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Tempo de piolhos, lêndeas e … chatos!

As coisas que eu não sei! Na minha santa ignorância, pensava que as infestações de piolhos nas cabeças das crianças portuguesas era coisa do passado, do meu tempo de criança. Que este tipo de infestação tinha sido erradicado no nosso país. Mas, vejam lá, pelo que li em informação especializada, é a segunda doença mais frequente em crianças, depois das constipações. Dizem que cerca de metade das crianças de todos os estratos sociais, é anualmente contaminada com piolhos, parasita que pode provocar doenças na pele, nos olhos e afeta o rendimento escolar. Estes insetos chupadores de sangue que parasitam o couro cabeludo dos seres humanos, não olham a raça, sexo ou religião. Vai tudo a eito e, atenção pais, os cabelos limpos ou curtos também não escapam. O maior contágio é por contacto direto, cabeça contra cabeça.

Se em criança coçasse a cabeça, a primeira coisa que a minha mãe me perguntava era: Tens piolhos? E seguia-se o trabalho de inspecionar a minha cabeça para ver se os bichinhos já se tinham instalado entre o cabelo. A infestação de piolhos era muito comum e compreende-se, já que as regras sanitárias e de higiene eram o que eram. E, quando um aluno os apanhava, era certo e sabido que se espalhavam à turma. E como é que se matavam? Não pensem que havia os remédios e loções tópicas para tratar os piolhos que se compram na farmácia atualmente. Não, nada disso. Em regra eram mortos pela unha do polegar direito da mãe ou da avó. As mulheres eram especialistas em “catar os piolhos e as lêndeas”. Para tal, havia um ritual que seguiam passo a passo: depois de voltar da escola, sentavam a criança à sua frente numa posição mais baixa para poder ver bem a parte superior da cabeça, que “passavam a pente fino” para detetar e eliminar qualquer piolho ou lêndea, caso contrário a infestação voltava a descontrolar-se. É daí que vem a expressão “a pente fino”, porque nessa altura usava-se um pente de dupla face, dentes finos e juntinhos, para apanhar não só os piolhos como as lêndeas – se as lêndeas, que não são mais do que os ovos dos piolhos e ficam agarradas ao cabelo, não forem tratadas e tiradas na totalidade, ao fim do sétimo dia nasce um novo piolho que cresce rapidamente e, a partir do 19º dia, pode pôr mais de 15 lêndeas por dia, durante 10 dias, até morrer ao 32º dia de vida, fazendo com que a infestação se agrave rapidamente.

Os piolhos são insetos parasitas, sem asas, que precisam de hospedeiro como o ser humano para completar o ciclo de vida, podendo alojar-se no couro cabeludo (mais frequente), corpo, pestanas e região púbica e a infestação faz-se por contacto entre cabelos ou partilha de objetos infetados e afeta principalmente as crianças em idade escolar.

Um dia, antes de irmos para as aulas, eu e mais três colegas de escola passamos pelo local onde tinha estado acampado um grupo de ciganos que abalara no dia anterior. Como entre outras coisas deixaram um velho saco de serapilheira, nós andamos a brincar com o saco até irmos para a escola e o resultado foi uma enorme infestação de piolhos. De tal forma que, sempre que tínhamos um intervalo, por mais pequeno que fosse, passávamos o tempo todo a inclinar a cabeça sobre o tampo da carteira e a sacudir o cabelo em cima. Os piolhos caíam no tampo e nós fazíamos o que víamos as nossas mães fazer: matá-los com a unha do indicador. Mas, por mais piolhos que matássemos, não conseguíamos eliminar a infestação até porque as lêndeas ficam agarradas ao cabelo e só em casa a mãe ou outra mulher em sua substituição, tinha paciência e sabia tratar do assunto completamente e com “profissionalismo”.

Anos mais tarde passou a aparecer nas festas e, sobretudo, nas feiras, montado numa motorizada, um homem de Meinedo conhecido por “Ministro”, a vender um pó com o slogan “mata toda a bicharada” e que era aplicado na cabeça das crianças infetadas. Presumo que o pó tenha sido o DDT, o primeiro grande inseticida do mercado de pesticidas, que foi usado na agricultura durante muitos anos para combater várias pragas e que viria a ser retirado do mercado por ser perigoso para o ser humano. O certo é que, entre outras coisas, andou a ser espalhado na cabeça de milhões de crianças e terá matado muito mais piolhos … 

Nesse tempo, também era comum o aparecimento de outra espécie de piolho, geralmente encontrado nos pelos pubianos, conhecidos por “chatos”. Também são sugadores de sangue como os outros e causam comichão na pele. De modo geral, os chatos são transmitidos por meio do contato sexual a partir de alguém que esteja contaminado. E é por conta da transmissão pelo contato íntimo que o chato é considerado uma DST (doença sexualmente transmissível). 

Durante a pandemia aumentaram os relatos das infestações de piolhos nas crianças, mas como ainda existe alguma vergonha em se falar neste assunto em público e em que se saiba quem passou a quem primeiro – um tabu que ainda existe – pode levar a que, se alguém descobrir que um filho tem piolhos, não avise na escola de imediato nem peça ajuda se for caso disso. Muitos pais tratam o assunto com recato sem recurso a apoios existentes para não se exporem como se tal fosse condenável. Dizia um pediatra que “às vezes até parece que isto é terceiro-mundo, mas infelizmente ainda não conseguimos erradicar esta infestação, que

ameaça tornar-se uma “praga”. Para esta situação, contribui o “medo de falar do assunto”, pois para muitos “ter piolhos é sinal de porcaria”. Mas, “não falar sobre o assunto “é contribuir para que a situação se eternize e infernize”.

Confesso que tive piolhos, e muitos, e não morri, nem me envergonhei. Era (e parece continuar a ser) normal. Pelo contrário, matei muitos à “unhada”, embora a maior tarefa fosse da minha mãe. Se os médicos ainda não resolveram de vez o problema em Portugal, é porque os piolhos continuam a andar por aí e a passar de cabeça em cabeça. Por isso, vá por mim, ajude a erradicá-los. Não tenha vergonha de procurar ajuda e avisar a escola se lhe calharem em sorte, porque “quem não procura não encontra”. Nem caia na tentação de meter a cabeça do filho debaixo de água para afogar a bicharada, pois é mais fácil afogar o seu “rebento” do que afogar os piolhos. E, já agora, faço votos para que não “apanhe uma camada de chatos” num dos sítios mais recatados do corpo, porque isso pode significar que “mijou fora do penico”. E aí, a conversa será outra …

Somos bons a não cumprir regras …

Há uma coisa que faz parte do nosso ADN, da nossa maneira de ser, de estar na vida e viver em sociedade: Nós não gostamos de cumprir as regras. Porque o que tem piada é fazer precisamente o contrário do que deve ser feito. O “herói” (pensa ele) é aquele que não cumpre, que não “liga puto” às regras e normas e “está-se a borrifar”. 

Numa sociedade civilizada a ordem e a segurança predominam, por forma a que os cidadãos vivam de forma pacífica. Para tal, tiveram de abrir mão de certas liberdades proporcionando um equilíbrio entre a liberdade individual e a segurança coletiva, permitindo a introdução de regras que impedem um ambiente de caos e medo, regras que vão sendo moldadas de acordo com o progresso e transformação da sociedade. Mas, em função daquilo que vemos, é caso para perguntar: As regras são para cumprir, para “encaixilhar” ou “para inglês ver”? Porque é que os pais querem ir de carro até dentro d a sala de aula para “depositar” ou “levantar” os filhos, mas, como não conseguem, ficam em 1ª. fila, 2ª. fila e, se possível, em 3ª fila, em cima de passeios, rotundas, passadeiras, à frente de garagens e até em propriedades privadas, sem qualquer respeito pelas normas de civismo? 

