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O vinho, para celebrar a amizade…

Alentejano, produtor de vinho da “talha” e médico, falava na televisão num apelo bem disposto: “Salvem a Terra, porque é o único planeta que tem vinho”. E, mais adiante, num conselho já na sua qualidade de médico, acrescentou: “O vinho pode ser um bom remédio. Mas, como remédio, tem de ser tomado à colher como qualquer outro remédio e não bebido pelo frasco”. Aliás, mesmo Platão já escrevera: “O vinho é medicamento que rejuvenesce os velhos, cura os enfermos, enriquece os pobres”, enquanto um dito popular diz que “o vinho é excelente, tanto para o sadio como para o doente”.

Cresci numa sociedade em que videiras e vinho faziam parte da nossa vida. E da ementa. Aliás, era mais fácil faltar alimento na maioria das casas humildes da terra, do que não haver vinho. E bebiam todos, dos adultos às crianças. À volta das casas, até das mais pobres, a primeira coisa que se fazia era … plantar videiras e fazer uma ramada. Pode-se dizer que era o “jardim da casa”. Porque jardim mesmo, só me lembro de haver em três ou quatro casas dos proprietários tidos por “os ricos da aldeia” e, mesmo esses, rodeados de … ramadas. Até Salazar dizia que “beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”.

Daí me ter habituado a beber vinho às refeições … e fora delas, embora nunca tivesse passado tarde nenhuma a “jogar a malha”. Nas tardes de domingo, a cada jogo os perdedores pagavam um copo de litro. E eram muitos os jogos ao longo duma tarde, tal como os litros de vinho bebidos pelos quatro participantes em jogo “tão difícil”. É que esses “atletas” defendiam a tese de que “com bom ou mau comer, vinho sempre a valer.

Na região o vinho era praticamente vendido a granel, em pipas, por regra na “venda” (que se pronunciava como “benda”), misto de tasco e mercearia. Muito pouco era engarrafado pois mesmo nas casas onde havia ramadas, era conservado e consumido a partir da pipa. A estudar no Colégio Eça de Queirós, era um momento especial sempre que o Adriano me convidava com mais dois ou três, para ir a sua casa em Meinedo beber uma garrafa de vinho, claro está, com alguma coisa a acompanhar. Como sabia bem!!! Anos mais tarde, depois dos ensaios dos “Moscas”, em Bustelo, era na adega do senhor Belmiro Melo, tio de alguns elementos do grupo, que celebrávamos a vida com vinho tinto em caneca de porcelana, tirado diretamente da pipa.

O vinho era a bebida. Como dizia Alexandre Dumas, “o vinho é a parte intelectual da comida”. Não havia lugar para a cerveja, muito menos para a coca-cola que, dizia-se, Salazar proibiu de entrar no país. Nem sequer o uísque, um ilustre desconhecido de então. O que importava era a quantidade, não tanto a qualidade. Só com o passar dos anos, a exportação e as exigências qualitativas, o vinho verde tinto, que não ia além dos oito graus, deu lugar aos vinhos brancos cada vez mais graduados, ao ponto de quase se não diferenciarem dos maduros. E assim, “com o passar dos vinhos os anos ficaram melhores”, no dizer de um inteligente.

Os franceses, grandes produtores mundiais e, por isso mesmo, parte interessada no negócio, fizeram apurados estudos para chegarem a conclusões interessantes, reveladoras dos benefícios para quem bebe vinho. Dizem eles que o vinho “faz bem ao coração, evita algumas doenças, ajuda a emagrecer, melhora o sono e o humor, torna-nos mais inteligentes, ajuda na digestão, prolonga-nos a vida, é calmante natural, combina bem com a gastronomia e é bebida sociabilizante”. Não é necessário pôr os cientistas a investigar para chegar a algumas destas conclusões. Eu não tenho dúvidas que uma ou duas garrafas de vinho fazem qualquer um dormir melhor, dão audácia ao tímido, alegria aos tristes e bom humor ao sério. O calado torna-se indiscreto e é da tradição popular que o vinho (e o álcool) conserva os corpos.

A. Fleming, o homem que descobriu a penicilina, dizia que “esta cura os homens, mas é o vinho que os torna felizes”. No entanto, Benjamim Franklin já foi mais cauteloso ao lembrar: “Toma conselhos com o vinho, mas toma decisões com a água”. Enquanto uns o aconselham sempre, como Napoleão Bonaparte quando escreveu que o vinho “nas vitórias é merecido e nas derrotas é necessário”, já Cícero se deu ao cuidado de escrever sobre a importância da idade: “Os vinhos são como os homens: com o tempo, os maus azedam e os bons apuram”.

