Monthly Archives: January 2017

A ilusão entre o falso e o verdadeiro…

Estive na fundação e direção do Clube Automóvel de Lousada durante largos anos e contribui para a ascensão vertiginosa do CAL que o levaria a tornar-se um dos clubes mais importantes do desporto automóvel em Portugal. Foram anos loucos. Organizamos muitas provas ”interessantes” que trouxeram a Lousada milhares e milhares de espectadores. Quantos? Nunca o saberemos. Nem pelos jornais? Não me façam rir. Nem pelos dirigentes? De jeito nenhum. A haver alguém que soubesse dizer quantos foram, teria de ser eu, pois as bilheteiras, entradas e segurança também eram um das minhas responsabilidades. Mas, na realidade, só tinha controle sobre os “pagantes”, além dos elementos da organização, representantes da imprensa, convidados, pilotos e suas assistências. Os “borlistas”, escapavam à minha contabilidade, fossem eles autorizados como era o caso dos menores de doze anos, fossem eles “golpistas” que usavam todo o tipo de estratagemas para entrarem sem pagar. Ora, uns e outros, também eram espectadores. E muitos. Quanto aos números dos jornais, será preferível lerem o que se segue para perceberem da sua credibilidade e da forma como eram conseguidos.

Em Maio de 1991 organizamos a primeira prova pontuável para o Europeu de Ralicrosse, modalidade que não existia em Portugal. A prova fora-nos atribuída depois de, no ano anterior, realizarmos uma outra, de candidatura, onde apanhamos uma “banhada” de oito mil contos. Apesar do muito dinheiro perdido, valeu bem a pena o investimento, porque conseguimos trazer para Lousada uma prova conceituada. Como o orçamento para a organização era considerável, a nossa maior preocupação era o tempo, se ia chover ou fazer sol. Se chovesse, estávamos “feitos ao bife”.

Mas S. Pedro esteve connosco e deu-nos um fim de semana de sol. Por isso, no domingo tivemos “casa cheia”. Um sucesso. Até o prédio ao lado da pista, em construção e com uma “placa” carregada três ou quatro dias antes, abarrotava de gente. Ao ver aquela impressionante moldura humana pensei: “Estamos safos”. Já quase no final das corridas, um jornalista fez-me a pergunta sacramental: “Quantos espectadores estão aqui? Cem mil?” Engoli em seco, ignorei a sua ingenuidade e fraco conhecimento da realidade e “dei-lhe corda” sem desfazer a ilusão: “Ainda não sei, mas deve andar por aí”… Foi assim que, ao outro dia, o principal jornal desportivo da especialidade trazia na primeira página, em letras garrafais: “CEM MIL ESPECTADORES EM LOUSADA”. A notícia perfeita, muito para além do que poderíamos desejar. E logo na primeira página… Que melhor poderíamos querer? Tal como nas manifestações, era importantíssimo que os jornais noticiassem a presença de um elevado número de espectadores, uma publicidade gratuita mas valiosa. E aquele era um número gordo, muito gordo mesmo. E, como quanto maior é o número mais importância é atribuída ao evento… A publicidade para a ano seguinte estava meia feita. No entanto, toda a moeda tem duas faces e esta, também tinha o seu reverso, um risco já calculado e previamente assumido por nós, dirigentes. E nos dias seguintes esse risco veio ao nosso encontro através dos críticos do costume, que não se poupavam a comentários pelos cafés e esquinas da vila, do género: “Estes gajos é que se governaram. Vejam lá: Cem mil espectadores a três contos, são trezentos mil contos”. Insinuavam, especulavam, falavam do que não sabiam. Porque a realidade era bem diferente, mas eles não sabiam (nem queriam saber) que, espectadores “pagantes” (que são aqueles que verdadeiramente interessam para o efeito), haviam sido pouco mais de catorze mil e quatrocentos… muito longe dos propagados cem mil, se bem que, no interior do circuito, estivessem entre vinte a vinte e cinco mil pessoas se contássemos os “não pagantes” que referi. E não sabiam também que, antes da prova arrancar, eu e o Jaime Moura tínhamos o nosso nome “atravessado”, a avalisar mais de trinta mil contos de dívidas, fora todas as despesas do fim de semana… Havíamos corrido um enorme risco em nome de um sonho. E valeu a pena. Mas, se tivesse chovido?