Porque é que na rotunda em frente do hospital de Lousada é comum ver carros parados, fechados e sem ninguém dentro porque o dono foi ao Centro de Saúde e ali fica até que seja atendido, impedindo a passagem a quem quiser dar a volta completa à rotunda? 

Porque é que vemos tantas vezes na rua carros em segunda fila a bloquear o trânsito, com a desculpa de “é só um minutinho”?

Porque é que temos de escutar o barulho ensurdecedor de uma festa animada até às tantas da manhã no apartamento do lado, de cima ou de baixo ou na casa do vizinho em qualquer dia da semana e que não dá hipótese de dormir, nem a quem trabalha cedo no dia seguinte?

Porque é que temos de ver mobiliário urbano danificado, destruído ou “borrado de tinta”, seja em parques infantis, jardins públicos ou sinais de trânsito e tantos outros, com prejuízo de quem os usa e de toda a sociedade que tem de pagar os “custos dos artistas”?

Porque será que temos de ver estátuas destruídas, símbolos do país arrancados por vândalos que “têm o direito à ofensa”, mas não têm problemas em ofender?

Porque é que, apesar dos muitos contentores e ecopontos espalhados por aí, vemos tanto lixo espalhado no chão sem respeito nenhum?

E porque será que é muito frequente ver abrir-se o vidro de um carro em andamento para se lançar “beatas” acesas, com possibilidade de consequências trágicas, restos de comida e todo o tipo de lixo?

Para tudo isto há regras, normas e até leis, que estão mais ou menos bem feitas, mas não servem para “porra” nenhuma. Se não houver consequências sérias e efetivas, a maioria está-se a “borrifar” para elas. Dizemo-nos “civilizados”, mas só queremos liberdade para fazer o que quisermos ainda que seja não cumprir as regras. Não tenhamos dúvidas, nós estamos muito atentos quando “os outros” atrancam a nossa rua, nos impedem de passar e nos fazem esperar sem sequer pedir desculpa; despejam lixo à nossa porta; estacionam ou param e isso nos prejudica; borram ou estragam o nosso portão; mijam ou se aninham junto à nossa porta para “arrear o calhau”; ou se é o nosso vizinho que faz uma festa (sem nos convidar) e a música berra até às tantas da manhã tendo nós de ir trabalhar enquanto eles curam a ressaca da noitada. E nessas alturas nós sabemos muito bem dizer que está mal, que as autoridades deviam intervir, aplicar multas, etc., etc. Mas se formos nós a prevaricar, somos muito condescendentes connosco e até achamos que a regra podia cumprir-se ou não pois a “coisa” nem tinha grande importância …

Tal como cá, em Singapura há regras, normas e leis. Também não se pode atravessar a rua numa passadeira com o sinal vermelho. Nem mesmo às 4 horas da manhã sem trânsito nenhum. A essa hora, em Portugal alguém espera que mude para verde para poder atravessar? Ninguém. Lá, também ninguém … atravessa. Porque se atravessar com o sinal vermelho, vai passar uns dias de “férias na gaiola”. E se cuspir no chão ou atirar a beata à rua? Vai dentro. Já nem falo em respeitar aquilo que não lhe pertence. Duas pessoas minhas amigas foram jantar fora e uma quando chegou ao hotel apalpou os bolsos e viu que se esquecera da carteira e do telemóvel. Virou-se para o amigo e disse: “Deixei o telemóvel e a carteira no restaurante, mas não tem mal. Amanhã vou lá buscá-los”. E ao outro dia estava tudo lá. Se fosse em Portugal, com toda a certeza encontravam o lugar onde os deixaram. No entanto, lá não houve quem lhes tocasse porque sabem que são apanhados e que as consequências são muito sérias. 

A primeira vez que fui à Suíça foi à cerca de 40 anos, tendo ficado alojado duas noites no apartamento de um padre nosso conterrâneo. Éramos nove “clientes”, deitados de forma improvisada no chão do apartamento. Nas duas noites, antes das 22 horas, teve o cuidado de nos pedir para, a partir dessa hora, não fazermos barulho nenhum. Dizia ele, “nem sequer deixar cair um lápis ao chão”, pois, se tal acontecesse, não demorava muito a ter a polícia à porta. É a regra, para as pessoas poderem descansar, pois, ao outro dia têm de se levantar cedo para ir trabalhar. A exigência de não fazer barulho a partir dessa hora é tal que a lei impõe que “os homens não podem urinar de pé a partir das 22 horas”, o que já acontece em mais alguns países. Em alguns, pode-se até tirar licença para prolongar a festa. Só até às 23 horas. Dizia-me um emigrante que, quando chegou às 23 h, continuou. Dois minutos depois tinha a polícia à porta. São as regras. Tudo envolve regras para vivermos numa sociedade civilizada e têm de ser cumpridas ou isto torna-se uma selva. Seja a conduzir, dispor de equipamentos públicos, viver em condomínio, trabalhar, passear e educar o cão, contribuir para a limpeza em todos os lados, respeitar as filas, saber viver em comunidade. Não as cumprir, contribui para a perda da nossa qualidade de vida e se o tentarmos impedir, podemos ser insultados, ameaçados ou intimidados. Uns dirão que é culpa da Justiça, outros da Polícia e outros ainda dos políticos. É fatalidade e temos de a aceitar, encolher os ombros e esperar que passe? Dizemos que é falta de civismo, o cimento de uma sociedade, atribuindo-a aos políticos e suas políticas. Mas a falta de civismo e educação é culpa nossa, dos pais e os maus exemplos são tantos que não cabem nesta crónica e são a escola onde os filhos aprendem a fazer o mesmo …

Insistir no “porreirismo nacional” onde se pode cumprir ou não as regras porque isso é que é “porreiro” e agrada aos jovens, numa falta de civismo crónica do país e que se vem agravando graças à falta de educação para o civismo, vai conduzir-nos a um de dois cenários: Ou somos capazes como pais de reverter a situação cívica do país ou um dia destes vem-se pedir um estado policial tipo Singapura, onde o incumprimento das regras não se coloca porque “a besta” que há em cada um de nós é eliminada de forma drástica. E aí, já se cumprem as regras todas …

Onde para o orgulho português?

Já não se veste a bandeira nacional nem se canta “A Portuguesa” a não ser que haja um jogo da seleção ou quando Portugal se destaca nalgum evento de importância internacional. A última vez que tal aconteceu com uma dimensão verdadeiramente nacional, foi durante o Euro 2004, realizado em Portugal. E, goste-se ou não se goste do homem, o então selecionador nacional Luiz Scolari fez aquilo que se julgava improvável: desafiou e conseguiu puxar o orgulho nacional ao de cima e fazer com que a grande maioria dos portugueses desfraldasse uma bandeira em suas casas ou onde quer que fosse, um dos símbolos de Portugal, “puxando” pela nossa seleção e acreditando que ela poderia ganhar. Ele usou o seu conhecimento prático daquilo que fazem os brasileiros aquando do campeonato do mundo de futebol e até em muitas outras manifestações. Mas “foi sol de pouca dura” pois mal acabou no Euro, as bandeiras foram sendo retiradas das janelas e recolhidas, desaparecendo entre o lixo caseiro. E o orgulho português desapareceu e voltou a ser enterrado com elas, sem que se vislumbre qualquer tentativa de vir a ser ressuscitado, depois de “acusado” de criminoso pelo atual presidente da república e outros políticos de meia tigela …

Uma das recordações que guardo das viagens aos Estados Unidos e que me impressionou muito, foi o facto de a bandeira do país estar, dia e noite, em todos os lugares. Não tem como não ver. Dentro das casas e fora delas, sejam mansões ou simples barracões. Está nas ruas, nos carros, igrejas, lojas e até nos cemitérios. Veem-se nos barcos, pontes, vestuário e nos alimentos. Seja em zonas urbanas, nas rodovias ou no meio do nada, lá está ela com suas cores, listas e estrelas. As escolas americanas, todas, exibem a sua bandeira, grande ou pequena, porque faz parte da vida de todos, sejam americanos, imigrantes ou turistas. E isso significa amor à pátria, independentemente dos partidos políticos, clubes desportivos, raça, cor ou religião. Não é obrigatório, é sim uma questão cultural. O velho na camioneta velha usa a bandeira nacional sempre. E se a maior potência mundial leva isso muito a sério, porque é que nós não aprendemos com eles a ter orgulho nos nossos símbolos e no nosso país?