Fernando Sabino lembra-nos que “Cristo não consagrou a água, o leite ou a coca-cola. Consagrou o pão e o vinho como alimento do corpo e do espírito”. E as Sagradas Escrituras referem que “o bom vinho alegra o coração dos homens”.

Eu acrescentaria que Cristo também não consagrou a cerveja e hoje, sobretudo entre os jovens, a cerveja destronou o vinho como fator “sociabilizante”, apesar deste combinar melhor com qualquer prato, tornando-se a “parte intelectual da comida”. O vinho sempre foi e é a minha bebida preferida. No entanto, como em minha casa era o único que bebia pois nem a Luísa nem os filhos estavam para aí virados, a partir de certa altura deixei de beber e só o fazia nas refeições fora. Até que, ao fim de alguns anos e para regularizar o intestino, fui bem aconselhado por um médico a beber à refeição um copo de vinho tinto. A verdade é que foi um sucesso e desde então faço do vinho, moderadamente, o complemento de uma refeição, alterando a antiga filosofia do “muito” para o “pouco, mas bom”. 

Já lá vai o tempo do vinho a granel. Hoje o bom vinho é engarrafado, dando sentido à afirmação de Pasteur: “Existe mais filosofia numa garrafa de vinho que em todos os livros”; e a Robert L. Stevenson, ao escrever: “Um bom vinho é poesia engarrafada”.

Estou como Silas S. quando diz “nunca fiz amigos bebendo leite. Por isso, bebo vinho”. Ou será que alguém faz algum convívio “com os pés debaixo da mesa” e celebra a amizade com água ou leite? Até porque amigos são comos os vinhos: quanto mais antigos, melhores. Por isso, conserve-os e celebre … 

Um transporte que passou à história

Às vezes penso que nasci na Idade da Pedra ou algo muito parecido, tais as diferenças entre esses tempos e os dias de hoje. Basta lembrar     que um dos irmãos da minha avó, meu tio avô, tinha a profissão de “carreteiro”. “O que é isso”, perguntaram-me há dias? “Carreteiro” era aquele que fazia transportes de mercadorias diversas em “carro de bois”. Eu ainda sou da era do carro de bois como meio de transporte mais usado nas zonas rurais, como era o caso da minha aldeia. Neles se carregavam os produtos agrícolas, das espigas de milho às pipas de vinho, da palha de centeio ou milho ao mato para “encher “cortes”, além de materiais de construção tais como pedras de perpianho de granito ou toros de madeira. 

E o mais impressionante em relação a esse meu tio-avô é que fazia o transporte de mercadorias de Lousada para o … Porto. Imaginemos a aventura que era fazer a viagem num desses carros, todo ele feito em madeira incluindo as rodas (que só eram revestidas por uma grossa chapa de ferro), sempre puxado por uma “junta de bois”, carregado com uma pipa de vinho de quinhentos litros ou mais (que queria dizer mais de meia tonelada) e enfrentar as estradas difíceis de então até à cidade do Porto para, depois de ali ter descarregado e arrumado a pipa no cliente, regressar a Lousada carregado com outras mercadorias!!! É preciso ter noção do que é um desses “carros” para avaliar corretamente o que era exigido a todos os níveis, tanto ao “carreteiro” como à “junta de bois” e ao “carro”, nessa viagem de ida e volta, que ele fazia com regularidade, porque era necessário transportar para a “cidade” produtos agrícolas como vinho, milho, batata, feijão, centeio, etc., além de madeiras e outros materiais.

Todos os lavradores tinham pelo menos um carro para seu serviço, fundamental nas lides do campo. E, para o puxar, pelo menos uma “junta de bois”, isto é, dois bois que tinham de ser emparelhados e treinados para puxarem solidariamente. Lavrador que não tivesse uma “junta”, não era lavrador. Andei muitas vezes de “carro”, ainda criança, ao ritmo do chiadoiro dos rodados, resultado do roçar de madeira contra madeira, mesmo quando eram untadas com azeite para facilitar a tração. Segurava-me nos “fueiros”, uns paus de altura variável “espetados” a toda a volta do carro para segurar as cargas, como no caso de mato, madeira, lenha e palhas diversas. Para poder transportar milho, espigas, melões, abóboras ou outros produtos do género, os “fueiros” eram trocados por taipais e percebe-se porquê.

