Monthly Archives: April 2020

Somos tema mediático, mas de baixa cotação…

Na corrida dos dias e na estranha pressa de viver o amanhã à espera de que seja bem melhor que hoje, não chegamos a usufruir de tudo aquilo que temos no presente, no agora. E a prova disso é que não nos demos conta do quanto nós éramos felizes até há somente dois meses atrás, um passado tão recente e que todos nós, sem exceção, queríamos ter de volta. Como não nos apercebemos de muitas outras coisas que são parte da nossa vida, mas que os dias de pressa deixam ficar para trás, esquecidas ou abandonadas, enquanto o nosso tempo se perde. E nessa pressa, aqueles que têm mais idade seguramente são os primeiros a ser descartados, ignorados, abandonados à sua sorte. Numa pequena frase, Domingos Lopes disse mais que muitos num grande tratado: “num mundo dominado pela implacável mão justiceira do mercado, o velho é uma mercadoria que nem sequer dá para inventário”. Por isso, é marginalizado, contentado com pouco, deixado preso a um qualquer lugar onde não incomode e não seja visto, para sossego de consciências. Mas às vezes alguém olha para o mundo que o rodeia com olhos de ver e levanta a voz. Aconteceu com o economista Jorge Silveira Botelho no momento em que o seu olhar atento se fixou naqueles a quem o tempo já não cede muito tempo: 

“Só um imbecil é que é indiferente ao sofrimento dos outros, mas não é por isso mesmo, uma maior prioridade, defendermos como maior princípio procurar dar condições dignas aos que são abandonados pela sorte e que querem viver, mas não têm como? Não é por esses idosos que se amontoam nos sítios mais inóspitos, que devemos lutar pelo seu direito também a terem uma vida decente e não a continuar a fingir que não existem? Se calhar andamos a esfregar as mãos há demasiado tempo, desviando as atenções para causas que se fecham em si mesmas e ignorando deliberadamente o flagelo oculto que está a assombrar a terceira idade. Porque a continuar assim, a pobreza envergonhada que se esconde por detrás do envelhecimento desta sociedade, vai ter como destino uma paragem obrigatória na “Boa Morte”.

É bom que tenhamos consciência que vamos ser o fardo de amanhã e que corremos o risco de que também ninguém queira pegar em nós, nesta sociedade envelhecida, endividada, desigual e profundamente egoísta. Somos os próximos a querer ocupar o tempo que os outros não têm para nos dar e que nos vão querer fazer sentir que estamos a mais, porque somos uma fonte enorme de desperdício de recursos …

Talvez nem nos vamos aperceber, mas podemos ser os próximos a sentirmo-nos envergonhados, simplesmente por querer reivindicar o direito de viver!”

Sejamos realistas, usando o chavão “este país não é para velhos”. É a sociedade que criamos e temos, política, económica e culturalmente. Salvo em momentos pontuais, como é o caso dos períodos eleitorais em que são muito requisitados, adulados, distinguidos, considerados, reconhecidos, elogiados e, sei lá, objeto de inúmeras promessas (que não passam disso mesmo, de promessas), por regra são ignorados e esquecidos pelos poderes públicos, quando não pela família. Se houve um tempo em que eram respeitados na família e na sociedade pela sabedoria, experiência e história de vida, os ventos da sociedade do século XXI e o aumento da longevidade fizeram deles um peso morto para o estado e família (salvo muitas e boas exceções), condenados ao canto do esquecimento como trastes inúteis e descartáveis. E nem sequer o facto de viverem com familiar é garantia de serem tratados com respeito e consideração e de estarem protegidos de maus tratos físicos e psicológicos.