Dizia-me um americano comum: “Eu tenho uma bandeira desfraldada no meu jardim porque sou patriota e amo este país. E expor a bandeira é a minha maneira de dizer obrigado”. E um brasileiro que trabalha lá: “Eu acho linda a maneira como os americanos defendem o seu país e como eles dizem sempre “que Deus abençoe a América”. O patriotismo dos americanos é inquestionável e a sua fidelidade, respeito e orgulho pela bandeira americana está-lhes no sangue. E ensina-se nas escolas às crianças, todos os dias, com a turma toda de pé com a mão direita sobre o coração, a homenagear a bandeira e a recitar o Juramento de Fidelidade: “Prometo fidelidade à bandeira dos Estados Unidos da América e à República que ela representa, uma nação sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos”. Tudo isto hoje seria impensável em Portugal, porque os governantes de esquerda e até de direita, são os primeiros a ter vergonha de defender esses símbolos do país e puxar pelo nosso patriotismo, com medo de perder as clientelas marginais. Dificilmente se fala de amar os símbolos de Portugal, seja a bandeira ou o hino nacional, sem ser acusado de racismo, xenofobismo e mais uns quantos “ismos” do dicionário e não se assume que é só uma questão de ser patriota e de manifestar amor, dedicação e orgulho pela pátria. Nada tem a ver com política, partidos, raças ou religiões. “Gosto do meu país”, sem mais nada, é o que eu quero dizer ao cantar o hino nacional ou empunhar a nossa bandeira. Claro que há partidos, grupos organizados e ideologias que agem como se fossem os seus donos, os únicos a ter o direito de os usar, mas sempre vai haver essa tentação enquanto não houver uma maioria de portugueses a assumir os símbolos como seus, sem qualquer conotação que não seja o amor a Portugal e os use sem complexos ou outra ligação que não seja à sua pátria. 

Há já alguns dias que me tenho dado à pachorra de percorrer Lousada e outros concelhos até ao Porto, à procura de bandeiras de Portugal orgulhosa e permanentemente desfraldadas. Para minha desilusão não vi um único edifício público com a bandeira nacional. Nem as câmaras municipais, nem juntas de freguesia, nem escolas do ensino básico ou superior, nem nenhum organismo ou instituição. Zero, zero bandeiras. Provavelmente condicionados por uma legislação envergonhada que despromove a bandeira nacional, seja para poupar o tecido que vem da China (ou as próprias bandeiras como aconteceu em 2004) ou evitar o trabalho de a içar de manhã e arriar antes do pôr do sol pois pode-se constipar se dormir fora. Nem casas particulares ou lojas, cafés, bares, armazéns ou o que quer que seja. Bandeira nacional vi uma a acenar-me do alto de uma vedação, como que a dizer “sou filha única”, talvez esquecida. Vi algumas bandeiras brasileiras através das janelas, que marcam uma diferença. Talvez se a seleção nacional de futebol ainda estivesse na corrida de alguma coisa eu pudesse ver mais algumas a acenar-me. E só no domingo as vi hasteadas em duas câmaras durante o dia. Como diz o povo, “e é para quem quer” …

Napoleão Bonaparte dizia que “o amor à pátria é a primeira virtude do homem civilizado”. E tinha razão por que o patriotismo é o sentimento de orgulho, amor, devoção à pátria e ao povo de que fazemos parte. E apesar do mundo se ter tornado global, nós somos aquilo que vivemos e onde vivemos e nós fizemo-nos aqui.

Ainda há dias dois emigrantes a trabalhar na Suíça me disseram que, mal se reformem, regressam a Portugal e à terra que os viu nascer, porque “esta é a sua casa”, a casa onde nasceram e querem morrer. Muitos deles são quem sente e manifesta mais orgulho no seu país, na sua bandeira e não têm vergonha de a usar e exibir. Porque por cá, pouco ou nada se tem feito, especialmente com as gerações mais novas, o que traz consigo um afastamento cada vez maior dos símbolos nacionais, que têm dividido o povo mais do que o têm aproximado. 

50 anos depois da revolução, a letra dos primeiros versos do hino nacional tem perfeita atualidade:

          “Heróis do mar, nobre Povo, 

           Nação valente, imortal. 

           Levantai hoje de novo, 

          O esplendor de Portugal” …

Estamos a ser colonizados pela língua

A língua portuguesa faz parte dos bens que constituem o património cultural do nosso povo e da nossa nação. É ela que nos permite comunicar os valores, as ideias e até os sentimentos com os outros. Mas, mais ainda, a língua portuguesa é uma identidade cultural dos seus falantes, aquilo que se chama património imaterial e temos a missão de salvaguardar este elemento vital da nossa identidade cultural comum e preservar a essência e alma de um povo. Há um imenso território de vários países comum à língua portuguesa e que nos permite compreender uns aos outros, mas a língua portuguesa que se fala no Brasil é diferente da língua portuguesa que se fala em Portugal e isso revela as nossas peculiaridades e a história de cada povo. E, por mais Acordos Ortográficos que se façam, não há forma de travar a deriva em que o Português Brasileiro e o Português de Portugal entraram, ao ponto de falarmos a mesma língua, mas muitas vezes não nos entendermos, nem sequer compreendermos o que o outro diz. Mas uma coisa é certa: a língua portuguesa é boa para insultar, elogiar, vociferar, gracejar, para escrever belos textos em prosa ou poesia, canções e poemas além das variações nos dialetos e regionalismos que enfeitam o país de norte a sul. É muito bom falar português, escrever em português e de ler, cantar e declamar em português. Fernando Pessoa dizia que “a minha pátria é a língua portuguesa”.

Mas tudo isto vem a propósito de um fenômeno que começou com a chegada do covid-19 e se instalou em Portugal, levando a que os pais de crianças, em especial de tenra idade, por comodidade, desleixo ou falta de atenção, permitam que os seus jovens rebentos comecem por aprender as primeiras palavras, e não só, em Português do Brasil. A verdade é que os pais muitas vezes nem sequer pensam e não se preocupam com isso ou simplesmente não têm tempo e acham que não faz mal colocar nas mãos de uma criança um tablet, computador ou telemóvel com vídeos brasileiros em Português Brasileiro, para os ocupar, para que estejam quietos e calados ou para que não chateiem. 

Em idade tão tenra, as crianças são diamantes em bruto e, tal como uma esponja, absorvem tudo com muita facilidade e intensidade. O “gravador” tem a “fita virgem” e não tem dificuldades em gravar tudo o que ouve. Ora, agarrados aos aparelhos eletrónicos que os pais lhes colocam nas mãos, começam por ver o Ruca, o Panda ou coisas do género, mas rapidamente passam a outros vídeos cuja maioria é de brasileiros, em especial de um tal Lucas Neto, um youtuber com 36 milhões de subscritores. A partir daí, não querem outra coisa, não há forma de os calar seja com o que for que não seja o telemóvel ou o tablet para ver mais do mesmo. E ficam viciados. No princípio, os pais acham piada que as crianças digam palavras ou frases em Português Brasileiro, porque é engraçado, riem-se e assim vão alimentando um problema sem terem consciência de até onde isso os pode levar. E depois, quando acordam para a realidade e querem fazer alguma coisa, já é tarde. Às vezes, são as educadoras de infância ou outros técnicos de educação ou sociais que identificam o problema e dão o alerta, muito preocupadas por as crianças terem o seu discurso todo em “Português Brasileiro” e não dizerem os “r”s nem os “l”s. Dizia a mãe de uma criança pequena, orgulhosa do seu rebento falar tão bem o Português Brasileiro que, por várias vezes, tinha sido abordada por pessoas desconhecidas a querer saber se a família era brasileira, tal era o sotaque da criança. 