Várias vezes acompanhei a minha avó paterna e o senhor Moura ao monte onde iam cortar mato. Começavam muito cedo, ao nascer o dia e a meio da manhã já tinham cortado mato mais que suficiente para carregar um carro. Eu também levava enxada, mais pequena que as deles de acordo com os meus sete ou oito anos de idade e ia fazendo a minha (pequena) parte. Como a minha avó não tinha carro de bois, encomendava o serviço ao caseiro de uma quinta, conhecido dela, e era interessante assistir ao carregar, com o “carreteiro” em cima e o senhor Moura em baixo a “chegar-lhe” o mato usando uma forquilha, fazendo com que a carga fosse subindo e subindo, até chegar a uma altura em que era preciso uma escada para subir ao alto da carga. Mas, no meio daquilo tudo, o que mais me impressionava era que, apesar do mato ser “bravo”, de picos aguçados, ninguém se picava, embora andassem calçados com “socos”, quando não descalços.

Quase todas as casas eram construídas em perpianho de granito, a pedra da região rachada ou mais ou menos trabalhada. Cortada nas pedreiras locais, era toda transportada em carros de bois. Ainda trago na mente as imagens dos homens a carregar pedras daquelas, algumas com dois metros de comprimento e mais, pesadíssimas, mas todas levadas para cima do carro de bois à força de braço porque não havia mecanismos para o fazer. Rachadas na pedreira também à mão, eram levadas até junto do carro aos tombos ao ritmo cantado de um “Upa! Upa! Upa” e subidas sobre duas traves de madeira de forma semelhante, até serem acondicionadas no carro. 

Recordo a história da mulher do caseiro duma das quintas de um proprietário abastado da região. Estava em construção a casa do senhorio na propriedade e este tinha convocado uns quantos “carreteiros” para levar as pedras da pedreira para junto da casa em construção. À mulher do caseiro coube a tarefa de fazer um cozido à portuguesa para alimentar todos os homens que participaram no transporte. Quando eles chegaram, o caseiro ficou muito preocupado pois, ao contá-los, verificou que eram quase o dobro do que lhe tinha dito o senhorio, tendo ido logo contar à mulher o que constatara. “E agora”, dizia ele, “não vai haver comida que para todos”. Mas a mulher não se apoquentou: “Não te preocupes que eu cá me arranjo. Vai à adega e traz presunto, azeitonas, algumas broas de milho e o pipo de vinho maior. Antes de virem almoçar vais pô-los a petiscar bem e a beber melhor e vais ver que a comida vai chegar e sobrar”. E assim fizeram. Os “carreteiros” e outro pessoal ajudante fartou-se de comer broa, presunto e azeitonas, regado com vinho tinto. E, quando foram almoçar, nesse tempo de dificuldades, já não foram capazes de dar conta do cozido que aquela mulher serviu com humildade, honra e sabedoria … 

O carro de bois, que serviu gerações e gerações ao ponto de deixar a sua marca bem vincada na rocha dos caminhos rurais da região pelo desgaste do ferro que cobria os rodados, ao moer a pedra no dia a dia ao longo de muitas décadas, talvez séculos, passou à história e hoje já não passa dum objeto de museus, substituído pelos tratores e outras máquinas que a evolução tecnológica impôs, sem que a sociedade se tenha apercebido verdadeiramente dessa transição, ignorada pelos mais novos e esquecida no tempo por muitos outros …     

Histórias de quem ensina … e educa

Ao longo da vida tive muitos professores a quem devo a maior parte daquilo que sou. Uns formais, com o “canudo” de um curso médio ou superior para dar aulas, e outros às vezes sem curso nenhum, quando não analfabetos, mas que me deram grandes lições de vida e moral. E fiquei devedor para uns e outros com uma conta tão grande, que não vou conseguir pagá-la nunca. Algo como a dívida do país que vai ficar connosco para sempre … 

Se há professores que se limitam a ministrar conhecimentos relativos à matéria da disciplina que lecionam, também existem outros que vão mais longe e ainda conseguem ser educadores, algo muito importante para a vida duma criança ou adolescente. Neste processo, a subtileza de alguns e os meios utilizados para educar sem ferir suscetibilidades às vezes chega a ser extraordinária. Circulam na internet algumas das histórias que nos fazem sorrir e pensar neles como “professores do catano”!!!  

