Monthly Archives: February 2013

A música de que ninguém gosta…

O diferendo que opõe um grupo de ex-músicos da Banda e a Associação de Cultura Musical de Lousada (ACML) continua, agora em tribunal, com duas providências cautelares interpostas, uma do lado dos músicos impugnando a última assembleia geral da ACML e outra pela instituição, para que lhe sejam devolvidas as viaturas que lhe pertencem e que estão retidas pelos dissidentes.Está a ser difícil o regresso à normalidade.

Em Junho do ano passado escrevi aqui sobre a importância dos sócios da Associação de Cultura Musical de Lousada (ACML) participarem numa assembleia geral, onde estaria em discussão a eventual saída da Banda de Música de Lousada do seio da ACML, para estarem presentes, Bom, não mobilizei os associados, sinal de que ninguém ligou “peva” ao meu blá blá e à razão do artigo, porque só comparecemos “meia dúzia de gatos pingados” – e desculpem-me os presentes a expressão – porque o caso merecia mais. Mas, afinal, a “montanha pariu um rato” pois cedo se constatou que nem os próprios requerentes da mesma queriam que a banda saísse da associação (como é possível?), pelo que acabou por ser deliberado que a Banda de Música de Lousada era, e continuaria a ser, parte integrante da ACML.

Para meu espanto, o maestro da banda – também dissidente – revelou em plena assembleia geral a verdadeira razão invocada pelos músicos: Uma ilegalidade que a direção não aceitou e que iria pôr em causa a instituição. Se tudo pareceu tranquilo, o certo é que no mês seguinte foi fundada uma nova instituição: A Banda Musical de Lousada.

Na sua génese esteve o grupo de músicos dissidentes que, entretanto, continuaram a tocar na Bande da ACML, onde não só fizeram as festas que a direção contratou como outras de que eles próprios trataram em regime de autogestão, sem que o dinheiro recebido destas tenha entrado na contabilidade da instituição. E ninguém ficou preocupado com isso… E na ACML continuaram as assembleias gerais, uma anulada e outra encerrada mal começou, numa manifesta falta de preparação e respeito pelos estatutos, por quem de direito. Só numa terceira foi possível discutir e fazer aprovar os novos estatutos e regulamentos, pelos quais se passará a reger.

Face à “debandada” da maioria dos músicos após as festas rumo à nova associação, a direção da ACML prescindiu dos seus serviços e solicitou a devolução dos bens que estavam à sua guarda, como as fardas, instrumentos e viaturas, mas pouco ou nada conseguiu reaver do património que lhe pertence.

Assumida a saída dos músicos e face à posição da direção da ACML em renovar a Banda de Lousada, os responsáveis da nova associação viram-se confrontados com a falta de meios (instrumentos, fardas, viaturas, local de ensaios) que esperavam receber da ACML e pediram ao presidente da câmara para moderar o diferendo. Este junta as partes mas os diretores da ACML revelam-se surpreendidos com a presença dos dissidentes e a razão conciliadora da reunião, até porque horas antes tinham sido notificados pelo tribunal da impugnação da assembleia geral pela outra parte.

Perante esta atitude provocatória, como era possível apelar à conciliação? Até o próprio presidente não reagiu bem (ou reagiu) ao tomar conhecimento desse facto, pelo que tudo ficou “em águas de bacalhau”. E é assim que estão dois processos em tribunal. Esperemos que se resolvam este ano, até porque parece não existirem razões válidas para a impugnação, por um lado (embora espero para ver) e por outro, a entrega das viaturas (e outros bens) parece ser evidente.

Julgo que tudo isto não passou de uma forma de pressão dos dissidentes sobre a direção da ACML na tentativa de conseguirem desta meios para o funcionamento da BML. Provavelmente escolheram a pior maneira, pois “não é com vinagre que se apanham as moscas” e até porque a direção não tem poderes para tomar tal decisão, poderes esses que pertencem à assembleia geral e que nunca foi ouvida nem achada nesta matéria. Aos músicos assiste-lhes o direito de deixarem a ACML e formarem as associações que entenderem, mas não podem exigir daquela aquilo que por direito só a ela pertence.

