Em face do que vejo agora, quando olho para trás fico com a dúvida de que os meus pais talvez não me tenham educado suficientemente bem para usufruir de tudo aquilo que a vida (e o mercado) nos pode oferecer, tendo ou não tendo condições económicas para tal, com o meu dinheiro ou o dinheiro de alguém que pode ou não vir a recebê-lo, sem que seja um problema meu. Por isso, pratiquei desde criança a arte da poupança e sempre governei a minha vida em função do que tinha. E assim, as férias, o carro ou a compra de qualquer outro bem, sempre foram condicionados ao que tinha e não ao que sonhava ter. Ora, esta mentalidade está ultrapassada e hoje (quase) todos acham que têm direito a tudo aquilo que os outros têm, uma ideia vendida pelos promotores do consumismo. O recurso ao crédito fácil ou ao dinheiro e bens dos amigos e conhecidos é o novo normal. Goza-se antes, paga-se depois, se não for nesta vida vai ser na outra. Até as funerárias já promovem o “morra agora, pague depois”. É uma forma atual a que nunca me consegui adaptar. Nisso, sou antiquado. Fico com receio de não poder pagar. Ora, há muitas pessoas que convivem bem com essa modalidade e cumprem aquilo a que se comprometem. Mas, em contrapartida, há muitas mais que veem na facilidade de poder comprar e usufruir de crédito, a oportunidade de dar o golpe, mentir, enganar e viver à conta de alguém. A palavra de honra já não existe e a honra é coisa do passado. O mercado emergente e promissor dos caloteiros está em alta, pelo que é caso para perguntar: “Quem ainda não deu de caras com um na vida”? Se um caloteiro paga “milagrosamente” uma dívida é costume dizer-se que “caiu um Santo abaixo do altar”. Ora, já muitos Santos caíram e os muitos caloteiros que andam por aí continuam a dever! Tem gente que promete mundos e fundos, que vai pagar com o tempo …, mas, que se saiba, com o tempo não se paga nada, só com dinheiro. O caloteiro pensa ou até diz mesmo ao credor: “Deus lhe pague”! E ele está a ser sincero, porque está a manifestar o desejo de que Deus nos pague o valor que ele nos deve. O “nosso problema” ficaria resolvido, porque o dele já estava resolvido por natureza – não pagar nunca. Até porque, para ele, “pagar e morrer, quanto mais tarde melhor”. Se bem que a sua regra é “nunca”. Só que, como o seu interesse é contrário ao interesse do credor, este passa a vida a correr atrás dele sem que veja sinal do dinheiro que lhe é devido. Daí que, como a justiça para estas coisas (e para muitas outras) não funciona, por vezes, precisa de usar meios alternativos para “sensibilizar” o caloteiro. E o mais eficaz tem sido a publicidade. Sim, o caloteiro não gosta que façam publicidade ao seu “bom nome”, pois quer sempre ser discreto na sua qualidade intrínseca de “mau pagador”. Foi o que fez o comerciante do Fundão quando afixou na montra do seu estabelecimento um cartaz a dizer: “Anda um vírus a invadir os nossos estabelecimentos comerciais, que é designado por “caloteiro”. Solicita-se a todos os lojistas que os denunciem publicamente”. E ao lado tinha a relação dos devedores há mais de 5 anos. Segundo ele, resultou muito bem porque o caloteiro “não gosta de publicidade”, nem gosta que lhe chamem caloteiro pois até acha que o retrato é injusto. Porque ele é sempre justo, mesmo quando reconhece não ser “exemplar”. Presumo que não sirvo para ser senhorio, pois tenho tendência para atrair caloteiros. Será que a culpa é minha por ser tolerante e tentar compreender as dificuldades, reais ou inventadas, dos inquilinos? Ou o mal estará nos inquilinos incumpridores que, em geral, no mercado de arrendamento, são uma percentagem significativa? Se rebobinar o filme dos caloteiros tenho de reconhecer que há vários sinais comuns a todos, a começar por rapidamente deixarem de atender o telemóvel e não devolverem a chamada. Mas tal habilidade ou antes, “esperteza saloia”, é fácil de tornear usando outro telemóvel que não o nosso. Aí, “apanhados com o pé no ar”, geralmente têm duas saídas: que não podem falar porque estão numa reunião, ocupados, que devolverão a chamada de seguida (o que nunca fazem) ou marcam logo a hora e o local para o dia seguinte pois já têm o dinheiro para pagar as rendas em falta (e não aparecem), embora afirmem perentoriamente, que “as dívidas são para se pagar”. Arrendei um armazém a dois irmãos, sendo que o mais velho é que “vendia o peixe”, conhecendo “meio-mundo e mais alguém” e tinham obras executadas e para executar de grandes montantes. Conclusão, dinheiro não era problema. Pagaram muito certinhos as primeiras rendas, mas cedo “começaram a arrastar a fala”, até se irem embora com uma dívida de 17.750,00 €. Aceitaram mesmo fazer a declaração de dívida formal, com assinaturas reconhecidas para pagar numas quantas prestações. Não recebi uma única, não tinham nada em seu nome e, como qualquer bom caloteiro, “colocavam a honestidade acima de tudo. A deles”. Mas nunca me pagaram. E o mais curioso da história é que o mais velho, um ou dois anos depois, “teve a lata” de vir porta dentro do escritório a pedir-me 50.000,00 € emprestados para “entrar num negócio excelente” e, por via disso, seria a forma de eu poder vir a receber o dinheiro que ele me devia. Nem sei como não atendi o pedido! Hoje ele seria um “caloteiro reincidente” e eu tolo, como no ditado: “À primeira cai qualquer, à segunda quem é tolo”. Com a desculpa da pandemia, da guerra na Ucrânia e da inflação, os caloteiros profissionais têm novos argumentos reais para mentir já que, como dizia o poeta António Aleixo, “p’ra mentira ser segura/e atingir profundidade/tem de trazer à mistura/qualquer coisa de verdade”. E esses agentes do não pagar, uma profissão em crescendo e para quem as licenciaturas são uma mais-valia na “arte de pregar o calote”, que vivem em grande estilo e enriquecem à conta dos outros ou do estado (ou seja, de todos nós), até parece que têm a justiça do seu lado quando o credor se convence que, através dela, vai reaver o que lhe pertence. “Santa inocência”, que ainda acredita no pai natal. E o drama ainda é maior quando, no seu desvario, através de falências fraudulentas ou outras artes de esconder o dinheiro (dos outros) em nome da família ou amigos, prejudicam terceiros e arrastam para a falência real os que precisavam do que lhes era devido para satisfazer os seus compromissos. E, como só os credores têm vergonha, embora para pedir o que é seu, os caloteiros passeiam-se por aí em grande estilo e exibem o dinheiro, dos outros, como se fosse seu. Como o calote é um ramo promissor da sociedade, só falta inventar as consultoras no assunto. Um dia destes os maiores caloteiros do país, onde se destacam Joe Berardo, Filipe Vieira e outros, serão chamados para ministrar cursos na arte de “pregar o calote”, já que se não pode dizer “roubar”, e ensinar as estratégias e novas especialidades para se ser um bom “caloteiro”. E clientela não vai faltar …
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As minhas viagens: A natureza no Brasil
Gosto muito de viajar e tenho de dar graças a Deus por todas aquelas viagens que me permitiu fazer e de que guardo boas recordações, muitas delas com a família toda ou só com os filhos quando a Luísa não estava disposta a fazer-nos companhia. Também fiz numerosas viagens com amigos, muitas por via da minha ligação ao desporto automóvel e à sua vertente internacional e, noutras, levado quase à força por amigos que me querem bem. Mas ficaram tantas outras por realizar e que gostaria muito de fazer? Claro que sim, pois a partir do momento em que a Luísa adoeceu, fiquei condicionado como bem se compreende. Mas não me lamento por isso pois, como costumo dizer, “tenho de dar graças a Deus pelo que tenho em vez de me lamentar pelo que não tenho”. Na vida, nunca teremos, nem devemos, ter tudo o que desejamos, até por uma questão de nos fazer descer à terra, dar valor a tudo o que dela recebemos e nos tornar mais humildes.