Tudo isto para dizer que a utilização de falsas verdades ou mentiras descaradas, algumas vezes acidentais mas outras intencionais, são uma das forma pela qual se moldam conceitos, arranjam seguidores, recrutam consciências e mobilizam massas humanas. Todos os dias somos massacrados pelos meios de comunicação com todo o tipo de informação e contrainformação, verdades e mentiras, testemunhos a confirmar a veracidade de afirmações quando não passam de grandes mentiras. Porque nós temos de acreditar para sermos mobilizados e arregimentados para o rebanho de seguidores. Seja nos resultados alcançados pelos (des)governos, das políticas que nos (lhes) são favoráveis, das suas (in)verdades e dos (in)sucessos governativos. A minha irmã já se recusa a ver o telejornal porque “são só desgraças e mentiras”. Mas a minha mãe, à beira dos noventa e quatro anos, não perde um, pois “gosta de estar atualizada”. Quando lhe dizemos para não acreditar em tudo o que ouve, responde com um sorriso: “ Eu ouço tudo, mas só acredito naquilo que quero”.

A velocidade com que uma notícia posta a circular chega aos quatro cantos do mundo é impressionante, seja verdadeira ou falsa. Porque há fotos manipuladas, factos inventados, frases retiradas do contexto, títulos bombásticos e chocantes para notícias sem conteúdo, dados fictícios, números falsos, conclusões erradas, como se fossem grandes verdades mas sem hipóteses do contraditório. E vemos isso todos os dias…

A Bíblia diz que “os ouvidos julgam o valor das palavras assim como o paladar prova os alimentos”. Já o Rei Salomão escrevia: “O ingénuo acredita em tudo o que lhe dizem mas o homem esperto olha onde pisa”.

O Início: “Queres casar comigo”?

Quando o presidente da república Marcelo Rebelo de Sousa ao condecorar os jogadores da seleção de futebol que venceram o europeu de França afirmou que, por uma questão de igualdade, iria atribuir a mesma condecoração a todos os portugueses que fossem campeões europeus, arranjou um rico “trinta e um”. Ao assumir esse compromisso, vai ter de condecorar também todos os divorciados porque, afinal, somos campeões europeus de… divórcios. Em média, segundo as últimas estatísticas, por cada 100 casamentos há 70 divórcios. É obra… Somos um exemplo de modernidade. Bom ou mau? Que importa? Voltaire dizia que “todo o divórcio começa mais ou menos ao mesmo tempo que o casamento. O casamento talvez comece algumas semanas mais cedo”. Mais recentemente, alguém antecipou o início do divórcio para o “Queres casar comigo?”. E uma das razões que se invoca para tal, baseia-se na teoria de que “a época mais feliz de um homem é depois do seu primeiro divórcio”. Se é assim, tenho de experimentar.. Certo é que Groucho Max, numa descoberta impar, depois de longos estudos, concluiu que “o casamento é a principal causa do divórcio”. Será?

Cresci numa sociedade em que “o casamento era para a vida” e raros eram os casos em que tal não acontecia. Claro que a sociedade nada tinha a ver com a de agora: Muito machista, marcada por valores morais e religiosos muito fortes e qualquer anomalia no casamento era uma desonra para a família. Só depois da revolução de Abril é que se alteraram as leis, os conceitos morais e os procedimentos, passando-se do oito para o oitenta. Mas não se pense que estou para aqui a defender o casamento para toda a vida. Quem sou eu para tal… Vejo até no divórcio muitos aspetos positivos, o primeiro dos quais como dizia Leon E., por “ser uma chance que se dá ao indivíduo para errar outra vez”. Na vida, é como se solteiros e casados estejam separados por uma simples porta. O curioso, é que todos querem passar para o outro lado da porta, independentemente do lado em que se encontrem. O homem não aguenta a mulher durante muito tempo e separa-se, mas também não consegue viver sem ela. E casa.se… E o ciclo repete-se. E o mesmo acontece com elas: Mulher tem que ter homem para sua segurança e exibir perante as outras, e se casa. Mas homem é problema porque é machista, não ajuda em casa, só fala na boa comida da mãe, na simpatia da amiga do casal – e lá está um grande problema. Daí que “o divórcio se torna tão natural que, em muitos casos, dorme todas as noites entre os conjugues”. Os cépticos dizem até que o casamento corresponde à “crucificação” e que o alívio desse sacrifício, a “ressurreição”, só é possível com o divórcio. E que, depois de uma mulher casar, só pode dar duas alegrias ao homem: Um filho e… o divórcio. E hoje a velocidade com que se casa e descasa é tal que, ao perguntar ao filho de um amigo que não via há muito tempo se já era casado, respondeu-me: “Sou divorciado… pela segunda vez”. Antes, uma mulher “experimentada” era ostracizada pela generalidade dos homens. Agora, é muito requerida por ser mais dona de si, mais segura e resolvida, além de ser livre, independente e não se perder com paixonetas. Dizem até que o divórcio a remoça e lhe dá brilho. Daí o “Divorciada? Qual quê, solteira aliviada…” Para alguns, o divórcio é uma prova de fracasso enquanto para outros, é “uma saída de emergência” e um oportunidade para errar de novo.

