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Que seria de nós sem solidariedade?

A vida passa tão depressa que, se demorarmos um pouco mais a pensar no dia de hoje, quando mal nos acordarmos já estamos a recordar o dia de ontem sem que tenha sobrado grande tempo para pensar no amanhã. Uma vida representa um momento muito breve, mas mesmo assim podemos fazer a diferença na vida de outros que vivem connosco neste mundo e que tantas vezes precisam de nós.

Por vezes, uma só palavra faz toda a diferença. E é aqui que entra a palavra “solidariedade”, com um enorme significado, embora cada um de nós o faça à sua maneira. Uma palavra tantas vezes esquecida num mundo impessoal, de egoísmo, ganância e individualismo, mas que faz tanta mais falta quanto mais é ignorada. Constata-se que os seres humanos são muito solidários e altruístas nas desgraças. No entanto, em estados de graça são sempre egoístas e exclusivistas. Em suma, até parece que precisamos de tragédias para nos dispormos a ser solidários. Felizmente, ainda há muita gente que a tem guardada no coração e vive para ela.

Como explicar o que é a solidariedade? Há muitas formas de o fazer, mas solidariedade significa identificar-se com o sofrimento do outro e, principalmente, dispor-se a ajudar a solucionar ou amenizar o seu problema. É ter interesse pelo próximo, é ajudá-lo a não se perder, a não ser enganado, a não ter a saúde e vida em risco. É oferecer ajuda a alguém que conhecemos ou não e que passa fome, sofre violência, discriminação, preconceito e qualquer outro tipo de diferença social.

A solidariedade é uma qualidade imprescindível para vivermos em sociedade e para tornar o mundo melhor. Quantas vezes pessoas que conhecemos passam por necessidades? Ajudá-las, é ser solidário. Mas se essas pessoas nos são desconhecidas, ajudá-las será um ato ainda maior. 

Ser solidário não é só dar bens materiais. Há muitas formas de o fazer. Umas vezes, por palavras, outras na presença silenciosa, pois há ocasiões em que a maior necessidade é de “colo”, para ser ouvido e desabafar. 

O sentido mais básico da solidariedade pressupõe que seja exercida sem discriminação de sexo, raça, religião ou outra e deverá ser feita no anonimato, sem alardear aos ventos o que se fez, sem que uma mão saiba o que a outra deu. Mas o termo tem sido desprestigiado pelo abuso do discurso político e do “marketing” solidário. É que a verdadeira solidariedade é “dar sem receber nada em troca e sem que se saiba”. É ser desinteressado, fazendo-o por convicção, justiça e igualdade.  É indispensável a reanimação da solidariedade social como virtude e denunciar o seu uso como instrumento político, usado e abusado à exaustão para colher dividendos pessoais e partidários. E há que desconfiar do entendimento da “solidariedade social” como coação sobre o dinheiro alheio, num saque brutal aos contribuintes porque, “é fácil ser solidário … se os outros estão sendo forçados a pagar os custos”. 

A solidariedade é a forma de tornar a vida das pessoas um pouco melhor e mais digna, daí que a solidariedade humana assenta no respeito pela dignidade individual. Pensamos sempre “quem somos nós para mudar o mundo”? A verdade é que o mundo só pode ser mudado por nós, por cada um de nós, em conjunto, pois podemos formar uma força capaz de provocar a mudança. 

A solidariedade é mais que um conceito a merecer atenção de todos. É algo a pôr em prática no dia a dia e que deve fazer parte do nosso crescimento pessoal, ao apoiar a construção de uma sociedade mais inclusiva, a auxiliar pessoas vulneráveis e a dar resposta a desafios sociais. Não se pede para salvar o mundo, mas todos temos um papel importante na comunidade e adotar hábitos e comportamentos mais solidários é uma boa forma de contribuir para um futuro melhor.

Apoie uma instituição de solidariedade social, procure um projeto social com que se identifique e dê um contributo. Doe sangue, faça voluntariado numa instituição, dê uma volta às suas tralhas e doe roupas, brinquedos e outros objetos que já não usa.

Comece a fazer solidariedade à sua volta, pela família, vizinhos e amigos em situação de necessidade. Preste atenção às dificuldades, descubra como ajudar e disponibilize o seu tempo para confortar, apoiar e escutar com atenção. Tente colocar-se no lugar do outro, compreenda qual a sua realidade e perceba de que forma poderá ser útil. Como dizia Rozilda E. Costa, “abrace como quem quer acolher, acolha como quem deseja ser solidário, ajude como quem se coloca no lugar do outro”.