Nada tenho contra o Português do Brasil com as particularidades, palavras e expressões que lhe são próprias, como língua corrente lá no Brasil, tal como me parece normal que aqui, em Portugal, se fale, escreva e aprenda o Português cá de Portugal, porque nós somos portugueses e não brasileiros, por quem tenho muito respeito. Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”. E nesta questão da língua, temos a obrigação de salvaguardar a nossa e transmiti-la às gerações seguintes, porque faz parte da nossa identidade e da nossa cultura. Mas, o que está a acontecer é que, à conta de muitas horas de exposição a conteúdos realizados por youtubers do Brasil, as crianças aprendem a dizer as primeiras palavras não no português original e com a pronúncia portuguesa, mas com sotaque brasileiro, sendo que muitas delas precisam de “tradução”, caso contrário não vão ser entendidas, como são os casos de chamar “ônibus” a um autocarro, de “grama” à relva, “geladeira” ao frigorífico, “carona” a uma boleia, “bonde” a um elétrico, “listras” às riscas, “van” a uma carrinha, “galera” à malta, já para não falar em “veado”, não ao animal que conhecemos, mas a um homossexual. A uma mãe, só quando o filho no supermercado lhe pediu para comprar “balas” é que o alarme se acendeu e a fez levar o miúdo à terapeuta da fala para ser tratado e a levou a controlar-lhe o acesso aos conteúdos do tablet para que não continuasse a insistir no erro de visualizar vídeos brasileiros. Quando chegam a esta fase, os pais têm de dar mais atenção e tempo à criança e explicar-lhe as razões de tal procedimento e as diferenças.

Se há pais, professores e especialistas que entendem ser um motivo de grande preocupação, pois garantem que existem crianças que mal sabem falar português de Portugal, há quem considere que se trata de uma fase da vida das crianças como aconteceu com as telenovelas brasileiras, ou uma espécie de “colonialismo reverso” para vingar a colonização portuguesa na América. 

O alerta fica para quem se preocupa com os filhos de tenra idade. Como diz a psicóloga Mónica Nogueira, “uma criança que fica muita exposta a conteúdos que não estão na língua que os pais falam, claro que vai aprender o que ouve, seja português do Brasil, seja noutra língua qualquer. Porque os pais usam os conteúdos para ter a criança sossegada, para que coma a sopa ou não incomode a conversa”. E as consequências? Logo se verão …

“Cartas de amor, quem as não tem” …

Agora já só recebemos cartas do banco ou da conta da luz, da água, do gás, da companhia de seguros e outras, mas nenhuma a perguntar como estamos, onde estamos. Já ninguém nos dá muita atenção a não ser o cobrador. Muito menos a atenção de uma carta escrita à mão, de caligrafia exemplar e legível, espaçamento calculado, com as margens delimitadas e um desenho no final. Mas, sobretudo, com mensagens de amor que nos enchiam o coração. Eram as “cartas de amor”. E por isso, as cartas sempre exigiram atenção especial dos designers, pois umas das suas características mais marcantes era o aspeto visual. Ao contrário de um e-mail ou mensagem de texto, uma carta é um objeto físico aguardado, desembrulhado e conservado. 

Num tempo em que a comunicação à distância entre pessoas estava limitada às cartas escritas, por norma à mão, dado que os telefones eram poucos, limitados e caros e os telegramas não eram práticos, as “cartas de amor” eram o recurso para ligar corações. Há 60 anos, uma carta traduzia de forma bem cristalina e clara o estado duma relação e aquilo que outra pessoa representava para nós, se calhar, mais do que mil sms com duas dúzias de caracteres. É que, uma carta de amor expressa os mais puros sentimentos, nutre a paixão e cria memórias que podem durar por toda a vida. As cartas de amor eram sempre portadoras de uma mensagem: Um desejo, uma recordação, um grito, um pedido, de gratidão ou perdão. O artista Francisco Fonseca dizia que “era um tempo em que havia tempo e até se escreviam cartas de amor”. E eram esperadas com uma enorme ansiedade, como dizia o poeta António Nobre numa carta a Cândida Ramos: “Até que enfim. Chegou. Chegou a ambicionada cartinha que era o meu tormento e cuja demora me trazia o espírito doente e o coração sobressaltado. Não imaginas as suposições (…)”. E todos os apaixonados passaram por esse tormento de esperar que o carteiro trouxesse um envelope para si, com aquelas palavras mágicas que os faziam chorar, suspirar e sonhar …

Havia fórmulas clássicas para começar uma carta: «Espero que esta carta te vá encontrar de boa saúde na companhia dos teus (…).» E todas as missivas eram cuidadosamente elaboradas. Carregavam emoções que não conseguiam ser transmitidas por meio de meras palavras faladas, às vezes atadas à timidez do momento, de um face a face. Sonhos, desejos e fraquezas eram rebelados com eloquência. O processo de escolher as palavras com cuidado, construir frases lindas e fluídas e verbalizar emoções, criava uma ligação muito mais forte. Mas a delicadeza de se escrever uma carta de amor acabou.

As cartas de amor guardavam-se no cofre, em caixas arrumadas no sótão, na parte de trás de um armário ou escondidas na gaveta das meias se não fossem muitas, longe dos olhares indiscretos, mas onde se iam buscar para reler, recordar e sonhar. E muitas vezes, em sinal de que a relação acabou, “trocavam-se as cartas” para colocar o ponto final. Há quem as tenha conservado ao longo da vida como se fossem o seu refúgio espiritual, o lugar onde recuperar o ânimo e as forças.

Dizem que devíamos reabilitar as “cartas de amor” como património da Humanidade, admitindo que uma relação amorosa nunca poderá ficar completa enquanto o casal de namorados não trocar entre si algumas dessas missivas. Atualmente temos um conjunto de meios tecnológicos que nos ajudam a comunicar, mas que muitas vezes não nos ajudam a ser mais comunicativos. Mundo estranho e paradoxal este, pois na era da sociedade da comunicação, estamos cada vez mais virados para nós próprios tornando-nos autistas, o que não é um bom presságio quando se trata de estar numa relação amorosa.

A carta deu lugar ao recado digital e por isso, ainda pior que o antigo telegrama, mais descartável. 

Como quase todos os cidadãos que soubessem ler e escrever, escrevi também as minhas cartas de amor. Aliás, não só redigi as minhas como ainda tive de escrever as de algumas pessoas que não o sabiam fazer e eu servia de escriturário, acrescentando aqui e ali alguma frase mais assertiva e romântica que a pessoa não conseguia dizer. E orgulho-me de ter ajudado a unir alguns casais. Aliás, um deles uniu-se de tal maneira que consolidou a sua relação amorosa com relações sexuais antes do tempo, o que nessa altura era coisa “complicada”, sobretudo quando “a barriga começou a crescer”, o que fez antecipar o casamento porque não havia escolha: ou era sim ou sim.

Há muitos anos, Toni de Matos cantava: “Cartas de amor, quem as não tem, cartas de amor, pedaços de dor, sentidas de alguém”. Mas já Fernando Pessoa, em verso, dizia que “todas as cartas de amor são ridículas, porque são cartas de amor”. Será que ele chegou a escrever alguma?

