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Por favor, não façam de nós burros

Invocando o interesse público sobre o interesse individual dos cidadãos, os governos tendem a impor cada vez mais regulação pondo cá fora leis atrás de leis, numa “diarreia legislativa” que chega a ser ridícula, muitas das quais são estúpidas e inúteis e cujo destino é o caixote de lixo. Por esse mundo fora multiplicam-se os exemplos, como se tratasse de um concurso de estupidez. Na Suécia, o único sítio onde se podem comprar bebidas alcoólicas é na Systembolaget, uma cadeia de lojas estatal onde o controle de venda é rigoroso e a carga fiscal elevada. Objetivo: Reduzir o consumo de álcool no país. Resultado? Funciona ao contrário: Todos os suecos fabricam bebidas alcoólicas em casa e nunca vi tão grande “bebedeira coletiva” como lá, enquanto no bar só se vendia água e sumos!!! No Reino Unido, já criaram zonas “livres de álcool”, onde é proibido o consumo. Vao dar no mesmo. Nos Estados Unidos, é proibido embebedar… peixes (Ainda se fossem os perus, vá que não vá. Mas, peixes!!!). Noutro estado, não se pode conduzir… de olhos vendados (Esta não lembraria ao diabo…). E também não se pode jogar dominó aos domingos (Claro. As peças do dominó têm direito ao descanso dominical…). Ah, e cada pessoa tem de tomar banho pelo menos… uma vez por ano (Este filme já passou por cá há mais de meio século)… É proibido comer em lugares onde haja… incêndio, tal como as brigas entre cães e… gatos (Será possível?). Já em Israel, não é permitido meter o dedo no nariz… aos sábados (Quer dizer: A limpeza do nariz tem um dia de tréguas). Na Austrália, só os eletricistas podem trocar… lâmpadas (Está visto que é trabalho muito especializado…). Na Inglaterra, as vendedoras podem fazer topless, mas só em lojas de peixes tropicais (Não devem faltar homens a comprar peixinhos…). Em França, não se pode batizar um porco de… Napoleão (O imperador pode-se levantar do túmulo e o caldo fica entornado). Por esse mundo fora, é a estupidez feita lei.

E por cá? Não se chega a tal requinte, mas há uns arremedos de quem não quer ficar para trás…

Vem isto a propósito do anúncio de que “o governo está decidido a impedir a realização de jogos de futebol nos dias de atos eleitorais e a ponderar estender esta medida a todos os espetáculos desportivos, para além do futebol”, tendo a intenção de criar legislação para tal. O porta voz do Conselho de Ministros até argumentou que assim “haverá maior liberdade de tempo e deixarão de haver problemas de trânsito”. O secretário de estado do desporto foi mais longe, dizendo que se “procura reduzir ao mínimo os fatores que distraiam os cidadãos em dia de eleições”.

Com franqueza, não sei se devo rir ou chorar com a pobreza dos argumentos invocados: “Maior liberdade de tempo, acabam os problemas de trânsito e reduzem a distração dos portugueses”!!! Bestial. Vejam só, o que se espera de uma lei… inútil. Era preferível confessar que não sabem o que fazer para combater a elevada abstenção eleitoral. Então, inventam e o resto é conversa para “inglês ver”. Não são capazes de mobilizar os cidadãos para o exercício da cidadania, nem restaurar a credibilidade dos políticos no seio do povo, de quem estão divorciados.

Mas nem precisavam de inventar porque outros países resolveram bem o problema, baixando muito a abstenção. É só copiar. Em vez de proibir espetáculos desportivos ou o que quer que seja, escolheram outro dia e assim, eleições e futebol não coincidem. Difícil? Mas, se querem ser duros, imponham o voto obrigatório. Tenham coragem. E quem não for votar? Vai preso, tem de andar com uma estrela na lapela como os judeus ou obrigado a saber de cor o nome completo de governantes, deputados e autarcas. São homens para isso? Se calhar, vontade não falta, mas precisam de muito mais que isso…

Está claro que, quem quer mesmo votar, vota, ainda que o seu clube jogue nesse dia, que tenha de ir ao centro comercial com a mulher ou com os filhos ao cinema. Mas tem de estar mobilizado para votar e aí é que reside o “busílis” da questão. E metade do povo não está.