Ora, estes mais de dois milhões de portugueses (é, ainda continuam a ser portugueses!), como se não lhes bastasse os problemas referidos, são agora o alvo privilegiado para essa “coisinha” que anda por aí e não se vê. Um alvo em função do “bilhete de identidade”, agora feito cartão de cidadão, por terem nascido há muitos anos. Pelo que dizem, o vírus discrimina os velhos, ataca-os e leva-os à morte antes daquele tempo que eles julgavam ser o seu. Nada a que os velhos não estejam habituados, pois a sociedade de mercado em que vivemos, onde vale só quem produz, também os discrimina, pois além de não produzir, ainda ocupam espaço necessário, consomem grande quantidade de recursos à sociedade, são um empecilho e não se sabe bem que fazer com eles. E, com franqueza, isso é cá uma grande chatice …

O aparecimento desta pandemia, trouxe à ribalta “esta faixa etária da população” (como agora se diz), deu-lhes visibilidade e até são muito falados, coisa que não acontecia há muito tempo. Esse pequeno vírus 

deu-lhes protagonismo, fez deles o tema principal das notícias, pois todos os dias aparecem na imprensa como “objeto de estatísticas” na contabilidade dos números apresentada nos telejornais à hora das refeições. “Morreram 15 idosos num Lar em …” ou “60% dos mortos tinham mais de 70 anos”, relatam os apresentadores. O vírus dá-lhes a prioridade nos noticiários que nunca tiveram e agora “compõem” os números, fazendo com que as estatísticas tenham dimensão, diria até, grandeza. Mas, não tenhamos ilusões. Quando esta crise passar e tudo voltar ao normal, os que por cá ficarem voltarão à sua condição de ignorados, esquecidos e abandonados, o lugar que tem sido o seu.

Na impossibilidade, verdadeira ou não, da família ser o seu “porto de abrigo”, os Lares são a alternativa, o mal menor para quem não pode nem deve estar só. E tem sido precisamente nestes locais que o vírus tem provocado a maior razia, qual “raposa em galinheiro”, quando o contágio não consegue ser contido. Sinto o drama, a incapacidade, o desespero e o medo daqueles que nesses lugares têm de travar uma batalha continuada e difícil, numa missão quase impossível “para salvar os seus velhinhos” de uma doença que lhes pode ser fatal. 

Eu sinto-o profundamente porque, na grande maioria, as Instituições não têm recursos adequados para este combate, que exige espaços, colaboradores substitutos para as “baixas em combate” e todos os equipamentos de proteção individual em quantidade e qualidade. E o Estado, a quem cabe a responsabilidade de cuidar dos idosos, “passa a bola” às instituições a troco de uma comparticipação ridícula que as deixa “em maus lençóis” para a gestão do dia a dia, quanto mais para travar um combate como este para o qual não têm “nem armas nem munições”. O Estado comparticipa os custos duma pensão rasca, mas exige hotel de cinco estrelas. E sinto muito as críticas que têm sido feitas a instituições que fizeram o seu melhor, com os (poucos) meios que o (pouco) dinheiro lhes permite. Seria muito mais justo que o Estado relevasse o trabalho excecional das Instituições, em vez de salientar nas conferências de imprensa a contabilidade de mortos em Lares, como se estes fossem local de “condenados à morte”. Uma luta inglória que, essa sim, é bem injusta …

E nem na hora da verdade o Estado assume a responsabilidade dos idosos ainda infetados, empurrando-os à pressa de volta aos Lares como se estes fossem aquilo que não são: hospitais … E não tenhamos ilusões: para um Estado pobre e demasiado endividado, quando tiver de deliberar sobre onde fazer o investimento, seguramente os velhos vão ser esquecidos, como o foram noutros países quando, por falta de ventiladores, foi preciso decidir quem vivia e quem morria. É, já não compensa “ligá-los à máquina”, porque são “Velhos” …   

Homens, estou solidário convosco …

Este tempo de “isolamento social” pode ser “delicado”, senão mesmo perigoso, ao alterar profundamente as horas de “convivência” entre marido e mulher, companheiro e companheira. Em situação normal só estão juntos à noite (a maior parte do tempo a dormir) e ao fim de semana. Mas agora, o “fim de semana” é permanente e convivem dia após dia. Sejamos realistas, não é fácil. Sobretudo para os homens. É que todos nós sabemos quem é lá em casa o “homem” da relação! Mas há que ter cuidado com o sorriso da mulher. Se ela for capaz de sorrir quando tudo está mal … é porque já pensou em quem deitar a culpa.