Um conceito interessante de solidariedade está nestas palavras de um autor desconhecido, cujo título é: “Se fizerem o que peço, viverei para sempre”. E reza assim: “Em certo momento um médico vai dizer que o meu cérebro parou totalmente de funcionar e, para todos os efeitos, a minha vida acabou aí. Quando isso acontecer, não tentem inserir vida artificial no meu corpo através das máquinas. Mas não chamem isso de meu leito de morte. Chamem-lhe de Leito de Vida. E deixem o meu corpo ser retirado do invólucro para outros terem uma vida mais rica. Deem a minha vista a um homem que nunca viu o sol nascer, o sorriso de um bebé ou o amor nos olhos de uma mulher. Deem o meu coração a uma pessoa cujo coração nada provocou, além de dias de dor. Deem o meu sangue ao jovem retirado da amálgama de chapas do seu carro acidentado e que ele possa viver para ver os seus netos a brincar no parque.

Deem os meus rins a quem depende de uma máquina três vezes por semana para continuar a existir. Deem os meus ossos, cada músculo e cada nervo do meu corpo e descubram uma maneira de fazer andar uma criança aleijada. Examinem todos os cantos do meu cérebro. Peguem nas minhas células, se necessário for, e deixem-nas crescer para que, algum dia, um menino mudo possa gritar “GOLO” e uma menina surda possa ouvir o barulho da chuva na vidraça. Queimem o que restar de mim e espalhem as cinzas ao vento, para ajudar as flores a brotar. Se for preciso enterrar alguma coisa, que sejam as minhas faltas, as minhas fraquezas e todo o preconceito.

Deem os meus pecados ao diabo e deem a minha alma a Deus. Se por acaso quiserem lembrar-se de mim, que seja com uma boa ação ou uma palavra gentil a alguém que precise”.Num tempo de promoção do individualismo, do aumento do número de pessoas em risco de pobreza, do número crescente de idosos em situação de abandono, de inflação descontrolada e salários baixos, o que seria da comunidade sem a solidariedade?

A arte, e arma, do “desenrascando” …

Os portugueses julgam ter uma capacidade especial para resolver qualquer problema encravado, seja ele de que espécie for. Aliás, até pensamos que somos os campeões mundiais nessa nobre arte a que demos o nome artístico de “desenrascanso”. Assim, a capacidade de resolver um sarilho do pé para a mão, com uma perna às costas, em curto espaço de tempo e sem grandes meios, é um feito que, aos olhos dos portugueses, merece ser exaltado, ainda que o caso tenha sido resolvido em cima do joelho. Verdade seja dita, ainda está por demonstrar se essa suposta virtude não se trata mais de um defeito, quase sempre mal-escondido. É pena que Luís de Camões não esteja vivo para cantar em verso essa suposta qualidade dos lusitanos, mas pode ser que algum poeta do nosso tempo agarre no assunto e eleve bem alto tal “arte” nacional, que revela uma luta entre a inteligência e a esperteza. Porém, não sabemos se essa capacidade é genuinamente portuguesa, mas quem vive cá entre nós tem de reconhecer que a improvisação muitas vezes é a única forma de lidar com o que nos acontece. E, como o“desenrascanso” implica algo feito à pressa, pode dizer-se que nunca se sabe se a solução encontrada não vai acabar por gerar um problema maior. Ora a verdade é que, no momento do desenrasque, quando o “artista” proclama a palavra mágica “pronto”, pode gabar-se do seu feito, de ter resolvido o problema encravado, possivelmente há muito tempo, ainda que depois a coisa dê para o torto, algo vulgar quando ele “percebe pouco ou nada da poda”. Mas, como diz o povo, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas” e ele pode usufruir do sucesso, mesmo que seja temporário.