Mas, com toda a sinceridade, não compreendo como se pode chegar a este número: 70% de divórcios. Não há razões para tanto, de jeito nenhum. Noutros tempos, sim, até podíamos ter motivos, porque antes de casar, homem e mulher, não podiam levar o “produto” à experiência para casa, do tipo “à consignação”. Ou “compravam” ou não “compravam”, não havia meio termo. Era como nos móveis, nos eletrodomésticos ou outro utensílio qualquer. Não havia “período experimental”. Nesse tempo ou se acertava… ou se aguentava. E até mesmo se alguém “provava” antes de “comprar”, tinha de ficar com a “mercadoria”, a bem ou a mal. E agora? É tudo fácil. Já ninguém é obrigado a “comprar” nada. Quando um e outro gostam (ou acham que gostam), não têm necessariamente de se “comprar”. Para quê? A sociedade (e as próprias famílias) até aconselham e recomendam o tal “período experimental” de duração ilimitada, para “testar o produto”, “poder aprender a montar e desmontar a máquina”, “usá-la nas condições mais adversas” para saber se corresponde às exigências e necessidades do utilizador. E, para além do “período experimental” poder ser transitório ou por toda a vida, sem limites temporais nem restrições no seu uso, pode mesmo devolver-se o “produto” à procedência sem direito a indemnização pela utilização temporária, pelo desgaste ou desvalorização. Por isso, não compreendo porque razão se opta pela “compra definitiva” sem se ter a certeza que é aquilo que se quer mesmo. Por que não prolongar o uso “provisório”? Evitavam-se chatices maiores, batalhas jurídicas, guerras familiares e custos, muitos custos. Se acham que o casamento sai caro, esperem para ver a conta do divórcio… Ou então, a malta entende que o casamento é uma oportunidade para dar uma “festa de arromba” (que talvez sirva de festa de casamento e divórcio…) mas paga por uns “camelos” que não são eles. Além disso, têm direito a receber como bónus todo o tipo de prendas e ainda quinze dias num hotel de cinco estrelas nas Caraíbas, com sexo à descrição… E depois? Logo se verá…

Robert Anderson dizia que “em todo o casamento que durou mais de uma semana, existem motivos para o divórcio. A chave, consiste em encontrar sempre motivos para o casamento”. E o sucesso de um casamento não está no amor eterno, na paixão assolapada, na subserviência de quem quer que seja, mas muito mais no diálogo, no companheirismo, na amizade, no respeito e no investir na relação a dois. E ainda mais agora em que existe a possibilidade do tal “período experimental” para conhecer o outro “ a olho nu”, sem máscara nem pintura, sem disfarce e sem ter de representar uma personagem falsa no teatro da vida…

Saíste-me cá um músico!!!

Embora não pareça, a verdade é que também já fui músico – acho que foi noutra encarnação, tal a distância temporal… Bom, dizer que fui músico é presunção minha pois, na realidade, o facto de ter tocado viola e integrado um “conjunto musical”, aquilo a que hoje vulgarmente chamam “banda”, não me confere o direito de me classificar como tal. Seria uma ofensa para os verdadeiros músicos. Mas aprendi algumas lições nessa minha viagem pelas notas… de música.