Lousada passa a ter duas bandas de música, praticamente com o mesmo nome, o que é caricato: A Banda de Música de Lousada (da ACML) e a Banda Musical de Lousada (da BML).

A primeira detém o património centenário da Banda de Lousada e a segunda reivindica esse direito para si, por ter levado a maioria dos músicos. É como se os jogadores do Porto ou Sporting resolvessem ir embora, formar um novo clube e achassem que tinham o direito ao nome, historial, equipamentos, estádio, viaturas, etc.. Não será tudo isto um absurdo, sabendo-se agora qual a razão objetiva que está por trás, e que retira toda a autoridade moral que, eventualmente, se possa ter? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Joaninha, voa, voa…

Lembrei-me hoje que neste verão vi uma joaninha, coisa que já não me acontecia há muitos anos. De um vermelho vivo e pintas pretas, lá estava ela pousada numa folha. O grilo, a “cornela” e a joaninha foram os três insetos que fizeram parte das minhas brincadeiras de criança, ocupando o lugar dos sofisticados brinquedos de hoje.

O grilo encontrava-o nos montes, guiado pelo seu gri-gri que não é mais que um roçar das asas para atrair a fêmea. Aproximava-me sorrateiramente para descobrir o seu esconderijo, um buraquinho na terra, onde se escondia ao sentir a minha presença. Para o tirar, apanhava uma “palheira” comprida que enfiava no buraco, rolando-a constantemente, enquanto recitava a lenga lenga: Grilinho sai sai, que aí vem o teu pai Com uma faca de cartão, que te corta o coração. Mais empurrado pelas cócegas da “palheira” do que pela cantoria, o grilo lá saía e guardava-o numa caixa de fósforos com buracos para entrar o ar, o antepassado das modernas gaiolas de hoje, onde era alimentado a folhas de alface.

A “cornela”, nome pelo qual era conhecido um grande escaravelho, apanhava-a nas “nocas” dos carvalhos a que subia com facilidade. Agarrava-as pelo dorso para não me apertarem os dedos com as suas garras, amarrava-lhes uma linha à pata e fazia com que voassem à minha volta, presas pela linha, qual avião telecomandado.

A joaninha era o mais pequeno e mais colorido dos três, sendo tido como portador da sorte. Sempre que encontrava uma, e acontecia muitas vezes, passava-a da folha onde estava para as costas da mão e entoava uma cantilena na tentativa de a fazer voar: Joaninha voa, voa, que o teu pai foi para Lisboa Que lá está tua madrinha, que te dá pão e sardinha. E quando levantava voo, corria atrás dela repetindo o refrão, como querendo que ela voasse eternamente.

Os anos passaram, deixei de brincar com os três insetos que fui vendo cada vez menos, até deixar de ver joaninhas, ao mesmo tempo que descobria a sua importância para todos nós e daí ser considerada como portadora da sorte.

No mundo dos insetos, as joaninhas são predadores que se alimentam de outros insetos, quase todos prejudiciais às plantas, tais como afídios, mosca da fruta, pulgões, piolhos da folha, etc., podendo comer 50 pulgões ou mais por dia, ajudando ainda na polinização.

Com estas ações, são benéficas para o ser humano em geral e os agricultores em particular mas, paradoxalmente, são estes o seu maior inimigo. A explosão demográfica e a melhoria das condições de vida implicaram um aumento das produções agrícolas pelo que houve que “desenvolver” a agricultura, criando e utilizando pesticidas para combater animais e plantas considerados nocivos.

Foi com os inseticidas que se passaram a eliminar os escaravelhos, os pulgões, as moscas da fruta e outros. Os mais velhos ainda se lembram do DDT, um pó “milagroso” que o “ministro” de Meinedo vendia nas feiras para matar piolhos, com o slogan de “mata toda a bicharada”. E matava mesmo…

Foi um inseticida que deu o prémio Nobel ao seu inventor, e que serviu para combater insetos portadores da malária e até passou a ser usado para matar pulgas e piolhos. Mas o seu criador e os utilizadores não se preocuparam com os efeitos adversos, e até os escamotearam. “Esqueceram-se” que ao matar os insetos nocivos também matavam os insetos amigos, como a joaninha, para além de deixarem resíduos que o tempo não fazia desaparecer.

