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Está na hora de saber como ficar rico

Pelo número de ricos que há em Portugal percebemos que se lê muito pouco neste país. É verdade, se fossemos leitores assíduos e atentos a tudo o quanto está publicado sobre “como ficar rico”, tínhamos mais hipóteses (e até obrigação) de chegar àquele patamar sonhado pela maioria dos que querem ser “podres de rico”, para se darem ao luxo das extravagâncias que criticam nos que já o são. Mas uma coisa é ser “um homem rico” e a outra “um rico homem”. As duas são diferentes, embora saibamos bem qual delas é a preferida pela maioria …

Mas, se é um dos que sonha chegar um dia ao clube dos ricos ou até ao de milionário, vá a uma livraria e compre “A ciência de ficar rico” porque o autor, depois de décadas a estudar a mente humana, veio a concluir que uma atitude positiva faz milagres. E o milagre pode vir a acontecer consigo! Se quer conseguir chegar ali num ano, tem o livro “como ficar rico ou não em 12 meses”. Há os que dizem que, para se subir financeiramente, tudo começa na mente. Assim, vá lá e compre “Pense e fique rico” ou “Pense rico para ficar rico – As 4 regras de ouro para ter sucesso nos negócios”, já para não falar de “Os segredos de uma mente milionária”. Mas há muitos mais livros e só precisa de consultar o “dr. Google” para encontrar outros títulos como nos casos “o milionário mora ao lado”, “trabalhe 4 horas por semana” ou ainda “dinheiro: os segredos de quem o tem”, para além de uma vasta gama de títulos sobre o tema onde encontra tudo aquilo que precisa para seguir o caminho dos milionários. Um dos autores afirma até que o conselho mais perigoso que se pode dar a um filho será: “Vai para a escola, tira notas altas e depois procura trabalho seguro”. É que agora não existe emprego garantido para ninguém, nem sequer para o filho do patrão. 

Numa utilização perversa da mente, “os que não sabem governar-se são precisamente os que mais ambicionam governar os outros”. Ora, o brasileiro conhecido por Marquês de Itararé dizia que “os vivos, são e serão sempre cada vez mais governados pelos mais vivos”, o que só vem confirmar a teoria anterior. Esta pode ser também uma via, um tanto alternativa e nada ortodoxa, para ficar rico. Apesar de não vir no manual de instruções, sabe-se que nas últimas décadas tem sido o caminho percorrido por muitos “candidatos” para atingir o tal “nível de vida” que todos gostariam de ter, caminho esse que normalmente é iniciado nas “Jotas” (ou não) e depois é tudo questão de expediente, espírito alpinista e oportunismo, além duma ambição desmedida na escalada à “torre do dinheiro” …

Nesta coisa de querer acumular muita massa, os mais conservadores dão como conselho aos que querem chegar a rico para “trabalharem muito, ganhar bem e gastar muito menos do que ganham. Sempre”. Já Henry Ford dizia: “Não nos tornamos ricos graças ao que ganhamos, mas com o que não gastamos”, sabedoria que se perdeu no tempo.

Quando se está sempre de roupas novas, trocando de smartphone, computador e automóvel a cada seis meses, esbanjando naquilo que é tido por supérfluo, vale a pena perguntar: “O dinheiro sobra-lhe”? Noutras palavras: Embora seja tentador comprar luxo e viver uma vida de rico (já sei que somos todos merecedores), fechar os olhos e ir em frente pode empurrar qualquer um para as chamadas “ciladas financeiras”, como é o caso dos empréstimos fáceis, mas com juros altos e que até exigem pagamentos adiantados. Se quer mesmo vir a ser rico, comece por viver dentro das suas possibilidades, pois gastar o que não se tem pode descambar e ser perigoso. E não se esqueça de ganhar dinheiro para subir até ao clube dos tais a que quer pertencer.