Para mim, viajar é conhecer e confrontarmo-nos com outras culturas, outros saberes, paisagens, gentes e realidades diferentes, que nos faz alargar horizontes, valorizar o muito que temos e de que estamos (quase) sempre a reclamar e poder ver e aprender outras coisas que são melhores do que aquilo que temos. A minha preferência vai para as viagens sem programa, sem horários, muito mais ao encontro e à descoberta da natureza do que propriamente a visitar monumentos ou grandes cidades só porque sim, com destino que poderá mudar ao longo da estrada embora na maior parte das viagens em família tive de me “sujeitar” à decisão de quem tinha “a última palavra a dizer”, por questões de mais comodidade e menos risco.
E lembrei-me desta coisa de “andar com a mochila às costas” porque, por acaso, dei comigo a rever as fotografias de uma viagem ao Brasil há seis anos atrás, num autêntico “mergulho” ao que aquele país tem de melhor para se visitar: a natureza. “Assediados” por uma família de brasileiros de quem somos amigos e que insistiam para irmos até lá, juntei-me à Teresa e ao Agostinho para viajar ao seu encontro em Maringá e com eles continuar a viagem à descoberta do Brasil. E o sô Marcílio, a esposa, a Luciana e o Daniel lá estavam para nos receber de braços abertos e fazer sentir que estávamos em casa.
No dia seguinte rumamos ao Pantanal, que só é a maior área alagada do planeta, em pleno Mato Grosso, para ficar alojados no Refúgio da Ilha, que não é propriamente uma pousada, mas uma fazenda que recebe pessoas de todo o mundo. Situado no delta do Salobra, é um lugar para curtir a natureza, relaxar e valorizar cada minuto. O local onde fica o Refúgio é perfeito. Uma ilha circundada por um rio de água cristalina onde se pode mergulhar. A diversidade das espécies é enorme. A fauna e flora dessa região pantanosa, é protegida, cuidada e celebrada pela família Copetti com uma visão ecológica perfeita. Um lugar magnífico onde tudo foi pensado ao pormenor, pelos homens e pela natureza. Como que a receber-nos, um papa-formigas especial surgiu no mato. Por ali andavam capivaras, jaguatiricas, tamanderás, ariranhas, araras de todos os tipos, papagaios e outras espécies. Os jacarés são imensos na região e nas lagoas junto ao Refúgio, até onde rastejam. E há a onça que fotografamos de perto dentro do rio à caça de jacarés. Uma experiência incrível num lugar e numa região a não perder. Efetivamente aquele refúgio é um local paradisíaco, uma maravilha para os amantes da natureza, uma terapia para desligar deste mundo agitado pela tranquilidade e paz que transmite.
Depois de nos despedirmos a contragosto do Pantanal, rumamos a sul para visitar a enorme Central Hidroelétrica de Itaipu junto do ponto onde confluem as fronteiras do Brasil, Argentina e Paraguai, tendo observado o fenómeno dos “sem terra” acampados junto à berma das estradas em preparação para invadir fazendas, conquistar terreno, roubar gado para comer. E fomos até à Foz do Iguaçu onde nos hospedamos, para visitar no dia seguinte as famosas Cataratas do Iguaçu, divididas entre a Argentina e o Brasil e integradas em dois parques enormes, um em cada país. Estas Cataratas são uma das maiores cachoeiras do mundo, com uma extensão de 2,7 quilómetros de comprimento, mais de 80 m de altura e com um conjunto de 275 quedas de água. A partir da entrada do parque, essa espantosa mancha verde de floresta subtropical considerada Património da humanidade, fomos transportados de autocarro até ao início das Cataratas. Seguiu-se uma longa caminhada pelo Trilho das Cataratas através da mata atlântica, à descoberta de cada queda de água, tendo sido confrontados com uma sucessão enorme que nos deixou cada vez mais encantados com o espetáculo maravilhoso das quedas e a sua dimensão impressionante, até à passarela em frente da Garganta do Diabo, a queda com maior fluxo destas Cataratas. Nesse trajeto, bordejando as Cataratas, existem uns quantos mirantes de onde se podem colher imagens espetaculares pois todas as quedas são muito fotogénicas. O passeio de bote Macuco Safari é o complemento ideal para os visitantes mais radicais, numa viagem pelo leito do rio Iguaçu até bem perto das quedas dos Três Mosqueteiros, dando para optar entre “com banho” ou “sem banho” e o mesmo é dizer com ou sem emoção.
Como complemento da visita às Cataratas, também pudemos usufruir do enorme Parque das Aves, uma visita obrigatória para quem gosta destas coisas. É um parque temático com cerca de 1500 animais de 140 espécies diferentes entre aves, repteis e mamíferos. Está focado na conservação das aves lindas e exuberantes da Mata Atlântica. Um parque excelente, com muita vegetação e viveiros enormes onde se pode entrar, fotografar e conviver de muito perto com uma enorme variedade de aves exóticas, coloridas, bem-adaptadas e até mesmo à solta.
Para mim que nasci e cresci a conviver com outras, foi mais uma excelente experiência até pela beleza irreal de algumas delas como os tucanos, araras, papagaios, periquitos e flamingos, para além de muitas outras de que nem sequer sei o nome, mas são parte desse mosaico multicolor. Tivemos ainda tempo para ir jantar à Argentina e visitar um centro comercial numa pequena cidade da Bolívia, além de comer uma piza portuguesa com bacalhau na Foz do Iguaçu.
Desta viagem ao Brasil, para além da excelente disposição do grupo de amigos de que fiz parte, ficou-me o enorme “banho de natureza” preservada no seu melhor, de uma beleza tal que nos enche a alma. E ficou-me a vontade de um dia poder repetir essa jornada …
Como nas cebolas, os amigos vêm em camadas …
Ao olhar para trás, acho muito curiosa a forma como foram faseadas as minhas amizades, provavelmente o que sucede com a maioria das pessoas em função do seu percurso de vida como foi o meu caso. Até parece que fiz amigos por camadas, tal e qual numa cebola. Há uma sucessão de períodos, mais ou menos longos, onde em cada um criei um grupo de novos amigos.
Foi na escola primária que fiz a primeira leva, umas vezes sentado em carteiras de madeira com tinteiro de tinta Pelikan e onde chegava a cana da Índia da professora quando nos queria vergastar nas orelhas, outras a correr pelos campos à descoberta dos ninhos de pássaros, da fruta ou em brincadeiras ingénuas. E desse grupo restam tão poucos! E, os que teimam em continuar por cá, já estão demasiado limitados pelas mazelas do tempo. Depois, foi no colégio Eça de Queirós, onde tive a felicidade e o privilégio de estudar, numa aposta esforçada dos meus pais, coisa que a maioria dos miúdos de então não teve. Desse bom tempo do colégio, ainda me sobra uma boa mão cheia de amigos, tendo confraternizado com alguns deles há poucos dias. E como é agradável e confortante o encontro com os amigos da adolescência, do recordar das memórias que ainda conseguimos relembrar, de nos rirmos de nós próprios e recontar os que nos faltam. A diferença de idades só se nota no espírito.