Desenrascar algo é conseguir o impossível. É encontrar uma solução como agulha num palheiro. É apelar à criatividade e safar-se contra todas as espectativas. É encontrar uma chave, sabe-se lá como nem onde. É sair do canto onde ninguém dá por si, dar o braço à Fortuna, virar o jogo e resolver o problema numa jogada impensável. É por não saber muito bem o que fazer que agimos de forma imprevista e conseguimos uma vantagem momentânea que pode ser explorada a nosso favor. O resto é sentido de oportunidade. Ou oportunismo, conforme o caso. Por exemplo, uma das características distintivas da gestão em Portugal parece ser o desenrasque. Um estudo feito com gestores portugueses e expatriados em Portugal assim o indicava, traduzindo de resto uma intuição corrente. 

Os portugueses parecem ser mestres na arte do desenrasque e, aparentemente, demonstram algum orgulho nisso. Aliás, não sei se é mais uma “arma” do que uma “arte”, tal a oportunidade de um “tiro certeiro”. 

Podíamos, como outros fazem, tentar mudar a situação, educar os incompetentes, punir os prevaricadores, pedir responsabilidades, criar padrões de conduta e processos claros de recompensa, mas aprendemos com o tempo que nada disso vale para a nossa maneira de ser. 

Que a estratégia, o planeamento e a capacidade de execução, combinados com mecanismos de avaliação e metodologias para a melhoria contínua são insubstituíveis. Mas, quando estas falham, o desenrascanço pode ser solução extrema, reservado para situações limite onde se torna então indispensável. O desenrascanço baseado em soluções de recurso tem o seu âmbito de aplicação. É importante quando o planeamento falha e a situação ameaça descontrolar-se. Mas, gerir pessoas, empresas, projetos e tarefas somente com base no desenrascanço, é um pouco como não arranjar os travões do carro porque ele tem airbag.

Pela Lei de Murphy, “se alguma coisa pode correr mal, vai mesmo correr mal”. Ora, diz-se que isto não tem aplicação em Portugal pois há sempre a possibilidade do “desenrascanço” para sair de situação difícil e, “entre mortos e feridos, alguém há de escapar”. Além disso, sabe-se que uma boa crise traz sempre oportunidades a quem tiver esta capacidade ou habilidade.

O horror ao desenrasque é muitíssimo maior junto dos profissionais oriundos de países com práticas de gestão mais desenvolvidas ao longo de décadas, de gestão moderna do Norte da Europa e não na que se difundiu no Sul da Europa, onde ainda persiste. Nos países do Norte, os planos são tomados a sério, pois as regras são universais e os desvios devem ser excecionais. Já cá no Sul, os planos terminam muitas vezes com a apresentação em “power point”, mas as regras admitem um sem número de exceções e o seguimento do plano é a exceção e não a regra. A planificação e, muito mais, o cumprimento das regras, não são connosco.                                                                                                                 Está mais que provado que, administrativamente, quando um projeto                                                                                                                      esbarra na burocracia, na cunha, no compadrio, na incompetência generalizada, na incapacidade de tomar decisões rápidas e assumir a sua responsabilidade, na falta de visão, na inveja e falta de liderança, o azar e o mau-olhado paralisam-nos e só nos resta mesmo apelar ao desenrascanço porque, o especialista no desenrasque, é alguém que sabe bem “mexer os cordelinhos” e como “olear a máquina”, além de conhecer “a porta onde há de bater”. E não adianta ficarmos a remoer por o nosso processo estar parado, não ser despachado nem sequer informado. O típico português sabe bem como arranjar maneira da coisa ser desenrascada e onde encontrar um “artista com arte”, ainda que isso tenha um preço que para um cidadão nórdico seria, de todo, inconcebível.                                                                                                         Na realidade, nós temos orgulho na nossa capacidade de resolver as situações imprevistas ou enrascadas, usando soluções nem sempre confiáveis ou “ortodoxas”. Daí que, no rol das anedotas europeias conta-se esta: “A fábrica ideal na Europa teria gestores holandeses e operários alemães. Mas, no centro da fábrica e dentro de uma redoma de vidro, estaria um português. No vidro haveria um autocolante com o aviso: “Em caso de emergência e necessidade de desenrasque, deve quebrar o vidro”.

Heróis do dia a dia. Uma lição de vida!

A pandemia e a Guerra da Ucrânia vieram alterar profundamente as nossas vidas, especialmente no que à economia familiar diz respeito, com a inflação a atingir valores que já havíamos esquecido há muito. E, nesse processo inflacionário atribuído às quebras na produção de bens e à falta de matérias-primas, sabe-se que a especulação também deu uma grande ajuda para que os preços chegassem tão alto, pois o oportunismo comercial não deixou de se intrometer para retirar mais alguns ganhos do que seriam devidos. E fomos sabendo, aqui e ali, da maneira como existências de artigos e produtos em armazém foram dadas como inexistentes para, de um dia para o outro, aparecerem no mercado com preços abusivamente superiores. 