Receber uma carta de amor é um dos grandes prazeres negados às novas gerações que nunca vão saber que essas notas manuscritas, seladas, representam paixões, emoções, um vínculo e podem ser revisitadas. Resta-nos a efemeridade do modo como comunicamos. Venceu o utilitarismo, a informalidade, a realidade nua e crua em vez do charme, do mistério, do talento, da sedução e beleza, da elegância e intemporalidade. Hoje, a alternativa são os e-mails, Whatsapps, Messengers e emojis q.b, mas a informalidade, amistosa para uns, é realmente entediante, para outros. Que romantismo há num “Oi, linda”, “Tudo bem, fofa?”, “Queres curtir?”, “Vamos dar uma queca?” Não são formas primárias, demasiado diretas, despreocupadas e sem espírito de romance ou conquista?  

Graças às cartas de amor que foram guardadas em recantos secretos, filhos, netos e bisnetos vão encontrar respostas para as perguntas que se arrependem de nunca ter feito e os historiadores descobrirão nelas forma de reconstituir o passado e de dar vida a personagens de outros tempos, importantes ou desconhecidas, entendendo melhor como é constante, através dos tempos, a essência da humanidade. E do amor …

Os portugueses vistos pelos portugueses …

Pelo que consta nos anais da história, desde há muito tempo temos o péssimo hábito de dizer mal dos portugueses, isto é, de nós mesmo. Eça de Queirós é o exemplo acabado de como é possível, e de forma muito contundente, arrasar o portuguesinho. Fernando Pessoa dizia que, num grupo de cinco portugueses, o culpado é sempre o sexto. Somos assim, muito bons críticos de nós, mas não aceitamos que os estrangeiros o façam.                                                                              Portugal é o país do deixa andar, do deixa para amanhã o que podes fazer hoje, do desenrasca, do bota-abaixo, dos três efes. É ao mesmo tempo o Quinto Império e “os cafres da Europa”, no dizer do Padre António Vieira. Os portugueses “são excessivamente sentimentais, com horror à disciplina, individualistas, mas sem dar por isso, falhos de espírito de continuidade e de tenacidade na ação” – a descrição é de 1938 e pertence a Salazar.                                                                                 Durante os Descobrimentos os portugueses agruparam-se à volta do Estado e continua a ser assim. Adoram o Estado, à sombra do qual muitos vivem. Submissos e resignados (“O Estado vai tomar conta de nós”). Mas queixam-se de que o Estado paga as suas contas “tarde, mal ou nunca”, que presta maus serviços, é lento, burocrático. É uma relação de “amor-ódio”. E se já era assim há 600 anos, significa que não temos emenda. Não conseguimos mudar! Para mudar a maneira de vivermos é preciso implementar reformas de fundo. Mas se nem com uma maioria absoluta foram capazes de o fazer, quando é que tal vai acontecer? 

E até que ponto nós portugueses queremos mudar a nossa maneira de viver? É que, para sermos ricos como os alemães, suíços, holandeses e nórdicos temos de entrar ao trabalho às oito da manhã, trabalhar até às seis, jantar às sete e estar na cama às nove. É esta a vida que queremos? E é difícil ir para a cama tão cedo com este clima (quando não nos atraiçoa …), que mata tal intenção ou a torna impossível! É verdade que temos grandes qualidades, embora não achemos que sim como dizia o ex-ministro Luís Amado: “Só oiço dizer mal de Portugal em Portugal”, enquanto Boaventura S. Santos fala de uma má consciência por causa da passividade, que todos reconhecem, mas que não conseguem mudar. Raramente dizemos: “A culpa é minha e a responsabilidade é minha.” Por norma atiramos a culpa para o outro.

E temos pouca participação democrática. Temos medo. Medo de falar de frente, de assinar a petição, de dar a cara quando é preciso enfrentar e confrontar. Medo de ser mal vistos, de fazer figura de parvo, de levantar a voz e ser ridicularizados, ser castigados, como se o poder esteja lá em cima e nós estejamos cá em baixo (“é melhor ficar calado, está mal, mas ainda pode ficar pior, recebo pouco, mas é melhor que nada”). É o medo de tentar ir mais além. [Miguel] Torga. Descreve os portugueses assim: Um “pacífico coletivo de pessoas revoltadas”. Mas os portugueses foram para França nos anos 60 e foi precisa coragem de gigante para quem nunca tinha saído de cá e nem falava francês.  Acreditaram e conseguiram.                                                                                                     Mas sabemos que a produtividade em Portugal é um problema, mas ninguém se esforça muito para a mudar. Alguns esforçam-se, têm sucesso, como a Jerónimo Martins. Mas o grosso das empresas, em especial as do Estado, vivem de fazer o suficiente para sobreviver. Assim, como é que podemos queixar-nos? E de quem?                                                                                                    Somos maus a gerir os dinheiros públicos. Vejamos os milhares de milhões de euros que vieram de Bruxelas, de que uma boa parte foi desperdiçada em obras para nada. António Barreto disse que foi um convite ao esbanjamento e à corrupção.                                                                                                           Ainda somos um país de “chico-espertos” que conseguem contornar o sistema. Quem foge aos impostos é o grande herói! O que consegue dar a volta ao Estado e evitar pagar impostos é o campeão. Andar no limite de velocidade nas estradas ou conseguir estacionar sem pagar são pequenas vitórias do dia-a-dia. Além do tráfico de influências e a corrupção, que começa pelo “jeitinho” e nunca se sabe onde acaba.                                                                                               Quando a Coca-cola quis entrar em Portugal, Salazar escreveu-lhes uma carta a recusar, dizendo que Portugal era um sítio pacato, que queria que ficasse assim, que tinha medo do progresso e que não queria que os camiões da Coca-Cola mudassem o ritmo de vida dos portugueses. Alguém dizia: “Percebo Salazar. O que estava a dizer tem a ver com os valores, com a maneira como queremos viver.

” Os portugueses não querem viver como os americanos, gostam da maneira de viver em Portugal. Queixam-se muito, mas gostam. Se os portugueses não gostassem da vida em Portugal, já tinham mudado. Gostam de ir almoçar durante uma hora e meia, duas horas, à sexta-feira, chegar tarde ao trabalho e depois ficar lá mais tempo a falar… E no fim do mês, queixam-se que recebem pouco, que lá fora é melhor!    Mas não são grandes adeptos da mudança. Porque a temem.                                                                          Os portugueses dizem que são invejosos – que o outro é invejoso, mas nunca o próprio, bem entendido. “Se não posso ter, não quero que os outros tenham. Fico com as minhas coisinhas e fico contentinho.” O “inho” vem também de uma frustração na vida, de sentir que não consegue ter. Os portugueses não pensam que se trabalharem muito, se se esforçarem, pouparem, investirem bem, arriscarem, conseguem chegar lá. Olham para a pessoa que tem [com desconfiança]: “Deve ter conseguido o que tem com malandrice ou teve uma cunha.”         Nós dizemos mal de Portugal e mal uns dos outros, mas adoramos Portugal. Como alguém da nossa família que não suportamos, mas que é da nossa família. Porque gostamos mesmo de Portugal. E os que imigraram, se pudessem ficar cá, também ficavam … 

Vidas de enganos e desenganos …

As relações sociais entre homem e mulher continuam sem estar bem resolvidas. Pelo contrário, apesar de se ter evoluído muito sobre os direitos e a igualdade, tudo se torna mais complexo e complicado. O vínculo criado entre duas pessoas normalmente é o casamento, que na legislação portuguesa não é mais do que um contrato, enquanto no Brasil, para além de contrato, também é uma “instituição social” dada a sua importância para a sociedade. Mas essa “sociedade” entre duas pessoas tão diferentes como são o homem e a mulher leva a situações caricatas, muitas vezes cómicas, dramáticas ou ridículas. Somos nós.