Comecei a tocar viola quando estudava em Coimbra e, no dia em que me ensinaram três acordes, estive cinco horas seguidas a tocar. Acabei com as pontas dos dedos da mão esquerda cobertas de bolhas e só pude voltar a pegar na viola uma semana depois.

Primeira lição – “Roma e Pavia não se fizeram num dia”.

Como não tinha dinheiro para comprar uma viola nova, fiz poupanças da pequena verba que os meus pais me davam para o trimestre e comprei uma viola velha a um colega da escola. Poucos dias depois, ao praticar no quarto, toquei com ela ao de leve na cabeceira da cama e fiquei com duas metades na mão quando a frágil caixa se partiu ao meio.

Segunda lição – “O barato sai caro”.

Durante os anos que estive em Coimbra acabei por aprender mais acordes e várias músicas em voga nessa década de sessenta, o suficiente para animar a malta quando em grupo, o que não é muito difícil, especialmente quando há bebida à mistura.

Terceira lição – “Quem canta mal, canta sempre”.

Depois, com as economias do meu estágio em Angola e alguma poupança no salário do primeiro emprego, consegui juntar (e nessa altura era possível juntar algum dinheirito) o suficiente para comprar livros de música e uma guitarra elétrica barata mas sem amplificador. Entretanto, como o meu amigo Nelo regressou da Alemanha onde esteve a trabalhar durante as férias grandes e trouxe duas guitarras e um amplificador, criou as condições mínimas para nos constituirmos como “conjunto musical”, integrando o grupo o meu irmão António e o Zé Melo. E foi numa festa privada em casa da D. Palmira Meireles que fizemos a primeira atuação dos “Moscas”, só por si um feito para a época. Entusiasmados com o arranque, compramos uma bateria nova e mais tarde, através de um familiar que recebera uma prenda vinda dos Estados Unidos para um sobrinho, acabamos por adquirir uma Fender Stratocaster, o top das guitarras e de que só havia meia dúzia em Portugal. A verdade é que nunca tirei dela o devido partido.

Quarta lição“A viola quer-se na mão do tocador”

Eu era o baixista do conjunto mas, com a ida do meu irmão para o Ultramar, tive de ocupar o seu lugar de solista, entrando um primo para o lugar que deixara.

Quinta lição“Quem toca muitos instrumentos não toca bem nenhum”.

Todos os conjuntos musicais, desde o 1111 do José Cid ao grupo do Shegundo Galarza, tocavam essencialmente nos grande bailes (os concertos e festivais ainda não eram moda). Ora, era esse também o nosso mercado, embora num âmbito mais regional. Apesar da diferença técnica, “tocávamos limpinho” e sabíamos animar um baile, o que nos levou a atuar em muitos e bons palcos, desde o Grande Hotel da Curia ao Clube Fenianos Portuense, da Assembleia Lousadense a outras da região.

Sexta lição“Na terra dos cegos, quem tem um olho é rei”.

Acabei por deixar temporariamente o conjunto quando fui cumprir uma comissão de serviço militar em Moçambique, reentrando o meu irmão que entretanto regressara de Angola. Enquanto estive fora o conjunto mudou de nome duas vezes e recebeu novos (e bons) músicos que melhoraram muito a qualidade do grupo. No entanto,

apesar de ter atingido um bom nível, não sobreviveu muito tempo após o meu regresso. Todos acabaram os cursos e entraram na vida profissional. Acabara-se o tempo das ilusões, era o tempo de “cair na real”.

Sétima lição“Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe”.

Os momentos em que toquei no grupo foram únicos, algo que nunca esquecerei. Foi um prazer para o espírito e um consolo para a alma. Alheava-me totalmente do mundo que me rodeava, despia-me de problemas, usufruindo em pleno desse êxtase. Afinal havia Céu…

Oitava lição“Quem faz o que gosta, nunca vai trabalhar na vida”.

