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Que os “caminhos públicos” não sejam um obstáculo …

Tive de ir ver algumas matas nas encostas da serra de Barrosas, o que tem sido muito difícil pelo estado miserável em que se tem encontrado o caminho que lhes dá acesso, público, mas esquecido pelos poderes públicos, com regos que mais parecem regatos depois da tempestade. Só esteve bem cuidado e perfeitamente acessível enquanto serviu para palco da classificativa do Rali de Portugal. É que, os pilotos e o público, mereciam essas atenções por parte do poder autárquico e, o que não era de desprezar: dava nome à terra e algum prestígio aos políticos. Mas, foram-se as etapas de estrada do Rali, em Lousada, e o caminho por onde podiam passar tão bem quaisquer carros desportivos, virou caminho de cabras, por onde, para se andar em certas ocasiões, só de galochas e muito cuidado para não cair no fundo dos enormes regos. Esquecidos e ignorados ficaram os proprietários dessas matas e da atividade florestal que estas permitem, pela dificuldade no acesso. Ali encontrei camiões, máquinas e tratores a cortar árvores, preparar toros, carregar e transportar. 

Mas se não fosse um arranjo precário do caminho feito pelos interessados, no caso a Navigator, antiga Portucel, que explora muitas matas na área, bem podiam esperar sentados pois não conseguiriam tirar de lá um pau sequer. E, seria bom lembrar, que a exploração da floresta é uma atividade económica criadora de riqueza como qualquer outra atividade e que deveria merecer a mesmíssima atenção do poder público que outras recebem. Mas todos sabemos que, compor um caminho no meio da serra, onde não há sequer uma casa, muito menos pessoas para “verem isso e saberem” que se está a fazer obra pública, não é interessante, para não dizer o que não dá. É verdade que, para já, os eucaliptos não votam nem elegem ninguém. Porém, os proprietários não deviam ser cidadãos de segunda e, em caso de incêndios nas matas, os Bombeiros também se veem “gregos” (e não vou dizer “negros” e ser acusado de racista) para lá chegarem.

Mas tudo isto vem a propósito de que, quando cheguei ao alto e bem lá no meio das matas para onde tive de ir num veículo “todo-o-terreno” e com tração às quatro rodas, enquanto aguardava a chegada de outra viatura estive a observar o trabalho efetuado por uma máquina de “lagartas”, do tipo “giratória”, tendo na ponta do seu braço uma cabeça “processadora” de árvores. Com os eucaliptos cortados, permitia-lhe agarrar no eucalipto inteiro pelo pé como se fosse um palito, fazê-lo passar pelo seu interior ao mesmo tempo que lhe cortava os ramos (e também descasca se os rolos forem helicoidais), proceder ao seu traçamento em toros, num controle total das operações e com uma precisão inigualável das medições de corte, um processo rápido e de forma que fazia com que tudo parecesse muito fácil. E era. O ritmo de trabalho da máquina (e manobrador) era impressionante, pois não demorava sequer um minuto (estatisticamente são 40 segundos) a pegar num eucalipto de vinte metros de comprimento pelo pé como se tratasse de uma pena, a fazê-lo passar pelo meio da “garra”, esgalhá-lo e cortá-lo em toros. E no minuto seguinte saltava para outro e outro, e assim sucessivamente, num processo contínuo de alta produtividade. Além de “esgalhar” e cortar em toros, estes eram deixados em rimas e prontos a carregar para camião, que os levaria à fábrica onde seriam processados. Também os ramos eram amontoados para depois serem retirados ou moídos e deixar as matas limpas. Na Suécia, país onde a exploração florestal é levada muito a sério, até já estão a ensaiar uma máquina florestal autónoma com cabeça processadora que pode ser controlada com controle remoto ou programada para fazer o trabalho por conta própria, sem intervenção do ser humano e equipada com sensores de segurança para parar sozinha sempre que alguém chega muito perto.          

