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Sejamos dignos de ser seus donos …

No meu escritório há sempre um animal de estimação acolhido pela Teresa a passear-se entre a mobília e as tralhas ou a dormir no ninho. Desta feita é um gato, o “Mia”, que se rebola no chão quando alguém entra, talvez a querer conquistar-lhe o coração para o adotar e salta para o meu colo mal me sento na cadeira. Hoje quando brincava com ele, esticou a pata e as unhas riscaram-me ligeiramente a cara. Será que devia levar umas sapatadas ou duas vassouradas para aprender? Ou merecia mais? Refiro-me a mim, que o provoquei e ele reagiu … Cães e gatos foram retirados da natureza e tornaram-se totalmente dependentes dos humanos. Compramos alimentos e medicamentos, tratamos-lhes da saúde e higiene, decidimos qual os momentos de brincar ou passear e todas as regras da casa. Por isso, temos de ter a consciência que conviver com um animal de estimação custa caro e dá trabalho. Uns e outros precisam de rações especiais, objetos para brincar, distrair-se e descansar, consultas veterinárias regulares e os banhos necessários. Não têm de ser tratados como filhos, mas como companhias de casa e da vida. Exigem ter disponibilidade, atenção e afeto, ao partilharem a vida com os homens. Não são objetos, ocupam muito espaço e dão trabalho. E são seres vivos que têm direito à vida, à integridade física e a ser bem tratados pelo seu dono, sendo que a lei até já prevê pena de prisão ou multa para quem não o faça. Infelizmente, ainda há muitas pessoas que lhes atribuem o estatuto de “coisas” e acham-se com o direito de os maltratar, abandonar ou matar como se não estivessem a praticar um crime. Mas estão …

A Teresa adotou há anos uma cadelinha e ainda hoje, sempre que vê uma vassoura por perto foge e esconde-se num qualquer recanto. Porquê? Porque os seus primeiros donos a adotaram por impulso era ela ainda bebé. Sempre que saíam do apartamento para as suas vidas, prendiam-na numa pequena arrecadação onde ficava horas e horas seguidas, fechada e só. Como seria natural, quando os donos do cão chegavam a casa encontravam a arrecadação suja com urina e dejetos já que o pequeno animal não tinha como não o fazer ali. Para despejar a sua raiva, aquela gente batia no pequenino animal com a vassoura. Ao adotá-la, a Teresa acabaria por a libertar desse inferno, embora ainda mantenha o trauma da vassoura pelo seu significado, apesar de ser acarinhada pelos novos donos que lhe deram uma vida “digna de cão”, tendo ela retribuído em companhia, fidelidade e amor. 

Eu pensava que já tinha visto de tudo, tanto para o bem como para o mal, mas estava muito enganado. E de que maneira. Se o ser humano é capaz de realizar grandes ações que nos sensibilizam e comovem, não deixa também de cometer maldades que julgava impensáveis no século XXI, reveladoras de mentes maquiavélicas, sádicas e doentias. Pensando bem, nós não conhecemos realmente as pessoas, porque o ser humano é o mais imprevisível dos animais. Mahatma Gandhi dizia que “a grandeza de um país e o seu progresso podem ser medidos pela maneira como trata os seus animais”. E, se olharmos como uma boa parte da nossa sociedade os trata, temos montes de razões para não acreditar na bondade humana … 

Aquela família já conhecia de vista o cachorro traçado de Labrador, com 4 a 5 meses que andava a deambular perto de casa. Porém, o animal era esquivo e só quando ficou sem forças o filho conseguiu aproximar-se e agarrá-lo. Puderam então ver a violência do que lhe haviam feito. Ao pegá-lo no colo ele gania de dor e sofrimento porque o pobre coitado estava esquelético, cravejado de pulgas e carraças e sem forças. O mais grave viram-no já no veterinário, ao observarem a brutalidade dos danos provocados por uma “besta humana” qualquer que torturara o cão indefeso de forma inimaginável. 

