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O objectivo de cada dia: Ser Feliz

Já há duas semanas que tenho por cá o meu filho mais velho, um dos muitos portugueses que deixou o país e por outras bandas carrega a saudade. Veio recarregar baterias, satisfazer essa necessidade que todos têm de voltar à terra e aos seus. E nós dele… Durante uma semana também esteve cá o Rodrigo, um amigo colombiano, parceiro num projeto educativo. Engenheiro físico de formação, tem um mestrado em educação e é dono de uma empresa que está instalada dentro de uma das maiores universidades da Colômbia e com quem tem parceria para desenvolver projetos em áreas específicas. Um dos projetos que lidera neste momento visa descobrir através das ondas cerebrais a “frequência da felicidade”, estudo que tem envolvidas quatro universidades e um orçamento de peso. Será que, depois de se descobrir qual é essa frequência, poderemos ser todos felizes?

Há seis meses nasceu-lhe uma filha e toda ela é felicidade. Se tem fome, ri-se. Se está suja, ri-se. Se quer dormir, ri-se. Nem parece uma criança normal, mas é assim. E a razão dessa boa disposição parece dever-se ao facto de, durante toda a gravidez, com base no projeto, “ter-lhe dado música”. É verdade, junto da barriga da mãe colocava uma aparelhagem a transmitir determinado tipo de música que induz à tranquilidade e… à felicidade. E esta? Até agora, a investigação fez progressos e talvez venha a revelar coisas interessantes. E eu não deixo de ficar curioso para saber se a filha do Rodrigo vai continuar a sorrir de felicidade…

A investigação sobre as causas da felicidade é um dos desafios do século e muitos são os estudiosos que procuram a fórmula para se ser feliz, esse estado de espírito algo abstrato, que não se consegue definir bem. Sente-se. Ora, para o atingir, segundo os cientistas que se dedicam a estas coisas, aprende-se, como a jogar a bola ou a dançar. E, dizem eles, “o segredo está em aceitar-se a vida tal como ela é”, não se devendo dar as coisas boas da vida por garantidas, mas agradecer-se por elas. Mas também acrescentam que se deve simplifica-la no lazer e no trabalho, perdoar, arriscar, ser grato pelas vitórias e aprender com as derrotas, fazer amigos, celebrar a vida, cuidar do corpo e respeitar os outros.

Tendo sido uma semana em que este assunto veio à baila por causa do projeto em que o Rodrigo está envolvido, por coincidência ou não, uma senhora amiga acabou de me enviar um e-mail sobre o tema e que entendi partilhar pelo contributo para esta questão, até porque vem de alguém muito especial, cuja autoridade moral é reconhecida por todo o mundo: O papa Francisco. A sua mensagem é para que aprendamos a ser Felizes!

“Podes ter defeitos, estar ansioso e viver irritado algumas vezes, mas não te esqueças que a tua vida é a maior empresa do mundo. Só tu podes evitar que ela vá à decadência.

Há muitos que te apreciam, admiram e te querem.

Gostaria que recordasses que ser feliz não é ter um céu sem tempestades, caminho sem acidentes, trabalhos sem fadiga, relacionamentos sem decepções. Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros.

Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas também refletir sobre a tristeza. Não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender lições nos fracassos. Não é apenas ter alegria com os aplausos, mas ter alegria no anonimato.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar por dentro do seu próprio ser.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar ator da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no longínquo de nossa alma. É agradecer a Deus cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz não é ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica mesmo que seja injusta. É beijar os filhos, mimar os pais, ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem.

Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples, que vive dentro de cada um de nós. É ter maturidade para dizer “enganei-me”. É ter a ousadia para dizer “perdoa-me”. É ter a sensibilidade para expressar “preciso de ti”.

É ter a capacidade de dizer “amo-te”.

Que tua vida se torna um jardim de oportunidades para ser feliz…

Que nas tuas primaveras sejas amante da alegria. Que nos teus invernos sejas amigo da sabedoria.

E que quando te enganares no caminho, comeces tudo de novo. Pois assim serás mais apaixonado pela vida.

E podes facilmente encontrar novamente que ser feliz não é ter uma vida perfeita.

Mas usar as lágrimas para regar a tolerância. Usar as perdas para refinar a paciência. Usar as falhas para esculpir a serenidade. Usar a dor para delapidar o prazer. Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.

Nunca desistas…

Nunca desistas das pessoas que amas.

