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Páscoa, que tradição?

A Páscoa cristã é a festa da celebração da vida sobre a morte, pela Ressurreição de Jesus e é tida como o dia mais importante do calendário cristão. Mas a Páscoa tradicional associou-lhe outros símbolos, uns com algum significado e outros meros produtos que o marketing publicitário conseguiu impor.

Dos ramos (normalmente de oliveira) à cruz, passando pelos óleos, lava-pés, fogo, círios, velas e campainhas, entre outros, para não falar do coelho, símbolo da fertilidade, e dos ovos, símbolo de uma nova vida, são muitos os que fazem parte desta festa religiosa. Nas minhas imagens mais distantes, revejo uma Páscoa tradicional, praticada com fervor religioso e muita alegria.

No domingo anterior participava na missa do domingo de ramos, carregando um grande ramo de oliveira, mais ou menos decorado, disputando o tamanho com os outros rapazes, havendo mesmo quem chegasse a levar uma árvore inteira. Celebrava-se a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, ovacionado por uma turba de gente que dias depois o havia de condenar e ver crucifixar.

Como é que não aprendemos mesmo nada… Durante a semana santa a minha mãe fazia uma autêntica “barrela” à casa, lavando-a por dentro e por fora, tal como toda a gente da aldeia, para receber o “SENHOR” com dignidade.

A confissão era obrigatória, e a participação na missa pascal, a Eucaristia de Aleluia, uma parte importante de todo o cerimonial. No dia de Páscoa, o “Compasso” percorria a aldeia e entrava em todas as casas, das mais humildes às mais ricas, não havendo quem não abrisse a porta a tão importante visita. E nós miúdos, geralmente com roupa nova, passávamos o dia com uma regueifa enfiada no braço, a prenda tão esperada pelos mais felizardos, ou com uma simples “pitinha” na mão, oferecidas pelos pais ou padrinhos, rua abaixo rua acima, ufanos com a melhor prenda do mundo. Atrás do “Compasso” não ia a banda porque não havia dinheiro para tal, mas ia o povo da aldeia, em festa, acrescido dos familiares que haviam vindo de mais ou menos longe, comungar no convívio e na amizade. Em casa ofereciam-se ovos ao senhor padre, que eram recolhidos num cesto por um acólito. Muito me interroguei para onde iam tantos ovos… E, aqui e ali iam rebentando alguns foguetes para anunciar a “chegada do Senhor”.

Anos mais tarde a minha avó passou a oferecer a cada neto uma rosca de pão de ló que a doceira de Aparecida trazia no próprio domingo, um luxo que duraria por alguns dias, até ao rapar do papel. Mas a Páscoa foi perdendo o seu simbolismo, perdendo algo do seu carácter sacro, com o desaparecimento de certos costumes da sua liturgia. Os hábitos foram-se alterando, assistindo-se a uma fuga progressiva às tradições pascais, acelerada pela melhoria das condições de vida da população, o que deu acesso a alternativas assentes em numerosa oferta turística. Muitas famílias começaram a aproveitar o período pascal para rumarem ao Algarve ou a um qualquer destino exótico, para trabalharem o “bronze” com vista a estarem apresentáveis nas próximas férias de verão. Até os adolescentes, estudantes do secundário, passaram a utilizar o período pascal para viagens de finalistas rumo a destinos turísticos junto ao Mediterrâneo na vizinha Espanha, para alguns dias de liberdade plena, longe do qualquer tipo de controle, permitindo-se exageros cujos resultados nem sempre têm um final feliz.

A Visita Pascal faz parte de um conjunto de práticas e valores espirituais que foram transmitidos de geração em geração, algo que é seguido e conservado com respeito e a que chamamos tradições. O que se questiona hoje é da importância dessas tradições e da sua prática, havendo quem defenda que a sociedade se deve modernizar e deitar tudo isso para o caixote do esquecimento. Mas será mesmo assim?

Uma sociedade que não tenha valores, que não tenha memória, que não preserve as suas raízes, é uma sociedade sem passado e sem futuro, sem cultura própria, atípica e monocórdica. As tradições fazem parte dos valores que nos diferenciam de outras sociedades, de outras culturas, e constituem em si mesmas uma riqueza única a preservar.