Todos os livros não deixam de acrescentar uma outra recomendação: “Tanto ou mais difícil do que conquistar riqueza, é conseguir mantê-la”, porque não é rico quem mais ganhou, mas quem mais poupou. E qualquer um pode comprovar a veracidade deste último conselho, bastando olhar para o que se passa à sua volta. Verá os exemplos que sobram bem perto de si, de gente que muito teve e que deixou que a fortuna se lhe escapasse facilmente, não seguindo tal recomendação. Fizeram rigorosamente o contrário, optando por gastar mais do que ganhavam como se não houvesse amanhã nem fundo no saco. As consequências disso deram na eterna pergunta: “Como foi possível”?

Uma das últimas estatísticas dava os Estados Unidos como o maior produtor de milionários do mundo e julgo não haver dúvidas de que continua a ser o melhor país para se sonhar e concretizar esse sonho. Os últimos dados dizem que há lá quase vinte milhões de milionários (6% da população), enquanto na China não passam dos cinco milhões (0,3% da população). 

Quanto a Portugal, dizem que temos cerca de cento e vinte mil milionários (1,2% da população). A nossa fábrica de fazer ricos, sendo proporcionalmente melhor do que a chinesa (que tem vindo a crescer), se comparada com a americana não é grande coisa, pois desde 74 fizemos mais questão de tentar acabar com os ricos (ou, pelo menos, reduzi-los), em vez de optarmos por querer acabar com os pobres. Não sei quem faz parte da lista nacional, mas, sem qualquer falsa modéstia, gostava que o meu nome também lá estivesse. Não propriamente pelo que isso queria dizer ao nível da minha conta bancária e das benesses a que me podia permitir, mas só porque, desde que me casei, o meu nome completo, com morada e até número de telefone, sempre esteve presente na lista mais conhecida do país: A Lista Telefónica. Por isso, sinto-me assim como que “órfão de listas” desde que deixou de ser publicada. Ora, se agora fizesse parte da lista dos mais ricos de Portugal, podia imprimi-la em papel couché a 350 gramas, com brilho e friso dourado, para a exibir como se fosse um diploma. Dava-me outro estatuto. Sim porque a “massa” tem um poder tal que até consegue transformar um “grande traste” num homem cheio de virtudes e de quem (quase) toda a gente quer muito ser “amigo do peito”. E vá-se lá saber porquê … 

Para quem resolver deixar de ser preguiçoso e dedicar-se desde já à leitura para conseguir encontrar o caminho da riqueza, só faço uma última recomendação que deve ter presente ao longo da luta que vai empreender e que nunca deverá esquecer para não pensar que ser rico tem todos os privilégios e mais um. Não, não tem. Por isso, não desanime. Porque os ricos, por mais ricos que sejam, não conseguem comer mais por isso. E, lembre-se sempre que os tais ricos … também morrem. Ou pensava que não?

Sou avesso às redes sociais …

A internet tornou-se essencial nas nossas vidas e as redes sociais criaram um espaço infinito na circulação livre de ideias e opiniões e podem ser grandes aliadas se bem utilizadas. A sua importância é inegável pois estão cada vez mais presentes na vida das pessoas de todas as idades, raças e credos. Diz-se que é praticamente um vício coletivo, uma mania universal. E até as empresas tiveram de aderir e mudar a sua postura para “fazer pela vida.

Durante o jantar um conhecido perguntou-me: “Posso ser seu amigo no facebook”? Respondi: “Não, não pode”. E calei-me. Mas para não o deixar a pensar no que não devia, concluí: “Não, porque eu não uso as redes sociais”. Então expliquei que o meu filho mais velho até chegou realmente a “abrir-me uma conta” no facebook, mas nunca acedi a ela e nem quis nem quero saber como o fazer. Diria que tenho uma certa alergia, mas vivo e convivo bem sem elas, apesar de ser questionado de vez em quando por não as usar, como se fosse um extraterrestre.