Nunca desistas de ser feliz, pois a vida é um espetáculo imperdível!”

Só nos sai “disto” na rifa…

A escola fez uma rifa com o intuito de angariar fundos para uma viagem de estudo dos alunos do último ano. Um deles abordou-me na rua com uma caderneta na mão, para ajudar. Em cada rifa estava referido o valor a pagar, dissimulado da maneira mais comum: Uma “bala”. Fiquei com cinco e entreguei cinco “balas”. Uma pequena ajuda para a viagem da rapaziada…

As rifas são uma forma informal e expedita que a sociedade tem para financiar associações, organizações, grupos e até atos nobres de solidariedade se bem que, para os devidos efeitos, são ilegais. Por melhor que seja a intenção da iniciativa, por mais altruísta e nobre que seja a causa, a lei, cega e surda, diz que é ilegal. A não ser que venha a ser emitida uma autorização do Ministério da Administração Interna, o que não é para todos…

A Secção Desportiva dos Bombeiros Voluntários de Monção efetuou uma rifa com o objetivo de angariar fundos para a compra de equipamento de combate a incêndios. Algum tempo depois de consumada a rifa, pelo simples facto de ser efetuada com base nos números da lotaria nacional, receberam uma notificação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para pagarem uma multa que, despesas incluídas, foi superior ao dinheiro arrecadado em tal sorteio. É que a Misericórdia de Lisboa – uma instituição privada que se tornou organismo público por via da nacionalização em 1834 mas que nada tem a ver com as outras Misericórdias – é detentora do exclusivo dos jogos sociais e “dos sorteios” mas, apesar de ter “Misericórdia” no nome, não teve qualquer misericórdia com os bombeiros, nem mesmo quando estes invocaram os “fins humanitários” da rifa. O argumento caiu em ouvidos nada “misericordiosos” e “surdos” ao apelo dos inocentes membros da Secção Desportiva dos BV de Monção.

Desde muito jovem vendi rifas para os mais variados fins sociais, sem que me tivesse passado pela cabeça estar a cometer um crime de “lesa pátria”. Nem sei como escapei à prisão… Pensando bem no que fiz e na quantidade de rifas que vendi, podia até ter passado metade da minha vida atrás das grades… Percebo que deve existir legislação que evite o jogo clandestino, as lotarias ilegais, mas o zelo excessivo é absurdo, mais ainda se vindo de uma instituição que se diz ter “objetivos sociais”. E pensava eu que já tinha visto de tudo!!!…

Em plena crise, alguns portugueses ao confrontarem-se com a impossibilidade de continuarem a pagar o empréstimo contraído ao banco para aquisição de casa e, para evitarem ficar sem ela e sem o dinheiro das prestações já pagas, optaram por fazer uma rifa em que o prémio seria a própria casa. A ideia era boa pois com a receita pagariam ao banco, reaviam o dinheiro já pago e libertavam os fiadores de qualquer risco. No entanto, para o fazerem, teriam de ter a tal licença do MAI. Um dos primeiros a avançar com a iniciativa foi um açoriano que, rapidamente, conseguiu a autorização do governo regional mas… acabaram aí as licenças. Não houve mais nada para ninguém, nem nos Açores nem no continente. Porquê? É um segredo de estado, reservado aos “deuses”…

As rifas são um meio usado em todo o mundo para angariar dinheiro com os objetivos mais diversos, tão diversos como o são os prémios (ou as promessas de prémios…) atribuídos. E todos querem conseguir fundos. Atletas, para financiarem a participação em campeonatos, clubes de bairro e outros, para a compra de material desportivo, paróquias, para obras na igreja, associações, para a aquisição de equipamentos ou construção de sedes. Enfim, um mundo de usos e abusos.. E os prémios vão desde carneiros a automóveis, de bicicletas a televisores, de lenha a violas. Um australiano ganhou um complexo hoteleiro no Pacífico que o dono rifou por estar cansado de aturar turistas… Americanos fazem rifas de armas como se de ursos de peluche se tratassem, até porque todos os americanos gostam de “brincar” com elas… Houve um que até já quis “rifar” a própria mulher mas, ao que parece, não teve interessados no prémio do sorteio… Numa aldeia do interior da Colômbia, com o objetivo de angariar dinheiro para as obras da igreja local, o padre fez a rifa de uma carrinha Toyota oferecida por um comerciante da terra. Anunciou a sua intenção em plena missa, apelando aos paroquianos para aderirem à iniciativa. Ora, a adesão foi excepcional e os bilhetes da rifa foram todos vendidos, conseguindo-se o dinheiro necessário para a recuperação da igreja. Durante a homilia da missa do domingo seguinte, o padre dirigiu-se aos fieis presentes, muito satisfeito: “Caros irmãos, é com grande alegria que hoje vos anuncio ter sido alcançado o nosso objetivo na angariação de fundos para as obras de restauro da igreja. Estou muito feliz pelo vosso contributo e todos estão de parabéns. Quanto à rifa, quero anunciar que o número sorteado saiu a … S. Felismin, nosso padroeiro. Ora, como ele está impedido de conduzir a carrinha Toyota, terei de ser eu a fazer isso por ele”…