Num requinte de malvadez, começou por fazer do corpo do cachorro um cinzeiro onde apagou dúzas de vezes o cigarro deixando-o coberto de queimaduras, num ritual que ultrapassa todos os limites do racional. Esse monstro permitiu-se fazer-lhe uma fiada de queimaduras do alto da cabeça até à ponta do focinho, numa tatuagem gravada a fogo que não lembraria ao diabo, para além das muitas outras espalhadas em todo o corpo. E, ainda não satisfeito com tudo isso, regou o animal com um líquido inflamável, talvez gasolina, e chegou-lhe fogo, abandonando-o para ser consumido pelas chamas de um crime abominável. Por sorte, o fogo só lhe queimou parte das costas até ao rabo. Até custava ver e acreditar que alguém que se diz um ser humano descesse a um nível moral tão baixo. Só uma mente amoral, isto é, sem qualquer sinal de moralidade, seria capaz de um ato tão bárbaro. E para uma “besta” destas sentir minimamente a extensão do sofrimento que o seu ato causou ao cão, só podia haver uma pena: receber como “pagamento” em dobro tudo o que fez àquele animal inocente …

A família que resgatou o animal assegurou-lhe cuidados sanitários e acolheu-o em casa para uma recuperação de 6 meses, embora o cão nunca se tenha conseguido livrar dos traumas da maldade humana. Sendo a intenção cuidar dele até estar em condições de ser adotado, após a recuperação não foram capazes de o deixar ir e adotaram-no, pois Gipsy (o nome que lhe deram) conquistou o coração dos seus salvadores e integrou aquela família a quem retribui em dedicação e fidelidade, apesar de não ter voltado a ir à rua nem sequer sair do portão da casa, que passou a ser o seu refúgio e porto de abrigo. 

Está provado que os animais sentem medo, dor, sofrimento, emoções positivas, prazer e até vergonha, além de outros sentimentos. Não são coisas e, tal como nós, querem viver bem. São dotados de consciência e inteligência e capazes de vivenciar experiências que, até há pouco tempo, eram consideradas exclusivas dos seres humanos. Mais ainda, por força da lei, finalmente, já têm direitos e estão protegidos (se a lei não for daquelas que é só para encaixilhar). Mas sozinhos não podem fazer valer os seus direitos e interesses, cabendo assim aos humanos encontrar respostas às muitas questões que surgem quanto aos seus direitos e o mesmo é dizer, a cada um de nós assumir a sua defesa. Só assim poderemos continuar a evoluir como sociedade no respeito uns pelos outros, inclusive pelos nossos animais de estimação.         Ou então, não seremos dignos de ser seus donos … 

Ao encontro do verdadeiro espírito de Natal …

Máscaras, vacinas, confinamentos, distanciamento social, isolamento e perda de pessoas que amamos fazem deste 2021 um segundo ano difícil e desafiador para todos nós, adultos e crianças. Chegados aqui já perto do final de ano e num momento tão especial, seremos nós capazes de recuperar e manter o espírito de Natal, as suas tradições e nossas memórias do reencontro familiar, da alegria do convívio com os entes queridos, numa partilha de sentimentos e emoções? Cabe a todos e cada um de nós fazer tudo, mas mesmo tudo, para preservar aquela que é, provavelmente, a data mais universal da humanidade e, muito especialmente, do mundo ocidental. 

Natal é tempo de dar primazia à família sobre o trabalho, da partilha sobre o egoísmo, do amor sobre o ódio. É altura de dar expressão a valores como a gratidão, bondade, amizade e amor. É a oportunidade de agradecer tudo o que temos em vez de reclamar pelo que nos falta. Fazer sentir “ao outro” que nos importamos com “ele”. E, quem sabe, se vamos ter neste Natal mais motivos para comemorar e agradecer por estar com aqueles que realmente fazem parte da nossa vida. 