Pela minha condição e vivência, estou solidário com os homens (elas que me desculpem), permitindo-me fazer-lhes algumas sugestões.  Quando perguntamos à mulher “o que se passa?” e ela responde “não é nada” ou, num tom seco e ríspido diz “naaaaaada”, de cara amuada, (que em gíria popular se traduz “de trombas” ou “de quem está com o toco”), é precisamente o contrário. Ela sabe, e nós sabemos, que algo não lhe caiu bem, que alguma coisa a incomoda. O quê? Se julgarmos que vai ser fácil descobrir “que mosca lhe mordeu”, estamos muito enganados. Em regra, não é nada fácil perceber ou só será possível depois dela “fazer muitas fitas”. E vai ser precisa uma grande dose de paciência, num jogo de (falsa?) preocupação, porque é isso que ela quer. Que fiquemos preocupados. Porque gosta de sentir essa nossa preocupação (real ou falsa). Dá-lhe um enorme prazer “assistir” ao “sofrimento” do “escravo”, como se aí esteja a sua redenção.

Se ela perguntar “este vestido faz-me gorda?”, é preciso ter cuidado a responder, porque “podemos ser presos por ter cão e presos por não ter”. A pergunta tem rasteira, porque ela tem consciência que aquele vestido a faz gorda. Assim, como já conhece a verdade, mas não quer ouvi-la da nossa boca, precisa de arranjar um “bode expiatório” pelo facto de o ter comprado e sentir-se desapontada por lhe ficar justo demais, fazendo realçar aqueles pequenos pneus à volta da cintura. Atenção, não lhe podemos dizer que a faz gorda, porque é disso que ela está à espera, para nos cair em cima dizendo que “não gostas de mim” ou “achas mesmo que sou gorda?”. Mas se cairmos também na patetice de lhe esconder a verdade, que é evidente, a reação poderá ser ainda pior com um acalorado “estás a mentir” ou “não é isso que estás a pensar”. Entre uma resposta e outra, há que escolher terceira via, uma alternativa e optar por não responder, porque nestes casos ela não quer ouvir resposta nenhuma da nossa parte. É uma pergunta somente para se ouvir, um desabafo atirado ao “vento”, que somos nós. E o vento nunca lhe responde, porque é mais inteligente do que nós. Ainda podemos optar pela fuga, inventando uma desculpa bem conseguida e fundamentada, para não dar azo a sermos “apanhados a mentir”. O argumento de que “temos de ir urgentemente à casa de banho” ou outro bem consistente, não pode deixar dúvidas para que a saída seja airosa. Lembremo-nos sempre que “a esposa é a mulher que está ao nosso lado para nos ajudar a resolver os problemas … que não teríamos se não estivéssemos casados”.

Por norma nunca estão satisfeitas, nada lhes agrada. Senão, vejamos: foi inaugurada em Nova Iorque The Husband Store (Loja do Marido), uma loja moderna e incrível onde as mulheres podem ir escolher um marido. Na entrada, as clientes recebem instruções de como a loja funciona: podem visitá-la APENAS UMA VEZ! São seis andares e os atributos dos maridos à venda melhoram à medida que vão subindo os andares. Mas há uma regra: podem comprar o marido escolhido num andar ou optar por subir mais um. MAS NÃO PODEM DESCER, a não ser para sair da loja diretamente para a rua. 