A verdade é que a vida, sendo injusta, mais não é do que uma grande rifa. A uns, que “nasceram com o cu virado para a lua”, sai-lhes a sorte grande mesmo antes de porem os pés neste mundo. A outros, um prémio de consolação que às vezes nem chegam a receber. E à grande maioria, “que dá o corpo ao manifesto”, nem sequer o direito à terminação. E não é só uma questão de sorte no jogo…

As palavras que valem sorrisos…

Durante a noite e sempre que a Luísa está a dormir, costumo entrar e sair do quarto com a luz apagada por respeito ao seu descanso. Ao fim de tantos anos conheço a casa de olhos fechados e mexo-me bem e sem fazer ruído… desde que alguma coisa não corra mal. É que, às vezes, o sono atrapalha. Numa dessas noites em que a cabeça pesava mais que a vontade, levantei-me às escuras e, como habitualmente, não acendi a luz. E aconteceu. Ao contornar a cama, não calculei bem o lugar onde se encontrava a cadeira e dei-lhe um pontapé, fazendo um barulho tal, que até os vizinhos devem ter acordado. Mantive-me estático por uns segundos na espectativa de não a despertar mas, com a cabeça enfiada debaixo dos lençóis, teve discernimento para perguntar: “Não te estás a entender com a mobília”? No silêncio do quarto, tive de conter o riso para não a despertar mais…

Foi à quase nove anos que a Luísa sofreu dois AVCs e, desde aí, vive no limbo, quase sempre fora da realidade, entre a cama e a cadeira de rodas. Mas há momentos assim, em que sai do mutismo onde vive refugiada e faz uma pergunta que tem tanto de humor como de inesperada. Era assim a Luísa no seu melhor , subtil e assertiva… Na televisão passava um filme em que o protagonista principal andava à procura de uma mulher desaparecida. Como eu não estava a prestar atenção ao programa, ao olhar por acaso uma cena em que o ator entrou numa casa de banho, perguntei à Luísa: “O que é que ele vai fazer agora”? A resposta foi imediata: “Vai-se enfiar de cabeça na sanita”…

A maior parte do tempo em que está acordada, fica na sala, em regra concentrada na televisão, parecendo acompanhar tudo o que esta transmite. Porém, se lhe perguntar qual é o programa ou o filme que está a passar, encolhe os ombros em sinal de que não sabe. A sua memória de curto prazo “foi-se” porque o “gravador” deixou de gravar novas informações. Mantem o ar de ausência, como que numa apatia a tudo o que a envolve mas, muitas vezes, está com o olho na tv e o ouvido na conversa do lado, o que lhe permite introduzir comentários com graça.

No final de um almoço de família algumas das irmãs dela ficaram à conversa, a trocar impressões sobre receitas de bacalhau e durante uma boa parte da tarde. Já cansada de as ouvir falar de receitas e comida, às tantas a Luísa perguntou-lhes: “Vocês ainda não comeram, pois não”? Tal como naquela conversa, cá em casa eu comentava a notícia de que os russos tinham despenalizado a violência doméstica. Dizia então que “agora, na Rússia, nódoas negras e arranhões na vida doméstica, já não são crime”. E a Luísa, que estava à margem da conversa, “tirou logo da manga” uma das suas tiradas e meteu a colherada: “Então o que são? Medalhas?”

Só reconhece as pessoas que conhecia antes da doença se manifestar mas há ocasiões, como aconteceu ontem à noite, em que a confusão na sua cabeça deve ser muito grande, ao ponto de me perguntar: “Onde está o meu marido”?