Só quando Rachel Carson em 1962 publicou o seu livro “Primavera silenciosa” é que, renitentemente, os americanos e depois o resto do mundo, acordaram para o problema. No seu livro trouxe à luz do dia os problemas do DDT e fazendo ver que “todos os seres vivos dependem uns dos outros e de um ambiente saudável para viver”. Relatou casos da presença do pesticida no leite materno das mulheres, nos tordos de Cap Cod, que morreram todos, e elevadas concentrações de DDT em pinguins, ursos polares e até nas baleias da Gronelândia, que viviam em zonas virgens, a milhares de quilómetros dos locais onde o produto foi aplicado.

Dizia ela que “ o homem é parte da natureza e que a sua guerra contra a natureza é, inevitavelmente, uma guerra contra si mesmo”. O DDT viria a ser proibido, mas seguiram-se novos pesticidas com novos efeitos secundários, muitos dos quais viriam também a ser proibidos anos mais tarde, e outros vieram e continuam a ser aplicados, tantas vezes de forma criminosa.

A verdade é que as joaninhas praticamente desapareceram e bom seria que tivessem condições para voltar e viver. E ao falar das joaninhas falo de milhares e milhares de espécies, importantes para o equilíbrio do meio em que vivemos e que praticamente foram extintas ou estão em vias disso, pela ação arrasadora do ser humano. Cada um de nós, tantas vezes inconscientemente, contribui todos os dias para a destruição do tal “equilíbrio ecológico” e para a própria sustentabilidade, incluindo a nossa.

Em nome do desenvolvimento, hipotecamos a vida das futuras gerações onde já não sei se haverá meio ambiente com condições para as Joaninhas e tantos outros seres vivos sobreviverem, incluindo nós, no ecossistema de que todos fazemos parte.

Será que o barato … tem gato?

Regressado de Moçambique onde cumpri dois anos de serviço militar, voltei à vida civil quase quatro anos depois de a ter deixado, aproveitando para fazer um breve “repouso do guerreiro” que nunca fui, embora rapidamente tive de procurar o ganha-pão.

Em tempo bem diferente daquele que hoje vivemos, não esperei muito para me tornar funcionário público na Estação Agrária do Porto, onde conheci o engenheiro Macedo, responsável do Departamento de Horticultura, que um dia me levou à Mantex, uma das primeiras fábricas de confecção, instalada junto à estrada Porto-Vila do Conde, para comprar camisas.

De acesso muito restrito e num tempo em que ainda não existiam as “Lojas de Fábrica”, fomos recebidos pelo dono que nos deu livre acesso ao armazém para escolhermos e comprarmos camisas a preços incríveis. Trouxe seis por noventa e seis escudos (menos de cinquenta cêntimos na moeda atual), quando numa loja custariam cento e cinquenta cada uma.

Uns dias depois, aperaltado com uma delas, aproximei-me dum colega e perguntei-lhe: – “Guilherme, gostas desta camisa”? – “Quanto custou” perguntou ele de imediato. –“Dezasseis escudos” respondi eu, inocentemente. Ele chegou junto de mim, apalpou a camisa com um ar de entendedor e disse: – “Vê-se bem que não presta”. Chocado, fingi não ouvir e desviei a conversa.

Alguns dias mais tarde fiz questão de me aproximar novamente dele para que reparasse noutra camisa, igual à anterior mas de cor diferente, e mordeu o isco, dizendo: – “Essa camisa é bonita. Quanto te custou”? – “Cento e cinquenta escudos”, atirei eu para ver a reação. E ele, apalpando novamente o tecido, afirmou com um ar de quem não tinha feito outra coisa na vida: – “Vê-se bem que esta é de grande qualidade”. Não vale a pena contar o resto da conversa com alguém cujo conhecimento sobre a qualidade da camisa, mesmo apalpando o tecido, se baseava só, mas mesmo só, no seu preço.

E a vida foi-me mostrando isso mesmo, que a maioria das pessoas não percebe se um produto é bom ou mau, se o tecido, o cabedal ou outro material é de primeira ou se é refugo, e por isso o preço é o indicativo da qualidade: O caro é bom, o barato não presta.