Tenho depois a malta da Escola Agrícola de Coimbra, um regimento que faço questão de mobilizar e manter relativamente unido há mais de trinta anos, com o “toque a reunir” para cada encontro anual, só interrompido pela pandemia e que este ano celebra seis décadas após a saída de Coimbra. Este grupo já se disseminou no país e além-fronteiras, especialmente por África, mas a distância não apagou as amizades que nasceram naquela Escola. Seguiu-se o tempo do serviço militar, com a experiência e vivência única de uma campanha no Ultramar. Só quem por lá passou pode compreender o quanto esse período nos aproximou uns dos outros, onde a amizade e solidariedade foram importantes para sobreviver à guerra e muito mais ao isolamento. Dessa vivência intensa ficaram bons amigos que fazem questão de almoçar mensalmente em grupo restrito e anualmente alargado aos demais, a comer leitão, javali, capão e outros pratos fortes para combater a hipertensão arterial, diabetes, alzheimer e as doenças cardiovasculares, já que não é pela comida que se elimina a surdez, quando deviam estar a fazer dieta. Os que ainda não esqueceram tudo, relembram histórias da guerra e dos seus intervalos, do ataque violentíssimo ao aquartelamento sito no meio do nada depois de nos irmos deitar e adormecer após uma sardinhada, coisa rara naquele recanto do mato, em Moçambique. Então, nós defendíamos a pátria e os outros eram os terroristas. Hoje a pátria é deles, nós somos os colonialistas. Como as coisas mudam. Mas guardo muito boas recordações desse período da minha vida, para além de um grupo de amigos que teima em manter-se unido até que um “tiro” do destino os vá abatendo, um a um.
O hóquei em campo deu-me outro grupo, unido pelo amadorismo de uma modalidade centrada nos grandes centros urbanos e exótica no interior. Um grupo tão pequeno, que até era preciso ir buscar alguns à cama para poder jogar … só com 8, o mínimo permitido. Ficaram as histórias de resistência, de empates sensacionais, da primeira vitória. O amadorismo era mesmo … amador. Já nos organismos e empresas onde trabalhei foram muito poucos os amigos ganhos, talvez por ter trabalhado quase sempre solitário. O mesmo não digo nas missões de voluntariado, começando na ACML onde as necessidades financeiras da associação me conduziram aos desportos motorizados, primeiro nas motos e depois nos automóveis. Mas os ciclos da vida levaram-me a criar o CAL, onde fiz parte de um grupo alargado, de gente que fez eventos espetaculares que marcaram uma época e que ficaram ligados entre si nas “corridas contra o tempo” que cada organização exigia. Foi lá que ganhei os tais “amigos das corridas” que colocaram Lousada no mapa e levaram o seu nome a todos os cantos do país e fora dele. Mas uns quantos já “abandonaram a corrida” muito antes do tempo que lhes era devido e merecido, empurrados “borda fora” numa das “curvas apertadas da vida”. Pois na vida como nas corridas, nunca se sabe até onde o “motor” aguenta e em que “volta” ou qual a “curva” onde algo nos atira “fora de pista” ou o “carro” para de vez e em definitivo. E eu desejava tanto que ainda se mantivessem nesta “corrida”, mas já nem sei se é a pensar neles ou, talvez por egoísmo, a pensar em mim. É que, sem eles, a “corrida” ficou sem graça …
Seguiram-se os amigos pela Misericórdia, unidos numa mesma causa, no serviço aos doentes, aos idosos e às crianças. Enfim, a todos os que sofrem ou precisam de uma retaguarda neste mundo de abandonos. Mas, para além destes amigos de períodos diferentes, há aqueles que foram e são transversais a várias épocas, trazidos por outros amigos, porque “os amigos dos meus amigos, meus amigos são”. Ou vindos do acaso, isso que acontece a esmo, sem motivo ou explicação aparente. E foram muitos aqueles que conheci pelas razões mais diversas e que se tornaram parte do círculo de amigos em que me movo. Devo dizer que tenho de me penitenciar por nem sempre cultivar da forma mais conveniente o “jardim da amizade”, apesar de ir tentando. Dizem que os amigos são como as flores de um jardim. Se não cuidarmos delas, murcham e até podem morrer. É verdade que a partir de certa idade, mais psicológica que real, tendemos a ficar em casa com as desculpas mais esfarrapadas para não reunir com amigos, por um comodismo envelhecedor e não por razões concretas.
Ao falar dos amigos que temos e tivemos, não posso deixar de pensar na mensagem contida na letra da canção “A Lista”, do poeta e cantor Oswaldo Montenegro, que resume em poucas palavras o que na vida acontece à maioria das pessoas com uma vida mais ou menos longa:
“Faça uma lista de grandes amigos/Quem você mais via há dez anos atrás/Quantos você ainda vê todo dia/Quantos você já não encontra mais/Faça uma lista dos sonhos que tinha/Quantos você desistiu de sonhar!/Quantos amores jurados pra sempre/Quantos você conseguiu preservar./Onde você ainda se reconhece/Na foto passada ou no espelho de agora?/Hoje é do jeito que achou que seria/Quantos amigos você jogou fora”?
Esta letra vem-me relembrar que ao longo da vida também descartei uns quantos amigos, porque numa encruzilhada seguimos caminhos diferentes, agitando outras bandeiras, defendendo ideais antagónicos ou só porque nos afastamos mesmo sem razão alguma, numa perfeita estupidez. E, em alguns casos, ficou a saudade …
O humor na promoção gastronómica
O bom humor, essa qualidade de fazer com que as pessoas se riam ou fiquem bem-dispostas, sempre foi utilizado como forma de atrair a atenção dos consumidores para determinado produto ou serviço. Com a evolução da propaganda, cada vez mais é usado como isco no mar da pescaria chamada publicidade, tornando-se um forte aliado dos publicitários e marketeiros, para atrair clientes ao contagiar com sensações e prazeres a quem presencia ou ouve algo engraçado. Na prática, é mais uma ferramenta que o marketing usa para conseguir os seus objetivos: vender. E eu sou francamente recetivo sempre que me deparo com algum tipo de publicidade bem-humorada. Lembrei-me desta questão do humor na promoção de restaurantes, bares e outros, porque me disseram que o Restaurante Aleixo, situado bem perto da Estação de Campanhã, no Porto, que eu frequentei durante muitos anos, encerrou recentemente. Na altura era uma casa simples, mas onde serviam uma excelente comida tradicional. O dono, e julgo que fundador, era o senhor Ramiro, um homem conversador e bem-humorado, que fazia questão de também dar alguma graça ao interior do restaurante, identificando as diversas secções com letreiros muito sugestivos. E assim, podia ler-se:
Sobre o balcão da cozinha – LABORATÓRIO. A identificar a sala de jantar – SALA DE OPERAÇÕES. Já na porta da casa de banho estava a placa – DESTILARIA. E no pequeno espaço onde ele se encontrava quase sempre para receber o valor da refeição: CAIXA DE TORTURA. Ao que parece, os seus descendentes perderam por completo o seu sentido de humor …
Mas os restaurantes proporcionam mais encontros com cartazes que, no mínimo, nos fazem sorrir. Numa das paredes da sala de jantar de um outro restaurante podia ver-se afixada num painel, em destaque, a tabela de preços a cobrar por uma simples resposta ao telefone:
“SE ALGUMA NAMORADA OU ESPOSA TELEFONAR A PERGUNTAR POR SI, NOSSAS TARIFAS SÃO:
– “Lamento, mas ele acabou de sair – 5 Euros
– “Creio que está a caminho de casa – 7 Euros
– “Não, ele não está aqui nem o vi hoje – 9 Euros
– “Desculpe, mas não conhecemos tal pessoa – 15 Euros”
Devo dizer que, apesar de lá ter comido algumas vezes e nesse tempo não haver telemóveis, nunca tive de escolher uma das respostas para o caso de me telefonarem, muito menos de pagar qualquer tarifa em função das respostas pelas razões invocadas no cartaz …
Como sabemos, em todas as localidades existem locais onde algumas áreas de negócio não vingam, sejam ruas, travessas, praças e mesmo certas avenidas. Era o caso da localização de um certo bar, mas que o proprietário ultrapassou com humor inteligente:
““Bar de frente para o Futuro”. Era o nome desse estabelecimento de bebidas, o que fazia todo o sentido, pois ficava situado precisamente em frente de um … cemitério. O futuro de todos os clientes …
As promoções nos restaurantes também acontecem das formas mais diversas, para tentar captar clientela, normalmente pelo preço como era o caso desta casa simples à entrada de uma povoação onde, sobre a porta de uma casa rústica, podia ler-se:
“Restaurante Família Barbosa”. E por baixo, faziam-se as respetivas promoções:
– “Traga a namorada e ganha 5% de desconto.
