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Como gostamos de nos “coçar”!!!

Uma das imagens que retenho da infância como se tivesse ocorrido há poucos dias, é a de uma mãe de lenço preto na cabeça, sentada num banco e debruçada sobre a cabeça do filho com as mãos enfiadas no cabelo da criança, a catar piolhos. O “coçar a cabeça” era o sinal de alerta para a existência dos parasitas e “catá-los à mão” a única forma de os eliminar, um a um, até a cabeça ficar limpa… Ainda não existiam produtos para os matar e só anos mais tarde surgiria o DDT, inseticida usado na agricultura mas que “uns espertos” utilizaram para eliminar os piolhos das cabeças, sem se aperceberem (e sem estarem sequer preocupados com isso) que estavam a contaminar as crianças (e, afinal, também os produtos agrícolas). Mas isso é outra história… O que queria realçar era o “coçar a cabeça” quando se apanhava uma camada de piolhos.

Se (quase) desapareceram os piolhos, não quer dizer que tenhamos deixado de “coçar a cabeça”, especialmente nós, homens. Parece que cada vez a coçamos mais, não tanto pela bicharada mas por tiques nervosos, pelas preocupações da vida, pela caspa e outros males capilares. Cá em casa dizem-me que fiquei careca por coçar muito a minha…

Coçar é um hábito e uma necessidade que os humanos têm e, por isso, penso que pertencemos a uma espécie de animais que se devia chamar de… “coçadores”. É que, coçamos tanto!!!

Há os “coçadores de esquinas” (como não fazem nada nem querem fazer, é nisso que ocupam o seu tempo), os “coçadores de ouvido” (que são imensos), os “coçadores de micose”, os “coçadores de costas” e muitos outros tipos de “coçadores”. Até nalguns programas de televisão os apresentadores mais não fazem que convidar outros “artistas” para se “coçarem” uns aos outros… Pelas audiências, a maioria dos portugueses até gosta de ver essas “coçadeiras”…

Nesta “arte” milenar, também somos muito bons a “coçar o cu” (coisa que as mulheres odeiam ver). Ora, o hábito é tão vulgar entre nós que há mesmo quem proponha a sua promoção a desporto nacional quando praticado nos supermercados, tal o seu enraizamento no nosso quotidiano. Se olharmos com atenção quando fazemos compras, não faltam homens a mandar a “manápula” às nádegas e a coçá-las. Alguns tentam ser discretos e viram o “pacote” contra as prateleiras para não serem vistos por outros clientes no “aliviar” da comichão… Os distraídos, enquanto circulam pela loja, vão “esgadanhando” o “rabiote” com toda a naturalidade, nada preocupados se há “mirones” à vista, chegando mesmo a levantar a perna para os dedos “coçarem” mais fundo, entre as “bochechas”. Uma coisa temos de reconhecer: Todos coçam por cima das calças, usando estas como “luva de proteção” para os dedos, o que é higiénico, diga-se. No entanto, embora raros, há alguns que não se inibem de enfiar a mão por dentro das calças para coçar “à maneira”, quase “revirando os olhos” ao “coçar o olho”… E depois é vê-los a mexer na fruta ou nos legumes, quando não a levar os dedos ao nariz!!! Era caso para fazer uma pergunta… mas não faço.

Nisto de nos coçarmos, não é justo que, se a “coçada” for feita por alguns seja vista como gesto natural, enquanto se feita pela maioria possa ser julgada como indecorosa ou mesmo gesto obsceno. E falo daquilo que os brasileiros chamam de “coçar o saco”, que entre nós é tido como “coçar os frutos do tomateiro”. Tornou-se comum entre jogadores, mesmo quando o jogo é transmitido pela televisão, “coçarem o saco” por fora ou por dentro dos calções, com o maior “à vontade”. Ainda há pouco estava a ver imagens do Cristiano Ronaldo em pleno “trabalho”… E, se forem vedetas da pop, usam-no como gesto tido por “sensual”, uma “mais valia” na dança porque se trata de “arte”… Pois é, nas vedetas é uma coisa muito bonita mas, se for o cidadão comum a coçar “as joias da família” em lugar público, as mulheres não gostam e o gesto é indecoroso. Se pensarmos bem, o cidadão comum tem muito mais razões para o fazer pois, para si, é uma necessidade. Tentemos imaginar as “joias da família” ensacadas e em local apertado por roupa justa, sem espaço de manobra nem arejamento, o que faz aumentar a temperatura local para valores acima da média!!!… Está bom de ver a “comichão” que deve dar…