Na televisão, um treinador de futsal gesticulava e gritava com os seus jogadores, incentivando-os a fazerem mais e melhor pois as coisas não estavam a correr bem à equipa. Depois de o observar naquele misto de azáfama e histerismo, virou-se para mim e perguntou-me: “Aquele é o treinador? Se ele acha que não estão a jogar bem, porque não vai ele lá para dentro fazer melhor”?

Pergunta-me pelos filhos várias vezes ao dia, quase sempre a querer saber porque não estão em casa ou porque não vieram dormir como se ainda fossem solteiros e vivessem cá. E, sempre que pergunta, relembro-lhe onde cada um agora se encontra. Numa dessas explicações, quando ia falar do José Miguel que nesse preciso momento viajava de avião, pus-me em pé, abri os braços e agitei-os para baixo e para cima. Ao ver-me naquela posição, perguntou: “O que estás a fazer”? “A tentar levantar voo”, respondi na brincadeira. Porém, ela desarmou-me num instante: “Mas voltas amanhã, não”?

Ainda foi há poucos dias que ocorreu a alteração da hora Apesar de saber que a Luísa esqueceria de imediato o que lhe dissesse, naquela noite de final de Março não deixei de a informar do que iria acontecer a meio da noite: “Sabes, hoje muda a hora”. E ela, apesar de parecer ausente, perguntou-me: “E muda para onde”? Ri-me mas continuei a falar com ela e com outra pessoa que estava connosco. No meio da conversa voltei a repetir “a hora muda hoje”. Meia distraída e dando a entender que não estava a participar na conversa, lá foi dizendo: “Não, não, a hora não muda. As pessoas é que a mudam”… E tive de me calar.

Repetem-se os dias e os ritmos e com estes os rituais de cada dia, no cuidar, nos medicamentos, no levanta/deita, no cama/cadeira de rodas/cama, nas refeições e cuidados de higiene e saúde, como se cada dia fosse igual ao anterior e ao que vem a seguir. E a verdade é que, na sua presença com ausência, a sua não percepção da realidade acaba por jogar a seu (e a nosso) favor, pois não tem consciência das suas limitações nem do seu estado, o que tem evitado depressões e outras consequências. E as gargalhadas ocasionais e os ditos com humor, acabam por ser um prémio e uma bênção que ajudam a suportar a dureza da caminhada…

Afinal, quem é o “burro”???…

Sinceramente, acho que nós, seres humanos, não nascemos para trabalhar. Pura e simplesmente, nascemos para viver… Isso mesmo, para viver. Sejamos francos, trabalhar não é propriamente viver. Que o digam os milhões de pessoas que se levantam de madrugada para ir trabalhar e só regressam a casa já de noite, de segunda a sexta durante décadas, tantas vezes fazendo algo de que não gostam, a troco de um salário miserável… e quando têm a sorte de receber. Será que isso é viver?

Não fiquem chocados com este desabafo e muito menos a pensar que estou bêbado. Não, não estou. Só bebi água ao jantar e, por aquilo que sei, das águas que conheço só a “água… ardente” é que nos pode levar a esse estado. E eu que o diga… Ou, pensando melhor, também a “água… pé”. Mas, nem a “água de rosas”, nem a “água oxigenada” (a que agora atribuem múltiplas propriedades, menos a capacidade de “pregar uma piela”), nem sequer a “água benta”, me poem a “cantar o tiro-liro” e a “chamar pelo Gregório”.

Pensando bem, apesar de nos considerarmos o ser mais inteligente, também somos o único animal que se levanta às seis ou sete horas da manhã para ir trabalhar… ou à procura de trabalho. Que raio de gosto. Que outro animal o faz? Nenhum. Nem os burros. Até eles são dos que só trabalham quando obrigados… pelo homem. Livremente? Nem pensar. Se falassem, diziam que não nasceram para isso…

Afinal, trabalhar tornou-se… um mal necessário. Porque é preciso fazer pela vida, ganhar dinheiro para a bucha, estar ocupado. O problema é que o homem não trabalha só para satisfazer as necessidades básicas. Ao inventar falsas necessidades, entrou num ciclo vicioso e, para as satisfazer, obriga-se a trabalhar mais e mais, como escravo de si próprio. O Barão de Itararé dizia que “quem inventou o trabalho não tinha mais que fazer”. O trabalho até nem é uma coisa má, porque, mau, mau… é ter de trabalhar. É por isso que as pessoas adoram aquele momento em que, depois de se levantarem da cama à pressa para ir trabalhar… percebem que é domingo. Como dizia W. Shakespeare, “o estranho é que, sem ser forçado, alguém saia de casa em busca de trabalho”. Para os que teimam em dizer que “trabalhar dá saúde”, responde-se “então, que trabalhem os doentes”. E todos sabemos que trabalhar dá muito trabalho…