Os povos mais evoluídos fazem-no com muito cuidado e até as aproveitam como forma de promoção turística. Mas criou-se entre nós uma cultura de rejeição das tradições como se fossem incompatíveis com a modernidade, uma visão redutora e atrasada da questão. E no que diz respeito à tradição Pascal, mesmo para os que se afastaram ou não têm qualquer prática religiosa, é importante, quanto mais não seja, como ponto de encontro de familiares e velhos amigos de quem a vida nos afastou, para uma comunhão de afetos.

E em tempos de crise, em que começam a escassear os meios para férias pascais num qualquer destino em busca de momentos de felicidade, talvez seja tempo de procurar encontrar essa felicidade bem dentro de nós, onde é real, em vez de a procurarmos para lá do arco íris, onde tantas vezes não passa de uma miragem…

Hoje, devedores, e amanhã? Caloteiros?

O meu amigo João está radicado no Brasil há mais de cinquenta anos e, nos últimos, tem dividido o seu tempo entre o Rio de Janeiro e Lousada. Assim, foram inúmeras as viagens que fez do Rio para cá e vice versa.

Ora, no tempo em que para viajar era costume mandar fazer um guarda roupa novo, antes de uma dessas viagens de vinda o João foi ao seu alfaiate encomendar dois “paletós”, isto é, dois fatos. Ali encontrou outro português, com fama de caloteiro crónico, que também ia comprar um “paletó”. Depois do João ter acertado tudo com o alfaiate, seguiu-se o seu conhecido que fez uma “fita” terrível a marralhar o preço, obrigando o alfaiate a fazer-lhe desconto. Já cá fora, o João voltou-se para ele e disse-lhe: “ Oh meu amigo, para que é que você teve aquele trabalho todo pedindo para baixar o preço, se você não lhe vai pagar nunca”? E com a maior desfaçatez o outro respondeu-lhe: “Sabe, João, eu gosto muito daquele cara e é que assim… ELE PERDE MENOS…”

Circulou na net uma carta dita da autoria de um “caloteiro, que dizia mais ou menos o seguinte: “Prezados Senhores: Esta é a oitava notificação que recebo de V. Exas.. Acontece que estou devendo a outros e todos esperam que eu lhes pague. Contudo, os meus rendimentos mensais só permitem que eu pague duas prestações por mês, ficando as outras para o mês seguinte. Estou ciente que não sou injusto, daquele tipo de pessoas que prefere pagar a esta ou àquela empresa, em detrimento das demais. Ocorre o seguinte: Todos os meses quando recebo o meu salário, escrevo o nome dos meus credores em pequenos pedaços de papel que enrolo e coloco numa caixa. Depois, olhando para o lado, retiro dois papéis que são os “sortudos” que irão receber o meu rico dinheirinho. Os outros, paciência, ficam para o mês seguinte. Garanto aos senhores que a vossa empresa consta todos os meses na minha caixa. Se não lhes paguei ainda, foi porque os senhores estão com pouca sorte. Para acabar, uma advertência: Se continuarem com essa mania de me enviarem cartas de cobrança, ameaçadoras e insolentes, serei obrigado a excluir o nome de V. Exas. da caixa nos meus sorteios mensais. Cumprimentos”.

Sempre existiram caloteiros, mais ou menos conscientes, mais ou menos profissionais, embora em número tanto menor quanto mais recuarmos no tempo. Há meio século, ser-se bom pagador era uma questão de honra, caso contrário era uma vergonha para o próprio e para a família. Quando não se podia pagar era-se humilde, dava-se a cara pedindo desculpa e aceitando outras formas de liquidar o débito.

A transformação política, económica e social que o país sofreu, foi também acompanhada de uma perda de valores éticos, morais e religiosos a troco do materialismo em que o TER virou muito mais importante que o SER.

Era preciso ter a qualquer preço, mesmo que se tivesse de passar por cima de quem quer que seja. Daí o querer ter-se tudo, tantas vezes sem se poder. Foi assim que a sociedade deu lugar a uma geração de caloteiros desavergonhados, arrogantes, malcriados e até agressivos, orgulhosos de o serem, intimidando os credores como se estes fossem os culpados da sua desonra.

