao longo do mês de Julho. Se a intensão é atrair cada vez mais forasteiros, não me parece que o paradigma escolhido com a introdução das “barracas de cerveja” seja o caminho certo. Pelo contrário, a venda sem controle de bebidas alcoólicas associada à música em ambiente de “discoteca de rua” tipo “rave” é um erro que já outros cometeram há muitos anos. E nós não quisemos aprender a devida lição e teimamos em repeti-lo e insistir nele, em nome de uma receita adicional tida como importante para o orçamento da organização. Haverá mais recursos para prolongar os dias festivos, recrutar mais cantores do top nacional ou consumir em “foguetório”, coisa em que a minha cadela, se tivesse voto na matéria, estaria contra. Detesta foguetes. Mas o acréscimo de forasteiros nas Festas não pode nem deve ser conseguido à custa do sacrifício dos adolescentes, queimados em lume brando no consumo de álcool sem limites, sem idades, sem razões sérias de interesse público. Se Aquele que é o Patrono das Festas viesse a tomar posição sobre o que estão a fazer em Seu Nome, tenho a certeza que voltaria a correr com os “vendilhões do Templo”, a chicote …

Sempre fui um entusiasta das Festas Grandes. Enquanto criança e até adolescente, pelos doces que os meus pais compravam, pelo “jantar” depois da procissão junto aos “tanques”, pela diversão nos carroceis e carrinhos de choque, pelo “picadeiro”, pela “cascata de luz” que era o monte do Senhor dos Aflitos nas tigelinhas, pelas vacas de fogo que eu via protegido no carro do meu pai, na Avenida Senhor dos Aflitos. Com a passagem à idade adulta as Festas Grandes, para além da festa e do entretenimento, passaram a funcionar como verdadeiro “ponto de encontro” onde ia reencontrar familiares, amigos e condiscípulos que a vida conduzira para outras paragens, mais ou menos distantes, mas sempre perto de nós. E era ali que a cada ano revia uns quantos, relembrava histórias, recebia informações de outros que estavam ausentes e se aplacava a saudade. Seguramente, a cada ano as Festas traziam-me novidades enquanto “ponto de encontro”. E era como voltar às nossas origens, ao encontro do passado, selado num abraço. Há dez anos que me marcam falta nesse “ponto de encontro”, mas os amigos sabem porquê. Apesar da lista de “participantes” diminuir a cada ano que passa, sei que alguns são resilientes e marcam o ponto, porque é dos últimos locais onde ainda nos encontramos, além dos casamentos e funerais.

Fiquei feliz quando perguntei à Teresa se tinha gostado das Festas e ela me disse: “Foram excelentes. Divertimo-nos imenso. Encontramos vários amigos que já não víamos há muito tempo e que vivem fora. Veja lá, que nem sequer reconheci um deles porque está barrigudo e de barbas. Teve de ser ele a vir cumprimentar-nos. Foi um excelente “ponto de encontro”, instalados numa esplanada a rever amigos”. E fiquei a pensar que ela já chegou à fase seguinte, de olhar as Festas também como “ponto de encontro” que são.

E o João, jovem adolescente que os pais “soltaram” à meia-noite, foi com um colega até às barracas de bebidas onde, para “aquecer os motores”, começou com dois “shots” e depois “foi sempre a abrir”. É preciso “molhar os pés” para ganhar asas e desinibir-se, agarrar-se ao copo para estar integrado e parecer um homem, “abanar o capacete” ao som da música. Também para ele as Festas serviram de “ponto de encontro” com a miúda loura de copo na mão que não conhecia. E ainda hoje não sabe quem é, como se chama, nem de onde veio. Sabe que se “colou” a ela grande parte da noite e que “despertou” sozinho já o sol se levantara, deitado junto a um portão de garagem quando este começou a abrir. Foi também um “encontro”, mas não sabe “de que falaram”, que parte do corpo usou para “comunicar” ou até mesmo se chegou a “entrar em contacto”. Os vapores do álcool “apagaram” o registo. Valerá a pena insistir na “fórmula” – e no erro – para termos mais “forasteiros” destes? Em nome de quê?