Nestes casos, foi a ganância e a obsessão de ganhar muito e depressa quem comandou a decisão desses oportunistas, que se esqueceram do respeito pelas regras do jogo e da confiança que tem de existir entre fornecedores e consumidores para que na sociedade não impere a lei da selva. É verdade, toda a atividade comercial tem como principal objetivo a criação de uma mais-valia a que vulgarmente chamamos lucro. 

E eu, que tenho trabalhado na compra e venda de imobiliário, não escapei a essa regra pois ao comprar um património qualquer para revender tive como objetivo fazê-lo com algum ganho, o que nem sempre terá acontecido, mas isso são as exceções à regra. Por norma, todo o lucro reverte para o vendedor deduzido de eventual comissão a pagar a alguma mediadora imobiliária, se for caso disso e, posteriormente, dos devidos impostos. Ora, o que me leva hoje a escrever estas linhas é um caso raro que sai fora do habitual no que ao lucro diz respeito. E passo a contar: 

O senhor António chamou o filho mais novo com quem costumava conversar mais sobre os seus negócios e disse-lhe: “Conheces bem aquela propriedade que comprei à família Teixeira por duzentos mil euros. Quando fiz o negócio nem sequer discuti o preço e paguei-lhes o valor que me pediram. Pois acabei de a vender a uma empresa do centro do país por quinhentos e cinquenta mil euros e já assinamos o contrato promessa de compra e venda”. O filho ficou entusiasmado, felicitou o pai por ter feito um negócio excelente que lhe tinha gerado uma mais-valia superior a 150% e, mais ainda, porque a propriedade fora comprada há pouco mais de dois meses, pelo que era uma mais-valia extraordinária num prazo de tempo bem curto. Depois do filho acalmar um pouco, o pai continuou: “No entanto quero-te informar também que vou devolver há família Teixeira uma parte desse lucro, porque considero que aquilo que eu ganhei neste negócio é excessivo e não seria justo que ficasse com a mais-valia toda em desfavor do anterior proprietário que, por uma razão ou por outra, não soube vender a propriedade pelo seu valor real. Já lhes comuniquei a minha decisão”. O filho “passou-se dos carretos” e disse ao pai que não tinha nada que partilhar o lucro com os Teixeiras dado que o trabalho e habilidade comercial fora somente dele e não deles. E, em tom muito enervado, usou todos os argumentos possíveis para tentar demover o pai de fazer aquilo que ele considerava ser uma grande asneira que não fazia sentido. Mas, apesar da insistência e discordância do filho, o senhor António manteve a decisão como uma “questão de princípio” até porque, disse-lhe ele, “o dinheiro não é tudo na vida”. A história, verídica, foi-me relatada há dias pelo filho do senhor António, aquele que se opôs ao “esbanjamento”. E hoje, vários anos volvidos, o filho disse-me muito comovido: “Esta foi a maior e melhor lição de vida que recebi do meu pai, numa altura em que a minha juventude não me deixava ver para além do dinheiro que eu achava que ele estava a desperdiçar. Só o tempo me fez perceber a grandeza da sua atitude”. Disse ainda que a família Teixeira nem queria acreditar que alguém tivesse um gesto desses e se, antes o respeitavam, a partir de então passaram a ter por ele uma adoração enorme, diria mesmo devoção, que os levou a consultá-lo sempre que queriam vender alguma coisa por saberem ser alguém de confiança que não pensava só em si. 

Confesso que, para mim, este é um caso único. Nunca conheci nem ouvi falar de alguém que, sem compromisso algum com o anterior proprietário, voluntariamente se dispôs a dividir com ele os lucros colhidos na transação da propriedade que ele lhe vendera sem nada a obrigá-lo ao que quer que seja, mas somente por considerar que teve “ganhos excessivos” e que, por isso, moralmente se sentia obrigado a fazê-lo. É uma atitude duma nobreza invulgar de que muito poucos se podem gabar e o cidadão comum, ao saber que ele entregou parte do lucro a troco de nada e “à nossa maneira”, pensará: “Grande estúpido. Eu não lhe daria um “chavo””. 

