Há anos comprei um automóvel em Espanha e, para o legalizar, tive de ir aos serviços aduaneiros perto do aeroporto, numa sexta feira à tarde. Quando perguntei a um funcionário onde poderia tratar desse processo, informou-me que voltasse às nove horas de segunda feira e fosse a um guichet que me indicou. E eu voltei na segunda-feira e, às nove, já esperava que abrisse o tal “buraco”. Mas, nada. Nove e meia e continuava fechado. Quando vi um homem perto, perguntei-lhe se o postigo não abria. Ao saber para quê, respondeu: “Ah, uma guia de circulação? Vá àquele balcão”, apontando para o extremo da sala. E lá fui eu ao balcão onde me atendeu um indivíduo com cara de poucos amigos. Expliquei-lhe o que pretendia e tive logo a resposta: “Ah, uma guia de circulação!!! Tem de comprar o impresso naquele guichet”. E apontou-o. E lá fui eu parar onde não estava ninguém e esperei até aparecer uma senhora que ainda vinha a comer. “Ah, quer uma guia de circulação? Preciso dos seus dados”. E sentou-se ao computador. Enquanto escrevia, foi-me perguntando o nome, morada, bilhete de identidade, contribuinte e muitas outras coisas. Esteve tanto tempo agarrada ao teclado que até fiquei com medo de não ter dinheiro que chegasse para pagar impresso tão “importante”. Por isso, fui verificar quanto tinha na carteira pois, “pela aragem”, imaginei que fosse caro. Quando ela parou de escrever, ordenou-me: “Vá pagar àquele guichet e traga-me a guia de pagamento”, enquanto apontava para o seu lado direito. Lá fui, à espera que me saísse uma “conta calada”. Esperava-me um funcionário já entrado na idade que, muito educadamente, me informou: “São vinte cêntimos”. “Vinte cêntimos” perguntei muito chocado? “Não era mais económico ao Estado colocarem impressos em cima do balcão, de graça”? ”Não podemos fazer isso. Têm que ser vendidos. São as normas”, respondeu conformado com o sistema. E, de impresso na mão, tive de fazer novamente a rota das “capelinhas”, em sentido contrário …
Estes são os caminhos da burocracia estatal com que me deparei (quase) sempre ao longo da vida, quer a nível central, regional ou local, que complicaram tudo aquilo que deveria ser simples, fazendo (quase) sempre das instituições públicas um empecilho, quando deveriam ser uma ajuda. Não se pode negar que ao longo dos anos houve alguma evolução – e mau seria se a não houvesse com todas as novas tecnologias ao seu serviço. Mas a verdade é que, mesmo com o “Simplex”, a nossa vida ficou mais “Complex”. Cada dia há mais e mais exigências, novas exigências, os processos são mais volumosos, agora “alegadamente” por se tratarem de normas impostas pela UE (leia-se, Um Empecilho). Para tudo são precisas documentações, informações, autorizações, inspeções, certificações e muitos outros “ões”, cada vez mais caros, cada vez mais demorados, que fazem da vida um suplício. E nem adianta ter os “ões” no sítio ,..
Na época em que se fala tanto de descentralização, nunca vi na minha vida um estado tão centralista. De tal forma que, recentemente, tive de submeter um processo a uma entidade estatal no Porto. Apesar de terem técnicos qualificados, o processo foi enviado a Lisboa. Depois de registado, para minha surpresa, foi remetido para informação aos técnicos do … Porto. Quando estes o informaram, o processo voltou a viajar até à capital, provavelmente porque se esqueceram “de lhe dar uma volta pela cidade”. E então, quando começou a estorvar em cima de alguma secretária, “fizeram o favor” de o remeter ao Porto, para a resposta vir a ser entregue ao interessado. Só foram nove meses de espera, o tempo habitual para uma gestação normal. E no que deu o “parto”? Uma informação igualzinha a … zero. Nove meses de tempo perdido nos longos caminhos de um estado enrolado em burocracia e de que nenhum partido, governo ou entidade se consegue livrar, para mal dos nossos pecados.
Parece-me que, esta gente que nos tem governado, nem sequer tem a perceção dos enormes prejuízos que causa às pessoas, às empresas, à economia deste país e a quem precisa de trabalhar. Ou, se calhar, tem. Mas, como diz o ditado, “pimenta no c. dos outros é refresco…”. Por isso, estão-se borrifando.
Quando me dizem que um processo meu tem de ir para uma entidade no Porto ou, especialmente, para Lisboa, vem-me sempre à memória a minha infância. Nessa época distante em que as comunicações e os transportes eram escassos e demorados, quando alguém dizia que ia a Espanha, toda a família se despedia dele porque não se sabia ao fim de quanto tempo se voltaria a vê-lo. E é isso que imagino quando um processo tem de ir a uma entidade no Porto. Mas, quando alguém ia para o Brasil, como o Zé da tia Quina, não era só a família, mas toda a aldeia a despedir-se dele, num “adeus até sempre” (verdade seja dita, nunca mais o vi), como se fosse a enterrar. Ora, é algo semelhante ao que acontece quando um processo tem de ir para Lisboa, essa Lisboa que para estas coisas parece estar mais distante do que o Brasil, esse Brasil para onde o Zé da tia Quina foi e nunca mais o vi. E então, se resolvem enviar o processo de uma entidade para outra e dessa para outra e assim sucessivamente, num carrocel sem fim onde ninguém decide coisa nenhuma, é perder a esperança de conseguir que algum dia lhe deem despacho. Fico com a sensação que é uma chatice muito grande o ter de assumir a responsabilidade de tomar uma decisão.
Conta-se numa velha história militar que dois coronéis tinham o seu gabinete voltado um para o outro, apesar de estarem em edifícios separados e, como os gabinetes eram envidraçados, de um via-se o que se passava no outro. Um dos coronéis tinha a secretária coberta com rimas e rimas de processos, que se amontoavam também nas estantes à volta do gabinete. Pelo contrário, outro coronel tinha o seu gabinete sempre arrumado e livre de processos pois, em poucos minutos, despachava-os todos, independentemente da quantidade. Como não se conheciam pessoalmente, aquele que tinha o gabinete atulhado de papelada andava intrigado como é que o outro resolvia tudo tão depressa. Um dia ocorreu uma reunião militar no quartel e os dois coronéis acabaram por se conhecer. Então, o primeiro coronel aproveitou para perguntar ao seu camarada de armas como é que ele fazia para aviar a papelada e ter a secretária limpa e tempo para ler o jornal e sair antes da hora, enquanto ele fazia horas extraordinárias e nem assim se via livre dos processos. O outro coronel respondeu-lhe: “É simples. Em todos os processos que me chegam, eu despacho logo “ao cuidado do coronel Silva”. “Ah, agora percebo qual a razão porque me estão sempre a chegar montes de processos. É que, o coronel Silva, sou eu” …
Os governantes pedem aos portugueses aumento da produtividade para ajudar o país a sair da crise. Mas, um dos maiores empecilhos para se atingir a produtividade desejável é o próprio estado, apesar do anúncio de todas as reformas da administração pública de que já ouvimos falar há décadas e que nos trouxeram até aqui. Se o estado não é capaz de simplificar os procedimentos e ser uma ajuda para atingir tal objetivo em vez der ser um obstáculo, dá-me ganas de me tornar anarquista e pedir para nos libertarem desse fardo que é o controle estatal e assim acabar com as “burro…cracias”. Que saia do caminho e “nos deixe trabalhar”. Porque, na sua sabedoria, o povo diz que “não há nada mais prejudicial a quem trabalha do que aqueles que nada fazem” …