“Num liceu no Porto estava a acontecer uma coisa muito fora do comum. Um “bando” de miúdas de 12 anos andava a pôr batom nos lábios, todos os dias, e para remover o excesso beijavam o espelho da casa de banho. A Direção andava muito preocupada porque a funcionária da limpeza tinha um trabalho enorme para limpar o espelho ao fim do dia e no dia seguinte lá estavam outra vez as marcas de batom.
Um dia, um professor juntou as miúdas e a funcionária na casa de banho e explicou que era muito complicado limpar o espelho com todas aquelas marcas que elas faziam. E, para demonstrar essa dificuldade, pediu à empregada para mostrar como é que ela fazia para limpar o espelho. A empregada pegou numa “esfregona”, molhou-a na sanita e passou-a repetidamente no espelho até as marcas desaparecerem.
Nunca mais houve marcas no espelho” …

Sem um sermão intimidante à turma, sem uma ameaça de castigo ou repreensão, sem o recurso à presença dos encarregados de educação e somente com uma estratégia bem pensada, aquele professor fez com que as garotas não mais quisessem colocar os lábios no espelho de jeito nenhum. A “demonstração”, valeu mais que mil palavras …

Numa dada noite, três estudantes universitários beberam até altas
horas e não estudaram para o teste do dia seguinte. Ao outro dia de manhã, desenharam um plano para se safarem. Sujaram-se da
pior maneira possível, com cinza, areia e lixo. Então, foram ter com o professor da cadeira e disseram que tinham ido a um casamento na noite anterior e no seu regresso um pneu do carro que conduziam rebentou e tiveram de empurrar o automóvel todo o caminho. Por isso, não estavam em condições de fazer aquele teste.
O professor, que era uma pessoa justa, disse-lhes que fariam um
teste-substituição dentro de três dias e que, para esse teste, não havia desculpas. Eles afirmaram que isso não seria problema e estariam preparados.
Ao terceiro dia apresentaram-se para o teste e o professor disse-lhes, com ar compenetrado que, como aquele era um teste sob condições especiais, eles teriam que o fazer em salas diferentes.
Os três, dado que tinham estudado bem e estavam preparados,
concordaram de imediato. O teste tinha 6 perguntas e a cotação era de 20 valores.
Pergunta 1. Escreva o seu nome —– ( 0.5 valor)
Pergunta 2. Escreva o nome da noiva e do noivo do casamento a que foste há quatro dias atrás — (5 valores )
Pregunta 3. Que tipo de carro conduziam cujo pneu rebentou.– ( 5 valores)
Pergunta 4 . Qual das 4 rodas rebentou ——- ( 5 valores )
Pergunta 5. Qual era a marca da roda que rebentou —- (2 valores)
Pergunta 6. Quem ia a conduzir? —— (2.5 valores)

Sem recorrer à confrontação, este professor começou por fazer com que aqueles alunos prevaricadores estudassem a matéria do teste, para depois os colocar diante de um outro bem diferente, que viria pôr a nu toda a falsidade da sua história sobre a ida ao casamento. O professor conseguiu com facilidade pôr em prática o provérbio de que “mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo” …

Um professor encontrou um rapaz que dizia ter sido seu aluno. O jovem perguntou: – Lembra-se de mim? E ele disse que não. O jovem disse-lhe que foi aluno dele. E ele perguntou: – O que faz?

– Sou professor, respondeu o jovem.

– Ah que interessante. Como eu? – Sim. Virei professor porque o senhor me inspirou.

Curioso, o professor perguntou ao jovem qual foi o momento em que ele o inspirou a ser professor. E aí o aluno contou a história:

“Um dia um amigo meu, também estudante, chegou com o relógio novo, lindo, e eu decidi que o queria para mim. Por isso roubei-o do bolso dele. Quando o meu amigo se apercebeu do roubo, falou com o professor. E o senhor avisou a turma: “o relógio do vosso colega foi roubado e quem o roubou deve devolvê-lo”. Porém, eu não o devolvi porque o queria muito. Mas o senhor trancou a porta e avisou-nos para ficarmos de pé, pois iria revistar-nos, um a um, em todos os bolsos até encontrar o relógio. Depois, o senhor disse a todos para fecharem os olhos, pois faria isso com os alunos de olhos fechados…

Todos fecharam os olhos e você foi indo de bolso em bolso e, quando chegou ao meu, encontrou o relógio e tirou-o. Depois continuou a revistar os restantes. Quando terminou disse: “podem abrir os olhos. Já temos o relógio”. O professor nunca me disse nada e nunca mencionou o episódio nem denunciou quem o tinha roubado a ninguém. Nesse dia o senhor salvou a minha dignidade para sempre. Foi o dia mais vergonhoso da minha vida. Mas ao salvar a minha dignidade, salvou-me de me ter tornado um ladrão, uma pessoa má, etc…

O senhor nunca disse nada, nem me deu nenhuma lição de moral. E eu entendi a mensagem. Entendi que é isso que um verdadeiro educador deve fazer. O senhor não se lembra disso professor?