– Traga a esposa e ganha 10% de desconto.
– Traga ambas e a refeição é grátis”.
Ao ler o cartaz, imaginei da (quase) impossibilidade desta promoção nessa altura, se bem que nos dias de hoje já não tenho tanta certeza.
Quando se usa o humor na propaganda ele vende, porque serve de chave para captar o potencial cliente pois este acaba sorrindo e, com esse sorriso, é desarmado e fica disponível para comprar. O humor subtil é o mais usado e com melhor aceitação pelo público, pois pode resumir-se a provocar um simples sorriso, mas que geralmente é um sinal de simpatia e aceitação do consumidor.
Tenho visto muitas formas de promover a venda de uma ou outra bebida, mas considero muito original este letreiro na proximidade de um café/restaurante:
“Estás com problemas no amor, na faculdade, no trabalho ou com a sogra? Infelizmente não te podemos ajudar a resolver essas coisas, mas podemos ajudar-te a esquecer tudo isso enquanto bebes um litro de cerveja por 4 euros”.
No entanto e ali bem perto, numa luta contra o alcoolismo, uma frase impunha-se, com subtileza, num “aviso à navegação” para que se cuidassem do álcool: “Quando você bebe e conduz, acaba por chegar ao fim primeiro”.
O humor é uma válvula de escape para as angústias do dia a dia. Em tempos difíceis, torna-se quase um serviço de utilidade pública. Por isso, é um excelente instrumento da propaganda. Serve de estímulo para chegar ao consumidor e começar a conversa com ele.
À porta de um restaurante de comida tradicional estava um letreiro: “Na próxima quinta-feira, o principal prato do almoço é uma Feijoada à transmontana, que será servido na sala de jantar. Depois, segue-se o “concerto” …
Frequentemente, vê-se o bom humor de braço dado com gastronomia na promoção desta, fazendo apelo à nossa capacidade de sorrir e ser recetivo ao convite. Mas, na sua mensagem, também nos pode enviar uma lição para a vida em geral, como é o caso deste cartaz pregado sobra a entrada de um restaurante:
“Se a comida, a bebida e o serviço não estiverem ao nível dos teus padrões, por favor, … muda os teus padrões”.
O prazer em dançar de “rosto colado”
A minha memória faz-me regressar à adolescência e relembrar os bailes, fossem eles particulares como em casa da D. Palmira Meireles, na Vila, do senhor Leão, em Roriz e em mais umas quantas casas, ou os bailes institucionais, quer na Assembleia Lousadense e outras da região, quer no Clube Fenianos Portuenses e outros salões da época, em Bailes de Finalistas, de Fim de Ano, Carnaval e outros mais. E não esqueço do quanto eram desejados por todos nós!!! Traziam sempre algumas coisas boas: raparigas para dançar, pois eram relativamente poucas as que tinham liberdade (condicionada) para tal, para além de comes e bebes, que eram obrigatórios nos bailes particulares e uma oportunidade rara para “tirar a barriga de misérias” pois, apesar da carência de alimentos ser geral, o “copo de água” era sempre muito bem servido, normalmente feito com base em “multas” atribuídas a todas as participantes, fazendo com que cada uma levasse um bolo ou qualquer outra coisa para comer. Os rapazes tinham como obrigação comer e, às vezes, pagar alguns custos adicionais.
Quanto às moças, tendo em conta da quase impossibilidade de ficar a menos de meio metro de alguma no dia a dia, só o facto de a ter nos braços, a dançar, já era por si só um entusiasmo, quanto mais a partir do momento em que o seu braço esquerdo parava de funcionar como “travão” e nós víamos e sentíamos a sua aproximação, até os corpos se tocarem. Só quem viveu isso, que hoje será tido por ridículo, pode saber o valor que tinha para um jovem adolescente. Quando o baile era institucional, em grandes salões com mesas a toda a volta onde se sentavam não só as jovens, mas também os pais, especialmente as mães casamenteiras a exercer o papel de “polícia”, era intimidante ir perguntar a uma moça se dançava, sentindo o olhar observador da mãe, quando não crítico ou de censura. Mas pior ficava se a jovem, por vontade própria ou a um sinal da mãe, dava uma “nega”, diante de uma plateia que parecia ter os olhares fixados em nós. Na minha timidez, acabava por ficar vermelho como um pimentão. Tal como o quanto constrangedor se podia tornar, depois de dançar uma música romântica, lenta e sem que o “travão” da distância funcionasse, com os “rostos colados” e os corpos suados, ter de disfarçar a “dilatação” inapropriada nas calças, que podia fazer a mãe da rapariga corar de vergonha, raiva ou satisfação. Para um tímido, era como ficar nu no meio do salão …
Sobre esses momentos, transcrevo um texto interessante de Rogério Mendellsk que traduz bem o valor da sua vivência:
“Rosto colado” é coisa que os jovens de hoje não conhecem como os preliminares de um ato de sedução. Em nossos bailes de antigamente (que palavra dolorosa!) os jovens percorriam o salão com o olhar em busca da rapariga ideal para começar um romance. Caso ela estivesse à mesa com os pais, nossas pernas tremiam. Uma bebida talvez fosse o combustível para encorajar o ato de atravessar o salão, chegar até à mesa dela e fazer o convite formal: “A menina dança”? E o “sim” dela poderia significar que também ela queria dançar, pois os olhos já se tinham cruzado por um momento no baile. Mas também poderia ser apenas o “sim” formal para não dar uma “nega” na audácia do rapaz. Se fosse este o caso, a regra que a jovem aprendera em casa com a mãe casamenteira era dançar, no máximo três, para não significar que havia outro interesse a não ser o da boa educação. No entanto, se “pintasse”, ai Jesus, a dança prolongava-se por todo o baile e, na hora exata, os rostos colavam-se e a sedução começava com uma conversa no ouvido. O ato de seduzir transformava-se numa velha enciclopédia romântica onde até valiam mentiras ingénuas.
Agora, não há mais “rostos colados”, não há mais bailes, os conjuntos melódicos são apenas boas lembranças e os clubes fecharam os seus salões para os jovens. O beijo roubado quando as luzes diminuíam de intensidade, era, talvez, o único da noite. Hoje as garotas apostam em quem beija mais rapazes numa noite. Esse sublime ato da conquista tornou-se algo vulgarizado. Uma festa “rave” ou um “baile funk”, mais do que uma reunião de jovens, é banquete de traficantes em busca de novos “patos” para início de uma vida de vícios.
A sedução transformou-se em agressão sexual, para ambos os lados. Sem cocaína, sem pó, não há sequer essa aproximação de pessoas de sexo diferente, com “rostos colados”, nem mesmo que o DJ aposte em algo lento para descansar os dedos. Não se dança mais, os requebros e os pulos substituem os passos cadenciados. O barulho da “batida” acabou com o diálogo. E, sem diálogo, não há sedução.
Está bem, somos velhos quando falamos de “rostos colados”. Mas ninguém pode roubar da nossa memória um tempo mágico onde o cavalheirismo de uma dança fazia as donzelas flutuar pelo salão com pessoas especiais. E quem nunca dançou uma vez na vida de “rosto colado”, não sabe o que perdeu”.