Contava-me a minha avó que no tempo do volfrâmio, os novos ricos feitos à custa deste, iam à feira comprar fatos, mas nenhum lhes servia apesar do feirante lhes ir mostrando os melhores que tinha. Só quando tirava da carroça um fato de “fioco”, o pior tecido de então, mas tendo o cuidado de “avisar” que aquele era de um tecido “especial” mas se calhar caro demais para as suas bolsas, é que atraia a atenção dos clientes. E o resultado era imediato, compravam dois ou três a preços exorbitantes, porque esses é que eram suficientemente bons para homens como eles. Afinal, o que queriam comprar era “reconhecimento social” e não um fato.

Foi assim que apareceram as marcas, impingidas e gravadas pelo marketing a fogo na cabeça dos consumidores, cuja compra passou a ser uma das condições para “a integração social”. É verdade que desde então, fizeram-se leis para proteger o consumidor de fabricantes ou vendedores sem escrúpulos, mas não suficientes para proteger o consumidor de si próprio. E o caso que relato a seguir, ocorrido numa loja de Lousada, pelo caricato e absurdo, demonstra bem como o homem se tornou escravo e dependente da exibição do dinheiro, presunçoso e poço de vaidades, sem se aperceber, como dizia Francis Bacon, que “os vaidosos são o escárnio dos homens sábios, a admiração dos tolos, os ídolos dos parentes, os escravos das suas próprias jactâncias”. E vamos ao acontecido.

Um homem viu uns sapatos na montra de uma sapataria local e entrou na loja pedindo para os experimentar. Calçou-os, andou um pouco, gostou, elogiou-lhes a qualidade e conforto e disse à senhora da sapataria que ficava com eles. Mas, como tinha de ir à loja do lado (de roupas de marca), pediu para lhos guardar que voltava de seguida.

Realmente apareceu cerca de meia hora depois e a senhora entregou-lhe o saco com os sapatos. Perguntou quanto devia e quando lhe disse “são sessenta euros”, olhou-a com espanto e perplexidade no rosto, o que fez com que ela ainda justificasse o valor como sendo o preço corrente.

Então, o cliente devolveu-lhe o saco e disse-lhe: – “Obrigado, mas já não quero os sapatos. Prefiro comprar uns de cento e oitenta euros que vi na loja do lado…” E saiu porta fora em direção à dita loja… Os sapatos eram óptimos até saber que o preço era … normal. E como ele não era … “normal”, sapatos a preço… normal, apesar de ter gostado deles, não cabiam na sua … (a)normalidade. Para este cliente o que lhe devia ter sido vendido era o fato de “fioco” ao preço de caxemira.

Parece-me que no caso deste tipo de clientes, além da marca que costuma vir gravada nos artigos, também devia vir impresso o preço, em letras gordas e bem visíveis, se possível a tinta fluorescente para chamar mais a atenção e fazer-nos roer de inveja, dando “grandeza” ao ego do felizardo. Até me apetece dizer que, esta obsessão pelo preço na procura de “status social”, no sentimento que isso lhe traz valorização pessoal, imagem e poder, mesmo abdicando de coisas de que gosta e num país desigual como o nosso, devia ser considerada crime, pois é uma forma de agressão social, uma afronta aos milhões de portugueses que passam dificuldades, como era o caso de quem o atendeu e por quem não teve respeito.

Sei que a vaidade já ultrapassou a estupidez há muito tempo, mas este caso está para além da minha compreensão, pelo que fui à minha pequena biblioteca repescar o livro “Filosofia da Vida”, de Will Durant, que já li há muitos anos, para o reler e ver se lá encontro uma explicação para este comportamento, que só confirma o velho ditado: “Quanto mais conheço os homens…”

O Rio da minha vida

Tal como a escola, o Rio Sousa foi para mim um local de aprendizagem, de entretenimento e lazer e, por isso, tenho para com ele uma relação sentimental, porque é o Rio da minha juventude.