É vê-los a comprar carrão novo e a negarem-se a pagar o que devem, alegando não terem como. Nada têm em seu nome mas estão bem de vida, divorciam-se continuando a viver com a mulher, enquanto fazem falir empresas à sua volta sem qualquer tipo de escrúpulos. E o mais lamentável é que a ineficácia do nosso sistema de justiça joga a seu favor, diante do qual os lesados se questionam “afinal de que lado está a justiça?.

A crise veio pôr a nu ainda mais o bom e o mau que há em cada um de nós, pois é nos momentos difíceis que os homens se revelam: Homens ou moços. Podemos deixar de ter condições para pagar, para cumprir as nossas responsabilidades, tantas vezes por culpa de terceiros. Mas aí é preciso assumir (ainda mais), conversar em vez de não atender o telemóvel, aparecer em vez de fugir.

Mas vem tudo isto a propósito dos mais de duzentos mil milhões de euros (Uma pipa de massa) que o país deve e que me leva a perguntar: Qual era a intenção dos “homenzinhos” armados em governantes, de vários quadrantes políticos, que durante 38 anos criaram e esconderam o “monstro”? Pensariam em pagar só duas prestações à sorte, como o caloteiro da carta? Pensariam como o primeiro, em pedir para baixar o valor do débito para, não pagando nada, o prejuízo dos credores ser menor? Ou julgavam-se com esperteza suficiente para convencer os credores de que, afinal, eles é que nos deviam?

Uma coisa esses “homenzinhos” conseguiram: FAZER DE TODOS NÓS DEVEDORES, sem termos consciência de o sermos, em oposição aos casos citados. E amanhã? SE CALHAR, … “CALOTEIROS”.

O Espingardeiro

Há quem tenha nascido na época errada. Foi o caso do Alberto espingardeiro, nome como ficou conhecido não só entre as gentes de Lousada como entre caçadores e amantes de armas de fogo no norte do país, pois o seu engenho, arte e criatividade faziam com que merecesse ter nascido num outro tempo, com outros meios e oportunidades, que o seu talento natural mereciam.

Filho do senhor Paulino, trolha de profissão, e da senhora Albertina, era o mais velho de três irmãos de uma família humilde. Se durante algum tempo trabalhou como latoeiro, a sua habilidade e criatividade naturais levaram-no a aprender por si próprio os segredos das armas e a fazer autênticas maravilhas nesta arte, num tempo em que não existiam meios tecnológicos para a exercer. Já casado, vivia em Cernadelo mas tinha a sua oficina em metade de uma garagem que o meu pai construíra perto de casa.

Foi assim que desde a escola primária eu passava muito dos tempos livres na sua oficina para o “ajudar” a polir armas antes do “banho”, a acender a forja até pôr o ferro em brasa ou a fazer outra coisa qualquer. E ele sabia entusiasmar um miúdo como eu.

Ofereceu-me como prémio alguns revolveres velhos, que guardei como se tratasse de um grande tesouro, fazendo-me sonhar com aventuras de índios e cowboys. Não havia arma que não reparasse, independentemente de lhe ser familiar ou não e da gravidade da avaria, pois era só uma questão de tempo para a estudar. Caçadeiras de canos rebentados, gatilhos partidos, revolveres e pistolas com avarias mais ou menos complicadas, todas tinham solução nas suas mãos. Como não existiam peças para substituir as avariadas, fabricava-as a partir de uma barra de ferro, com uma precisão milimétrica Nas mãos dele vi nascer de pedaços de madeira, geralmente de nogueira, coronhas de espingarda que eram autênticas esculturas, trabalhadas artesanalmente com ferramentas rudimentares que fazia propositadamente para o efeito, e envernizadas com cuidado. A oxidação das partes metálicas, num “banho” especial por ele desenvolvido, dava aos canos e outras peças uma cor e um brilho tal, que as armas ficavam como novas.

Viajava na sua velha motorizada de capacete enfiado na cabeça, sempre a uma velocidade arrastada como se nunca tivesse pressa de chegar a lado nenhum. O almoço comia-o na oficina, afastando a ferramenta para o lado e fazendo da bancada de trabalho a sua mesa de refeições. E depois deste, prolongava o prazer da “mesa” deleitando-se a tocar flauta.

Era um bom conversador, sempre com resposta na ponta da língua, alguém com quem o tempo não aborrecia. Tinha um sentido crítico muito próprio e bem humorado, com conversas armadilhadas de gozo.