Dançar de “rosto colado” ao som de um conjunto musical de um disco de vinil ou de um gravador de fita, de som estéreo, era das melhores e mais gostosas sensações que se tinha, ainda mais quando o parceiro (parceira) era uma pessoa especial. Até parece que naquele instante o tempo não existia. Era o melhor momento para meter conversa. Para nós rapazes, dava para lhe cantar ao ouvido a música que rolava no gira-discos e se ela sorrisse, era sinal de que gostava e tudo ia bem. Caso não gostasse daquelas intimidades, fechava a cara sisuda e nós tratávamos de “ir cantar para outra freguesia”. Tudo era fator determinante para ajudar as mulheres a escolher o homem da sua vida, tanto pela maneira de pegar nela, de conduzi-la em segurança e leveza, se ele cometia erros, e se pisasse o pé da moça como é que se desculparia, se é que se desculpava. Tudo contava para ela. E quando terminava a música, quase tudo ficava por dizer, talvez por inibição ou até porque o tempo passava muito depressa. Mas dançar de “rosto colado” nos dias de hoje, tornou-se saudosismo, coisa dos pais e avós, de quem já dobrou meio século. Mas foi gente que viveu o desafio da conquista, o prazer da sedução de forma ingénua, para quem o “calor humano” tinha significado, mas também mais gostosa e marcante que deixaram memórias afetivas muito diferente do prazer instantâneo, do engate onde o rapaz ou moça nem se lembra mais de quem foi que engatou quem naquela noite.
Falar em “rostos colados”, é lembrar lugares onde não se pode voltar, de pessoas com quem se partilhou o “caminho” e momentos de pura e ingénua felicidade.
Temos mais nomes do que pensamos
Ao longo da vida somos conhecidos por muito mais nomes do que aqueles que podemos imaginar, mas o mais importante é sempre o que descreve e define o nosso carácter. Como é que somos falados e conhecidos entre as pessoas com quem convivemos, sejam familiares ou amigos? E como nos chamam aqueles com quem não mantemos qualquer relação de proximidade? Ao nosso nome acrescentam uma característica positiva ou negativa para nos identificarem quando se querem referir à nossa pessoa? Num meio rural como era o nosso, para nos identificarem com mais facilidade ao nome principal associavam um apelido (José da Silva, António Magalhães), uma alcunha (Manuel Pilão, Arnaldo Carcanho), o lugar de nascença (Joaquim da Aldeia, Mário da Estrada) ou até de residência (Ribeiro da Cavadinha, Barbosa do Bacelo), o nome do pai (José do Paulino, Manuel do Carvalho ), da mãe (António da Emilinha, Ana da Albertina), uma profissão (Alberto Espingardeiro, Belmiro Latoeiro), um defeito físico (João Corcunda, Afonso Manco) e uma qualidade moral (Aninhas Bondosa, Armandina da Ajuda), física (Alzira Peituda, Cardoso do Sinal), artística (Manuel Fadista, Carlos Acordeonista) ou outra qualquer. Ao longo da vida já ouvi chamarem-me muitos nomes variados usando parcialmente um dos 4 que tenho ou juntando 2 de forma aleatória e de me “atirarem” com outros bem menos simpáticos, do calão mais suave ao mais ordinário, a maioria das vezes quando não estava presente. Em criança, associavam ao meu nome o nome da minha mãe. Depois, em adolescente, era o meu pai a emprestar-me o seu apelido. E finalmente, a partir daí, de forma mais consistente, passaram a brindar-me com os apelidos dos dois, numa justa homenagem ao dueto que me trouxe a este mundo. Para identificar mais especificamente alguma pessoa, mencionamos às vezes um sinal, um tique, uma característica especial, uma forma de conseguirmos que saibam de quem falamos. Mas entre as pessoas somos também conhecidos quase sempre pelas nossas virtudes como a seriedade, honradez, honestidade e solidariedade ou pelos nossos principais defeitos que nem vale a pena enumerar. E é verdade que, desde que me conheço, o bom nome e a boa reputação valem mais do que qualquer riqueza, se bem que, à medida que a sociedade evoluiu, e com isto não quero dizer que tenha sido para melhor, e os anos foram passando, um nome honrado, prestigiado e brioso é algo de que nem todos se podem gabar. E como ele é importante, tanto para as pessoas como para as próprias empresas … A boa reputação e bom nome, tanto de pessoas como de organizações é um elemento intangível que todos devemos prezar. A verdade é que, num universo cada vez mais competitivo, em que as informações circulam e fluem de forma muito rápida a nível global, faz sentido que a reputação de pessoas e organizações seja um ingrediente essencial. É que, sem uma reputação à prova, que transmita confiança, qualquer pessoa ou organização fica mais exposta e mais vulnerável ao intenso escrutínio dos media, redes sociais e opinião pública, como temos visto nos últimos tempos entre nós, sobretudo na classe política. E vemos também que, se não tiver um bom capital de reputação, tanto o homem mais poderoso pode cair, como a empresa mais sólida do mundo pode ser desmoronada … A boa reputação não é algo que se compre. É construída ao longo dos anos, dia a dia, por meio das boas ações e atitudes, seja no ambiente profissional, familiar ou social e quanto mais sólida e baseada no caráter, fazer o bem, no servir o próximo com integridade, menores serão os abalos que sofre. Boa reputação é dignidade, integridade, ética, honestidade e confiança na ação. É um atributo que se ganha com dificuldade e se perde com muita facilidade. Nas empresas, é um valor estratégico que gera valor e evita as crises. Não é uma questão de dinheiro ou fama, mas sim de confiança, credibilidade, respeito e admiração. Há alguns anos, nos Estados Unidos, ao ser lançada a suspeita de que um medicamento contra a dor que era usado em larga escala causava envenenamento nos doentes, houve pânico geral. Perante tão grande alarme, a empresa farmacêutica fabricante do produto assumiu de imediato a responsabilidade pelo ocorrido e das consequências daí resultantes, tendo gastado elevadas quantias em todo o processo. Os responsáveis da empresa estavam determinados em fazer o que era correto sem pensar nos custos. Embora não fosse esse o objetivo, a reação imediata e assumida da responsabilidade pela empresa viria a trazer resultados positivos no futuro. A integridade com que agiram nessa situação difícil, viria a aumentar-lhes a credibilidade, tendo isso contribuindo para que fosse escolhida como empresa de melhor reputação no país em 2001, por um conceituado jornal americano. É interessante comparar esta com uma outra empresa de pneus, ela também americana, que passou por uma situação semelhante, mas com pneus defeituosos que causaram numerosos acidentes, alguns deles fatais, até se descobrir a causa. Ao contrário dos dirigentes da empresa atrás referida, os seus diretores preferiram negar de forma categórica a sua responsabilidade e lançaram a culpa disparando em todas as direções, atribuindo-a a todo o mundo menos a si próprios. Depois de processo em cima de processo, de grandes indemnizações e acordos judiciais, a credibilidade da empresa cairia pelas ruas da amargura, um custo suplementar bem alto por não terem assumido e com isso salvaguardo o bom nome. Porque, “aquele que perde a sua reputação pelos negócios, perde os negócios e a reputação”. A nível pessoal todos conhecemos algumas pessoas por quem “podemos pôr a mão no fogo”, gente com um bom nome e merecedora da nossa confiança. Mas também conhecemos “outros”, se calhar em maior número, cujos nomes pelos quais são conhecidos não se limitam aos que têm de batismo … A boa reputação não tem preço. Pode-se passar toda uma carreira e o tempo de uma vida trabalhando para construir uma sólida reputação, um bom nome com credibilidade, honestidade e altruísmo e tudo isso pode ser destruído num instante, numa saída infeliz, na transigência sem ética, numa decisão irracional ou imoral. Warren Buffet dizia que “são necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para a destruir”. Sendo que, “na tua terra o que conta é a tua reputação e, nas outras, as tuas roupas”, não podemos nem devemos submeter-nos só a uma boa reputação se para isso tivermos de sacrificar a consciência e até o caráter. Será bom lembrar as palavras de John Wooden: “Preocupa-te mais com a tua consciência do que com a tua reputação. Porque a tua consciência é o que tu és e a tua reputação o que os outros pensam de ti. E o que os outros pensam, é um problema deles” …
Quer conhecer as tais 36 perguntas?