Décadas depois, fico impressionado com a quantidade e qualidade de jovens, esses sim, músicos que me davam dez a zero e souberam aproveitar as oportunidades de hoje que eu não tive. Entre muitas outras, o Conservatório do Vale do Sousa tem sido uma fábrica de sonhos para muitos desses jovens que querem singrar na música, afirmando-se como uma excelente escola com resultados à vista. São disso exemplo todos aqueles que viraram profissionais, um excelente cartaz para o Conservatório, uma honra para professores e dirigentes da ACML e um orgulho para os pais. E isso ficou bem patente no excelente Concerto de Natal que alunos e professores do Conservatório deram recentemente na Casa da Música, no Porto.

No entanto, sendo muito difícil assegurar a sustentabilidade de uma instituição como aquela, é importante que a estrutura diretiva da ACML tenha tranquilidade e paz necessárias para se concentrar no que é essencial e esquecer o que é acessório.

E nesse acessório estão (ainda) os problemas levantados por alguns músicos que deixaram a banda da ACML há alguns anos (mas levaram bens que a esta pertencem) e provocaram um conflito aberto e continuado, já apelidado de “terrorismo psicológico”, só possível pela morosidade da justiça e dos seus absurdos. Por isso, já é tempo de meterem a mão na consciência, repensarem a sua postura e porem um ponto final nessa “guerra” sem sentido. Seria um ponto a seu favor e… muitos mais a favor de todos nós… comunidade.

Embora não pareça, a verdade é que também já fui músico – acho que foi noutra encarnação, tal a distância temporal… Bom, dizer que fui músico é presunção minha pois, na realidade, o facto de ter tocado viola e integrado um “conjunto musical”, aquilo a que hoje vulgarmente chamam “banda”, não me confere o direito de me classificar como tal. Seria uma ofensa para os verdadeiros músicos. Mas aprendi algumas lições nessa minha viagem pelas notas… de música.

Comecei a tocar viola quando estudava em Coimbra e, no dia em que me ensinaram três acordes, estive cinco horas seguidas a tocar. Acabei com as pontas dos dedos da mão esquerda cobertas de bolhas e só pude voltar a pegar na viola uma semana depois.

Primeira lição – “Roma e Pavia não se fizeram num dia”.

Como não tinha dinheiro para comprar uma viola nova, fiz poupanças da pequena verba que os meus pais me davam para o trimestre e comprei uma viola velha a um colega da escola. Poucos dias depois, ao praticar no quarto, toquei com ela ao de leve na cabeceira da cama e fiquei com duas metades na mão quando a frágil caixa se partiu ao meio.

Segunda lição – “O barato sai caro”.

Durante os anos que estive em Coimbra acabei por aprender mais acordes e várias músicas em voga nessa década de sessenta, o suficiente para animar a malta quando em grupo, o que não é muito difícil, especialmente quando há bebida à mistura.

Terceira lição – “Quem canta mal, canta sempre”.

Depois, com as economias do meu estágio em Angola e alguma poupança no salário do primeiro emprego, consegui juntar (e nessa altura era possível juntar algum dinheirito) o suficiente para comprar livros de música e uma guitarra elétrica barata mas sem amplificador. Entretanto, como o meu amigo Nelo regressou da Alemanha onde esteve a trabalhar durante as férias grandes e trouxe duas guitarras e um amplificador, criou as condições mínimas para nos constituirmos como “conjunto musical”, integrando o grupo o meu irmão António e o Zé Melo. E foi numa festa privada em casa da D. Palmira Meireles que fizemos a primeira atuação dos “Moscas”, só por si um feito para a época. Entusiasmados com o arranque, compramos uma bateria nova e mais tarde, através de um familiar que recebera uma prenda vinda dos Estados Unidos para um sobrinho, acabamos por adquirir uma Fender Stratocaster, o top das guitarras e de que só havia meia dúzia em Portugal. A verdade é que nunca tirei dela o devido partido.

Quarta lição“A viola quer-se na mão do tocador”

Eu era o baixista do conjunto mas, com a ida do meu irmão para o Ultramar, tive de ocupar o seu lugar de solista, entrando um primo para o lugar que deixara.

Quinta lição“Quem toca muitos instrumentos não toca bem nenhum”.