Mas António revelou uma preocupação que vai para lá do benefício financeiro, demonstrando uma consciência social e ética rara, já que não é normal vermos alguém abdicar de uma boa fatia de dinheiro a troco de nada, a não ser da sua convicção de que era uma obrigação.

Mais do que tudo, a lição de António deve servir para meditarmos se “o dinheiro é tudo na vida” ou se há outros valores que, em muitos momentos, devem estar acima do “vil metal”. 

A rematar a conversa que tive com o filho do senhor António, ele disse-me que, a partir deste acontecimento e ao longo da sua vida, teve a felicidade de confirmar uma velha “máxima” que se ajusta perfeitamente ao que lhes foi acontecendo ao longo dos anos: “Na vida, quanto mais damos, mais recebemos”. 

“Uma luzinha ao fundo do túnel” …

Uma sondagem recente mostra a elevada descrença dos portugueses no Parlamento, governo e partidos e a altíssima insatisfação com os governantes pela situação a que chegamos, da habitação à justiça, da saúde à corrupção, de impostos muito elevados ao alto custo de vida, que os faz andar “com cara de enterro”. E não é para menos, pois já há “quem ande com uma mão à frente e outra atrás”, “passe a vida a contar os tostões” e esteja “entre a espada e a parede”, isto é, ou paga a renda ou compra comida. Era para arranjo de vida a rede de apanha ilegal de ameijoa no Montijo descoberta recentemente. Se fossem apanhadores de caranguejos, “viam a sua vida a andar para trás”, o que não era o caso. Nem sequer eram pescadores, pois “ficavam a ver navios” e muito menos vendedores de “jaquinzinhos”, porque se sabe que eles “andam tesos que nem carapaus”. Apesar dos imigrantes não serem peixes, viviam “como sardinhas em lata”, pelo que foram parar a um pavilhão com condições ainda piores, acabando por voltar ao local onde moravam.

Foi uma “descoberta” do que já muitas pessoas sabiam, mas “ficaram caladas que nem ratos” porque “o calado é o melhor”. É que, a vida em Portugal está muito difícil. Senão, vejamos: Os relojoeiros “andam com a barriga a dar horas”, os padres “já não comem como abades” e os talhantes, “estão feitos ao bife”. Mas ainda há gente que está bem pior, como os cabeleireiros que “arrancam os cabelos” e os cavaleiros, que “perderam as estribeiras”, enquanto às manicures já “estalou o verniz” há muito.

O presidente Marcelo diz que “os números da economia demoram a chegar ao bolso das famílias”, apesar do governo se vangloriar que ela “vai de vento em popa”. Talvez por isso, os padeiros “estejam com falta de massa”, aos cardiologistas foi detetado “um aperto”, os bebés “choram sobre o leite derramado” e os coveiros “vivem pela hora da morte” pelo que, o que encontram, são sempre e só, “ossos do ofício”. 

Ora, os governantes devem estar desfasados da realidade pois já nem veem que os jardineiros “engolem sapos”, os neurologistas “estão à beira dum ataque de nervos”, os picheleiros “têm ar na canalização” e, muito para além disso, “os criadores de galinhas estão depenados”.

As greves sucedem-se umas atrás das outras para reclamar contra o custo de vida, principalmente da inflação na alimentação e dos baixos salários. É por isso que os pedreiros “andam com duas pedras na mão” e “com uma pedra no sapato”, os eletricistas “têm os fusíveis queimados” e “estão ligados à corrente” e os mecânicos “griparam o motor”. Os farmacêuticos “não têm remédio”, os atores “já não sabem o que hão de dizer” e não se pode ver um concerto pois “as entradas custam os olhos da cara” só para ouvir os pianistas “bater sempre na mesma tecla”, enquanto os astrónomos “veem o céu por um canudo”. Os veterinários “já não aguentam uma gata pelo rabo” a dizer “cobras e lagartos”, os pneumologistas “estão com falta de ar”, os barbeiros “põem as barbas de molho” e os dentistas “andam a bater o dente”.