Fiquei a pensar na forma como tudo isto era feito quando era criança. O trabalho realizado por esta máquina durante um dia deve ser igual ou superior ao de um homem desse tempo durante um ano. Ainda me parece estar a ver dois homens agarrados a um “serrão”, cada um do seu lado, para “deitarem abaixo” um eucalipto, depois de lhe terem feito um corte com um machado para o orientar na queda. Seguia-se o “esgalhar da árvore” com um machado e a marcação do tamanho de cada toro usando para o efeito uma vara como “bitola”, que tinha a medida certa. E então, com o “serrão”, os dois homens iam cortando o eucalipto em toros, que ali ficavam. Como eram muito pesados, para os movimentar usavam uma “junta de bois” e um cadeado para os atar e levar por arrastamento. Mas, para os carregar num “carro de bois”, o transporte dessa época, era a força dos homens que valia, já que não havia gruas nem guindastes mecânicos para substituir a força do braço humano. 

É extraordinária a evolução técnica e científica que permitiu chegar a esta situação, excelente em termos de produtividade e alívio do esforço humano no processo, pelo que hoje não faz sentido e não é de todo rentável, fazer a exploração das matas de forma artesanal. Se os colocasse lado a lado, enquanto os 2 homens davam conta do corte, desrame, traçamento e carga de 2 eucaliptos em oito horas, 1 por cada homem, a máquina (e um manobrador) aviavam cerca de 500. Uma diferença abismal …  

Nem dá para comparar estas duas realidades, de hoje e de há 50, 70 ou mais anos, pela enorme diferença entre a quantidade de trabalho feito e consequente criação de riqueza. E, o que acontece com a exploração dos recursos florestais, passou a acontecer com a exploração de outros recursos e a produção de todo o tipo de bens com as indústrias e todos os avanços tecnológicos e científicos, em regra com maior comodidade e menor esforço físico no trabalho. Foi esse caminho que nos fez passar de uma sociedade agrícola, onde a pobreza era tal que só quem por ela passou e viveu é que percebe, para uma sociedade industrial de muito maior produção de riqueza e bens, acessíveis a toda a gente, embora a distribuição dessa riqueza seja muito questionável.

Soubessem os seres humanos serem contidos no consumismo, no desperdício, nos excessos, nas manias de grandezas absurdas, de respeitar os direitos de outros seres humanos, da importância da solidariedade, de ter consciência que têm um “prazo de validade muito limitado” e que, ao ir para o “outro lado”, vão despidos de tudo, até da ilusão, para que a riqueza criada pudesse estar ao serviço de todos e não só de uns quantos. 

Mas para a criação de riqueza é muitíssimo importante que os governantes, lá de cima até bem cá em baixo, não esqueçam que têm a obrigação de cuidar para que “todos os caminhos públicos” estejam “transitáveis e em boas condições de acessibilidade”, num serviço público muito além da obrigação, e que não continuem a ser o maior obstáculo à sua criação, como vem acontecendo com demasiada frequência!   

O valor que pode ter um presunto …

Há “um bom par de anos”, julgo que ainda no século passado, quando ao fim do dia cheguei a casa disseram-me que me tinham trazido um presunto. “E quem foi que trouxe o presunto”, perguntei? “Foi uma mulher”, ouvi como resposta. “Como se chamava a mulher” voltei a querer saber? “Não disse o nome”, responderam-me. “E que disse ela”, insisti? “Para lhe entregar o presunto”. Pedi para o guardarem porque, entretanto, alguém se deveria “queixar”. Mas os dias foram passando e ninguém deu sinal de vida. Quase um mês depois, disseram-me que o presunto estava cheio de bolor e que, ou se comia ou ele ia estragar-se. Nesta situação, pedi para o partirem, distribuir e deixarem-me pouco, por causa da minha tensão arterial. E, para minha surpresa, a “prenda” continuava sem ter “madrinha”.