Num domingo depois da missa, eu ia para casa do Arnaldo e ao passarmos sobre o regato no lugar das Casas Novas, vimos bastantes peixes no canal que levava a água ao moinho, entre os quais uma truta razoável, meios zonzos, fruto de asneira grossa que alguém tinha feito dias antes no regato e da qual eu havia sido espectador inocente. Ao ver os peixes naquele estado, como tinha “culpas no cartório” e para “apagar indícios”, o Arnaldo tirou os sapatos, arregaçou as calças e meteu-se na água que não lhe chegava aos joelhos, para os apanhar. No momento ia a passar o espingardeiro na sua motorizada que, ao vê-lo naquela figura, parou e ficou a apreciar a cena.

Como o Arnaldo não conseguia apanhar a truta que, meia zonza, teimava em escapar-lhe, disse-lhe em tom conselheiro: “Apanha-a bem se a pescar “ao gueto”. O Arnaldo olhou-o e na sua inocência perguntou “como é que se pesca ao gueto”? Com ar de santo respondeu-lhe: ”Vire as costas à truta, desça as calças abaixo, ponha um bocado de pão no rabo e meta-se na água; quando a truta for comer o pão, aperta as bochechas e apanha-a”. Foi risada geral entre os miúdos que também vinham da missa e à nossa volta assistiam à “pescaria”.

Olho para trás do tempo e ainda ouço as notas da sua flauta e as suas conversas humoradas. Mas sobretudo, relembro um Homem humilde mas muito inteligente, de rara habilidade e poder criativo que, apesar de não ter vivido no tempo que merecia, foi um artista excepcional na sua arte.

Pela importância que teve nas pequenas coisas que me ajudaram a crescer, só posso dizer: Obrigado, senhor Alberto espingardeiro.

O pagador das promessas… dos outros

Quem não se lembra da Dona Branca, a “banqueira do povo”, uma mulher surgida do nada, que prometia pagar juros de 10% ao mês a quem investisse o seu dinheiro nela?

Recordo-me que, no decorrer de uma edição da Agrival em que participei, ter sido massacrado por um colega meu que se dizia seu colaborador, tentando vender-me a promessa de tais juros e garantindo-me o retorno do capital investido em dez meses, demasiado tentador para o mais cético. E ainda hoje me pergunto qual a razão porque não caí no logro…

A verdade é que muitos milhares de portugueses lhe entregaram as suas poupanças, alimentando uma ilusão que só pôde durar enquanto a entrada de dinheiro foi suficiente para alimentar o tal pagamento de juros, para além dos gastos e desvios feitos por ela e pelo bando que a rodeava. Quando isso se inverteu, ruiu o esquema e alguns milhões de contos tinham voado.

Resultado: Os investidores, na sua maioria gente humilde, pagaram a promessa … de outros. E como foi possível? Como é que uma mulher de aspeto tão simples conseguiu enganar tanta gente, alguns tidos como muito inteligentes? Bom, quanto maior é a mentira mais fácil é acreditar nela.

Os burlões normalmente usam a ganância ou a vaidade dos incautos como isco para os ludibriar, chamando-se a isso “ir buscar lã e sair tosquiado”. Este caso, apesar de muito badalado, não serviu de lição a ninguém porque outras “Donas Brancas” se seguiram e de que são exemplo os casos dos bancos BPP e BPN, noutra escala e com outra roupagem, que lhes conferia um ar de respeitabilidade. Se no caso do primeiro voltaram a ser os investidores a pagar as promessas… dos outros, já no caso do BPN quem pagou as ditas promessas… dos outros, não foram os investidores, aqueles que correram atrás da ilusão, mas todo um povo que nada tinha a ver com o caso, por decisão de meia dúzia de políticos, unilateralmente e em seu nome. Neste caso, foi o povo o pagador das promessas… dos outros.

Mas nisto de prometer e mandar a conta a outros, a lista é tão extensa que teria de escrever um livro e não um simples artigo de fim de semana, para relatar (só) os casos que conheço. Por isso vou-me ater numa área onde as promessas foram tantas, tantas ( e continuam a ser), que a fatura tinha de ser brutal… para (nós) os outros.