Provavelmente serei considerado um “troglodita” por me recusar a usar uma ferramenta que é considerada fundamental e indispensável a qualquer cidadão de hoje, mas não me importo de correr esse risco. Nunca postei fosse o que fosse, a que título fosse, sentado no sofá ou diante das Cataratas do Niágara, porque acho ser um absurdo expor a vida pessoal nas redes, quer sejam fotos, suas ou de familiares, nas mais incríveis posições e “figuras”, mostrar a casa, o que se faz, por onde se anda, com quem e como se anda, do que se gosta, onde se foi hoje, se vai logo e amanhã, correndo riscos que nunca se sabe onde começam e muito menos onde acabam. Mas há milhões e milhões de pessoas que o fazem todo o dia como sendo a coisa mais importante das suas vidas (se calhar é), numa dependência que já não controlam. Compreendo a necessidade que as pessoas têm de ser ouvidas, vistas, sentir o “afago psicológico” dos “likes” para os quais muitos vivem e de que sentem falta se os não recebem. De certa forma, é um modo de nos coçarmos uns aos outros ou da satisfação de sermos ouvidos. O ser humano tem a necessidade constante de receber atenção, mesmo que esta venha de desconhecidos, sendo uma das razões do sucesso das redes, que acabam por nos dar uma falsa sensação de que somos importantes para alguém pelas tais visualizações, “likes” e postagens. 

O escritor italiano Umberto Eco escreveu: “As redes sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, antes, falavam só no bar depois dum copo de vinho sem causar qualquer dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um vencedor do Prémio Nobel”. Nas poucas vezes que me dei ao trabalho de ler as opiniões dos participantes na discussão de um ou outro tema, é incrível como qualquer ignorante se permite emitir opinião sobre aquilo que desconhece. Se o assunto é sensível, como é o caso especial da política, futebol ou religião, os ânimos exaltam-se, a conversa rapidamente vira insulto e agressão verbal, num “chiqueiro virtual” em que a única coisa que se pode aprender é a ser grosseiro, mal-educado, provocador e estúpido. 

A internet e as redes sociais tornaram-se muito importantes, mas, a reboque, aí se instalaram “tribunais instantâneos” onde tão depressa se fazem heróis como afundam reputações, tantas vezes sem nada ter a ver com a realidade. Ali tanto se pode encontrar gente boa, sábia e brilhante, como estúpidos, maldosos, quando não criminosos e o que se toma por inocente pode virar um problema sério, especialmente pelo excesso de exposição pessoal. A exposição exagerada não tem causado só problemas de segurança com golpes, violência, fraudes e até sequestros, como tem gente que, por postar mais do que devia, acabou por perder o emprego, amigos ou foi parar a tribunal.

Um programa televisivo brasileiro montou uma tenda num shopping onde selecionava pessoas para uma consulta com um falso “guru”. A curiosidade fez com que muita gente se inscrevesse, fornecendo os dados de identificação. Enquanto aguardavam pela “consulta” com o “guru”, um grupo de assistentes do programa acedia às redes sociais para pesquisar todos os detalhes sobre a vida pessoal de cada um dos inscritos. Era assim que o falso “guru”, com um pequeno auscultador no ouvido, recebia as informações sobre cada um e desempenhava o papel de “visionário”, deixando-os de boca aberta e perplexos com o grande número de detalhes revelados pelo “guru”, chegando a ficar emocionados. E no final, já informados pela realização do programa que todos os dados sobre as suas vidas haviam sido recolhidos nas redes sociais, ficavam surpresos e assustados pela grande exposição, bem como pela consequente falta de privacidade e segurança.

De forma geral, toda a gente sabe (ou devia saber) que a internet não é o lugar mais saudável do mundo. Através das redes sociais ela criou espaço para comunidades e trocas incríveis, embora em simultâneo tenha dado vazão à intolerância e discurso do ódio. O seu poder é tão grande que consegue a rápida mobilização de pessoas concentradas num determinado evento ou objetivo, seja para o bem ou para o mal. Foi assim com a “Primavera árabe”, como tem sido em muitas outras mobilizações e movimentos cívicos. 