No cemitério de Logan, no estado de Utah, nos Estados Unidos, existe o túmulo do senhor Russel J. Larsen, que tem a particularidade de ser o mais visitado lá da terra. Ora, o senhor Russel J. Larsen morreu sem imaginar que um dia o seu túmulo ganharia um eventual concurso como o mais visitado de todo o estado. Mas, afinal, o que é que tem de diferente a sua sepultura? Na verdade, o que atrai a curiosidade dos numerosos visitantes é o epitáfio que chega a ser hilariante por causa das frases inscritas na pedra tumular. 

Na sua lápide, Larsen mandou inscrever cinco regras que considera fundamentais para um homem ter uma vida feliz e que são:

   1 – Para um homem ser feliz é importante ter uma mulher que ajude em casa, cozinhe bem, limpe a casa e tenha um trabalho.

   2 – Para um homem ser feliz é importante ter uma mulher que o faça rir.

   3 – Para um homem ser feliz é importante ter uma mulher em quem possa confiar e não lhe minta.

   4 – Para um homem ser feliz é importante ter uma mulher que seja boa na cama e que goste de estar com ele.

   5 – Para um homem ser feliz é muito importante que essas quatro mulheres não se conheçam, caso contrário, pode terminar morto como eu”.

Com este epitáfio satírico, não é sem razão que o túmulo do senhor Larsen seja tão popular, uma espécie de atração turística, mas mais que isso, uma bem-humorada filosofia de vida para a sua época. E diria mesmo que, apesar da mudança considerável nas relações entre homens e mulheres e de uma certa tolerância à “concorrência”, não sendo caso para atitudes extremas que são raras na nossa cultura, o epitáfio continua a ter uma certa atualidade com os devidos ajustes ao nosso tempo. Até porque, até certo ponto, Larsen tem razão. Era o que confirmava um certo indivíduo quando desabafava com o amigo: “Eu tinha tudo: dinheiro, uma casa bonita, um carro desportivo, o amor de uma linda mulher e, de repente, tudo acabou”. Preocupado, o amigo quis saber: “Então, o que aconteceu”? E ele, com ar triste disse: “A minha mulher descobriu”. 

O humor mantém-se como meio para brincar com as relações entre homens e mulheres e, uns e outros, embora com a predominância masculina, não deixam de explorar o tema como neste “conselho”:

“O facto de traíres a tua mulher não significa que não a ames. É como chamar um Uber quando tens carro em casa. Poupas pneus, gasolina, desgaste do carro e quilómetros. O que faz com que o teu carro dure mais tempo. Envia isto à tua mulher e diz-me em que hospital estás”. Ora, este conselho parece ter aplicação para homens e mulheres …  

Os funerais e o que se segue quando um dos conjugues morre, dão sempre “pano para mangas”, num tema para o qual não há limites: 

“Jacó morreu. Por sua vontade, deixou 40.000 dólares para que lhe fizessem um bom enterro e arranjar uma “Pedra Comemorativa”.

Aconteceu o funeral e, depois de saírem os últimos acompanhantes, Sara, a viúva, aproximou-se da sua mais velha e mais querida amiga e disse-lhe: “Estou certa de que Jacó estará muito contente”. E a amiga respondeu: “Sim, tens razão. Mas já agora, diz-me lá, quanto custou realmente o funeral”? “Quarenta mil euros”, respondeu a viúva. A amiga, surpreendida com o valor do funeral, insistiu: “Estava tudo muito bem, mas, 40.000 dólares?? É muito caro, hein?! … Então, Sara esclareceu tudo: “O funeral custou 1.500 dólares, dei 500 à Sinagoga e para as bebidas e petiscos foram outros 5OO. O resto foi para a “Pedra Comemorativa” … Intrigada, a amiga quis saber: “37.500 dólares para uma pedra? De que tamanho é ela?? E a “pobre” viúva, estendendo a mão apontou para o seu dedo onde, encobrindo por completo o anel de ouro puro, brilhava a “Pedra” de um diamante, afinal, a tal “Pedra Comemorativa” …

Anton Tchekhov disse que “um casamento feliz pode existir apenas entre um marido surdo e uma mulher cega” e Alexandre Dumas, há muitos anos, já achava que “o fardo do casamento é tão pesado que precisa de dois para o carregar – e às vezes três”. Ora, talvez seja essa a razão por que o homem da última história tenha agido assim: Uma mulher acorda durante a noite e constata que o marido não está na cama. Veste o robe e desce para ver onde ele está. Encontra-o na cozinha, sentado, meditativo, diante de uma chávena de café. Parece estar consternado, de olhar fixo na chávena, até porque o vê limpar uma lágrima do canto do olho. “O que é que se passa, querido”? O marido levanta os olhos e pergunta-lhe com ar solene: “Lembras-te, há 20 anos, quando saímos juntos pela primeira vez? Tu tinhas apenas 16 anos”. “Sim, lembro-me como se fosse hoje”, respondeu ela. O marido fez uma pausas. As palavras custavam a sair. “Lembras-te quando o teu pai nos surpreendeu enquanto fazíamos amor no banco de trás do carro”? “Sim, lembro-me perfeitamente”, diz-lhe ela sentando-se ao seu lado. O marido continua: “Lembras-te quando ele apontou uma arma à minha cabeça dizendo: “Ou casas com a minha filha ou mando-te para a cadeia durante 20 anos”. “Lembro, lembro”, responde-lhe ela docemente. Ele limpa mais uma lágrima e diz: “Pois hoje sairia em liberdade”!

Conheça os lugares que não imagina …

No nosso mundo vasto, e surpreendentemente diversificado, existem lugares que parecem arrancados diretamente dum sonho, de alguma pintura ou, talvez, de um conto de fadas. Tantas vezes viajamos pelo mundo fora, de cidade em cidade, de monumento em monumento, de país em país e ignoramos belezas naturais surreais que só depois de vistas as poderemos imaginar. Vale a pena, pelo menos uma vez na vida, embarcar numa dessas viagens extraordinárias, numa jornada aos confins da terra onde o real e o surreal se encontram e desvendar os mistérios dos lugares que não parecem pertencer ao planeta onde vivemos. Se ama a natureza e for capaz de arriscar e incluir ao menos uma vez um desses lugares no seu roteiro de viagem, não hesite e vai ver que não se arrepende. Porque só sabemos o que vivemos …

Comece por se preparar para pousar noutro planeta ou pelo menos é o que parece ao visitar o Salar Uyune, na Bolívia, na América do Sul. Este vasto deserto de sal, o maior do mundo, no período das chuvas transforma-se num espelho gigante refletindo o céu de uma maneira que desafia a lógica e a perspetiva. Aqui, o céu e a terra fundem-se e confundem-se no horizonte, num espetáculo de beleza infinita. Mas há muito mais para ver no maior e mais alto deserto de sal do mundo. Se quiser surpreender-se com a tonalidade vibrante de rosa do lago Hiller, viaje até ao isolado arquipélago da Recherche, na Austrália, onde se encontra essa maravilha que desafia a compreensão humana. É um lago que não é como qualquer outro, pois a sua cor contrasta com o azul do oceano que o rodeia e, embora a ciência sugira que a cor rosa se deve à presença de algas e bactérias que gostam do sal, o lago Hiller permanece um espetáculo para ser visto, uma lembrança da beleza da paleta infinita de cores da natureza, para ser recordada.

Uma colisão de erro humano com a pressão geotérmica natural criou o Fly Geyser, uma maravilha geológica da cor do arco-íris, com uma aparência extraordinária. Situado no deserto do Nevada, nos Estados Unidos, com suas cores vibrantes e jatos de água dançantes, parece mais uma obra de arte alienígena do que um fenómeno geotérmico. As suas cores em vários tons de verde e vermelho, são resultado de minerais e algas termofílicas, pintando um quadro vivo no deserto.