Foi assim que a mulher entrou na loja para escolher um marido. No primeiro andar havia um cartaz na porta: “1º Andar – Aqui todos os homens têm bons empregos”. Não quis ficar por ali e subiu mais um andar …

No andar seguinte o cartaz dizia: “2º Andar – Aqui os homens têm bons empregos e gostam de crianças”. Mas ela não ficou satisfeita e subiu ao seguinte …

No terceiro andar, o aviso dizia: “3º Andar – Neste piso, os homens têm ótimos empregos, gostam de crianças e são bonitões”. “Uau!”, disse ela, mas achou que no andar de cima seriam melhores.

No andar seguinte o cartaz anunciava: “4º Andar – Aqui os homens têm ótimos empregos, gostam de crianças, são bonitos e gostam de ajudar nos trabalhos domésticos”. “Ai meu Deus”, disse a mulher. Mas não resistiu à tentação e continuou a subir …

No piso seguinte lia-se no letreiro: “5º Andar – Aqui os homens têm ótimos empregos, gostam de crianças, são bonitões, gostam de ajudar nos trabalhos domésticos e ainda são extremamente românticos”. Mas, como ainda não estava satisfeita, subiu até ao sexto andar, onde encontrou o letreiro seguinte: “6º Andar – Você é a visitante número 31.456.012 deste andar. Cá não existem homens à venda. Este andar existe apenas para provar que as mulheres nunca estão satisfeitas e é impossível agradar-lhes!!!” Obrigado por visitar a Loja dos Maridos.

Anos mais tarde abriu uma loja do outro lado da rua, a Loja das Esposas, também com seis andares e idêntico regulamento para os compradores masculinos. O primeiro andar anunciava mulheres que adoram sexo. No segundo andar, propunham-se mulheres que, além de gostarem de sexo, gostam de cerveja. Sabe-se que os andares três, quatro, cinco e seis nunca foram visitados. Caso para dizer: “que tipo de gente é esta, que se contenta com tão pouco!!!”

E, cuidado com o telemóvel. Não sei se já conhece aquela nova loja de tecnologia, com um grande cartaz na porta a anunciar: “Conseguimos recuperar as mensagens apagadas do telemóvel do seu marido”. Se for lá espreitar, encontrará sempre quatro filas ao longo do passeio que até dão a volta ao quarteirão, todas de mulheres a querer entrar na loja …

Falta o Cristo na minha cruz de flores

A campainha da rua tocou. Era o senhor José que queria falar comigo. Abri-lhe a porta, mandei-o entrar e dirigi-me a ele de mão estendida. De imediato, ele deu dois passos atrás e olhou-me muito admirado, como se eu tivesse cometido o maior sacrilégio. Só então me lembrei que já não há lugar a cumprimentos, muito menos a beijos e abraços. Temos de ficar à distância uns dos outros, afastados, até daqueles de quem gostamos … 

Este é mesmo um tempo único, algo que nunca vi, nem imaginei ver. Se me falassem em algo do gênero, diria que só acontecia nos filmes de ficção científica. No entanto, há cinco anos atrás o multimilionário Bill Gates já fazia palestras a alertar que isto viria a acontecer mais dia menos dia e que os países se deveriam preparar para quando esse momento chegasse. Por alguma razão se tornou no homem mais rico do mundo … por muitas razões ninguém o quis ouvir … 

Ora, sendo este um tempo único, veem-se as coisas mais invulgares, originais, estranhas e absurdas, tal como os comportamentos de uns e outros: algum dia pensei ver mais de dois mil milhões de pessoas enclausuradas em casa, naquilo a que chamam “isolamento social”, caso único na história da humanidade? Como é possível um mundo parado, com milhões e milhões de fábricas e todo o tipo de recintos desportivos, recreativos e culturais encerrados? Algum dia imaginei ver missas e todo o tipo de celebrações religiosas sem fieis? De ver as lojas, ginásios e estabelecimentos de ensino diversos sem a atividade que os caracteriza, sem dia nem hora para reabrir? Não é no mínimo estranho ver uma fila em que as pessoas estão dois metros ou mais separadas umas das outras? Que se passa para que, das pequenas vilas às cidades de milhões e milhões de habitantes, as ruas, praças e avenidas estejam desertas, como se os seres humanos tivessem ido para nenhures? Se há gente a cumprir religiosamente os cuidados recomendados na prevenção contra o vírus, há também quem nem sequer acredite que ele existe (como houve e ainda há, quem não se convença que há cinquenta anos Neil Armstrong foi à Lua).