Vale a pena refletir um pouco sobre o poema bem-humorado do poeta brasileiro Braulio Bessa:

“Lá nas redes sociais, o mundo é bem diferente. Dá pra ter milhões de amigos e mesmo assim ser carente. Tem like, a tal curtida, tem todo o tipo de vida, pra todo o tipo de gente. Tem gente que é tão feliz, que a vontade é de excluir. Tem gente que você segue, mas nunca te vai seguir. Tem gente que nem disfarça, diz que a vida só tem graça, com mais gente a assistir. Por falar nisso tem gente que esquece de comer, jogando, batendo papo, nem sente a fome bater. Celular virou fogão, pois no toque de um botão, o rango vem pra você. Mudou até a rotina de quem se está alimentando. Se a comida for chique, vai logo fotografando. Porém, repare, meu povo: quando é feijão com ovo não vejo ninguém postando.

Esse mundo virtual, tem feito o povo gastar, dividir rolos de massa, ir prá festa, viajar e, claro, mais importante, que é ter distante, distante, um retrato para postar. Tem gente que vai pró show, do seu artista preferido. No final volta pra casa, sem a nada ter assistido, pois foi lá só pra filmar. Mas pra ver no celular, nem precisava sair.

Lá nas redes sociais, todo o mundo é honesto e contra a corrupção, participa no protesto, porém sem fazer login, não é tão bonito assim. O real é indigesto: Fura fila e não respeita, se o sinal está fechado, pensa corromper o guarda, quando está a ser multado. Depois quando chega a casa, digitando mete brava, criticando o deputado.

Lá nas redes sociais, a tendência é ser juiz e condenar muitas vezes, sem saber nem o que diz. E não é nenhum segredo, que quando se aponta o dedo, voltam-se 3 pró seu nariz. Conversar, por exemplo, conversar pra uma cela, é tão frio, tão esperto, prefiro pessoalmente, pra mim sempre foi o certo. Sou a meio disto, pois junta quem está distante, mas afasta quem está perto.

E os grupos? Tem grupos de todo o tipo, com todo o tipo de conversa, com assuntos importantes, e outros que não interessa. Mas tem uma garantia, de receber durante o dia, um cordel de Braulio Bessa. E se você receber, esse simples cordel, que eu escrevi à mão, num pedaço de papel, que tem um tom de humor, mas no fundo é um clamor e um pedido pra viver: Viva a vida e o real, pois a curtida final, ninguém consegue prever”. 

Um estudo dizia que não devemos …

Em criança, nenhuma comida tinha rótulos negativos. Podia-se comer de tudo sem qualquer restrição, desde que houvesse. Carne de porco? Toda, a começar pela “caluba”, carne gorda com cinco centímetros de altura ou mais, salgada e defumada. Uma delícia. Rojões? Os melhores eram os mais gordos, especialmente os “rojões do redenho”. Leite de vaca? Bebia-o em natureza mal saía da teta do animal ainda morno. E as doenças? Nada nos privava de beber ou comer aquilo que era tido por “comestível”. Desde bem cedo todas as crianças bebiam vinho às refeições, sempre que havia. Até as mães para calar os bebés quando choravam muito enfiavam-lhes aguardente na boca numa “boneca” (guardanapo ou um pedaço de pano enrolado a fazer de chupeta em que se punha um pouco de açúcar ou … aguardente), além do “mata-bicho” para os homens ou não, com broa bem regada a aguardente. Em resumo, toda a comida era boa para a saúde, por ser natural!!! Quase sempre só havia um problema: era pouca. E hoje? Todos os dias estamos a ser bombardeados com estudos, ensaios, informações e recomendações técnicas de numerosos e reputados nutricionistas, analistas e estudiosos de todo o tipo, a proibir, condicionar e avisar sobre os malefícios dos mais variados alimentos sólidos e líquidos, deixando-nos entre a “espada e a parede” sem saber se comer ou não ponderados os prós e os contras, como “o tolo no meio da ponte”. Já para não falar nos “estudos encomendados” por empresas com fins muito duvidosos, numa guerra de interesses que se tenta combater com base em “suposta ciência”. Assim se promove os “leites de soja” e outros do género em prejuízo do leite de vaca, a cerveja a desfavor do vinho, as margarinas contra os interesses da manteiga e por aí além, “vendendo-se” teorias a favor de quem paga mais. 