E o professor respondeu: – Eu lembro-me da situação, do relógio roubado, de eu ter revistado todos, etc. … Mas não me lembrava de si. Porque eu também fechei os meus olhos ao revistar-vos …

Nesta história, de autor desconhecido, o professor dá-nos uma lição de como resolver um problema sério com subtileza e sem tocar na dignidade do prevaricador.

Como diz o final de um dos textos, “há professores do catano” …

São muitos anos … a virar frangos!!!

Afinal, ainda há quem me surpreenda …

Admiro a genialidade criativa, científica, artística, intelectual, etc. do ser humano, que ultrapassa tudo aquilo que eu poderia imaginar quando jovem adolescente. No entanto, nesta fase da vida já nada me surpreende e, muito menos, me espanta. Diria mesmo que, o que leio, ouço, vejo ao vivo e nos meios audiovisuais ou me é dado a conhecer de outra forma, tornou-se quase banal, não havendo lugar para abrir a boca de espanto pelo último invento, pelo desempenho ou proeza de um atleta de elite ou pela descoberta de um cientista genial. Se achei admirável comunicar pelo primeiro telemóvel a que tive acesso, a partir da Suécia, quase do tamanho dum tijolo, a chegada de novos modelos sofisticados, cada vez mais impressionantes em velocidade, na redução de tamanho e acréscimo da capacidade, multiplicidade de funções e fiabilidade, foi e é encarada com naturalidade, como sendo só “mais um novo modelo de telemóvel”, enfim, uma banalidade que já não surpreende. 

De igual forma admiro Albert Einstein, símbolo da genialidade, que representa o potencial e a capacidade de uma mente excecional, de alguém que foi mais longe que todos os outros, além de muitos mais cientistas responsáveis por novas descobertas, mas que já não me deixam de boca aberta. São o resultado da mistura de inteligência, persistência e muito, muito trabalho. Uma consequência lógica de quem se dedicou intensamente a uma causa e usou o seu cérebro em pleno. É que, nesta máquina muito complexa que é cada um de nós, o cérebro, além de ser o comando do corpo, molda tudo o que somos. Por essa razão houve um enorme interesse da comunidade científica no estudo do cérebro de Einstein após a sua morte, à procura de algo que fosse responsável pela sua genialidade. 

Até conhecer há poucos dias a história de Edgar Cayce eu podia dizer que nada me surpreendia, mas agora dou comigo a tentar encontrar explicações para o que ele fez e como foi possível. Surpreendam-se também!!!

 “O pequeno Edgar Cayce estava doente e o médico mantinha-se à sua cabeceira. Não havia nada a fazer para salvar o garoto do estado de coma. Mas bruscamente, enquanto dormia, a voz do miúdo elevou-se, clara e tranquila, dizendo: “Vou dizer-lhes o que tenho. Apanhei uma bolada de base-ball na coluna vertebral. É necessário fazer-me uma cataplasma especial e aplicá-la na base do pescoço”. E, com a mesma voz, o garoto ditou a lista das plantas que era necessário misturar e preparar. “Despachem-se, senão o cérebro arrisca-se a ser atingido”. Por descargo de consciência, obedeceram-lhe. Ao anoitecer, a febre descera. No dia seguinte, Edgar deixava a cama, tão fresco como uma alface. Não se lembrava de nada e desconhecia a maior parte das plantas que indicara”. Assim nascia uma das histórias mais incríveis da medicina. Como é que Edgar Cayce, camponês dos Estados Unidos, completamente ignorante, lamentando sempre não ser “como toda a gente”, tratará e curará em estado de sono hipnótico mais de quinze mil doentes, devidamente confirmados pelas autoridades? 