O futebol é um fator de distração? Claro que sim. No entanto, que se saiba, até agora foram os políticos que se aproveitaram dessa “distração” para lançar à socapa aumento de impostos, sobretaxas e outras formas de nos irem ao bolso, enquanto estamos distraídos com a bola. “Assim distraídos, não vemos o oportunismo cobarde”. E se a abstenção é grande, não é por haver futebol, mas sim porque é grande a desilusão com políticos e politicas, resultado da corrupção, caciquismo, desvio de fundos, demagogia, clientelismo e arrogância. Fingem que não sabem ou é um jogo de enganos? Por favor, não façam de nós burros.

A lei não vai resultar e o povo continuará a optar pela praia onde há “beldades” para mirar, pelos “shopings”, que tem montras e saldos ou por uma fuga ao Algarve. Mas, se teimarem em aprovar a lei, como o resultado vai ser igual a zero, o que se segue? Fecham teatros, Jardim Zoológico, cinemas e o Oceanário? Museus e discotecas? Esplanadas? Restaurantes e cafés? Vedam as praias para não irmos pôr o cu de molho? Pois eu sou contra. Se o fizerem, não vou votar. Serei mais entre milhões. Quero ter a liberdade de escolher entre ir à bola ou não. Depois de passar metade da semana a ler e ver tudo sobre a jornada e todas as notícias mais estranhas e estúpidas, como me podem tirar o direito de ver o jogo? Não é justo. Nos dias seguintes quero poder discutir os lances polémicos com os amigos e analisar o jogo ao pormenor, ainda que isso pareça demasiado redutor aos intelectuais. Impedir-me disso, é condicionar a minha liberdade. Eu quero que respeitem o meu direito de ir à bola. E não esqueçam que, se aprovarem a lei, será um fiasco total… Vão continuar os problemas de trânsito com filas enormes a caminho do Algarve e do interior, vamos manter-nos distraídos nos copos, a ver um filme ou a gastar a massa no shoping, pois é para isso que eles existem… Ou também nos vão proibir isso?

Ir ao estádio, gritar, chamar “gatuno” ao árbitro e “molengões” aos jogadores, quanto mais não seja para “desopilar”, dá saúde a um homem que não pode desabafar no dia a dia. É melhor do que ir ao psiquiatra ou à bruxa. Por isso, arranjem outro bode expiatório, outro motivo para a abstenção… E deixem-nos em paz, “distraídos” com a bola…

Ah, já agora, ir à bola é um direito e não o quero perder, por questões de princípio… Mas já não vejo jogos de futebol há anos e nem sequer leio jornais desportivos… Então, se não sou afetado? Continuo a defender o direito de poder ir à bola… quando me apetecer. Mesmo em dia de eleições… Mesmo que não vá…

Correr ou andar a passo de boi?

Recordo-me frequentemente do meu amigo Bernardo dizer com ar de entendido na matéria: “Qualidade de vida têm as pessoas que vivem no interior transmontano e que marcam o seu ritmo de vida ao do meio de transporte que usam, isto é, o boi. E fazem tudo à sua cadência, sem pressas, sem correrias, havendo tempo para tudo. Como eu gostaria de viver assim… Na cidade, o ritmo é marcado pelo automóvel. É por isso que todos correm e saltam para se desviarem dos autocarros e outros veículos. Andam apressados mas sempre atrasados. A vida é acelerada”. A verdade é que pautou a sua vida sem esta mania de querermos fazer tudo em pouco tempo, sempre para ontem, como se fossemos capazes de acabar com o trabalho.

Quando me lembro das suas palavras, vem-me à memória a imagem do senhor Virgílio, de Malhadas (Miranda do Douro), seguindo atrás do gado a caminho do lameiro. O seu andamento era claramente “a passo de boi”. Já no lameiro, grande parte do tempo ficava deitado à sombra de um ulmeiro junto ao muro de pedras, a dormir. Era um homem feliz, que gostava de receber bem. E eu que o diga, pois pude usufruir desse bom gosto, à volta da sua lareira…

Há alguns anos, um industrial de confecção cá da região montou uma fábrica bem no interior do país, a pensar nas facilidades de mão de obra, embora alegasse que era para ajudar o povo de lá. Não durou muito a aventura. Viria a desistir encerrando a fábrica, alegando as mesmas razões: “As pessoas de lá não têm ritmo e a produção ressentia-se muito”.