Adaptando o texto de um autor anónimo e parodiando esta moda de que, agora, toda a comida é muito perigosa para a saúde com base em “supostos estudos” de “pseudocientistas”, não posso deixar de sorrir e concordar com ele:

“A semana passada deixei de comer chouriços. E presunto. E fiambre. E mortadela!!!” São alimentos processados, fumados, perigosos para a saúde, dizia o estudo duma revista médica. “Esta semana deixei de comer queijo. “Afeta a mesma molécula que as drogas duras”. Eu não quero ter nada a ver com isso, nem ser associado a drogas por muito que goste de queijo. Acabou-se com o queijo cá em casa” …

“O mês passado deixei de beber vinho branco. Um estudo dizia que fazia mal a não sei quê. Se calhar era cancro. Passei a beber só tinto que, dizia um estudo, era ideal para uma série de coisas. Esta semana voltei a beber branco porque, entretanto, saiu um estudo a dizer que, afinal, o branco até tem propriedades que fazem bem e muito tinto é mau. Comecei a reduzir no tinto talvez a pensar no hemorroidal, mas, acho que compreendem bem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Cortei nas azeitonas também, pois o estudo dizia que têm demasiada gordura, são muito insaturadas ou lá o que é e não parece nada bom. Andava quase só a peixe até perceber que os portugueses comem peixe a mais e são, por isso, prejudiciais ao meio ambiente. E como eu não quero ser acusado de inimigo do ambiente, ando a cortar o peixe também, em especial no atum: está cheio de chumbo. E no bacalhau também por causa daquele estudo que saiu sobre a quantidade de sal, mas, também, acho que compreendem, não quero morrer de qualquer maneira.

Esta semana saiu um estudo a dizer que, afinal, o vinho em geral, faz mal. Fiquei devastado. Há dois meses foram as couves roxas. Vi até um especialista na televisão dizer que não devíamos comer nada cuja cor seja roxa: “É sinal que não é para comer”, dizia. Arroz também quase não porque engorda e saiu um estudo a dizer que implica com uma função mais ou menos delicada. Não é a reprodutora já que essa é com a soja. Dá hormonas femininas aos homens fazendo crescer as mamas (o raio da soja!) e prejudica todas as funções. Por isso, soja nem pensar.

Leite já me livrei dele há muito. Foi, salvo erro, desde que um estudo veio dizer que o nosso corpo não está preparado para leites doutros animais. E porque a gente pode ganhar intolerância à lactose que há no leite. Por isso, leite não”. Já os sumos de frutas também dispenso enquanto não resolverem a questão dos resíduos de pesticidas e o problema levantado no estudo que apontava para … não sei muito bem para quê, mas não era nada de interesse e, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Carne vermelha, claro, também não. Tem gordura saturada, aumenta o colesterol e ataca o coração, diz o estudo. E é má para o intestino. Galinha nem sonhar porque umas estão cheias de gripe e as outras encharcadas de antibióticos. Além de que, carne de galinha a mais, como dizia outro estudo, impacta com o desenvolvimento dental, o que até parece óbvio pois as galinhas não desenvolvem dentes. Cortei a galinha há muito tempo. Porco? Só a brincar. É óbvio que não há cá porco em casa. Não chegasse o que se diz, ainda veio outro estudo, ou ainda não leu? Pois então, diz que o excesso de carne de porco pode provocar uma diminuição da massa cinzenta e o aumento dos ciclos atópicos do mastóideo singular. Ninguém quer passar por isso! Você quer? Eu não, mas, também, acho que compreende, não quero morrer assim de qualquer maneira. Esqueça-se a carne de porco, pelo amor da santa!

Já me esquecia do glúten! Glúten, também não. É que nem pensar! Durante muitos anos nem sabia que existia, mas desde que soube da existência de semelhante coisa, parei com tudo o que tivesse glúten. Deixa-me pouca escolha, mas também acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Ovos! Claro que também não como ovos. Primeiro porque não sou nenhum ovíparo e depois por causa das quantidades de coisas que aquele estudo que saiu na semana passada dizia. É um rol, senhores, um rol e colesterol! Vão ver e admirem-se! Os ovos! Quem diria os ovos …. Enfim, é a vida: os ovos, nem vê-los! Tal e qual a manteiga: é só gordura! Desde que acabei com o pão e com o queijo, a manteiga também, por assim dizer, deixou de fazer falta. Ainda a usava para fritar ovos, mas agora também não se podem comer ovos…. Pois, a manteiga, dizia o estudo, é só gordura animal e animais não devem comer a gordura uns dos outros. Pareceu-me um bom argumento e por isso e nada mais, acabei com a manteiga.