Já deu uma vista de olhos ao rol de 36 perguntas que pode vir a ter de responder se quer conseguir alguma coisa da vida? Se é daqueles que ainda não se deu ao trabalho de as estudar bem para um dia destes ter as respostas na “ponta da língua” e as poder passar à “ponta da caneta”, acorde e “meta mãos à obra” que não é assim tão pesada. Há coisas muito piores e que valem bem menos do que o prémio que pode esperar no final como resultado disso. É que, se for apanhado de surpresa, pode atrapalhar-se, dar a resposta menos conveniente, “meter as mãos pelos pés”, ser mal interpretado, estragar o que pode vir a ser uma vida de sonho e a sua felicidade. Sim, porque a sua felicidade pode estar ao virar da esquina. Mas tem de fazer a parte que lhe toca pois é coisa que os outros não poderão fazer por si. A duração sugerida é de dois a quatro minutos, mas o autor da lista pôs alguma ênfase na sua recomendação: “Dois só é suficiente para ficar apavorado e quatro dá realmente algum resultado”. Mas, se ainda não conhece as perguntas que o poderão fazer feliz e que a imprensa não revelou em pormenor, eu vou revelar-lhas em primeira mão. Anote: “1 – Se pudesse escolher qualquer pessoa do mundo, quem iria querer como convidado para um jantar?
2 – Gostaria de ser famoso? De que forma?
3 – Antes de fazer um telefonema, costuma ensaiar o que vai dizer? Porquê?
4 – O que constitui um dia “perfeito” para si?
5 – Quando foi a última vez que cantou sozinho? E para outra pessoa”?
Chegado aqui, tenho de parar. Está confuso, pois não era este tipo de perguntas que estava à espera? Mas então, estava à espera de quê? De conhecer as 36 perguntas que o primeiro-ministro e o governo arranjaram para “caçar” alguns futuros governantes, sem mácula e sem “esqueletos no armário”? Nada disso, pois esta é a lista das 36 perguntas do questionário resultado de uma experiência científica do psicólogo Arthur Aron e é um verdadeiro teste à intimidade de um casal ou de duas pessoas que estão interessadas em poder sê-lo, mas que não têm a certeza do sentimento que as une.
Mas se estava a pensar nas “tais perguntas” para se ir preparando no caso de um dia vir a ser convidado a ser governante, ou antes disso, para ver se passa no “teste de honestidade” enquanto candidato a tal, para não correr o risco de entrar pela “porta principal” e ter de sair logo de seguida pela “porta das traseiras” como aconteceu as “uns quantos” nos últimos tempos, eu até lhe poderia disponibilizar todo o rol de perguntas, da primeira à última, mas não me parece boa ideia e digo-lhe porquê: Este inquérito de 36 perguntas, mais do que evitar candidatos sem condições para exercer cargos de governo da coisa pública, só vai afugentar muitos candidatos válidos, pessoas de bem com prestígio e mérito, que não vão querer ver a sua vida, nem a das pessoas que lhe estão próximas, devassadas nem esparramadas em grandes parangonas nos jornais e televisões nacionais.
Claro que vai sempre haver candidatos disponíveis para esses lugares do poder, aqueles que andam na vida para o ser: os “carreiristas” dos aparelhos partidários, sem mérito ou talento, se é que isso possa ser alguma mais-valia para o lugar. E então vamos continuar a queixar-nos da má qualidade de quem nos governa …
Mas para lhe satisfazer a curiosidade dessa lista e o submeter a uma pequeníssima amostra, o que pensa se eu o convidar para jantar, mas condicionar o haver jantar ou não àquilo que responder a uma única pergunta das tais (e já nem falo de todas as 36 do inquérito)? Aí vai: “Está insolvente (falido)”? Como resposta e em bom português, era capaz de sentir-se ofendido e me mandar “àquela parte” …
A título de curiosidade e para percebermos as diferenças de postura, nos Estados Unidos, aqueles que têm objetivos políticos e pretendam vir a ocupar qualquer lugar de governação, antes de irem à “luta” e poderem ser eleitos ou escolhidos, mandam fazer uma investigação rigorosa a si próprios, onde a sua vida é espiolhada de alto a baixo na intenção de não deixar nada a descoberto, desde as relações com a família, amigos e institucionais, se descobrem todas as fragilidades da vida pública do candidato como da vida privada, ao ponto de se saber com quem se dá, que tipo de sites vê na internet, se vê pornografia, traiu a mulher ou foi traído, etc., etc.. Ali não ficam à espera que seja o seu partido ou governo a colocá-los perante um questionário de 36 perguntas com a obrigação de o preencher, para além de atestarem da sua veracidade.
Mas deixemos as 36 perguntas da política e voltemos às 36 perguntas que podem fazer as pessoas se apaixonarem. Este questionário viria a ganhar popularidade em 2015 depois da cronista de um conceituado jornal americano ter recuperado a experiência e posto em prática no encontro com um antigo colega da faculdade. Depois de 36 perguntas fizeram 4 minutos de silêncio a olharem-se nos olhos e o resulto foi: Apaixonaram-se.
Por isso, se a sua preocupação não é o poder ou não vir a ser membro do governo, mas de perceber se a sua relação com alguém tem futuro, arrisque fazer a experiência de Arthur Aron que encontra com muita facilidade na internet. Quando muito, será divertido, mas pode valer a pena e até abrir-lhe a porta da felicidade. Porque não?
De médico e louco, todos temos um pouco …
Dizem os médicos que tenho uma tendinite no ombro e ela de vez em quando faz questão de me lembrar que continua ali para me chatear e fazer gemer. E eu gemo, faço fisioterapia ou tomo um medicamento prescrito pelo médico para a acalmar. Há alguns dias, quando estava num desses momentos de crise a massajar o ombro na tentativa de aliviar a dor, alguém do lado disse-me: “Eu também andava com uma dor no braço e o médico deu-me uns comprimidos que me fizeram desaparecer a dor num instante. Porque é que não tomas já um”?
É vulgar termos ao lado um familiar, amigo ou colega de trabalho que, para um problema de saúde, disponibiliza um medicamento na hora ou, no mínimo, prescreve o que é que devemos tomar porque foi o medicamento que resultou com ele em determinada situação, que até pode não ser igual à nossa. E no caso de recusarmos o conselho ou medicamento, ainda que de forma diplomática, pode ficar amuado, sentindo a rejeição como uma afronta, como se os seus “serviços” não sejam valorizados, quando a intenção era só de ajudar.
Desde sempre houve esse espírito de entreajuda. Só que, se noutro tempo se limitava a recomendar uma “mezinha”, um chá de cidreira, camomila, limonete ou tília, “talhar o pulso” ou outra parte do corpo, “endireitar a espinhela” e até uma ida ao “bruxo”, nos dias de hoje o desenvolvimento da medicina, muito em particular da farmacologia, para além da vasta informação obtida no “Dr. Google” (onde se sabe tudo de tudo), é frequente encontrar em alguém que nos é próximo um aconselhamento terapêutico ou até assistencial na hora, mesmo que não profissional, com medicação que diz “apropriada” para o nosso caso. As mulheres são as mais “eficientes” pois, para além de se disporem com mais facilidade a ajudar, têm um leque mais vasto de um “suposto conhecimento médico” e são mais prevenidas porque trazem sempre consigo um stock de medicação “muito bem aviado” – para alguma coisa servem as bolsas enormes que trazem às costas – e são elas que “prescrevem” às pessoas em sofrimento o que devem tomar, com base na sua experiência pessoal, numa vontade de ser útil ao próximo e num “Deus queira que dê certo”. É assim ou por decisão própria, que nos automedicamos frequentemente, às vezes correndo riscos sérios sem o saber.