Mas é a um grupo de “coçadores” que me quero referir em especial, pois há muito povoam governos, municípios, organismos e empresas públicas, gente que por um “empurrão” do partido ou a “bênção dum padrinho”, arranjou “lugar ao sol” onde não faz “a ponta dum c…” mas usufrui de um salário acima da média, “coçando o cu” de cadeira em cadeira para ser visto “a trabalhar”. Sempre que mudam governos ou poderes instituídos, há novos “ocupantes” e, independentemente de quem (des)governa este país, vamos ter de “gramar” outros “coçadores” de todo o tipo de “buracos”, de todo o tipo de “legumes”, em nome do (des)interesse nacional e da “obediência partidária”.

É caso para perguntar: O mérito interessa para alguma coisa ou o que importa é ser um “bom coçador”?

Como é possível?

Sempre me fascinaram os mágicos e o como conseguiam concretizar as habilidades. Para mim, enquanto criança, só podia ser magia. E ainda hoje fico encantado quando vejo um bom truque, uma boa ilusão, mas já estou consciente que não passa disso mesmo: Uma ilusão. Porque, na realidade, não há magia. O nosso cérebro tem algumas falhas e os mágicos aproveitam-se delas. A maior, é o facto de não conseguir realizar diversas tarefas ao mesmo tempo. Daí o uso do desvio da atenção para nos surpreender. Uma das técnicas que utilizam é o chamado “movimento suspeito”, chamando dessa forma a atenção numa direção errada, onde nos focamos, enquanto noutra fazem tudo o que querem sem “vermos” nada. Quanto mais conseguem levar as nossas mentes ao longo de uma pista falsa, mais sucesso têm. Para além dos gestos óbvios, também falam muito com o intuito de nos prender a atenção, usando o foco e a distração.

Está provado que a experiência e a inteligência não protegem ninguém contra golpes mas sabe-se que as vítimas dos golpes, como “o conto do vigário”, têm características comuns. Além disso, os golpistas e burlões usam um conjunto de princípios para atingirem os seus fins, dos quais alguns são comuns aos mágicos.

Nos anos setenta e oitenta foi célebre o caso D. Branca, a “banqueira do povo”, que pagava juros de dez por cento ao mês. Muito badalado, analisado e discutido pelo tipo de vigarice e montantes de dinheiro “derretidos”, serviu de exemplo para histórias (e práticas) futuras. E, na realidade, vieram a surgir “outras donas Branca”, outros modelos de vigarice disfarçados de “aplicações especiais” e “investimentos milagrosos”, levando muita gente a “aplicar” o seu dinheiro na certeza de ganhos fáceis que, para “quem não andou da perna”, se revelaram um desastre total. Por cá, é bem conhecido um caso recente que pagava aos seus “clientes” os tais dez por cento ao mês (como a D. Branca), “abastecido de investidores” por angariadores locais, até as autoridades porem fim ao “negócio”, com prisões à mistura, o “desaparecimento da massa” e os investidores “a arder”. Igualmente foi noticiado um caso na Madeira em que uma empresa, dita legal, fechou as portas de repente fazendo “voar” dezenas de milhões de euros de investidos insulares, a troco do sonho de “ganhos excelentes”. Apesar deste caso, bem noticiado, também aqui na região uma empresa do gênero “engoliu” alguns milhões para desaparecer e, com ela, o “cacau”, deixando a “berrar” os que antes, iludidos, “berravam de contentes”. E nem falo na “roda” ou “rede”, aquelas reuniões em hotéis com espetáculo e comes e bebes que se continuam a fazer por aí, em que se pagam mil euros para inscrição na rede e se recebe, depois, duzentos e cinquenta por cada “pato” que se consiga levar a entrar. A “roda” continua a alimenta-se a si própria, até ao infinito… Mas continuamos a não aprender, ofuscados pela ilusão do enriquecimento fácil mesmo que ilícito, deixando-nos iludir pelos golpistas e seus “truques”, alguns dos que os mágicos usam para nos divertirem. Só que, aqui, são os golpistas que se divertem.

