O Alfredo estava desempregado há meio ano e vivia somente com o rendimento precário da mulher, muito curto para sustentar uma casa com quatro pessoas, sendo que os dois filhos já estavam em idade escolar com tudo aquilo que isso implicava. Para se poder manter, económica e emocionalmente, só teve uma solução: Regressar para o rés do chão da casa dos seus pais de onde saíra há oito anos, apesar de lhe custar muito. Teve de engolir o orgulho e a arrogância para voltar à casa paterna. E os pais? Nada questionaram, abriram-lhe a porta (e os braços) para lhe darem abrigo. Ganhou outro folgo ao deixar de pagar renda, água e eletricidade, assegurando grande parte das refeições e quem lhe tomasse conta dos filhos.
A industrialização criou uma sociedade migratória que provocou a ruptura das estruturas familiares, afastando os membros, isolando-os do grupo, pondo em risco a solidariedade e coesão familiar. No entanto, as grandes dificuldades por que passam inúmeras pessoas neste terrível vendaval da vida que estamos a atravessar, tem provocado um movimento inverso em busca de abrigo à sombra dos mais velhos, das árvores com raízes mais profundas, onde sabem encontrar proteção mesmo que, às vezes, tenham de fechar velhas feridas, calar revoltas, esquecer azedumes. É o aproximar das famílias na luta pela sobrevivência, unindo-se, uma oportunidade de estreitar laços se, além da necessidade, houver amor.
Para muita gente, a crise veio recolocar a família no seu lugar, como o porto de abrigo para onde voltar nos dias de tempestade. E este retorno a casa, que acontece sempre nas grandes crises, é como que uma reposição da passagem da Bíblia do “regresso do filho pródigo”.
Diz-se que, quando se decompõe uma sociedade, o que se acha como resíduo final não é o indivíduo mas sim a família, o mais admirável de todos os governos. E, apesar das leis que visam a sua destruição, ela resiste porque, na longa jornada da vida, uma família apoiando, orientando e caminhando a nosso lado, é um verdadeiro presente de Deus a ser conservado para a eternidade.
Numa sociedade materialista e consumista como aquela em que vivemos, ela também tem passado por dificuldades pois muitos acham que está ultrapassada e, por isso, é substituível ou até mesmo descartável.
É certo que nem sempre os pais são a boa “cola” a unir os membros do grupo, pelos seus “desvios”, maus exemplos que não ajudam, se bem que a família não precisa de ser sempre perfeita para que nos ame até porque, se não formos capazes de ser felizes com ela, com muita dificuldade o seremos com nós mesmos.
Não devemos esquecer que tudo tem um preço. O desejo da maioria das pessoas é terem uma família de sonho, um bom casamento, uma boa relação com os filhos e isso também tem um. É preciso estar disposto a pagar esse preço, o preço de investir tempo com os seus, abdicar de ter sempre razão, dar-se ao conjugue e aos filhos. A família não nasce pronta, constrói-se pouco a pouco, dia após dia, num laboratório de amor. Entre pais e filhos pode-se aprender a amar, ter respeito, fé, solidariedade, companheirismo e muito mais. Se nos juntarmos mais com a família, mesmo que seja só nas refeições, viveremos momentos inesquecíveis com quem amamos.
Quando se trata de família, somos sempre crianças qualquer que seja a idade, porque precisamos sempre de um lar para lhe chamar lar, o nosso canto para onde podemos regressar em qualquer momento da jornada porque, sem lar e sem as pessoas que mais amamos, não podemos deixar de nos sentirmos sozinhos neste mundo.
Podemos até querer afirmar a nossa independência, regra geral mais fruto de frustrações do que de desejo porque, como animal social que somos, temos necessidade desse lugar de acolhimento.
O sucesso da geração de amanhã está no resgate dos valores de família de hoje, como pilar social, lugar de formação da nossa identidade. E se esses valores não forem preservados e postos em prática, não se perde só a família mas também a sociedade.
Tenho o necessário para viver, não tendo pouco nem muito. E, não tendo uma família perfeita, tenho uma família que me ama e que eu amo e, como a felicidade não está no ser feliz todos os dias e nem em precisar de estar a sorrir todos os dias, sou feliz porque me contento com o que tenho.
O amor de família é uma coisa quase inexplicável pois nem como pai consigo dizer aos meus filhos o quanto os amo e nem meus filhos me conseguem dizê-lo, mas tão somente, o demonstramos.
Nos encontros e reencontros há um momento especial que nos faz viajar de carro, apanhar o comboio ou o avião e fazer milhares de quilómetros, para regressar a casa, ao encontro das raízes, ao seio da família. Esse momento está aí e esperamos sempre que ele seja o reencontro com os nossos, pais, filhos, avós e netos, todos ao redor de uma mesa mais ou menos engalanada para a Ceia de Natal, numa celebração do nascimento de Jesus mas também numa celebração da família. É como se respondesse presente ao chamamento da voz da consciência ou do desejo da criança inocente que há no fundo de cada um de nós.
Neste Natal em especial, saibamos renovar a solidariedade familiar, unir forças mesmo na fraqueza, estreitar laços e fazer sentir aos que vieram de mais ou menos longe como são bem vindos a casa porque, o melhor da viagem, é sempre o regresso a casa.
E nunca nos esqueçamos que, melhor que todos os presentes debaixo da árvore de Natal, é a felicidade pela presença da nossa família.