Vivi desde criança em comunhão com a natureza e a educação e a liberdade que os meus pais me deram contribuíram decisivamente para que isso acontecesse. Após a escola, a aldeia era o meu mundo, e posso dizer com toda a propriedade que lhe conhecia todos os cantos. E então nos arredores da casa dos meus pais, não havia pássaro que fizesse ninho sem que eu soubesse, fruteira que não controlasse, esconderijo que não explorasse. E o Rio Sousa fazia parte desse mundo.

Desde cedo fui um cliente assíduo do Amial , a seguir aos Moinhos, aquele lugar aprazível rodeado de amieiros e com um espaço “relvado” junto ao rio, bom para tomar banho, apanhar sol ou fazer um piquenique. Ali estive algumas vezes com os meus pais e muitas mais com miúdos da minha idade, para onde nos escapávamos nos dias quentes de verão.

Foi neste rio que aprendi a nadar o pouco que sei hoje, imitando os outros, o suficiente para manter a cabeça fora da água e não ir ao fundo. Também foi no Amial que comecei por dar mergulhos no “fojo do sr. Mário” e explorar os buracos entre as pedras do rio à procura de barbos ou escalos, dado que as trutas pareciam muito mais difíceis de apanhar, o que viria a descobrir não ser verdade. Se tinha calor, refrescava-me na água do rio, se tinha sede bebia água do rio, e se me apetecia, apanhava sol deitado na erva. E os piqueniques, eram um prazer só mensurável à escala de valores desse tempo…

As margens eram limpas, a água sem qualquer poluição, o peixe abundante e o prazer imenso. Pesquei à cana, com rede e à mão, sem que o senhor Moreira guarda-rios me chegasse a apanhar. Bons tempos.

A pescaria mais marcante foi feita com o meu tio Fernando, um homem para quem a pesca era uma paixão. Numa manhã geada de Janeiro, fui com ele para um “fojo” – sítio fundo do rio – abaixo da ponte da Amieira e um pouco antes da Quinta dos Ingleses. O frio era muito mas o meu tio, apoiado num amieiro, atirou a rede para o meio do rio e, com uma vara comprida, conseguiu estendê-la em semicírculo, com princípio e fim na margem onde estávamos, numa extensão de dez a doze metros. Posicionada a rede, a partir da margem e com a mesma vara, bateu os buracos entre as pedras, fazendo barulho para empurrar os peixes de encontro a ela. As boias começaram a agitar-se fortemente, nalguns casos com violência, e percebemos que o peixe ia ser muito e bom. Chegado o momento de recolher a rede, foi-a puxando com a tal vara mas em dada altura ficou presa a qualquer coisa e, por mais que trabalhasse com a vara, não conseguiu libertá-la. Então, naquela manhã gelada de Janeiro, vejo o meu tio tirar a roupa, entrar no rio completamente nu e com a água fria até ao pescoço, soltar a rede e arrastá-la para a margem carregada de peixe. Que grande pescaria, e que coragem, que ainda hoje me faz… arrepiar.

O tempo passou, a vida profissional afastou-me do “meu” rio e deixei mesmo de usufruir das suas benesses. Ao longo dos tempos o meu contacto com ele passou a ser através de notícias, lidas ou ouvidas, a propósito da poluição que o ia afetando de variadíssimas formas, das consequências em peixes mortos, água colorida e inquinada, algumas vezes um rio de “trampa”.

Foi o preço que teve de pagar pela nossa industrialização em nome do progresso, desse progresso sem sustentabilidade de que nós, e muito mais os que nos precederem, teremos uma fatura muito pesada para pagar. Ouço dizer que continua poluído, sem peixe, mas às vezes penso que, se tiver, provavelmente estará nas mesmas condições em que estão as orcas que os neozelandeses tentam salvar e que já são consideradas “perigosos depósitos ambulantes de resíduos tóxicos”.

Mas o Rio Sousa continua aí, no mesmo leito, parte integrante do nosso património natural e do ecossistema a que pertencemos e que teimamos em destruir, sem nos darmos conta de que estamos a fazer uma guerra contra nós próprios. Saibamos respeitá-lo, preservá-lo e cuidar dele, para o podermos fazer chegar às próximas gerações como o recebemos num passado não muito distante.