Foi muito contrariado que aceitou fazer uso dos seus poderes para ajudar os doentes, em especial os desenganados da medicina, tendo exigido como condição que alguns médicos assistissem às sessões e de não receber um tostão, nem sequer o mais pequeno presente. Foi assim que o secretário local do Sindicato dos Médicos reuniu uma comissão de três, para assistir a todas as sessões, com espanto. De tal forma que o Sindicato Geral lhe reconheceu as faculdades e autorizou oficialmente a dar “consultas psíquicas”.

Virou notícia quando um médico homeopata, Wesley Ketchum, com problemas de saúde que o próprio e seis médicos diagnosticaram ser apendicite, quis pôr à prova os poderes de Cayce. Este, que não sabia da cirurgia, disse-lhe que era um problema de coluna, o que se viria a confirmar na semana seguinte para grande surpresa de Ketchum que o elogiaria publicamente como “uma maravilha médica”. A partir daí limitou-se a fazer só duas sessões por dia. Os diagnósticos e receitas feitas em estado de hipnose eram de tal precisão e acuidade que os médicos desconfiavam ser um médico disfarçado de curandeiro. Mas ele continuou a ser fotógrafo, recusou-se a ganhar conhecimentos de medicina, nada lia e continuou filho de camponeses com certificado de estudos correspondente à 4ª. classe. Quando se insurgiu contra a estranha faculdade que possuía e quis desistir, ficou mudo.

James Andrews, magnata americano, foi consultá-lo e, entre outras drogas, prescreveu-lhe “água de salva”. Não conseguindo encontrar o medicamento, Andrews publicou anúncios nos jornais e em revistas médicas do mundo à procura da “água de salva”, mas sem resultado. Não conseguindo, Cayce ditou-lhe a sua composição, muito complexa. Dias depois, Andrews recebeu a informação dum médico parisiense: fora o seu pai, médico, que elaborara a água de salva, mas deixara de a fazer 50 anos atrás. A composição é igual à sonhada pelo fotógrafo!

Cayce casou, teve um filho. Este, ao brincar com fósforos, fez explodir um depósito de magnésio. Os especialistas disseram que a cegueira era total e propuseram extrair um olho. Cayce mergulhou na hipnose, recusou a extração e prescreveu a aplicação de pensos embebidos em ácido tânico durante 15 dias. Os especialistas acharam uma loucura, mas Cayce não cedeu e 15 dias depois o filho estava curado.

São inúmeras as prescrições dele que deixavam todos estupefactos, inclusive Cayce, como a receita de Codirom, um medicamento que não existia nas farmácias. Mas ele indicou a direção do laboratório, em Chicago. Ao telefonarem, receberam um: “Como é que ouviram falar do Codirom se ainda não está à venda, acabamos de elaborar a fórmula e de lhe dar o nome”?

Mas ele ficaria na história pela sua capacidade de prever o futuro. Foi assim ao prever a 1ª. e 2ª. Guerras Mundiais, a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, o surgimento do nazismo, os conflitos raciais nos Estados Unidos, a morte de dois presidentes americanos a até a localização de poços de petróleo, enriquecendo alguns fulanos que o consultaram, sem ele nada beneficiar. Tendo todas as sessões sido registadas por uma estenógrafa, veio-se a verificar que das 14.246 leituras, só 200 estavam erradas. Até viria a acertar em cheio no dia e hora da sua morte …  

Interrogado no estado de hipnose sobre a sua forma de proceder, ele declarou, para não se lembrar de nada ao acordar, que podia entrar em contacto com qualquer cérebro humano vivo e de utilizar todas as informações contidas nesse cérebro ou cérebros, para o diagnóstico e tratamento de cada caso. Como é possível um fotógrafo da aldeia sem curiosidade científica poder funcionar como um médico de génio ou o espírito de todos os médicos do mundo, em simultâneo e no instante?

Ao conhecer a história deste homem, sobre o qual há documentação abundante e até instituições a tentar explicar tal fenómeno, tenho de me confessar surpreendido e até espantado. É caso para perguntar: “Como era possível”? E fica-me uma grande pena pela falta que neste momento faz, não a mim em especial, mas a toda a humanidade. Com a sua capacidade de utilizar todos os conhecimentos que circulam no mundo da mesma forma que alguém usa uma monumental biblioteca, quase instantaneamente ou à velocidade da luz, talvez fosse capaz de prescrever um remédio adequado para combater o Covid-19 e salvar milhões de pessoas deste flagelo que já virou pesadelo, para surpresa e espanto de todos, eu incluído …