Se há quem respeite e cumpra o isolamento social para conter a pandemia, por acreditar ser a melhor forma de cuidar de si, além dos outros, também sabemos existir demasiada gente que não tem qualquer respeito pelo aconselhamento das autoridades, nem sequer das leis que os obrigam a ficar em casa. Viu-se nas longas filas das estradas e autoestradas deste país, como se fosse um tempo de férias. A par do açambarcamento de alguns, há a partilha de outros. Contrariando a especulação vergonhosa de oportunistas, vimos dádivas solidárias de gente bondosa. Ao lado dos profissionais de saúde entregues à nobre tarefa de salvar vidas cuidando dos outros até à exaustão, há quem não esteja disponível para colaborar nas coisas mais básicas, como se não fosse nada com eles. Enfim, um mundo parado, feito de heróis e do seu oposto, sem atividade, mas com esperança … 

Nunca se viu um dia de Páscoa assim, em que não pudemos celebrar juntos a Ressurreição de Cristo. Ficamos privados da visita pascal, de receber o Senhor em casa, pela mesma razão pela qual a ela estamos confinados. Para compensar a perda e afirmar a condição de crente,

durante a manhã apanhei algumas camélias, abri a porta da rua e fiz uma pequena cruz florida à entrada. Depois, fiquei ali a olhar aquela cruz colorida onde faltava um Cristo que lhe desse sentido e lembrei-me dum texto escrito por Graça Alves, que se ajusta perfeitamente à minha cruz de flores, simples, mas colorida. Como ela, fiquei a pensar que o Cristo que falta na minha cruz, está de Serviço. Mas é preferível deixar que as suas palavras, que reproduzo, emocionem os leitores como me emocionaram a mim:

 “Tenho a cruz à porta. Vazia. Ok. O Cristo da minha cruz foi cuidar de quem cuida, vestiu a bata e anda pelos hospitais do mundo inteiro a segurar a vida que anda suspensa nos beirais da História.

O Cristo da minha cruz vai dentro das ambulâncias que correm pelas cidades desertas, em lutas contra o tempo e contra a morte e foi percorrer o mundo inteiro, evitando os desesperos de quem não sabe como vai ser a vida a seguir.

O Cristo da minha cruz foi suster o ânimo dos que criam as vacinas, os medicamentos, um meio seguro de nos salvar a vida. Foi ajudar quem trabalha na terra, quem foi pescar, quem faz o pão e mo entrega em casa.

O Cristo da minha cruz foi abraçar os braços vazios de abraços, foi dar a mão a quem morre sozinho, foi limpar as lágrimas dos que não podem dizer adeus a quem amam, dos que andam nas ruas vazias a recolher o lixo, a desinfetar as praças, a limpar o medo e a acompanhar as solidões que espreitam as esquinas.

A minha cruz está vazia. E eu sei (sabemos todos) que esta Semana Santa será Maior do que tantas Semanas Santas das nossas vidas: Cristo lavará os pés a todos os que, exaustos, não desistem de lutar pela vida e beijá-los-á, certamente, porque são esses os pés que, nos nossos dias, anunciam a esperança e fará com eles a Ceia de Quinta-Feira; estará à beira dos que sofrem e morrem, ajudando-os a percorrer o caminho que une o chão ao infinito e consolando os que, à beira das cruzes que se erguem no mundo inteiro, têm o coração em frangalhos.