Para quem gosta de se aventurar no frio, pode viajar até ao coração da Sibéria para observar e testemunhar a beleza do Lago Baical no inverno. Este antigo lago de água doce, não só é o mais profundo, como o de águas mais claras do mundo. Mas no inverno as suas águas congelam formando padrões de gelo que parecem joias cintilando ao sol, numa visão que redefinirá a sua compreensão da palavra frio.

A Capadócia, na Turquia, é conhecida pelas inconfundíveis “chaminés de fadas”, altas formações rochosas em forma de cone agrupadas no Vale dos Monges, que mais parecem cenários de um filme de ficção científica. É um convite para explorar histórias de civilizações que moldaram essas paisagens ao longo de milénios, visitar as casas da Idade do Bronze esculpidas nas paredes do vale por trogloditas (habitantes das cavernas) e usadas posteriormente como refúgio pelos primeiros cristãos, além de várias igrejas esculpidas nas rochas. 

Mas uma visita ao chamado “castelo de algodão”, o Pamukkale, na Turquia, é uma experiência arrebatadora. Trata-se de um conjunto de piscinas termais de origem calcária que, com o passar dos séculos, formaram bacias gigantescas de água que descem em cascata colina abaixo. A formação do Pamukkale deve-se a locais térmicos quentes por baixo do monte que provocam o derrame de carbonato de cálcio, que depois solidifica como “mármore travertino”. Muitos dizem que este capricho da natureza é a 8ª. Maravilha do Mundo. As poças são de um branco imaculado que dão a sensação de se estar nas nuvens.

Se tiver de viajar pela Europa, inclua nos seus planos uma passagem pela Polónia para visitar a misteriosa Crooked Forest, a Floresta Torta, um pequeno bosque de pinheiros em Nowe Czarnowo. O local é famoso pelas suas inexplicáveis árvores tortas. Imagine caminhar por uma floresta onde cada árvore, inexplicavelmente, curva-se elegantemente em direção ao norte, como se estivesse a prestar homenagem a um rei esquecido. Cientistas e naturistas têm as suas teorias, mas a verdade permanece um enigma envolto na bruma da imaginação.

Uma visita ao Parque Nacional de Yellowstone já justifica qualquer viagem a esta região dos Estados Unidos. É lá que se pode encontrar metade dos fenômenos geotérmicos do planeta, pois é uma das áreas vulcânicas mais quentes da Terra. Ali também encontra cachoeiras, lagos, rios, geiseres em grande atividade, incluindo o famoso Old Faithful, além de desfiladeiros deslumbrantes, florestas de cortar a respiração e uma vida selvagem extraordinária.

Podia alongar a lista de lugares fabulosos e incluir as cavernas do Waitomo, na Nova Zelândia, as estátuas gigantes na ilha da Páscoa, no Chile, as dunas douradas e cachoeiras no Jalapão, no Brasil, a Calçada do Gigante, no Reino Unido, com as suas 40.000 colunas de basalto, os 17 Lagos Plitvice interligados por um sem número de quedas de água, na Croácia, os Mosteiros de Meteora, na Grécia, construídos sobre enormes pilares de rocha, tal como as falésias do Algarve, cá em Portugal. Tal como guardo extraordinárias imagens das Cataratas de Iguaçu, no Brasil para além das Cataratas do Niagara, na fronteira Canadá/Estados Unidos, das paisagens lunares e numerosas quedas de água da Islândia e de uns quantos lugares mais deste nosso mundo cuja beleza natural nos escapa quase completamente e que parecem tirados duma realidade virtual.

Num mundo onde a rotina muitas vezes ensombra o nosso senso de maravilhamento, esses lugares – e muitos mais que ficaram fora desta pequena lista – lembram-nos a vastidão e a beleza inimaginável que existe por esse mundo além, lugares que não só desafiam a nossa perceção, como nos desafiam a questionar e perceber o que é real e o que é mágico.

Esta foi apenas uma breve viagem a alguns dos recantos tidos por mais surpreendentes do nosso planeta. Mas a verdadeira aventura começa quando decidimos ir lá fora, explorar para lá do horizonte e a conhecer locais que vão muito para além da nossa imaginação …

Mas, porque é que …

No dia a dia encontramos situações e comportamentos estranhos que nos levam a questionar: “Mas porque é que isto acontece? Porque é que fazem isto”? Podemos ter respostas óbvias ou muito rebuscadas e, provavelmente, nunca ficaremos a conhecer a verdadeira causa. Às vezes, se calhar é melhor nem vir a conhecê-la para não apanhar uma surpresa ou uma grande desilusão … 

Hoje é frequente ver mulheres de saia curtíssima (eu confesso ser fã), quer estejam a andar ou sentadas, com uma atitude um tanto bizarra: puxam e voltam a puxar a saia para baixo com uma mão de cada lado, enquanto fazem gingar o corpo para ver se a “coisa” corre melhor, insistentemente, querendo conseguir o impossível: que a saia tape “o que está à vista a mais”. Será que a proprietária daquelas pernas saiu de casa com elas muitíssimo bem tapadas, eventualmente um pouco abaixo do joelho, e a saia encolheu repentinamente, reduzindo o seu comprimento a menos de metade? E ela, coitada, tenta levar a efeito uma “missão impossível” e puxa vezes sem conta, numa tentativa falhada para repor o tamanho original? É ou não é uma luta inglória em que a saia vai sair sempre a ganhar? Ou só descobriu que a saia era curta demais quando já estava na rua e ilude-se, sabendo que lhe vai acontecer o mesmo que ao lençol curto: se o puxar para cima querendo tapar a cabeça, destapam-se os pés e se fizer o contrário é a cabeça que fica descoberta! Se repararmos bem – e tenho a certeza que os homens, se estão sozinhos, fazem questão de reparar muito atentamente, ou fazem-no “à socapa” se tiverem “polícia à perna” e se “a coisa” é digna de ser mirada. Mas há ocasiões em que a dona da saia não deve ter noção que a saia curta afasta os mirones que tenta atrair. Estou convicto que, na maioria dos casos, aquela insistência em puxar a saia para baixo mais não é que “a campainha à frente do compasso para avisar os crentes da sua chegada”, aqui para atrair ainda mais a atenção do sexo oposto e satisfazer a necessidade de ser admirada a partir de baixo …   

A primeira vez que vi uma mulher de óculos escuros com eles bem puxados para cima da cabeça, foi há muitos anos, numa viagem de regresso a casa vindo de Lisboa. Apesar do sol intenso, fiquei muito admirado porque, durante toda a viagem, nunca ela os colocou no nariz, o local adequado a tal acessório, pensava eu. Mas ela manteve-os virados para o céu, mais a fazer de bandolete do que como ajuda para os olhos em dia de sol. E dei comigo a pensar: “Será que tem miopia cerebral”? Ou “esqueceu-se de que tem os óculos na cabeça”? A verdade é que virou moda e hoje é frequente tal situação, o que não me inibe de continuar a fazer a mim próprio as mesmas perguntas de então e mais ainda: “Será que com os óculos nessa posição o cérebro consegue “ver estrelas no céu” num dia de sol intenso”? 