Após o 25 de Abril cada político passou a prometer mais do que o seu antecessor, num desaforo e descaramento impressionantes, sem cuidar de dizer quem pagaria a fatura. Prometeram-nos, e até lavraram na constituição deste país, educação, saúde e sei lá bem mais o quê, inteiramente grátis, autoestradas, hospitais, escolas, estádios, exposições mundiais e outras que tais, para que o nosso futuro fosse mais risonho, porque deveríamos pertencer ao pelotão da frente da Europa. E nós acreditamos…

Bom, o certo é que depressa se abriram os cordões da bolsa que a ditadura mantivera fechada, para cumprir o prometido. As obras começaram a ser feitas, o desenvolvimento aconteceu, embora o passo dado “fosse maior que a perna”. E se em 1975 se gastou mais do que se produziu, qual era o problema? Havia quem emprestasse dinheiro à república para que as promessas fossem sendo cumpridas. E no ano seguinte gastou-se novamente demais, dando origem a uma palavra nova para nós: o deficit. E a partir daí e até aos nossos dias, foi um regabofe de promessas, sensatas ou insensatas, pois o que era preciso era prometer para ganhar eleições e em muitos casos fazer, porque era no fazer que se pagavam favores, ganhavam comissões, encontravam patrocinadores para as campanhas eleitorais para prolongar o tempo no poder, em jogos de interesse onde a corrupção grassou e o dinheiro correu. E neste fazer de obra por todo o país esconderam-nos que se pedia mais e mais dinheiro a entidades externas cujo negócio é especular.

Mas continuamos a ser iludidos (e até participamos nessa ilusão pedindo para que fizesse mais do que o bom senso aconselharia). Por isso batemos palmas aos estádios de que agora ninguém quer ouvir falar, à Expo e ao Euro 2004 feitos para os políticos se porem em bicos de pé, às autoestradas exigidas pelo interior convencidos que iriam ser à borla e que agora vão pagar com língua de palmo (desprovidos que foram de alternativas), aos hospitais e outros que tais feitos pelas parcerias público/privadas de que ninguém quer ser pai, etc., etc. … E ainda ficaram na gaveta o TGV, o aeroporto da Ota/Alcochete, a nova travessia do Tejo, a miragem de uma candidatura aos Jogos Olímpicos., por falta de tempo para…

Mas os credores, esses “amigos” que nos financiaram nestes quase 40 anos sem se esquecerem de cobrar juros cada vez mais altos, ao verem que corriam o risco de nem esses juros receberem, disseram “BASTA”, impondo-nos a Tróika. E vieram novos governantes, rapidamente transformados em “comissão liquidatária” ou “administração da massa falida” e que, perante a fatura das promessas dos inúmeros (ir)responsáveis que os antecederam (dotados de imunidade criminal) e que nos prometeram o Céu enquanto nos preparavam o Inferno, agiram como “baratas tontas”, sem rumo nem objetivo.

E é por isso que nós, Povo deste país, estamos a ser espoliados, empobrecidos brutalmente, obrigados a ser os Pagadores das Promessas… dos Outros.

Zé do Telhado, “E eu é que sou ladrão!?”

Tenho uma atração especial por essa figura mítica, misto de bandido e benfeitor, que foi o Zé do Telhado. Talvez pelas histórias contadas pela minha avó ou mesmo por ter vivido muito perto da casa de Talhos, uma das que assaltou, ficou-me a curiosidade, porque não, a admiração por esse homem.

Nascido há cerca de duzentos anos (1818), foi a partir de Caíde que se tornou homem casado, militar distinto e salteador com cunho de repartidor, louvado no coração do povo.

Tornou-se militar nos “Lanceiros da Rainha” em Lisboa, onde se distinguiu pela sua conduta e coragem, levando-o a tomar parte na luta pelos liberais contra os setembristas. Derrotado, fugiria para Espanha, de onde regressou para aderir à Revolução da Maria da Fonte às ordens do general Sá da Bandeira.

Nessa luta foi notável pela sua bravura, que o levaria a receber a mais alta condecoração de Portugal. Com a derrota da revolução, caiu em desgraça e foi expulso do exército, regressando a casa pobre e ostracizado pelos vencedores.