O Cristo da minha cruz (vazia, minha cruz) está vivo. É o rosto cansado dos que não veem os filhos há muitos dias, porque têm de os proteger. Está nas mãos dos que enfrentam o medo (todos têm medo) para ajudar quem precisa. Enxuga as lágrimas dos que estão sós. Está nos que têm de tomar decisões (difíceis, as decisões). Está nos que nos mantêm informados e nos dão esperança no meio do povo. E não o deixa cair na tentação de desanimar, apesar de todos os cansaços, apesar de tudo.

Tenho a cruz à porta. Vazia. O Cristo mudou-se para dentro de cada um”.

“A vida é hoje. Não deixes para depois”

Sem sequer o imaginar, a jornalista da RTP Sandra Felgueiras já me tramou com uma parte do seu trabalho no último programa “Sexta às 9”. E porquê? Porque andei eu a escrever uma crónica durante esta semana a propósito do uso ou não de máscaras de proteção por toda a gente quando sai à rua a exemplo do que fazem os orientais e ela, ao tratar do mesmo assunto, com outros dados que não aqueles a que eu tenho acesso, retirou-me o “protagonismo que tanta falta me faz para a minha vaidade pessoal e o meu Ego”. Paciência, tenho de arranjar outra conversa para esta crónica semanal, senão a direção do TVS corre comigo sem “direito a indemnização. Agora, o artigo já pecaria por tardio, correndo mesmo o risco de ser acusado de copiar algumas informações que ali deu. 

Não sendo médico nem sequer especialista em questões de saúde, ao ler e ouvir diversas opiniões, estatísticas e dados cronológicos da evolução do novo vírus no mundo e usando o senso comum, nesse esboço defendia o uso de máscara por todos nós sempre que vamos à rua porque, boa ou má, certificada ou de fabrico caseiro, tem de reduzir drasticamente o contágio. Se eu usar e o outro com quem falo usar também, há uma dupla proteção por mais fraco que seja o tecido. Já o tinha lido, mas a jornalista desenvolveu bem a comparação entre a República Checa e Portugal, países com a mesma população. Lá, o primeiro infetado surgiu a um de Março, enquanto aqui apareceu no dia seguinte. E se nas duas primeiras semanas a evolução da doença foi em tudo semelhante nos dois países, a partir do momento em que lá foi decretado o uso obrigatório de máscara, o aumento de mortos e infetados disparou em Portugal enquanto por lá foi subindo lentamente, ao ponto de hoje, com pouco mais de uma semana, a perda de vidas na República Checa ser quatro vezes menos do que em Portugal com esta doença. 

Mas estes dados já vinham da China e outros países orientais onde, até por razões culturais, o uso de máscara é normal nestas e outras situações semelhantes, pois as perdas de vidas por milhão de habitantes são muito inferiores ao que se passa no ocidente, onde teimamos em andar na rua ou às compras sem proteção, como se fôssemos imunes ao vírus. Verdade é que até Trump e Bolsonaro já se converteram à realidade, embora à custa de muitas mortes talvez desnecessárias. Por cá, apesar da mudança do discurso oficial, ainda andamos “a ver no que param as modas” … 

Já que me “mataram” o tema que tinha para esta edição, substituo-o pela morte do “depois” provocada por uma razão qualquer, agora até pelo Covid-19. Todos aqueles que andaram a atirar para “depois” uma viagem, encontro de colegas de curso, reunião de amigos, ida à Festa do Fumeiro, das Fogaceiras, dos Tabuleiros ou qualquer festa emblemática que há muito tempo gostariam de fazer mais longe ou mais perto, mas se foi deixando para o “depois”, agora não sabem quando, como, nem sequer se o vão poder fazer. Isso e muitas outras coisas que teimamos em “postergar”, isto é, deixar para depois. Sobre tal, nada melhor (e mais fácil para mim) do que transcrever um texto de autor anónimo que acho encantador.   