Charles Dickens escreveu que “o Natal é um tempo de benevolência, perdão, generosidade e alegria. A única época no calendário do ano, em que homens e mulheres parecem abrir livremente os corações de comum acordo”.

Há uma realidade que não podemos ignorar nestes nossos dias, fruto de um marketing e publicidade arrasadores: o Natal está demasiado capturado pelo materialismo e consumismo desenfreados capazes de fazer esquecer a muita gente a verdadeira mensagem e significado do Natal. Desde bem cedo as crianças aprendem a conhecer o velho de barbas brancas e fatiota vermelha e a árvore enfeitada de luzinhas e bonecos aos quais associam a visão de prendas, sejam brinquedos ou outras atrações infantis, além da “ideia” de Natal. E crescem, passam a adolescência e tornam-se adultos quase sem que os pais (católicos) lhes ensinem quem é o verdadeiro protagonista do Natal e qual o seu significado, hoje relegado para plano secundário pelos “produtos de marketing” que o mercado criou e vende em grande, à boleia de um “Menino nas palhas deitado” feito mensagem de amor. É certo que há Natal no palácio entre fogo de artifício, vestidos de seda e de prendas caras, nem sempre bem apreciadas. É Natal na casinha mais modesta, onde a mãe coloca em cada meia uma pequena lembrança. É Natal na avenida com o comércio a abarrotar de gente, tal como nos caminhos rurais enlameados. Mas o mais querido e verdadeiro está em cada um de nós, na consideração e bondade, na esperança renascida de novo para a paz e entendimento entre os homens e as nações, no calor que envolve o coração das pessoas, na generosidade de partilhá-la com os outros e a vontade de seguir em frente. E, sobretudo, no que somos capazes de fazer por alguém, mesmo que da forma mais simples.

Eu gosto muito da história real de Jack Canfield por ser um excelente exemplo de como encontrar o espírito natalício, naquilo a que chama com propriedade “o envelope na árvore”.

“É somente um pequeno envelope branco pendurado na árvore de Natal, sem nome, sem identificação, sem dizeres. Esconde-se entre os galhos da árvore há cerca de dez anos e tudo começou porque o seu marido Mike odiava o Natal, não o verdadeiro sentido de Natal, mas a mercantilização da data: gastos excessivos, compra de inutilidades, a corrida frenética de última hora para comprar uma gravata para o tio Harry, o talco da avó, os presentes dados com ansiedade desesperada por não terem pensado em nada melhor. Sabendo como ele detestava esse consumismo inútil, um ano pôs de lado as tradicionais camisas, casacos, gravatas e coisas do gênero e procurou algo especial só para o Mike. A inspiração veio de forma invulgar. O filho Kevin, de 12 anos, fazia parte da equipa de luta livre da sua escola. Pouco antes do Natal, houve um torneio contra uma equipa patrocinada por uma igreja da zona pobre da cidade, a sua maioria formada por negros que usavam tênis muito velhos em contraste com os tênis especiais e uniformes azuis novinhos em folha da equipa do filho. Quando o jogo começou, Jack ficou preocupada ao ver que os miúdos da outra equipa estavam a lutar sem o capacete de segurança para proteção dos ouvidos, um luxo a que os “pés-descalços” não se podiam dar. No final, a equipa da escola de Kevin ganhou em todas as categorias, apesar do empenho demonstrado pelos derrotados. Mike ficou triste por eles não terem vencido pelo menos uma vez para manterem o ânimo e manifestou à mulher a sua preocupação pela desilusão das crianças, pois tinha sido técnico de muitas delas. Foi aí que Jack teve a ideia para o presente dele. Nessa tarde foi a uma loja de artigos desportivos e comprou capacetes de proteção e tênis especiais que enviou, sem se identificar, à igreja que patrocinava a equipa adversária e, na véspera de Natal, colocou um envelope na árvore com um bilhete dentro, contando a Mike o que tinha feito e que esse era o seu presente para ele. Quando leu a mensagem de Jack, o rosto de Mike iluminou-se com o mais belo sorriso pela generosidade da sua mulher, enquanto as lágrimas saíam sorrateiramente dos olhos. Nos anos seguintes, a cada Natal Jack fez da dádiva uma tradição como prenda natalícia do marido: comprou bilhetes para o jogo de futebol que enviou a um grupo de jovens com problemas mentais; noutra vez enviou um cheque para dois irmãos que tinham perdido a casa num incêndio na semana antes do Natal; e em outros anos ajudou mais pessoas que precisavam. O tal envelope passou a ser o momento alto do Natal daquela família. Era sempre o último presente a ser aberto na manhã do dia de Natal. Os filhos já deixavam de lado os seus brinquedos e esperam ansiosamente que o pai tirasse o envelope da árvore e revelasse o que havia dentro. As crianças foram crescendo, os brinquedos foram sendo substituídos por presentes para a sua idade, mas o envelope nunca perdeu o seu encanto. Porém, um dia o pai Mike perdeu a luta contra um cancro, deixando Jack e os três filhos de repente. Quando chegou o Natal ela ainda fazia o luto e mal conseguiu montar a árvore. Mas, na véspera de Natal, não deixou de colocar o tradicional envelope na árvore. Qual não foi a sua surpresa quando ao outro dia encontrou mais três envelopes pendurados na árvore. Cada um dos filhos, sem os outros saber, tinha colocado um envelope na árvore com a sua prenda para o pai que, estando longe, estava sempre presente” … Como ela disse, “vamos todos lembrar Jesus, que é o motivo desta comemoração e o verdadeiro espírito de Natal, este ano e sempre” …