Entretanto, um velho amigo tinha-me pedido para lhe fazer um favor, não propriamente para ele, mas para uma senhora sua amiga que vivia no Porto e estava “presa” a uma cadeira de rodas, fruto da sua doença, esclerose múltipla, e que não se podia deslocar. Ela era dona de uma quinta agrícola na região e o seu solicitador e procurador, andava à  volta dela a tentar comprar-lha por dez mil contos, mas ela achava pouco e que ele a estaria a querer enganar. Ora, para não se “espetar”, precisava de alguém que lhe avaliasse a propriedade e ele lembrou-se de mim por considerar que eu era de confiança. Agradeci o elogio, pois nos tempos que correm saber que ainda somos de confiança para alguém já é um orgulho, e aceitei fazer à avaliação, tendo-lhe dito que, na primeira ida ao Porto, lhe telefonaria para podermos ir a casa da sua amiga falar sobre o assunto e recolher os documentos necessários. Passadas cerca de duas semanas combinamos, fomos a casa da senhora e recolhi as cadernetas prediais, pedindo para telefonar aos caseiros a avisar que, logo que eu pudesse, passaria por lá para visitar todas as matas e campos da quinta. Tal visita veio a acontecer umas semanas depois, tendo eu recolhido as informações necessárias para fazer a avaliação e um pequeno relatório que lhe permitisse perceber o valor de cada parcela. Depois, quando pude voltar ao Porto, fui visitar a proprietária, entregar-lhe o relatório e dizer-lhe que, mesmo tendo “avaliado por baixo”, o valor mínimo da quinta era de vinte e cinco mil contos. Ela sorriu e disse-me: “Bem me parecia que ele queria enganar-me. Já agora, peço-lhe outro favor: Não se importa de me tratar de vender a quinta”? Acabei por lhe dizer que sim com duas condições: Que definisse qual o valor mínimo que queria pela propriedade e que o primeiro a saber e ser ouvido deveria ser o caseiro, pois poderia estar interessado. Ela aceitou os vinte e cinco mil contos como valor mínimo e concordou igualmente em que eu consultasse o caseiro em primeiro lugar. Depois desta ida ao Porto estive cerca de duas semanas fora e só mais tarde pude voltar à quinta. Recebeu-me a caseira, que já conhecia quando da avaliação, e contei-lhe o meu papel neste processo e aquilo de que a senhoria agora me incumbira. Por isso, estava ali para lhe perguntar em primeiro lugar, se tinha interesse em comprar a quinta. Ela manifestou logo ter interesse na propriedade e então disse-lhe que o preço atribuído era de vinte e cinco mil contos. Ela olhou-me fixamente e respondeu: “O senhor vai vender-me a quinta por onze mil contos”. Nem quis acreditar no que ela disse. Voltei a explicar-lhe calmamente que eu não era o dono, que a dona era a senhoria dela e que fora ela quem definira o valor da quinta e não eu. Eu só fizera a avaliação. Por isso, a quinta custava vinte e cinco mil contos. Mas ela não desarmou e, com convicção redobrada, voltou a afirmar: “Mas o senhor vai vender-me a quinta por onze mil contos”. Eu repeti os mesmos argumentos e mais uns quantos para lhe fazer ver que a quinta não era minha, que não fora eu a definir o preço mínimo e que não podia vender-lha pelo preço que ela estava a dizer. E ela lá continuou no mesmo registo: “Mas o senhor vai-me vender a quinta por onze mil contos”. Eu bem mudava o tipo de argumentação, mas ela repetia sempre a mesma “cassete” de que eu lhe ia vender a quinta por aquele preço irrisório. Às tantas, já farto daquela conversa sem sentido, perguntei-lhe: “Já agora, diga-me lá, porque é que eu lhe vou vender a quinta por onze mil contos”? E com “uma grande lata”, boa dose de descaramento e crédula no que afirmava, ela confessou as suas razões com toda a convicção: “Porque eu já lhe levei um presunto a casa” …

Instintivamente, dei uma gargalhada e respondi-lhe com a exclamação: “Até que enfim que sei quem levou o presunto a minha casa! Deixe-me dizer-lhe que o preço da quinta se mantém nos vinte e cinco mil contos e que só não lhe devolvi o presunto por não saber quem o entregara. Mas, se quiser, pode ir buscar os restos porque já começamos a comer dele antes que se estragasse” … 