Ia fazer uma salada. Sem muito azeite, claro, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira, sem sal, naturalmente, e vinagre só do orgânico, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira …. É quando recebo um email com o título Novo Estudo Aconselha a Ingestão Moderada de Saladas e Hortaliças. Enchi um copo de água, filtrada, naturalmente, duma garrafa de vidro e sorvi um golo ávido. Espero que não me faça mal”.

Há “ratos” e há alguns Homens …

Chovia muito. As ruas começavam a transformar-se num lamaçal. Havia gente desorientada por todo o lado e um movimento inusitado em direção a Belém. Há tempo que corriam por Lisboa rumores de que a família real estaria a preparar a partida para o Brasil, mas no dia 26 de Novembro de 1807 já não restavam dúvidas a ninguém – a decisão fora, finalmente, tomada no dia anterior numa reunião do Conselho de Estado. Com as primeiras tropas francesas já em Portugal, a família real e grande parte da nobreza corria a Belém e preparava-se para deixar o país. Não eram, a acreditar na descrição feita por Raul Brandão em El-Rei Junot, cenas dignificantes. “Na véspera do embarque [que aconteceu a 27, sendo depois a partida a 29] remexe-se tudo: as roupas, as joias, as inutilidades. Na casa de este, de aquele, do Lavradio, do Angeja, do Cadaval, do Alegrete, há gritos, cólicas, desmaios, uma mixórdia de saque e de grotesco – arcas arrombadas, farrapos, lágrimas, desespero. Aferrolha-se e clama-se: – depressa! Depressa!… – Foge tudo, foge toda a gente de representação e de vergonha: fidalgos, ricos, pregadores, poetas obscenos, a corte, as damas frágeis e inúteis, as figurinhas d’encanto, e as criadas, as pretas, os anões. O drama é idêntico em todas as casas soberbas: enfardela-se, enfardelam-se de mistura objetos indispensáveis, seringas de clisteres, joias, quadros, inutilidades, vergonhas e riquezas. Depressa! Depressa!”. 

O relato de Raul Brandão é, também aqui, bem mais impiedoso, sobretudo para o príncipe regente. “Na quarta-feira à noite juntam-se as riquezas das reais capellas, de Queluz, da Ajuda, da Bemposta e as do palácio real, as preciosidades, os tesouros que tinham celebridade na Europa. É um verdadeiro saque: calcula-se que vão para o Brasil mais de 80 milhões de cruzados.” 

No dia 26, D. João junta-se à família em Queluz, e, mais uma vez, Raul Brandão traça um retrato patético do governante, que na véspera tinha sofrido “um forte ataque de hemorroidal” e que anda pelo palácio, desorientado, “de beiça caída”. O historiador José Acúrcio das Neves (citado por Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa na sua biografia de D. João VI) não o ridiculariza desta forma, mas descreve o seu estado de espírito: “Queria falar e não podia, queria mover-se e, convulso, não acertava a dar um passo: caminhava sobre um abismo e apresentava-se à imaginação um futuro tenebroso e tão incerto como o oceano a que ia entregar-se”. Chegou em seguida a rainha, D. Maria, “a louca”, a quem é atribuída a frase que, na altura, muitos consideraram como a única lúcida: “Não corram tanto, ainda vão pensar que estamos a fugir”.

Às vezes tento imaginar esta “cena pouco edificante”, só comparável ao naufrágio de um navio em que, ao sentir o perigo, “os ratos são os primeiros a abandonar o barco”. E “aqueles ratos”, não se limitaram a abandonar este barco que é Portugal, como ainda “levaram consigo” para lhes “facilitar a vida” até ao final dos seus dias, todo o “queijo” a que puderam deitar a mão e carregar, mesmo na “pressa de se porem na alheta” antes que chegassem os invasores. E o povo? E o país? Que se amanhassem sozinhos, porque o que lhes importava era salvarem a pele. Ou melhor, “o coiro”, além do “oiro”, pois um precisa sempre do outro, como se compreende.