Entre ser rico ou feliz, o que escolhia?

O desejo principal da maioria das pessoas é ser rico e famoso. É por isso que passamos a maior parte do nosso tempo útil a trabalhar, se bem que o tenhamos de fazer para sobreviver. No entanto, deixamos que nos impinjam montes de bens sem os quais viveríamos melhor, porque não nos damos ao trabalho de parar para ver e reconhecer que não passam de inutilidades e que nos obrigam a trabalhar mais para as comprar. E sonhamos ser muito ricos e ter muito dinheiro para comprar e comprar coisas de que tantas vezes nem usufruímos e que acabam por ficar encostadas, pois a “felicidade estará sempre naquilo que ainda não temos”. Quantos da minha geração e seguinte se iludiram ao construir casas enormes com todas as modernices da moda e que hoje se confessam arrependidos ao verem-se sozinhos num casarão porque os filhos se foram, sem conforto, de manutenção cara e insustentável para a qual têm de consumir “tempo de vida”, já que dinheiro é “tempo de vida a trabalhar”. Todos dizem o mesmo: “Foi uma estupidez”. No entanto continuamos a educar os filhos para “serem ricos, em vez de os educar para serem felizes”.  

Costumo dizer que “não nascemos para trabalhar, mas sim para viver e, sobretudo, para ser felizes”. O trabalho é só uma necessidade, mas não pode ser o objetivo. No entanto, confundimos demasiadas vezes trabalhar com viver. Será que vivemos em pleno? E seremos felizes? Não me parece ser essa a regra, porque viver é um dom dos que, além de respirar, sabem aproveitar a vida. E não são a maioria …

Hoje encontrei um amigo de longa data, um pouco mais velho do que eu a quem a doença roubou a companheira. Toda a vida foi homem de trabalho e construiu a situação económica que lhe permite viver o resto dos seus dias sem grandes preocupações. Mas manifestou-me a mágoa de se ver abandonado pelos filhos de quem não recebe visitas nem afeto. E um grande arrependimento por ter passado a vida quase só a trabalhar, sem férias, sem lazer e sem chegar a viver de verdade. “Se pudesse voltar atrás teria feito tudo de forma diferente porque o dinheiro, afinal, não é tudo. Vivi a vida pela metade”, concluiu ele. O meu amigo “Joaquim” acordou muito tarde. Quando agora quer gozar “a viagem”, merecidamente, já não tem saúde nem companhia …