Sabe-se agora que na região apareceu um novo golpe, um novo esquema, uma burla monstruosa que aposta forte na tentação do (muito) dinheiro “barato”. O exagero dos ganhos propostos raia o absurdo e a falta de pudor mas, ao que parece, “quanto maior é a mentira mais fácil é acreditar nela”. E já há “vítimas”, gente “ofuscada” com “tanto benefício” que não perdeu tempo a arriscar. E perdeu… O angariador aborda pessoas que conhece e sabe terem dinheiro ou condições de consegui-lo. E faz a proposta: “Negócio fabuloso. Arranjas cem mil euros e recebes em troca trezentos mil” (às vezes sobem para quatrocentos ou quinhentos mil euros). Se o candidato a vítima fica “focado” no lucro (que negócio!!!), começa a pressão para “fechar”, depressa, o fator “tempo” para não dar tempo a raciocinar. A pressão sobe quando o angariador apresenta o “sócio”, que ajuda no “cerco à vítima”. Se questionados sobre a origem do dinheiro, dizem que sai da Casa da Moeda e será dado como roubado ou perdido. Que o “negócio” total é de trezentos mil por QUATRO MILHÕES mas, “alguns milhões terão de ir para o estrangeiro pois, como as notas têm números seguidos, é necessário espalhá-las por vários países”… Para além de usarem o “tempo” (rapidez na ação), também utilizam a “desonestidade” (benefício na ilegalidade) para convencer a vítima.

Num concelho vizinho, cinco empresários foram convencidos por um angariador a “entrarem” com vinte mil euros cada, com a promessa de receberem meio milhão. Para efetuarem “a troca”, foram levados a uma casa no Porto. A sala tinha uma mesa coberta de maços de notas de quinhentos euros, que puderam ver, tocar e analisar se era real. E ficaram empolgados, ansiosos por “pôr a mão na massa”. Estimulado o apetite, os “negociantes” cobriram-nas com um cobertor. Depois, passou-se algo estranho que não perceberam – a mesa inverteu-se ou rodou. Logo de seguida, entregaram-lhes os quinhentos mil euros em caixas a troco dos seus cem mil. Carregados, voltaram de carro para a terra, em clima de euforia total. Mas, já na viagem, um deles pôs-se a “matutar” sobre a “cena final” e levantou a dúvida aos “sócios”, acabando por parar o carro para verificar o “papel”. Ao abrirem a caixa… o choque foi mais forte que “o coice de uma mula”: As notas de quinhentos euros estavam TODAS inutilizadas, descoradas, como se tivessem sido molhadas e a tinta desbotasse. A verdade, revelou-se brutal: FORAM BURLADOS.

Afinal, ELES continuam por aí… Velhos “atores de outros filmes”, com o mesmo FIM. Só precisam de oportunidade e “tempo de antena” para fazerem a sua “ilusão”, transformar a vítima em cúmplice e trazer ao de cima um dos lados maus da nossa condição humana: A GANÂNCIA…

Uvas, pipos, pipas e vinho

Foi ao ver o caseiro duma quinta a vindimar com a mulher e a filha e saber por ele que era o único pessoal com que podia contar, já que o vinho não dava para contratar gente de fora, que a memória me levou às vindimas da minha infância onde se juntava um “rancho” de gente voluntária, suficiente para resolver o problema de qualquer lavrador. Os homens vindimavam, as mulheres carregavam os cestos à cabeça para o carro de bois ou diretamente para o lagar e nós, crianças, apanhávamos os bagos (para nos estimularem, diziam-nos: “Conheço um senhor que fez dez pipas de vinho só com bagos…”). Enchia-se o lagar e só depois as dornas, sendo as uvas esmagadas por “pisadores” de calças arregaçadas e pés descalços “lavados” num alguidar (dizia-se que o vinho desinfetava tudo), cantando ao som da concertina ou da viola, enquanto comiam sardinhas assadas sobre um naco de broa. Na região, praticamente só havia vinho tinto, muito carregado e de baixa graduação. O pouco vinho branco das quintas era quase todo para os senhorios. A “paga” do pessoal era a comida farta, uma bênção nesses tempos verdadeiramente difíceis.