Na última ida aos Açores, entregamo-nos ao senhor Paulo taxista para nos mostrar alguns pontos turísticos da ilha Terceira. É a melhor forma de conhecer os lugares mais emblemáticos… Durante a viagem, foi-nos dizendo que os açorianos apreciam melhor a vida do que os continentais. Não têm pressa para nada. Vivem ao seu ritmo, lento, que não é bem aquele que qualquer empresário do continente pretende para os seus trabalhadores. E isso é tão certo e atual que, recentemente, uma empresa de construção continental que tomou conta e fez uma grande obra na Terceira, só conseguiu concretizar a obra levando todos os trabalhadores do continente porque, “com os trabalhadores de cá não ia a lado nenhum”. E contou isto como uma virtude local, que ele próprio aprecia e defende. Porque, nas suas palavras, “vivemos melhor a vida. Vocês, continentais, não têm tempo para vós”. É verdade que eles não correm, a não ser nas touradas a fugir do touro. Mas nem são muitos os que o fazem pois a maioria limita-se a ver, em local protegido.

O meu amigo Rui em tempos, fez parte de uma sociedade que montou uma fábrica numa das principais ilhas do arquipélago, com o objetivo de trabalhar madeira de criptoméria. Esta madeira é muito bonita e ainda tem a vantagem de ser leve, quase como a madeira de balsa. Na sua qualidade de técnico, participou na montagem da fábrica como dirigiu o fabrico. Mas, bem cedo se apercebeu que não ia resultar. É que ele nunca sabia quantas pessoas iam aparecer para trabalhar. O pessoal ia quando lhe convinha… e queria. Diziam-lhe até com toda a naturalidade: “Vocês no continente têm três velocidades: Parado, a andar e depressa. Nós aqui só temos duas: A andar e parado”. Pouco tempo durou o sonho industrial nos Açores…

Na ilha Terceira há a tradição da “tourada à corda” e, no verão, são diárias. Muitos açorianos largam tudo o que têm a fazer para irem assistir. O Governo Regional teve de publicar uma lei, proibindo as touradas antes das dezassete horas, para evitar a “debandada” dos locais de trabalho…

Será que o corre, corre da vida está certo ou certos estão os açorianos que vivem a vida ao ritmo da natureza? Será que nós seres humanos fomos feitos para andar à velocidade da luz ou a querer chegar lá? A verdade é que de avião não vemos a paisagem e pior será se for de foguetão. Mas, montados num burro ou a passo, temos todo o tempo do mundo para apreciar a paisagem. E o que será melhor para a nossa saúde, física e mental?

O meu primo Nuno, a viver nos Açores (nem de propósito…), enviou-me um e-mail com uma entrevista (polémica) do dr. Paulo Ubiratan, de Porto Alegre (Brasil), em que faz a defesa do contrário do que nos é habitualmente recomendado. Como diz ele, “encontrei o médico de família certo… e não quero outro”!!! Quando perguntaram ao médico se exercícios cardiovasculares prolongam a vida, ele respondeu: “O seu coração foi feito para bater durante uma quantidade de vezes e só… não desperdice essas batidas em exercícios. Eventualmente, tudo se acaba. Acelerar o seu coração não o vai fazer viver mais: isso é como dizer que pode prolongar a vida do seu carro conduzindo mais depressa. Quer viver mais? Faça uma soneca”!!! E à questão se devemos cortar na carne vermelha e comer mais frutas e legumes, a resposta também foi surpreendente: “É preciso entender a logística da eficiência… O que é que a vaca come? Feno e milho. E isso o que é? Vegetais. Então, o bife nada mais é do que uma forma eficiente de adicionar vegetais ao seu sistema. Tem necessidade de grãos? Coma frango”! Quanto o questionaram se chocolate faz mal, foi peremptório: “Está doido? Cacau!!! Outro vegetal!!! É a melhor comida para se ser feliz”!!! E ainda recomendou: “E lembre-se: A vida não deve ser uma viagem para o túmulo com a intenção de chegar lá são e salvo e com um corpo lindo, atraente e bem preservado. O melhor é gozar a vida – cerveja numa mão, petisco na outra! – E possuir um corpo completamente gasto, totalmente usado, gritando: VALEU!!! QUE VIAGEM!!!

Até porque, se caminhar fosse saudável, o carteiro seria imortal! O coelho corre e pula e só vive 15 anos. Mas a tartaruga não corre, não pula, não faz nada e… vive até aos 450 anos”!!! Afinal, quem está certo”?