Lembro-me muitas vezes do “Canica”, já ele homem quando eu ainda era criança e com quem me cruzava muitas vezes. Só lhe conhecia o apelido e, pelo que me diziam, era pobre e com vários filhos quando ser pobre queria dizer isso mesmo. Sempre o vi alegre, entusiasmado e com ar de quem vende felicidade, ainda que a vida não lhe deva ter dado razões para a ter. Mas tinha. Deixou uma lição que Ana M. Braga traduziu em poucas palavras: “Não espere ter tudo para aproveitar a vida, se você já tem a vida para aproveitar tudo”. Até porque “o maior sucesso na vida é ser feliz”. Aliás, é um direito que todos temos.

Há dias num concurso televisivo, uma mulher de 30 anos apresentou-se para cantar e mostrar o seu talento. Muito magra, mas com olhos brilhantes e um enorme sorriso, quando lhe perguntaram o que fazia na vida, respondeu que há três anos vivia a combater um cancro que já se estendera a vários órgãos do corpo. A seguir cantou e encantou a todos com uma música da sua autoria alusiva à sua história de vida que fez levantar o público e o júri. Depois dos comentários de quatro jurados soube-se que ela já só tinha 2% de probabilidades de viver: “2% é melhor que 0%” argumentou, com um sorriso convicto de que esses 2% valiam muito. Quando lhe perguntaram pela razão de estar ali, disse: “Não podemos esperar que a vida deixe de ser difícil para decidirmos ser felizes”. As suas palavras calaram o público, deixaram os jurados sem palavras e são uma lição para todos nós que fazemos da pequena chatice um grande problema capaz de nos impedir de gozar a vida …

Charles Chaplin dizia que “não existe coisa melhor no mundo do que viver, curtir e gozar a vida, que passa rápido e daqui não levaremos nada, a não ser toda a experiência e as amizades”. Receio que não nos sirva de nada a “experiência” quando formos “embora”. Mas já aceito que devemos gozar a vida enquanto estamos vivos, pois vamos estar mortos durante demasiado tempo. Porque, “que adianta estar vivo, se ficarmos em casa fingindo que estamos mortos”?

O espanhol Júlio Iglésias tinha quase tudo para fazer uma carreira de sucesso como jogador de futebol, pois sempre teve aptidões especiais para o desporto, tendo chegado a jogar durante cerca de cinco anos no Real de Madrid na posição de guarda-redes. No entanto terminou de forma abrupta a carreira futebolística quando sofreu um acidente terrível de viação ao conduzir com excesso de álcool, devido a lesões graves nas pernas e braços, das quais nunca recuperou totalmente, apesar de ter escapado às previsões mais pessimistas que o davam como tetraplégico. Mas, como “quando se fecha uma porta Deus abre uma janela” e assim “uma tragédia pode ser transformada numa boa oportunidade”, durante o longo período de convalescença começou a escrever poemas românticos. A enfermeira que o tratava achou-os tão bons que acabou por lhe arranjar uma viola para ele os musicar, dando início a uma carreira de cantor e compositor excecional que o levou a ter mais de 250 milhões de discos vendidos, 2.600 discos de ouro e platina e com milhares de espetáculos por todo o mundo, além de lhe terem sido atribuídos numerosos prémios, tornando-se o mais bem-sucedido cantor sul-americano de sempre.