O vinho era “A Bebida”, consumido por todos como parte obrigatória da refeição. Por alguma razão o slogan publicitário dizia que “beber vinho, é dar de comer a um milhão de portugueses”. Para além das quintas, em todos os quintais havia videiras, plantadas antes de se “plantar” a casa. E, para guardar o vinho, tinham de existir pipos, pipas e toneis em madeira. Não sendo os meus pais agricultores, cresci no meio rural onde pipos e pipas eram coisa comum à maioria das casas, pois toda a gente tinha algum dos dois. Estas vasilhas sempre me atraíram, pelo formato, pela capacidade de armazenar líquidos sem verter, pelo modo como os carpinteiros/tanoeiros as reparavam, como faziam as aduelas curvando a madeira e as substituíam, como apertavam os aros de ferro, pela facilidade como carregavam aqueles “monstros” de mais de meia tonelada nos carros de bois e as colocavam em cima das vigas de madeira na mercearia do meu tio Peixoto. Para provar o vinho, fazia-se um furo na parte superior do tampo da frente da pipa com uma verruma que se tapava com o “esquiço”, um pauzinho aguçado. Era por esse pequeno orifício que se tirava vinho enquanto a pipa não tivesse torneira, aliviando ligeiramente o “batoque” de cima para entrar o ar por forma a que o esguicho fosse regular e constante. Gostava de ver o meu tio a “meter” a torneira na pipa e ficava sempre surpreendido por o conseguir fazer sem verter uma gota de vinho.

Foram muitas as vezes que confraternizei com amigos encostado ou sentado nas pipas e bebendo por uma caneca de porcelana. Recordo com especial prazer momentos desses na adega do senhor Melo, em Bustelo, comendo salpicão com broa e azeitonas na companhia do meu irmão e do Nelo, Eurico e Zé, seus netos. Se nós gostávamos desses momentos de convívio, muito mais prazer retirava o senhor Melo deles, uma oportunidade que “aproveitava” bem para fugir ao “controle” da esposa. Que saudades…

E lembrei-me disto porque tive de ir a casa de uma família humilde e, quando me preparava para regressar, o dono da casa convidou-me a entrar para comer qualquer coisa. Acabei por aceitar dada a insistência e manifestação de que ficaria melindrado se não aceitasse. Na mesa da cozinha a esposa já estendera uma toalha branca de linho, que ainda mais me avivou velhas recordações, e colocara um salpicão partido às rodelas, broa e azeitonas, para além de uma garrafa de vinho espadeiro da região que ele fez questão de me dizer que fora engarrafado por si. Não fiquei só encantado pela simpatia do gesto mas, também, por me transportar ao passado, a um tempo em que na maioria das casas se recebiam as visitas com esta franqueza e este tipo de merenda, sabendo-se que muitas vezes ofereciam o que eles próprios não tinham para comer, pois tinham de vender as melhores partes do porco para sobreviverem… Nesse tempo, oferecer aos visitantes um copo de vinho e uma “bucha”, sendo um gesto simples, normal e comum, era um sinal de apreço e respeito pela visita, uma manifestação de orgulho e da alegria de receber.

E isto relembrou-me ainda o ano em que fiz parte da comissão organizadora das Festas do Senhor dos Aflitos, um grande grupo de jovens, já lá vai um “tempo”… Entre outras coisas, tive de fazer o peditório em Macieira, a minha terra porque, potencialmente, podia arrecadar mais dinheiro que qualquer outro. Arranjei dois amigos para me acompanharem na “função” mas a missão não correu como eu previa. Porquê? Porque na maioria das casas onde entrava, quando dizia ao que ia ouvia um coro de desagrados e reclamações em relação à Vila. “Mas”, diziam, “tenho muito prazer em recebê-los em minha casa”. E, virando-se para a cozinha, gritavam: “Oh Maria, traz daí uma garrafa de vinho e uma bucha…” E nós tínhamos de comer a broa, o salpicão, as azeitonas e… beber um copo. Casa sim, casa sim, rica ou pobre… E, um copo nesta casa, outro na seguinte e mais outro e outro e outro, obrigou-nos a desistir a meio da tarde do primeiro dia por… “excesso de bom trato”. O que era previsível fazer num dia, demorou três, e os “culpados” foram os meus conterrâneos, pela “arte de bem receber”. A anos de distância, ainda hoje me emociono por tanto nobreza de alma, da muita gente simples e pobre que oferecia o seu melhor. Uma lição que não tem preço…