Todos os conjuntos musicais, desde o 1111 do José Cid ao grupo do Shegundo Galarza, tocavam essencialmente nos grande bailes (os concertos e festivais ainda não eram moda). Ora, era esse também o nosso mercado, embora num âmbito mais regional. Apesar da diferença técnica, “tocávamos limpinho” e sabíamos animar um baile, o que nos levou a atuar em muitos e bons palcos, desde o Grande Hotel da Curia ao Clube Fenianos Portuense, da Assembleia Lousadense a outras da região.

Sexta lição“Na terra dos cegos, quem tem um olho é rei”.

Acabei por deixar temporariamente o conjunto quando fui cumprir uma comissão de serviço militar em Moçambique, reentrando o meu irmão que entretanto regressara de Angola. Enquanto estive fora o conjunto mudou de nome duas vezes e recebeu novos (e bons) músicos que melhoraram muito a qualidade do grupo. No entanto,

apesar de ter atingido um bom nível, não sobreviveu muito tempo após o meu regresso. Todos acabaram os cursos e entraram na vida profissional. Acabara-se o tempo das ilusões, era o tempo de “cair na real”.

Sétima lição“Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe”.

Os momentos em que toquei no grupo foram únicos, algo que nunca esquecerei. Foi um prazer para o espírito e um consolo para a alma. Alheava-me totalmente do mundo que me rodeava, despia-me de problemas, usufruindo em pleno desse êxtase. Afinal havia Céu…

Oitava lição“Quem faz o que gosta, nunca vai trabalhar na vida”.

Décadas depois, fico impressionado com a quantidade e qualidade de jovens, esses sim, músicos que me davam dez a zero e souberam aproveitar as oportunidades de hoje que eu não tive. Entre muitas outras, o Conservatório do Vale do Sousa tem sido uma fábrica de sonhos para muitos desses jovens que querem singrar na música, afirmando-se como uma excelente escola com resultados à vista. São disso exemplo todos aqueles que viraram profissionais, um excelente cartaz para o Conservatório, uma honra para professores e dirigentes da ACML e um orgulho para os pais. E isso ficou bem patente no excelente Concerto de Natal que alunos e professores do Conservatório deram recentemente na Casa da Música, no Porto.

No entanto, sendo muito difícil assegurar a sustentabilidade de uma instituição como aquela, é importante que a estrutura diretiva da ACML tenha tranquilidade e paz necessárias para se concentrar no que é essencial e esquecer o que é acessório.

E nesse acessório estão (ainda) os problemas levantados por alguns músicos que deixaram a banda da ACML há alguns anos (mas levaram bens que a esta pertencem) e provocaram um conflito aberto e continuado, já apelidado de “terrorismo psicológico”, só possível pela morosidade da justiça e dos seus absurdos. Por isso, já é tempo de meterem a mão na consciência, repensarem a sua postura e porem um ponto final nessa “guerra” sem sentido. Seria um ponto a seu favor e… muitos mais a favor de todos nós… comunidade.

Fechado para balanço…

O final do ano é o momento ideal para avaliar os resultados de mais trezentos e sessenta e seis dias de vida e, por isso, no dia trinta e um de Dezembro fiz o mesmo que qualquer estabelecimento comercial faz (ou fazia): Fechar para balanço. No entanto, não me socorri do contabilista senão iria falar-me em ativos e passivos, património e resultados, credores e devedores, matérias primas e amortizações e, com franqueza, não estava para aí virado. Também estava em desvantagem em relação a qualquer casa comercial porque elas podem fechar a porta para fazer o balanço mas eu, não. É que o diabo da minha “máquina” trabalha vinte e quatro horas sobre vinte e quatro (e ainda bem) e, por isso, estou naquilo que os contabilistas chamam de “inventário permanente”.

Pensei começar pelo lado financeiro mas, com franqueza, será que valia a pena avaliar os “resultados negativos”, os “devedores” que já deixaram de atender o telemóvel há muito tempo e os amigos (falsos) que me “cravaram”, fazendo com que perdesse o dinheiro e o amigo? Claro que nem precisava de perder tempo com a balança e o balanço para confirmar que estou mais pobre porque os “ativos” diminuíram de forma vertiginosa. Quem o não é?