A partir de certa altura da sua vida Júlio Iglésias passou a valorizar e desfrutar mais da sua vida pessoal e familiar, o que se veio a refletir nalguns temas dos seus discos, com mensagens diretas no sentido de que a vida deve viver-se em pleno, porque não basta andar por cá, ser mais ou menos famoso, acumular mais ou menos dinheiro, sendo que o mais importante é gozar a vida. Transcrevo a letra de uma das suas canções traduzida para português, pela mensagem que nos dirige:

“Deixa que te conte um pouco/ pois sei que vais gostar.

Eu já nasci tantas vezes/que não quero morrer mais.

Eu salvei-me em tantas guerras/estou cansado de chorar

E agora que estou de volta/quero viver mais.

Uns, nascem com tudo/e outros, quase sem nada,

Mas todos trazemos um bilhete, que diz/princípio e final, cavalheiro.

Cavalheiro, há que gozar a vida/que depressa o tempo se vai,

Desfruta do que tens/que quando te fores não levas nada, cavalheiro.

Há amigos para sempre/outros vêm e vão.

Mas todos vivemos numa roleta/que não para mais, cavalheiro.

Caminha p’ra diante/e não tenhas medo,

Que os que criticam/criticam-se a eles.

Busca a tua sorte/pois nada está escrito/e não olhes para trás.

Cavalheiro, goza-te da vida/cavalheiro, e não penses mais.

E vive o que podes/cavalheiro goza/vive até ao final.

Cavalheiro, há que gozar a vida/que depressa o tempo se vai,

Desfruta do que tens/que quando te fores não levas nada, cavalheiro”.

Neste mundo louco de correrias é caso para perguntar se cada um de nós alguma vez parou para pensar e fazer uma escolha. E, afinal, qual seria a sua opção se pudesse escolher entre ser rico ou ser feliz?

Quem não chora, não mama …

Diz a experiência que chorar é a primeira manifestação de qualquer ser humano quando vem a este mundo. Provavelmente isso acontece porque, depois de terem vivido durante meses num “meio protegido” onde nada lhes falta, ao “darem de caras” com a realidade do local onde vieram parar, choram e berram como querendo dizer “deixem-me voltar lá para dentro” … Se a maioria soubesse antecipadamente ao que vem, recusava-se a nascer, “fincava” os pés nos bordos antes da saída só para continuar a viver no “bem bom” … É por isso que há os defensores da teoria que devemos chorar quando a pessoa nasce e não quando morre porque, mau, mau, é andar aqui neste mundo. Já William Shakespeare dizia: “choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes” … 

Desde bem cedo o choro faz parte da nossa condição humana e serve para revelar sentimentos distintos como alegria e tristeza, emoção e raiva, riso e medo, depressão e saudade, aflição ou … que estamos a cortar uma cebola crua. Também é um meio muito usado como forma de chantagem, de atingir determinados objetivos simulando falsos sentimentos, algo em que se tornaram especialistas as crianças e … as mulheres, embora alguns homens também o usem esporadicamente, mas com interesses bem diferentes daquelas!!!

Chorar não é só a primeira forma de manifestarmos uma emoção, mas também a mais elementar. Enquanto crianças, choramos por alguma dor física, por falta de segurança ou para chamar a atenção. Daí o choro quando se está com fome, em sofrimento ou sozinho. E, sendo a primeira forma de expressão, a criança quando está com fome chora, percebendo depressa e por instinto que “se não chorar, não mama”. Nada de anormal, pois acontece com todos os mamíferos. E isso só passa a ser um problema quando essa atitude se prolonga ao longo da vida toda. Aí, algo está errado. Não deixa de ser curiosa a forma como os bebés aprendem rapidamente a fazer do choro uma arma terrível que disparam de forma infalível contra os progenitores nos momentos críticos. Quando a mãe está a meio do cozinhado que não pode largar, com o pé na porta para ir à rua ou a abrir a torneira do duche, o bebé solta bem lá do fundo aquele choro estridente que andou a ensaiar durante nove meses na barriga da progenitora, em registo esganiçado que a faz largar tudo e correr para a criança como se ela estivesse a morrer. A verdade é que, com essa arma que nada tem de secreta, conseguem (quase) sempre o que querem e criam o hábito de a usar à medida que vão crescendo, com exigências tolas e imperiosas de que não abdicam, transformando-se bem cedo nuns pequenos ditadores impossíveis de calar, contrariar e pôr na ordem. E os paizinhos rendem-se incondicionalmente, passando de chefes da manada a súbditos apeados do poder …  