Atribuir o valor de catorze mil contos a um presunto é algo de surreal, é uma coisa em que ninguém acreditaria, ainda que se tratasse de um “pata negra”, o rei dos presuntos. Não passa de uma “santa Inocência” e uma grande ilusão, para a qual é preciso ter “muita lata”. Mas, o pior de tudo é que, esta “arte” que começa com o “pode fazer-me o favor de dar um jeitinho” e não se sabe bem onde acaba, instalou-se na sociedade, cresceu, normalizou-se e banalizou-se, passando a fazer parte da nossa cultura e já não há entidades policiais nem justiça capaz de travar tal “epidemia”, que é transversal a toda a sociedade, conforme provam os muitos casos que têm vindo a público e que não são mais do que  a “pontinha de um enorme icebergue”. Não me achando eu melhor nem pior do que ninguém e apesar dos muitos defeitos que possa ter, e tenho, acreditar que fosse hipotecar a minha honestidade e honra a troco deste “tão valioso presunto”, é sinal de um completo engano. Encaixando-se perfeitamente neste contexto, recordo as palavras sábias de um homem íntegro, antigo chefe e velho amigo, já a olhar-me “lá de cima”: “Nesta vida, todos nós nos vendemos. Eu só não sei ainda qual é o meu preço” …    

Administração Pública: De mal a pior?

Como qualquer cidadão deste país, tenho o direito de usufruir de uma administração pública que dê resposta às minhas necessidades, como às de todos os outros cidadãos, seja na saúde, justiça, ensino, educação, segurança e outras. Daí esperar ser bem atendido, tratado dignamente e em tempo útil, respeitado nos meus direitos de cidadão. Se assim for, a administração pública torna-se uma alavanca do desenvolvimento social, económico e cultural. Se funcionar mal ou não funcionar, torna-se um obstáculo e um grave problema para um país que se diz e quer ser civilizado. Ora, á sabido que a nossa administração pública está mal e não há como escondê-lo. Diz-se que está fragilizada, desmotivada e, em muitos domínios, perdeu o sentido de serviço  “público”, que atue e dê respostas às nossas necessidades, colocando-se do lado da solução e não sendo “o problema”. Há uma crescente degradação dos serviços públicos, o que faz com que a máquina da A.P. seja pesada e ineficiente. 

Esta situação é especialmente grave nos serviços de saúde, autarquias, proteção civil, escolas, forças de segurança e nos tribunais. Tornou-se “quase normal” esperar meses por uma consulta médica, alguns anos por um qualquer licenciamento municipal, anos e anos pela justiça.

Esta é uma realidade inaceitável, com prejuízos diretos na qualidade da vida de todos nós e é um tema que tem estado ausente nos debates políticos, exceto nos momentos inevitáveis das campanhas eleitorais, pontuais e esporádicos. Ninguém no poder político, está interessado realmente na implementação de medidas de eficiência que melhorem a qualidade dos serviços públicos. Não dá votos e o melhor é não falar no assunto. As forças políticas, por estratégia, preferem viver em guerras permanentes entre si, mas as mais responsáveis têm de pensar no país antes de pensar nelas próprias. Mas nada disso tem acontecido. E noto que, em teoria, a digitalização e automatização progressiva da Função Pública deveria atuar como fator de diminuição da necessidade de recursos humanos no setor. Mas aconteceu precisamente o contrário pois nos últimos anos passaram a ser cerca ainda mais 100.000. 

Em Agosto de 2019 os portugueses sem médico de família eram menos de 650.000 e o primeiro-ministro Sr. Costa prometeu acabar com isso. E, quando se demitiu este ano, tinham aumentado quase um milhão. É caso para pensarmos na forma como (não) somos atendidos no Centro de Saúde/USF, como vemos os processos (não) andar nos tribunais e o quanto temos de mendigar nas câmaras para obter uma licença. E em muitos outros serviços apanhamos uma “seca”, mandam-nos ir noutro dia, para a semana ou no mês que vem, quando muito dizem-nos para comprar um impresso, juntar-lhe um comprovativo de coisa nenhuma ou para procurar na internet. “Mas eu não tenho internet”, ouvimos dizer e respondem com um encolher de ombros ou virar de costas. 