“O tempo não pode ser segurado: a vida é uma tarefa a ser feita e que levamos para casa

Quando vemos, já são 6 horas da tarde

Quando vemos, já é sexta-feira

Quando vemos, já terminou o mês

Quando vemos, já terminou um ano

Quando vemos, já passaram 50 ou 60 anos

Quando vemos, nos damos conta de ter perdido um amigo

Quando vemos, o amor da nossa vida parte e nos damos conta que é  tarde para voltar atrás …

Não pares de fazer alguma coisa que te dá prazer por falta de tempo

Não pares de ter alguém a teu lado ou de ter prazer na solidão

Porque os teus filhos subitamente não serão mais teus e deverás 

 fazer alguma coisa com o tempo que sobrar

Tenta eliminar o “depois” …

Depois te ligo …

Depois eu faço …

Depois eu falo …

Depois eu mudo …

Penso nisso depois …

Deixamos tudo para depois, como se o depois fosse melhor, por que não entendes que: 

Depois, o café esfria …

Depois, a prioridade muda …

Depois, o encanto se perde …

Depois, o cedo se transforma em tarde …

Depois, a melancolia passa …

Depois, as coisas mudam …

Depois, os filhos crescem …

Depois, a gente envelhece …

Depois, as promessas são esquecidas …

Depois, o dia vira noite …

Depois, a vida acaba …

Não deixes nada para depois, porque na espera do depois se podem perder os melhores momentos, as melhores experiências, os melhores amigos, os melhores amores …

Lembra-te que depois pode ser tarde

O dia é hoje, não estamos mais na idade em que é permitido

postergar.

Talvez tenhas tempo para ler, compartilhar ou talvez deixes para depois …”

Nada na vida é dado por adquirido…

Devo ter medo. Devemos ter muito medo, porque o mundo à nossa volta está inseguro, perigoso, eventualmente letal. Nalguns países, descontrolado, a caminho do caos. Se folhearmos jornais dos últimos dias, em Itália e Espanha a secção de óbitos tem mais de uma dúzia de páginas. E tudo por causa do novo “coronavírus” que, no dizer de quem sabe, nem sequer é um organismo vivo, mas “uma molécula de proteína coberta por uma camada protetora de gordura”. Invisível a olho nu? Certamente, mas só é “invisível” para quem não quer vê-lo, tal é a velocidade de propagação e a dimensão das consequências. Um vírus, um simples vírus anónimo, desconhecido e microscópico. Já nos tirou muito, mas pode tirar-nos muito mais. Para começar, já nos tirou a segurança, a certeza de um amanhã tranquilo e saudável. Tirou-nos salários, rendimentos, trabalho, além da possibilidade de exprimirmos os afetos através dum abraço, dum beijo, duma carícia ou de um simples cumprimento. Colocou-nos à distância dos outros, alegadamente para não o espalharmos por aí, mas sem certezas pois não o vemos e nem sabemos se o temos ou o tem aquele com quem falamos. É um jogo de “cabra-cega”, jogado às escuras e de olhos bem vendados. Devemos ter medo? Claro, sem entrar em pânico, tomando as cautelas que todas as entidades sanitárias aconselham. Com rigor, o máximo rigor. Disso depende a sua evolução e a segurança, nossa e dos outros, porque todos estamos no mesmo barco.

Pode-se dizer que esta pandemia é democrática, já que nos nivelou a todos, porque todos estamos expostos ao contágio. Ricos ou pobres, famosos ou anónimos, altos ou baixos, homens ou mulheres, pretos ou brancos, justos ou pecadores, intelectuais ou ignorantes. Ele não exclui ninguém, independentemente da classe, gênero, religião ou raça. Mas não é tão linear quanto isso, pois certamente estará mais protegido aquele que se meteu no seu avião privado e voou para uma ilha isolada onde há poucas possibilidades de contágio, do que aquele morador duma barraca nas favelas de Rio de Janeiro ou da África do Sul. Veja-se o caso do rei da Tailândia: só está em “isolamento” num hotel de luxo na Alemanha, com 20 concubinas …

Também se pode dizer que o novo coronavírus fez de nós exilados na nossa própria casa, obrigando-nos a regressar ao convívio da família. E devemos tirar partido disso, dando aos nossos o tempo que não concedíamos antes da sua chegada. Será que vamos aproveitar ou cansamo-nos depressa uns dos outros? Será que isto nos vai servir de lição para o futuro?