Por alguma razão surgiu o ditado popular que “de médico e louco, todos temos um pouco”. É que temos uma tendência geral para “dar receitas” a toda a hora. Se alguém ao nosso lado diz que está com dor de cabeça, a “receita” é instintiva: “Toma Ben-U-Ron que isso passa”. Mas se a dor é num braço ou na perna, o “médico de serviço” ao lado recomenda um “Brufen” porque além do efeito analgésico (tira a dor) também é anti-inflamatório. Se outrora houvesse alguém a espirrar o diagnóstico era “estás constipado” e a receita um “mete-te já na cama, toma um chá quente com mel e agasalha-te” ou, mais resumidamente, um “abafa-te, avinha-te e abifa-te”. Mas hoje, como já estamos muito “formatados” no receituário farmacológico, não são as mezinhas que aconselhamos, mas antes um “Atarax” que faz parar o pingo do nariz e alivia a respiração. Mais ainda, já somos suficientemente capazes de aconselhar ao nosso vizinho e “paciente” que precisa de ser operado às varizes, tirar as cataratas, arrancar o dente ou meter uma prótese da anca, caso contrário cada vez anda com mais dificuldade e maiores serão as suas dores a caminhar. Pensando bem, esta nossa “veia de médico” deveria dar-nos para aconselhar os “pacientes” a procurar conselhos de quem é realmente responsável, em vez de estarmos a querer impingir receitas baseadas em conhecimentos de “Espírito Santo de orelha”. E há riscos, mesmo em medicamentos de consumo corrente como é o caso do “Paracetamol” (Ben-U-Ron), um dos que é mais vendido (e sugerido por nós, leigos), pois a sua utilização em excesso pode levar a complicações.
A facilidade de acesso à informação convenceu muito boa gente que basta ler artigos na net e consultar a Wikipédia para ser especialista e estar abalizado a emitir opiniões e prescrever receituário. E já vimos isso de forma assustadora em muitos órgãos de informação durante a crise pandémica, onde toda a gente tinha opinião sobre assuntos que pertencem à esfera médica. Políticos, sociólogos, psicólogos, artistas, jornalistas e muitas outras pessoas cujo contacto com um hospital se limitou a estar sentado numa sala de espera, gente que não percebe patavina do assunto, permitiram-se emitir opiniões sobre as vacinas, defendendo o não à vacinação, fazendo crer que quem nada percebe são os cientistas e estudiosos que as desenvolveram. E os exemplos piores vieram de responsáveis mundiais como Trump, Bolsonaro e outros, ao darem a sua opinião de leigos com estatuto de autoridade médica sobre como controlar a pandemia. Trump chegou a sugerir que se injetasse desinfetante pelos brônquios dos infetados, tendo sido registados muitos casos de intoxicações em gente que seguiu a sua sugestão. Já agora, qualquer um pode ter um blogue com aspeto muito sério e profissional onde ensina a emagrecer numa semana, a fazer exercício para deixar de usar óculos, eliminar a queda do cabelo e outras maleitas humanas. E tudo cientificamente comprovado. Se de médico e louco todos temos um pouco, não se pode confundir a sabedoria popular genuína, baseada na tradição e transmitida de geração em geração com o conhecimento à pressa e sem critério nos média ou em qualquer site da moda.
Bom seria que fôssemos capazes de evoluir na medicina tradicional e desenvolver os conhecimentos milenares, pois é verdade que muitas receitas de raízes, ervas e larvas usadas antigamente na cura das doenças começam a ser aceites na medicina alopática e homeopática. E os banhos de imersão, sangrias e a aplicação de larvas para curar as feridas, além de sanguessugas que voltam a ser usadas como terapia.
Bom seria que a medicina tradicional encontrasse solução para a dor de cotovelo, a ganância, o egoísmo e a falta de humanidade. Era certo ter clientela garantida …
A morte é o nosso maior “tabu” …
A morte tornou-se no maior tabu da nossa sociedade. Nem sexo nem drogas se lhe comparam. Ver, ouvir ou até, simplesmente, falar dela, é algo de que fugimos “como o diabo da cruz”. Se quando eu era criança a maioria das pessoas quase sempre morria em casa, no meio das suas coisas, no seu ambiente e rodeado pela família, pouco a pouco e de forma sub-reptícia começou-se a empurrar esse fenómeno porta fora, a afastá-lo para o mais longe possível ao contrário da vivência desse tempo, de tal forma que agora a maioria das vezes a morte só acontece nos hospitais e lares ou noutras instituições, mas sempre e sempre longe de casa. Começamos por expulsá-la das nossas vidas e depois também, das nossas conversas. Deixou de ser falada, tornou-se invisível. Até deixamos de pronunciar o seu nome como se tivesse peçonha. A morte passou a ser uma estranha para nós e sempre que nos é possível, só estabelecemos algum contacto à distância de uma mensagem de condolências, de um acompanhamento afastado no cortejo fúnebre. E agora passamos a vida a evitá-la, a negá-la e a viver num “faz-de-conta” como se a morte não existisse. E a nem falar nela como se o simples falar a possa atrair. Ora, se ela é uma certeza, uma inevitabilidade, não seria muito mais racional prepararmo-nos para o momento em que nos bater à porta? Mas não é assim e o medo de a encarar com naturalidade, assusta-nos e bloqueia-nos, fazendo com que deixemos sempre tudo para depois. Ora, como é inevitável, não pode ser considerada uma derrota da pessoa e nem uma vitória da doença ou do que quer que seja que a faz acontecer. Nada disso, já que é simplesmente a vida ou o seu fim, de que faz parte integrante. Desperdiçamos tempo e vivemos como se não fôssemos morrer, nem hoje nem nunca, negando a realidade que nos vai surgir no caminho e trocando as prioridades. E mais tarde vem um “Ah, se eu soubesse o que sei hoje”? Só quando chegam algumas doenças graves, acidentes, epidemias ou pandemias como a provocada pela Covid-19 e ela nos bate à porta sem avisar nem pedir licença, como que saímos da ilusão em que vivemos de que somos mais fortes que ela, na fantasia de que a podemos fintar ou até enganar. E aí a questão não é ser ou não ser mais forte que ela, porque ela faz parte de nós e nós dela e é isso que temos de interiorizar. Se virmos bem, evitamos dizer a palavra “morrer” ou “morto”, como se as palavras tenham “lepra”. Quase sempre são substituídas por um “falecer” e “falecido”, por “finar-se” e “finado”, quando não o simples “foi-se”, “apagou-se” ou “já não está entre nós”. E para os religiosos, um “está com Deus”. O velório era em casa do morto, por mais humilde que fosse e muitas vezes não tinha um mínimo de condições, a começar pela largura das portas, quase sempre insuficientes para passar o caixão. Era preciso inventar para tirar o caixão de casa com o morto dentro, pois não se podia pedir ao falecido para se levantar, sair de casa pelo seu pé até fazerem sair o caixão de lado e sem a tampa, para voltar a “instalar-se” comodamente e de novo no seu último “fato”. Mas era a sua casa, para a vida e até para a morte. Tantas vezes ficava no “seu” quarto durante uma noite por não haver uma sala, velado pelos familiares, amigos, vizinhos e conterrâneos, que se revezavam durante a noite quase sempre aquecida com uma garrafa de bagaço. E era dali que partia para a sua última cerimónia religiosa na igreja local e depois para o cemitério. Não havia traumas por se ver o caixão e o corpo do morto. Lembro-me de José Barbosa da Mota, um homem que veio do Alto Minho para ganhar a vida entre Macieira e Aveleda, até a morte o levar. Vivia sozinho e logo que juntou algum dinheiro, comprou um caixão que colocou atrás da porta de entrada da casa humilde onde vivia, para garantir que teria um “fato” à medida. Durante anos viveu e conviveu com ele sem qualquer assombramento. Ora, também o tempo acabou por empurrar o velório para fora pois a sociedade foi criando gradualmente espaços externos para se depositar o corpo, as chamadas “capelas” ou “casas mortuárias”, evitando que ao sair do hospital ou Lar tenha de passar por sua casa e “devassar” o