A precisar de uma cirurgia fui à minha ULS e, sabendo que não tenho médico de família, quando coloquei a questão de como poderia ser atendido por um médico, ouvi um “não podemos fazer nada”, desolado e triste”.

A minha mãe perdeu o bilhete de identidade ou melhor, não sabe onde o guardou. Por isso, tive de ir com ela à Conservatória do Registo Civil para requerer, não um novo bilhete de identidade, mas o atual Cartão de Cidadão. Fui sozinho à frente a pensar que ia ficar muito tempo à espera na fila como era normal, mas, para minha surpresa, ao entrar na Conservatória, o longo corredor, os cerca de trinta lugares sentados em cadeiras e bancos e a sala de espera, estavam completamente vazios, com exceção de uma pessoa à espera e duas a serem atendidas. Do lado de dentro, só duas das funcionárias das mais antigas. Mais ninguém. Pensei que fosse dia de greve, mas não vi cartazes nem nada do gênero a avisar. Então olhei para o lado e vi o placard a anunciar: “POR FALTA DE RECURSOS HUMANOS ESTÁ SUSPENSO O ATENDIMENTO DO REGISTO CIVIL, REGISTO PREDIAL E REGISTO COMERCIAL”.  Telefonei a avisar a minha mãe para aguardar até ter mais informações e fiquei à espera. Quando fui atendido, quis saber o que se passava. Disseram-me então que, dos 16 funcionários normais, somente aquelas “duas almas penadas” estavam a assegurar os serviços porque, alguns reformaram-se e os outros estavam de baixa médica, alguns há meses. Ora, sendo uma delas funcionária do Predial e a outra do Registo Automóvel, não percebiam do Civil e andavam “às aranhas” para desenrascar pedidos de Cartão de Cidadão. Mas, com boa vontade, lá se iam safando e foram desenrascando os “clientes” e que, só por respeito às pessoas, “não se davam também por doentes”. A situação estava assim há cerca de dois meses e a previsão seria de que só lá para Março do próximo ano se pudesse normalizar. Conservador, não havia e é uma Conservadora de fora que vem duas vezes por semana, num especial para casamentos e divórcios. É caso para perguntar: Como é possível? De 16 funcionários só duas resistem e dignificam a profissão? Porquê tão poucos? E nós, os “patetas” dos cidadãos, temos de esperar até onde, se continuamos a pagar impostos para ter Serviços que não temos?

Os partidos políticos demitiram-se por completo de fazer uma reforma profunda da Administração Pública, para haver Serviços organizados, modernos, desburocratizados e eficientes, onde os servidores fossem interessados, assíduos, responsáveis e motivados. E onde se recupere o sentido de “Serviço Público”, perdido há muito. Conheço funcionários públicos que são excelentes profissionais, dedicados, competentes e que não se escondem atrás de baixas médicas como se sabe acontecer em muitas situações. E são eles que tantas vezes resolvem problemas e situações, como foi o caso daquelas duas funcionárias, em respeito por si e por quem está do outro lado do balcão. Isso é ética profissional. Os que estão na função pública de má vontade, total inflexibilidade e sem qualquer motivação são mais que muitos. Alegam que ganham pouco, mas a média salarial dos portugueses é baixa. No entanto, a média do setor público é bem melhor que a do privado e estes não ficam tanto de baixa médica e tinham mais razões para se queixar. 