É o paradoxo: Se a revolução tem vencido, as suas qualidades de valoroso combatente e homem de coragem ter-lhe iam aberto as portas ao reconhecimento como herói, à retribuição dos vencedores e ao acesso às benesses que o poder distribui (já vi este filme…). Mas ao sair vencido, viu-se marginalizado, sem direito a trabalho que lhe permitisse sustentar a família, presa fácil para os que o tentavam para o caminho dos assaltos como única saída.

Como assaltante foi corajoso e, coisa rara, cavalheiro, impondo alguns códigos de conduta ao seu bando, desde o respeito pelos mais fracos e pelas mulheres. Só roubava os ricos e fazia questão de distribuir parte do produto dos roubos pelos pobres.

Foi sempre um homem com dignidade, não virando a cara à luta onde quer que fosse, tanto como combatente ao serviço do reino ou das causas que defendeu, como nos assaltos ou nas disputas nas feiras e romarias.

A benemerência do salteador terá ofendido mais os poderes de então do que propriamente os roubos que fez e talvez por isso tenha sido perseguido sem tréguas. E a denúncia das injustiças sociais fizeram com que fosse tão louvado pelos pobres (e até por ricos), mas um incómodo para o poder.

Como dizia a senhora da Casa de Carrapatelo, onde realizou um dos seus maiores assaltos, “existem pessoas de bem que nunca deram às classes humildes um centésimo do que Zé do Telhado lhes deu”.

É curioso ser precisamente essa senhora de Carrapatelo a dar-lhe guarida na sua casa do Porto nos dias que antecederam a sua gorada fuga para o Brasil, para além de se recusar a fazer parte da acusação e assinar o respetivo auto.

Afinal o que é que essa respeitável senhora viu no assaltante? O ladrão mau, o militar exemplar ou o homem? E ao reler as histórias da sua vida, não posso deixar de o comparar aos ladrões de agora, o que faz dele um “aprendiz de feiticeiro”, um cavalheiro respeitável.

Olhemos as diferenças: Zé do Telhado nasceu pobre, casou pobre e pobre ficou. Os novos assaltantes, se nascem pobres, depressa ficam ricos. Zé do Telhado roubava aos ricos para dar aos pobres. Os ladrões de hoje roubam aos pobres para serem ricos. Zé do Telhado tinha pouca instrução. Os de hoje têm cursos superiores, licenciaturas de fim de semana ou por créditos. Zé do Telhado roubava à noite, mas dando a cara, sem disfarces. Hoje roubam de dia, escondidos em luxuosos gabinetes, disfarçados de banqueiros, gestores públicos, políticos e sei lá que mais. Zé do Telhado andava a pé ou a cavalo.

Os ladrões deste século viajam recostados no banco de trás de potentes máquinas. Zé do Telhado, como militar foi um herói, transformado em ladrão. Hoje há demasiados ladrões transformados em heróis, muitas vezes carregados aos ombros do povo que irão espoliar. Zé do Telhado utilizava a arma ou a força do seu braço para assaltar. Os atuais usam a demagogia, a palavra e a caneta. Zé do Telhado viveu num casebre. Agora os ladrões vivem em condomínios de luxo ou mansões palacianas, pagas pelo “Zé”. Zé do Telhado tinha horror à arrogância. Os de hoje praticam-na. Zé do Telhado serviu o estado (nessa altura o reino) com zelo, dignidade e coragem. Os ladrões de agora servem-se do estado sem qualquer tipo de escrúpulos.

Zé do Telhado foi preso e condenado ao exílio em África. Os maiores ladrões do nosso tempo nunca são presos e são eles que se exilam voluntariamente em “reflexão” e a comer “à la carte”, num qualquer paraíso dourado. Como vivemos num estado de direito (ao que se diz…) onde todos somos iguais, das duas uma: Ou a Justiça faz justiça e mete na prisão aqueles (inúmeros) senhores que ao longo das últimas décadas delapidaram o nosso dinheiro, o nosso património, tratando-os como ladrões, ou que o Povo faça justiça e erga uma estátua ao Zé do Telhado como cavalheiro e homem de bem, retratando-o do que a Justiça lhe fez e elevando-o à categoria de herói nacional, pioneiro na ação social.

Porque somos todos iguais… embora alguns sejam mais iguais que outros… Se fosse vivo e ao ver o que se passa, Zé do Telhado diria: “E eu é que sou ladrão…”