Em contrapartida, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, ator e comediante tornado político, aconselhado por americanos e turcos a abandonar Kiev, a capital do seu país, durante o maior ataque das tropas russas, recusou a oferta e preferiu ficar ali com as suas forças, dizendo: “Fico em Kiev. Não me escondo. A luta é aqui”. Acrescentou ainda: “Preciso de munições, não de uma boleia”. Esta extraordinária atitude de permanecer firme no seu posto de comando ainda é mais rara se atendermos que ele é o alvo número um a abater pelos russos (e já fizeram três tentativas), a guerra é extremamente desigual pois os russos têm uma das maiores máquinas de guerra do mundo, para além de que as armas de hoje têm um poder letal muitíssimas vezes superior às armas do tempo do nosso rei D. João VI.

Apesar de ter o curso de direito, nunca exerceu e cedo se dedicou à vida de comediante, tendo mesmo para o efeito desempenhado um papel de presidente da Ucrânia. A sua ascendência ao poder é fruto dos ucranianos terem rejeitado as elites e os políticos, vistos pela população como incapazes de superar as dificuldades económicas e os escândalos de corrupção. E é este homem sem formação política que acaba por se assumir por inteiro como presidente do seu país, mostrando ao mundo que os Homens lutam pelo que é seu, não se evadem e estão preparados para dar a própria vida se a luta o exigir.

Logo ao assumir as funções de presidente disse aos elementos do governo: “Não quero a minha fotografia nos vossos gabinetes, pois o presidente não é um ícone, um ídolo ou um retrato. Ponham as fotos dos vossos filhos e olhem-nos cada vez que tenham de tomar uma decisão”. E, aquando da invasão russa que Putin julgava um passeio ele disse: “Quando nos atacar verá os nossos rostos e não as nossas costas”, numa clara afirmação da resistência firme do seu povo, com ele à frente a indicar o caminho a seguir na luta. Não se podem pedir sacrifícios à população se não se fizer parte da lista de sacrificados.

Zelensky e os ucranianos com a sua enorme vontade de serem donos do seu próprio destino mostram aos russos que recusar a opressão é possível apesar de isto ser um caso raro de David contra Golias, uma guerra julgada impossível, mas a que não viraram a cara, vindo a ficar na História como um inabalável exemplo de resistência deste século contra o poder esmagador de uma autocracia.

Podemos rever a liderança de Zedensky num parágrafo do romance Portões do Inferno, de Steven Pressfield, sobre uma batalha, quando um pequeno número de espartanos e aliados enfrentou o poderoso exército do Império Persa:  

“Um rei não fica dentro de sua tenda quando seus homens sangram e morrem sobre o campo. O rei não janta quando seus homens passam fome, nem dorme quando ficam de vigília sobre as muralhas. Um rei não torna seus homens leais pelo medo, nem compra sua lealdade com dinheiro: ganha seu amor com o suor das próprias costas e com as dores de que padece por sua causa. É nisto que consiste o fardo mais duro: um rei se levanta primeiro e se deita por último. Um rei não pede o serviço daqueles que lidera; em vez disso, presta-lhes o serviço. Ele serve aos seus homens, não os homens a ele.”

Num tempo em que a Humanidade atravessa uma crise séria de bons governantes, ele tornou-se o herói improvável que se agigantou nesta luta desigual contra um autocrata e criminoso para quem a morte de milhares de pessoas inocentes é um pormenor. Zelensky hoje é um símbolo global que mobilizou o seu povo na luta pelo direito de ser livre e viver em democracia e sensibilizou o mundo livre, como se viu

nas imagens duma mulher quando traduzia uma das suas mensagens a um Parlamento ocidental, de voz embargada com lágrimas a correr pela face, mal conseguiu dizer: “Nós sabemos exatamente aquilo que estamos a defender”.