Os políticos falam tanto de ética republicana em vez de exigirem em seu nome que a Administração Pública preste contas e dê explicações da falha continuada de eficiência dos Serviços Públicos, para encontrar soluções. E não é criar mais Estado ou menos Estado, nem despejar mais dinheiro em cima do problema. É criar um Estado que seja eficaz, que seja competente e que seja capaz de fazer as coisas que são necessárias à sociedade, isto é, a todos nós, que pagamos os impostos sem poder “bufar” …

Não seja casmurro, adote um burro …

“Não seja casmurro, apadrinhe um burro”! Foi com este slogan que mais de três mil burros de raça mirandesa foram apadrinhados através de uma campanha lançada pelo Centro de Valorização do Burro de Miranda (CVBM), com o propósito de angariar fundos que permitam continuar a desenvolver o trabalho de proteção do “burro de Miranda”. Com um contributo mínimo de apenas trinta euros por ano pode-se ajudar a salvar um animal e apoiar o excelente trabalho deste Centro.  Também começa a ser moda no Nordeste transmontano ter um burro como animal de estimação e já são muitos os burros a fazer companhia e parte das brincadeiras dos seus donos, em vez de terem de prestar ajuda nos trabalhos agrícolas ou como animal de carga. E isso deve-se ao seu temperamento dócil, à sua simpatia e trato fácil, além de serem muito brincalhões. Soube que até um casal de noivos recebeu um como prenda de casamento e só não cheguei a saber se lhes fez companhia durante a lua de mel! 

Sabendo-se que por esse mundo fora há um leque variado de animais adotados para animal de estimação, desde porcos, tigres, leões, coalas, cangurus e até crocodilos, saindo dos animais tradicionais como cães e gatos, estou a pensar adotar, não o burro que já está a entrar na moda, mas uma burra. Sim, uma burra com “a” no fim. É que, assim, “com um tiro mato vários coelhos”, ou seja, atinjo vários objetivos. Se optar por trazer um burro cá para casa, sempre que ande montado nele a dar uma volta por aí e eu ouvir dizerem “Olha um burro”, acreditarei que se referem ao animal de baixo, só pelo tamanho das orelhas. Também, agora que certa plateia acusa tudo e todos de racismo e discriminação, adotando uma fêmea passo a ser visto por “inclusivo”. E ainda posso aproveitar a sua capacidade de reprodutora e multiplicar o número de burros de forma significativa, dando um contribuo para a conservação desta raça autóctone que já esteve em risco de extinção.

Vou treinar bem a burra para poder dedicar-me à “asinoterapia”, isto é, terapia assistida por asinino, pois o burro é excelente no seu papel de co-terapeuta devido às variadas características que lhe são naturais: temperamento dócil, paciente, atento, curioso e inteligente, excelente memória, robustez física, capacidade de suportar grandes cargas e estabilidade a nível físico e emocional. Os benefícios são vários e muito eficazes no tratamento de pessoas com problemas físicos e mentais e a terapêutica adequa-se a cada criança. Vai ser um sucesso. Posso também aproveitar o leite de burra, com características únicas, não só ao nível da alimentação, mas também ao nível da cosmética. 

As burras, como as vacas, só produzem leite se tiverem crias e, mesmo assim, só o fazem durante 10 meses, embora os dois primeiros sejam exclusivamente para as crias. No entanto, enquanto as vacas produzem cerca de 20 litros por dia, uma burra da raça mirandesa não ultrapassa quatro litros, o que faz encarecer muito o leite. Sendo um produto excecional, vou usá-lo cá em casa de diversas formas, sendo a primeira como substituto do leite de vaca dado o potencial nutritivo, quer seja para os adultos, quer seja para as crianças. Por conter Vitaminas, Proteínas e Ácidos Gordos que estimulam a produção de Colagénio na pele dos seres humanos e possui propriedades antioxidantes que retardam o seu envelhecimento e reduzem as rugas, as manchas e os sintomas associados a doenças dermatológicas, como a psoríase, dermatites e eczemas, vou usá-lo para ter uma pele lisa, macia e suave de fazer inveja. Aliás, Já há mais de 2.000 anos a rainha Cleópatra, do Egito, tomava o seu banho diário, imersa em leite de burra, porque na altura já se conhecia bem as suas qualidades tonificantes, hidratantes e rejuvenescedoras da pele ao estimular a produção do colagénio, tal como o fez a Imperatriz Josefina, mulher de Napoleão Bonaparte. 