Mas há mais, porque as dificuldades chegam a todos. “Os madeireiros, arranjam lenha para se queimar” ao provar que “as árvores morrem de pé”, os empresários de espetáculos, “já não ganham para mandar cantar um cego”, os ginecologistas, “ficam com a criança nos braços”, e os funileiros “não têm lata”. E, nalguns casos, “é preciso ter muita lata” para “dar a cara”. No bar, os salva-vidas “afogam as mágoas” e os médicos “dão de beber à dor”. E, nesta vida difícil, são os caloteiros a dar esperança ao credor: “Deus lhe pague”!

Neste estado de coisas, não pense eliminar as pragas em casa porque os desinfestadores estão “piores que uma barata”. Ora, os sinaleiros, sendo profissão em vias de extinção, “andam de mãos a abanar”, o que é mais um sinal, não de trânsito, mas de que a vida está difícil para todos. Assim, os coxos “já não andam com a perna às costas”, os pastores “procuram um bode expiatório” que “não tenha culpas no cartório”, pois o custo de vida está ainda mais alto que as folhas a que não chega e os fabricantes de cerveja “perderam o seu ar imperial”. Agora, os domadores “estão maus como as cobras” e “a ferro e fogo” estão os ferreiros, que se recusam a “malhar em ferro frio”, enquanto os carpinteiros “fazem tábua rasa”. Só o matador diz que “é agora que a porca torce o rabo”. Ora, nesta paródia breve sobre o custo de vida, as cozinheiras “não têm papas na língua” e “põem tudo em pratos limpos”, fazendo com que os olivicultores “fiquem com os azeites” e os trefiladores “vão aos arames”, para além dos elefantes “ficarem de trombas” e os músicos “porem a boca no trombone”. No meio desta situação de crise grave, os criadores de gado só “pensam na morte da bezerra”, “os sobrinhos dizem “Ó tio, ó tio””, os aviadores “caem das nuvens que nem tordos” e os golfistas “não batem bem da bola”.

Só os governantes que “nos saíram na rifa”, parte deles “feitos às três pancadas” e que “não percebem nada da poda” “nem dão uma para a caixa”, “com ideias que não lembram ao diabo” e capazes de “mentir com quantos dentes têm na boca”, especialistas em “tirar o cavalinho da chuva”, “quando a coisa cheira a alho” e “lhes descobrem a careca”, andam para aí “armados em carapaus de corrida”, “nariz empinado” e “a viver à grande e à francesa”, “de mula cheia”, “gordos como chinos” de tanto “puxar a brasa à sua sardinha”. Mas “não encontram o fio à meada” e por isso deviam “meter o rabinho entre as pernas”, “a viola no saco”, “limpar as mãos à parede” e “ir pregar para outra freguesia” “onde não lhes conheçam o cu”. Para se safar, vêm com a “conversa para boi dormir” e “lágrimas de crocodilo”, fazendo até “chorar as pedras da calçada” enquanto o Zé “tem de comer o pão que o diabo amassou”. 

Ora, esses políticos “de carregar pela boca”, fartam-se de “vender banha da cobra” e “tapar o sol com a peneira” para depois “meter a pata na poça” e “a montanha parir um rato”. O que lhes vale é que o povo, “sendo o bombo da festa” e “estando de saco cheio”, “não sabe da missa a metade” e vai-se “aguentando nas canetas”, mas à rasca, até “dar o peido mestre” e “esticar o pernil”. Caso contrário, não faltava quem “lhes acertasse o passo” e dissesse para se “porem finos”, pois se forem “apanhados com a boca na botija” e “a meter a mão na massa”, vão ter de “assentar o cu no mocho” porque “a culpa não pode morrer solteira “e não adianta “armar-se ao pingarelho”, como se “isto aqui fosse da mãe Joana”, pois “podem bater com os costados na choldra”. 

É verdade que o povo “anda com a pulga atrás da orelha”, com “a mostarda a chegar ao nariz” e faz “cara de poucos amigos” ao ver que lhe “estão a comer as papas na cabeça”, estando na altura de dizer “alto e para o baile” que “isto nem lembra ao diabo” e “não andamos neste mundo por ver andar os outros”. Assim, como os governantes andam para aí “a “pintar um país cor-de-rosa” “só para enganar meninos”, é tempo de lhes “bater com a porta na cara”, “mandar dar uma volta ao bilhar grande” e dizer que “são uma carta fora do baralho!                                                                                                          Talvez assim se possa voltar a ver “uma luzinha ao fundo do túnel” … se o comboio que vier não trouxer mais “farinha do mesmo saco”!