Nós, seres humanos, começamos por trabalhar para assegurar o direito a comida e vestuário. E, logo que o conseguimos, quisemos a “barraca” para nos abrigar. Claro, passamos a trabalhar mais. E veio o desejo de ter a bicicleta, a seguir a mota, o barco e o automóvel. E lá trabalhamos nós ainda mais, marido e mulher. Mas conseguimos. No entanto, inventaram-se os eletrodomésticos básicos que foram sendo substituídos por outros cada vez mais sofisticados. E nós compramos e trocámo-los pelos mais modernos, trabalhando cada vez mais intensamente para os ter. Homem, mulher e filhos. Mas veio a rádio, a televisão a preto e branco e a cores, os gravadores, os computadores, todo o tipo de móveis, telefones e telemóveis, produtos de beleza, jogos e bugigangas imensas, para o que temos de trabalhar ainda mais, homem, mulher, filhos e sogras. E as avarias dos equipamentos, consertos e serviço de manutenção de automóveis e outras máquinas sofisticadas mas de duração limitada, exigiram mais trabalho para poder pagar essas “necessidades falsas” que nós, seres humanos, andamos a inventar, convencidos que nos davam mais tempo para viver. E agora somos escravos delas. Que paradoxo curioso… Tempo? Mas onde é que ficou o tempo para a família e para nós mesmos? No trabalho? Quando andávamos a pé, tínhamos tempo para tudo. Agora, que andamos de carro, de comboio ou de avião, cada vez mais rápidos… mais atrasados estamos e mais temos de trabalhar. Será que isto é mesmo a vida para a qual o ser humano foi criado?

Quando digo que “não nascemos para trabalhar mas nascemos para viver” não significa que não devemos “dar o corpo ao manifesto”. De jeito nenhum até porque, muitos dos momentos que me deram mais satisfação na vida, estão associados a trabalho… voluntário. Repito, voluntário. E até “trabalhei como um burro” (e peço desculpa aos burros pela comparação porque, se calhar, não é lisonja para eles) tanto no Clube Automóvel de Lousada, como noutras associações e organizações a que estive ligado ao longo da vida. E fiz muitas coisas, com enorme entusiasmo e alegria. Mas também, quando deixei de me entusiasmar com o que fazia, como na organização de corridas e estas passaram a ser “uma chatice ”, avisei os companheiros de jornada, atempadamente e deixei o CAL. Já não me dizia nada, não tinha motivação… Por isso num mundo ideal, só deveríamos fazer o trabalho que nos dá prazer. Aquele que somos obrigados a executar como assalariados, “a troco de uma côdea ou para a côdea”, é “trabalho forçado”. E já Bernard Show dizia que “a escravatura humana atingiu o seu ponto culminante na nossa época sob a forma de trabalho livremente assalariado”. Daí o dizer-se que “se nós temos de passar a maior parte do tempo a trabalhar, então porque é que tão poucas pessoas se divertem a fazê-lo”? Bom, “os moralistas que tecem loas ao trabalho, fazem-nos pensar nos palermas que foram enganados numa barraca de feira e que tentam fazer os outros entrar para lá de qualquer maneira” (J. Renard).

Numa aldeia cá da terra, um empresário local sabendo que um seu conterrâneo estava desempregado, quando o encontrou no café da aldeia perguntou-lhe se queria ir trabalhar para si. Ele olhou-o, riu-se com ar cínico e respondeu-lhe: “Ouça lá. Acha-me com cara de estúpido, de quem quer mesmo trabalhar? Para que é que me vou obrigar a mourejar se tenho subsídio, cabaz de alimentos, roupas e tudo o que preciso sem ter de mexer uma palha? Se fosse trabalhar para si, perdia as regalias todas e ainda tinha de “dar o corpo ao manifesto”, como um burro. Deixe-me viver a minha vida”… E virou-lhe as costas.

O empresário ficou com cara de parvo. E, quando me contou a cena, não deixou de expressar uma frase, que também passa na cabeça de muita gente: “Afinal, quem é o burro”???…