Fui educado numa sociedade em que se dizia às crianças do meu sexo que “um homem não chora” e mais ainda, “chorar é para as meninas”. Por isso, os homens continham as lágrimas nos momentos de estado emocional alterado como no medo, na tristeza, na raiva, na saudade, na alegria intensa ou na depressão, naquelas ocasiões em que as emoções fazem com que as lágrimas escapem dos olhos sem pedir autorização. Houve uma época em que entre as classes abastadas o choro passou a ser contido e efetuado em áreas restritas à intimidade de cada um. Criou-se o hábito de não verter lágrimas publicamente. Foi por essa razão que apareceram as “carpideiras”, as choradeiras profissionais substitutas dos fidalgos para quem não era de bom tom chorar em público, mesmo que fosse no enterro de um filho. 

Nos dias de hoje ainda são as mulheres e as crianças quem chora com mais frequência, as primeiras por emoção quando não por estratégia e as outras para revindicar o que precisam ou desejam. No entanto, já é comum ver homens a deixarem correr as lágrimas livremente sem as conter, ao contrário dos meus tempos de infância. E à medida que envelhecemos ficamos mais sensíveis a histórias de vida ou imagens e, quando damos por isso, as lágrimas correm-nos no rosto. Por isso, já acho normal sentir os olhos húmidos diante de alguma coisa que vejo, ouço, me sensibiliza e emociona. Até a ler tenho sido obrigado a parar com os olhos marejados de lágrimas como uma “madalena”. Dizem que as lágrimas aliviam a alma e um bom choro vale mais que doses de tranquilizantes. Não quer isto dizer que desatemos a chorar a torto e a direito sempre que tivermos um problema ou preocupação pois, se fosse assim, havia de ser lindo …

O provérbio “quem não chora não mama” faz todo o sentido para as crianças, porque é a forma de chamarem a atenção da família de que querem mamar para se alimentar. Continua a fazer sentido com os jovens adolescentes, se bem que em muitos casos já nem precisam de “chorar” para “mamar” um smartphone, computador ou quando não um automóvel para ir “trabalhar”. É especialmente importante para quem trabalha por conta dum patrão pois se não “chorar” da forma adequada para ser ouvido por quem de direito, muitas vezes não vê o seu mérito reconhecido e assim “mamar” mais um pouco no fim do mês. Como o é na prática para os compradores se não “marralharem” os preços; municípios se não “chorarem” junto do governo central tal como juntas de freguesia perante os municípios; os sindicatos se não reivindicarem melhores salários e regalias para os seus filiados; além de muitas outras instituições que não chegam a “mamar” se ficarem caladas perante quem tem a obrigação de as apoiar

Todos eles têm necessidade de “chorar” para serem ouvidos por quem governa seja lá qual for o nível, de maneira a poder “mamar” a sua parte, quando não uma parte maior do bolo que há para distribuir. O problema para todos eles, desde as crianças aos municípios, das pessoas às regiões, é se aqueles que querem sensibilizar com o seu choro “fazem ouvidos de mercador” por não pertencerem à mesma “família” seja ela qual for vendo assim o seu “choro cair em saco roto”. E, se é esse o caso, não valerá a pena insistir porque, por muito que eles choraminguem, chorem ou se desfaçam em lágrimas, baba e ranho, vão ter de ficar a “chuchar no dedo” ainda que façam birra, enquanto veem os outros “mamar” à grande …