Esta terrível pandemia fez-nos descobrir o melhor e o pior que há no ser humano. Ao sermos confrontados com ela, tanto encontramos a solidariedade de quem partilha o que tem com os outros como damos de caras com o egoísmo de quem só pensa em si, açambarcando e ignorando as necessidades de quem lhe está próximo. E tanto vemos atitudes de generosidade e dedicação aos mais frágeis, como o fazem as senhoras que cuidam dos idosos nos dois Lares da Misericórdia de Lousada, em períodos contínuos de sete dias, noite e dia dentro das instalações com os idosos, sacrificando as famílias e as suas vidas, como vemos os “bem instalados” que não querem, nem se sujeitam a estender a mão a quem precisa, especialmente nos dias que correm, ainda que seja somente para o ajudar a levantar-se.  E tanto vemos os profissionais de saúde numa luta constante e aturada até à exaustão, alvos privilegiados do mal que combatem por nem sempre estarem devidamente protegidos, como topamos negligentes a “fazer turismo em dia de sol”, sem respeitar instruções das autoridades no combate à pandemia. Não devo deixar de citar o contraste entre fornecedores da Instituição a que estou ligado, em que uns ofereceram o que lhes foi possível dos produtos de proteção, enquanto outros apareceram … com propostas vergonhosas de tão especulativas e oportunistas. Uns abutres. Da solidariedade ao egoísmo, da dedicação à indiferença, da generosidade à maldade, do trabalho ao absentismo, são múltiplos os exemplos que nos sensibilizam e fazem acreditar na humanidade, tal como existem os que chocam e nos tornam descrentes. 

Uma das grandes lições que temos obrigação de tirar desta crise que nos afeta a todos e de consequências sanitárias e económicas ainda não mensuráveis, é que “nesta vida, nunca podemos dar nada como adquirido”. Se pensarmos que há pouco mais de um mês fazíamos a vida normal, trabalhando e produzindo riqueza, planeando com a família sobre qual o destino para as próximas férias, eventualmente numa viagem há muito sonhada, programando a conclusão de um negócio, a abertura de mais uma loja, andando por aí livremente sem restrições e sem limitações, podendo “ir à bola”, ao shopping ou ao cinema, jantar com os amigos ou viajar livremente em qualquer meio de transporte, com a certeza de que o amanhã seria risonho, que sentimento nos domina volvidos que são pouco mais de trinta dias e o que poderemos esperar dum amanhã que é uma grande incógnita e em que a maior parte do que estava dado como certo já não o é? 

De repente, deixamos de poder falar de liberdade quando estamos confinados a quatro paredes por tempo indefinido, condicionados a saídas esporádicas e breves; deixamos de poder falar de segurança já que até temos medo da proximidade dos outros, medo de perder o trabalho, medo da doença; deixamos de poder projetar o futuro que estará condicionado, quando não hipotecado por muitas incógnitas; deixamos de poder fazer a vida normal, porque tudo à nossa volta perdeu a normalidade. Refugiados em casa como meros prisioneiros, temos medo do vírus como se de um fantasma se trate, sem saber por onde anda, quando chega, se nos vai assaltar e o que nos vai roubar: é a carteira? O emprego? A saúde? Ou a vida? De repente, perdemos as certezas e só ganhamos dúvidas e medos. Enfim, “não podemos dar nada por adquirido”, pois tudo o que existe na nossa vida pode deixar de existir de um momento para o outro. O sinal que tudo é transitório e nada é nosso … embora haja sempre um amanhã.