Importante a verificar no ano que findou é que completei mais um de vida e terei menos um para viver (é a história do copo meio cheio ou meio vazio…). Só por isso, tenho que estar muito agradecido pois, pelo caminho, partiram familiares, amigos e muitos conhecidos, tantos deles muito mais novos do que eu, “abatidos” ao meu “património” pessoal. Mas é uma alegria enorme continuar a ter comigo a minha mãe, já para além dos noventa mas com saúde, qualidade de vida e mente viva de fazer inveja a qualquer um, a Luísa com todos os seus problemas mas que continua a fazer-me companhia e os filhos e suas companheiras. E até a nossa cadela “Diana” se tornou cada vez mais uma companhia, ao ponto de já não saber quem é que faz companhia a quem. É que ela só está bem quando alguém está por perto. E, por isso mesmo, tem o “trabalho chato” de se estender ao comprido na sala e ressonar alto e em bom som para “darmos conta” que está presente. Posso contar com ela. Podia pedir mais? Não porque, nas coisas verdadeiramente importantes da vida, o ano deu-me tudo. Obrigado, Bom Deus. Assim, prefiro nem falar na paciência que é preciso ter para aturar certas coisas e pessoas mas, mesmo isso, espero que entre como compensação na “amortização” dos meus pecados. Ao aturarem-me a mim, outros dirão o mesmo…

Em Itália, menos preocupados com o balanço e mais com o “aliviar” da carga, os italianos foram incentivados a lançarem pela janela fora os tachos velhos e os vasos rachados ao soarem as doze badaladas, num sinal de que nos devemos desfazer das coisas menos boas do ano que acaba, atirando-as para o rol do esquecimento, para dar lugar às novas. Será mesmo isso que devemos fazer ao mudar de ano? O ano velho trouxe-nos problemas de saúde, ressentimentos, faltas de dinheiro, fracassos, injustiças, desemprego, perda de alguém muito querido, hipotecas, entrega da casa ao banco e muitas outras coisas menos boas. E o novo, só pelo facto de mudarmos de trinta e um para o dia um, vai trazer-nos saúde, dinheiro e amor? Sucesso, fama e glória? Poderemos acreditar que, por um “decreto de esperança” a partir de Janeiro seremos todos felizes pois só haverá paz entre os homens, justiça, riqueza, solidariedade e tudo o mais?

As mudanças não ocorrem só porque acabou o ano de 2016 e começou 2017, nem por atirarmos pela janela fora os trastes velhos e, muito menos, por manifestarmos um conjunto de desejos, sonhos e promessas a alcançar no ano que começa, e que repetimos sempre no final de cada ano. As verdadeiras mudanças só ocorrem se “nós mudarmos”, se formos capazes de nos libertar de preconceitos que nos “amarram” e recuperar valores que deixamos escapar.

Ao soarem as doze badaladas da noite de fim de ano ou de uma outra noite qualquer, deveríamos ser capazes de seguir os conselhos do escritor moçambicano Mia Couto, proferidos na oração de sapiência que fez numa universidade de Moçambique. Nessa brilhante oração defendeu que “não podemos entrar na modernidade com o atual fardo de preconceitos”. E que, “à porta da modernidade, precisamos de nos descalçar”. Por analogia, eu substituo “modernidade” pelo “Novo Ano”. E diz ele, que encontrou “sete sapatos sujos que precisamos de deixar na soleira da porta dos tempos novos”, isto é, na soleira da porta do Ano Novo. São eles:

“Primeiro sapato: A ideia de que os culpados são sempre os outros”.

“Segundo sapato: A ideia de que o sucesso não nasce do trabalho”.

“Terceiro sapato: O preconceito de quem critica é um inimigo”.

“Quarto sapato: A ideia de que mudar as palavras muda a realidade”.

“Quinto sapato: A vergonha de ser pobre e o culto das aparências”.

“Sexto sapato: A passividade perante a injustiça”.

“Sétimo sapato: A ideia de que, para sermos modernos, temos de imitar os outros”.

Sete sapatos que precisamos deitar fora, sete lições de vida, sete atos de contrição. Cada um de nós deve olhar para a sua “sapateira” e perceber o que ali tem a mais. Sermos capazes de nos libertar desses sapatos sujos é muito importante para crescermos, ainda que tenhamos de caminhar descalços. Mas de alma lavada…