Mas, para não ser acusado de machista ao pensarem que estou a implicar só com as mulheres, não deixo de perguntar: “Porque será que grande parte dos homens quando mete as mãos nos bolsos das calças, ao fim de poucos instantes e, mais ou menos disfarçadamente, mais ou menos conscientemente, empurra as mãos para o fundo dos bolsos e para o meio das pernas, pondo-se a coçar os testículos como quem tivesse sarna nessa zona crítica da anatomia masculina? Será que apanharam uma “camada de chatos” numa casa de banho pública ou numa qualquer “casa de meninas” onde a higiene sanitária não é uma questão de princípio? Ou também eles não têm outra intenção que não seja de chamar a atenção das mulheres para a importância, a qualidade, tamanho e valor das suas “joias de família”, algo de que “um homem que é homem” faz questão de se orgulhar? É verdade que alguns são “useiros e vezeiros” nesta prática que nunca passa despercebida a qualquer mulher – em regra, consideram que é uma coisa de muito mau gosto e que não fica bem a nenhum homem, até àqueles que têm “artigo” mais do que suficiente para atrair “o outro lado” – e há ocasiões que alimentam uma longa conversa sem deixar de “dar brilho às joias” tal é o polimento constante e continuado que lhes vão fazendo enquanto falam. Em abono da verdade, devo dizer que esses homens têm sempre um certo cuidado ao lidar com as tais “joias”, pois fazem questão de fazer do bolso como que uma luva que “calçam” antes de lhes tocar, a não ser nos casos em que os bolsos estejam rotos e por esses eu já não respondo. De qualquer forma, sempre são mais “higiénicos” do que o ex-selecionador da Alemanha, Joachim Low, que não se coibia de enfiar a mão por dentro das calças à frente de milhões de espectadores, coçar as “ditas”, para de seguida levar os dedos “perfumados” ao nariz. Talvez a inspiração para levar os jogadores alemães a ganhar o campeonato do mundo em 2014, no Brasil, tenha vindo desse “estímulo”. Quem sabe … Por isso, fica no ar a pergunta: “Porque é que os homens, quando enfiam as mãos nos bolsos das calças, tendem a coçar os “pendentes”?

“Mas, porque é que …” é uma pergunta que podemos fazer todos os dias sobre as razões de muitos dos nossos comportamentos, umas vezes lógicos, outras vezes sem lógica nenhuma, umas vezes sérios, outras vezes salpicados do humor que devia condimentar todos os dias das nossas vidas. E há tantas perguntas contra a corrente que me apetece fazer … 

Um luxo a que não nos podemos dar

Todos nós temos uma ideia mais ou menos formada do significado de luxo e do que se quer dizer com “luxo asiático”, “viva o luxo” ou “eu posso dar-me ao luxo de …” e outras mais, mas grande parte das vezes não imaginamos os “limites dos excessos” a que o luxo conduz. 

Como dizia Coco Chanel, “o luxo é uma necessidade que começa quando a necessidade finda”. Apesar de ser supérfluo, o luxo é um fenómeno que atravessa toda a história da humanidade. Durante séculos e séculos, a pompa, o parecer, o supérfluo, a ostentação, a grandeza, o requinte e a futilidade não têm parado. As definições de luxo envolvem as noções de sumptuosidade, pompa, ostentação da riqueza, alto preço e raridade, normalmente associados a excesso de riqueza e materialismo. E são acompanhadas por outras noções como vaidade, estilo de vida, códigos, comportamentos e requinte. Hoje em dia procura-se substituir o termo “luxo” pelos de “prestígio” e “alto nível”, sendo aplicados a produtos mais inacessíveis, o que faz com que, sinteticamente, um artigo de luxo seja caracterizado pela sua raridade e preço elevado, apesar de Giles Lipovetsky afirmar que “nem tudo o que é caro é luxo, mas todo o luxo é caro”. 

Ostentação, excesso e desperdício foram as palavras associadas ao luxo durante muito tempo, a necessidade de representação inerente à natureza humana e ao desejo de se tornarem notados, fosse através de objetos, vestes ou plumagens. Se no começo da nossa era o luxo se limitava a produtos já inventados – perfumes, vestuário, acessórios, joias, etc., – mediante o progresso tecnológico, o fenómeno alastrou dos produtos para os serviços e marcas, representando um segmento de mercado que movimenta números astronómicos. E é assim que nos nossos dias se passou de produtos de consumo para as moradias, apartamentos, barcos, aviões, viagens à volta da terra ou aos locais mais exóticos, safaris, tratamentos exclusivos, tudo aquilo que se possa imaginar e mais ainda, com o rótulo de “Luxo”, para que não restem dúvidas sobre o valor da fatura e ao prestígio de quem paga.

A uma conclusão comum parece terem chegado todos os estudiosos do “luxo”: o mundo seria um lugar mais triste e desinteressante se não fossem os magníficos palácios que reis esbanjadores mandaram construir, nem sempre com objetivos confessáveis. E não vale a pena dizer quanta fome terá passado o povo para que isso acontecesse …

Diz-se que o luxo apenas cria apetite para mais luxo e que, como se trata de um desejo que não é natural, é insaciável. E que o melhor será não o alimentar, pois apenas se fará maior e mais exigente. Nos Sermões, o padre António Vieira diz-nos que “todos querem mais do que podem, ninguém se contenta com o necessário, todos aspiram ao supérfluo e isto é o que se chama de luxo”. Será assim? Uma coisa parece certa: “O luxo atrai a inveja e parece nunca atrair o respeito”.

O mercado do luxo é fascinante. Põe a maioria das pessoas a sonhar com algo que, na realidade, desconhece ou a que não pode aceder. E a verdade é que há quem faça de tudo para alcançar o inalcançável que torna o luxo desejável porque está no topo, sejam roupas, móveis, cosméticos, hotéis, carros, joias, eletrónica, vinhos ou o que for. Daí a frase de autor desconhecido: “As pessoas gastam o dinheiro que não têm, para comprar coisas de que não precisam, para impressionar pessoas com quem elas não se importam”. 

É normal que o luxo esteja sempre ligado a uma posição social mais elevada, o que supõe que uma pessoa se deve distinguir dos outros ou mesmo se mostre superior, “só porque tem um nível de consumo maior, o consumo sumptuário, algo que se exibe, algo que se ostenta”. Curiosamente, nos países nórdicos existe uma pequena regra, não escrita, uma espécie de fenômeno cultural da região, segundo a qual “ostentar é feio” e que as pessoas, mesmo as escandalosamente ricas e bem-sucedidas, devem restringir o consumo e o estilo de vida para não se “desenquadrarem” do resto da sociedade. Não sendo nós um país de super-ricos, e os que temos fazem mais questão de o ser lá fora, entre os “bem-remediados” que andam por aí há bastantes e mais que suficientes que não se coíbem de mostrar com ostentação o pouco ou muito que dizem ter, através da “exibição do dinheiro” em coisas que só este compra, ainda que seja a prestações. Porque tudo vale para mostrar que se é mais do que o comum dos cidadãos, ainda que com coisas fúteis, supérfluas e desnecessárias. E recordo-me de alguém que andou muito tempo a poupar para comprar uma certa bolsa da marca Louis Vuitton em segunda mão, como se isso fosse a coisa mais importante da sua vida …                                                                      Ao longo da vida a sociedade fez-nos acreditar que luxo era o raro, o exclusivo, tudo aquilo que nos parecia inalcançável. Porém, agora nos damos conta, sobretudo depois de uma pandemia que vitimou muitos dos que nos rodeavam, que luxo são certas pequenas coisas que não sabíamos valorizar. Foi então que descobrimos que luxo é estar são e de boa saúde. Que luxo é não ter de entrar no hospital como doente. Que luxo é passear junto ao mar e sentir a maresia. Que luxo é poder sair à rua quando se quer e respirar sem máscara. Que luxo é poder reunir-se com a família e os amigos. Que luxo são os olhares e que são os sorrisos. Que luxo são os gritos de alegria dos filhos. Que luxo são os abraços e beijos. Que luxo é desfrutar de cada amanhecer. E que luxo é o privilégio de estar vivo. Afinal, tudo isso é um luxo e, ao que parece, não sabíamos. Aliás, ao que parece, voltamos a esquecer do valor dessas pequenas coisas, um luxo a que não nos devemos dar …