espaço que era seu, mas já deixou de ser, como se isso viesse a deixar algum “assombramento” em casa. E todos aderimos a este processo porque mantem o morto à distância, é mais “higiénico” dizem, dá um certo “alívio” por não ter de se viver com ele mais 24 horas seguidas, pelo menos, e torna mais leve todo este processo doloroso que é a perda e separação de um ente querido. Enquanto antigamente as crianças vivenciavam e eram inteiradas na realidade da morte, integrando na prática os rituais fúnebres a partir do funeral (e eram sempre muitas as que faziam parte das “cruzadas” e acompanhavam o morto à igreja e depois ao cemitério), hoje foram afastadas e “protegidas” para não sofrerem traumas psicológicos com consequências na sua saúde (ficando em casa agarradas ao telemóvel ou computador que as pode atrofiar bem mais que um funeral), coisa em que ninguém pensava no meu tempo de criança sempre que tive e tivemos de participar em tantos funerais mesmo quando o morto não pertencia à família. Até essa proteção e distanciamento excessivos a que as crianças hoje estão sujeitas acabam por não ser benéficas e nem sequer as ajudar a crescer. Séneca dizia que “erramos ao ver a morte à nossa frente como um acontecimento futuro, enquanto parte dela já ficou para trás, pois cada hora do nosso passado já pertence à morte”. Devemos temer menos a morte e muito mais uma vida insuficiente, inútil ou vivida pela metade. Temos de aprender a viver como deve ser, para saber morrer bem. E de perceber que a morte nos dá uma lição grandiosa: de que tudo é transitório. Porque chegamos aqui nus, ganhamos um mundo de bens, mas, ao partir, voltamos a ir sem nada, completamente nus. E, para além de tudo, seguir o conselho de Freud: “Se queres poder suportar esta vida, tens de estar pronto para aceitar a morte”. Porque se não fizermos a aceitação da morte, não seremos verdadeiramente livres nesta vida …
Este “carro” só pega de “empurrão” … quando “pega …
Vivemos tempos difíceis depois de atravessar a pandemia do Covid-19 de que ainda verdadeiramente não saímos e de sofrer por tabela as consequências da guerra na Ucrânia, com uma inflação galopante que faz mingar o valor do dinheiro no nosso bolso e que dia após dia dá para comprar menos comida para casa. Mas, por mais difícil que tenha sido o ano, por mais confuso e tresloucado que este mundo se encontre, por mais que os pais invistam mais tempo em subir cada vez mais alto na sua profissão relegando para segundo plano o tal investimento na família e por mais que se alimente esta correria louca de todos os dias sem se saber bem para onde, num atropelar do outro sem sentido, durante pelo menos um dia do ano permitimo-nos acreditar no Natal, no milagre da bondade humana em nome de um Deus feito Menino e que no ano seguinte tudo vai ser resolvido.
Sei que dizemos sempre: “Mas um dia é tão pouco em 365 dias que tem o ano”! Também sou daqueles que dizem o mesmo, mas cada um de nós tem de fazer a sua parte para que o “espírito natalício” que prevalece nos nossos corações nesta época do ano, essa alegria de estar com as pessoas de quem gostamos, esse respeito e amor pelo próximo e essa generosidade que nos enche o coração, se estenda por mais e mais dias até ocupar o ano todo.
Olho ao meu redor na sala cá de casa onde já prevalecem os enfeites dum Natal que desejo em família e penso na simplicidade de Belém, do nascimento de Jesus no seio de uma família como a nossa, que é preciso valorizar por ser quase sempre o porto de abrigo onde todos podemos voltar em momentos difíceis. E deixo-me atrair pela ternura do Menino Jesus, nascido pobre, frágil e perseguido, no meio de nós, para nos dar o seu amor. Ele é o centro do Natal e sem Ele, que Natal seria este?
É certo que as nossas fragilidades humanas foram aproveitadas para fazer incluir o Natal no calendário comercial do mundo e o marketing e a publicidade encarregaram-se de criar e recriar os mais diversos e sofisticados engodos para nos distrair do essencial, focar o acessório e levar a consumir de forma descontrolada como se fosse obrigação o ter de comprar, trocar prendas tantas vezes inúteis, atraindo a nossa atenção para as luzes dos shoppings e centros comerciais, como que sonâmbulos hipnotizados. E o Menino? Ora, o significado do Natal é uma mensagem de amor e aproximação ao próximo. Se soubermos aprender com ele, crescemos em espírito e como pessoas. Por isso, os cristãos devem estar preocupados pois o nascimento de Jesus está a perder o lugar principal a favor dum consumismo selvagem que o Pai Natal representa. Mas cabe a cada família católica explicar às crianças diante do presépio em casa que o Menino é verdadeiramente símbolo do nosso Natal, muito para além do folclore comercial.
O Natal ensina-nos que há duas formas diferentes de manifestarmos o nosso amor pelos que nos rodeiam, que fazem parte da família, do círculo de amigos ou até de desconhecidos. Uma delas, a mais difícil, é sofrer pela pessoa amada. Foi isso que Jesus fez e nos ensinou através da encarnação. A outra, a mais comum neste tempo de encontro, é o dar presentes, mas sempre que possível que sejam úteis e não fúteis.
Aproveitando o movimento consumista que assola a época de Natal, podemos ser verdadeiros cristão se quisermos entender e viver essa época como um período de agradecimento por tudo o que Cristo é e significa, além do que nos concede. E, aproveitando o papel lúdico do Pai Natal, dos presentes e das expectativas que esse período gera nas crianças, jovens e até nos adultos, devemos entender que, tal como o velhinho das barbas brancas, todos somos e temos de exercer o nosso papel de Pais e Mães Natal não só nesta época, mas também em todas as épocas do ano, dando-se, ajudando e promovendo a dignidade dos mais necessitados. E há exemplos pelo mundo que devemos seguir.
Os Correios do Brasil inteiro lançaram uma campanha de Adoção de Cartas de Natal. Há milhares de crianças que, na esperança de serem atendidas pelo “Bom Velhinho”, enviam cartas endereçadas ao Pai Natal fazendo os mais variados pedidos. Para atendê-los, os Correios lançaram mão da ajuda voluntária de cidadãos. Com o apoio de muita gente que se colocou como padrinhos e ajudantes, ao longo de anos conseguiram realizar o sonho de um milhão de crianças, sonhos que vão desde bicicletas, bonecas e demais desejos de consumo, às mais reais necessidades como material escolar, cabaz alimentar, pedido de emprego para os pais e até cura de doenças. Dizia um funcionário dos Correios, há mais de vinte anos, que “esta época e os pedidos mais diversos, são uma verdadeira dádiva de Deus, uma oportunidade única de vermos que as dificuldades que achamos que temos na vida são muito pequenas diante das muitas necessidades e dos apelos de irmãos com realidades tão diferentes”.
Em Portugal, a Make-A-Wish (satisfazer um desejo) tem por missão conseguir a realização de desejos de crianças e jovens dos 3 aos 17 anos em todo o território nacional, com doenças graves, progressivas, degenerativas e malignas, proporcionando-lhes um momento de força, alegria e esperança. Para uma criança que está gravemente doente, a realização do seu desejo tem o poder de impulsionar a esperança, e a esperança é o valor mais precioso que se lhe pode dar. Todos nós podemos (e devemos) apadrinhar esta nobre causa, ainda que para isso se utilize o consumo para conseguir levar a esperança a quem sofre. Vale a pena apadrinhar este movimento e este tempo de Natal convida a investir na satisfação de uma criança em sofrimento. De uma coisa podemos ter a certeza: de que a prenda é bem aceite, dá uma enorme alegria a quem a recebe e a recompensa de quem dá não é menor.
Neste Natal, que a alegria de dar tenha um retorno maior para quem recebe, mais ainda para quem busque o verdadeiro sentido do Natal de se fazer presente e de ser presente. E nascer com o Menino todos os dias, para a caridade e o amor ao próximo.