Poderei utilizar ainda o leite de burra fresco para fabricar sabonetes naturais e cremes dermatológicos de grande eficácia, pois o sabonete de leite de burra é conhecido pelas suas propriedades hidratantes e nutritivas. Estes produtos são ricos em vitaminas e minerais, suavizam e revitalizam a pele, deixando-a macia e radiante. Já me estou a ver ao lado de uma beldade a fazer publicidade ao sabonete feito com leite de burra mirandesa, combinando tradição e cuidado natural num toque de luxo diário.

Mas, ao adotar uma burra o meu objetivo principal é que ela seja boa reprodutora e mãe de muitos burros, o que me poderá dar esperanças de vir a ocupar o lugar vazio deixado pelo patrão do Banco Espírito Santo no país. Como? Eu explico através de uma conhecida fábula:

“Era uma vez um rei que queria ir pescar. Consultou o seu Ministro da Meteorologia que lhe disse que iria estar bom tempo. E então pôs-se a caminho. No entanto, quando ia para a pescaria, encontrou um velho camponês, montado no seu burro, que ainda era mais velho do que ele, e lhe assegurou que iria chover: “Majestade, é melhor não ir à pesca pois hoje vai chover bastante”. O rei retorquiu: “Meu bom homem, eu tenho um Ministro da Meteorologia, bem informado e melhor pago, que me jurou que não choverá. Por isso, vou mesmo à pesca”. O rei, confiando mais no seu erudito Ministro da Meteorologia do que na simplicidade do velho camponês, seguiu adiante e foi pescar. Mas veio um temporal com chuva torrencial, que encharcou o rei até aos ossos. Furioso, chegou ao palácio, despediu o Ministro e mandou chamar o camponês com intenção de o contratar para o lugar dele. Mas este, na sua humildade, disse-lhe que não possuía qualquer sabedoria para prever o tempo. Simplesmente, guiava-se pelas orelhas do burro: “Se estiverem arrebitadas, o tempo estará bom, se estiverem baixas, irá chover”. Com isso, o Rei decidiu contratar o burro para Ministro da Meteorologia. E assim começou o costume de se nomear burros para os lugares de governação”! E ainda há quem diga que “vozes de burro não chegam ao céu” … 

Assim sendo, com os muitos burros que a burra me poderá dar, tenho fortes probabilidades de promover uns quantos a ministros ou chefes de qualquer coisa, que não serão mais do que meus “testas de ferro” como parece ter acontecido num passado recente, para ver se eu passo agora a ser o “dono disto tudo” …                                                                          Ou será que não é deste tipo de “burros”, mirandeses ou não, que se trata e eu devo aproveitar as qualidades todas da burra e deixar os filhos dela em paz?

Estamos (quase) sempre errados …

Como se diz, somos do tamanho do que conhecemos. Mas há pessoas que acreditam estar sempre certas, seja por ignorância ou arrogância, ego e narcisismo ou qualquer outro tipo de transtorno. E, para se afirmarem, apresentam possibilidades fixas para realidades móveis, são capazes de criar argumentos às vezes incoerentes, porque acreditam serem os donos da razão. Nunca admitem o erro nem uma opinião contrária e, se confrontados com factos, arranjam desculpas esfarrapadas. E, verdade se diga, estamos tantas vezes errados …

Quando era criança, tomava leite que vinha de uma quinta ali perto de casa. Fui lá muitas vezes e bebia sempre um copo ao sair da vaca, ainda quente. Dizia-se que “era o melhor leite” e “o alimento perfeito”. Anos mais tarde, a “verdade” passou a ser que “o leite tinha de ser fervido antes de se tomar”, e assim fez a minha mãe. Mas, anos depois, soube-se que o leite “levantava fervura” a partir dos 80 graus e saía fora do fervedor, ainda longe dos 100 graus convenientes para eliminar os microrganismos. Recomendou-se então o uso de uma “rodela” não sei de quê, para impedir que levantasse fervura antes do tempo. E a minha mãe passou a usá-la. Mais uns anitos em cima, veio uma nova verdade: O leite tem de ser “pasteurizado”. E todos nós passamos a acreditar na nova verdade, continuando a ver nele um excelente alimento. Mas não ficamos por aí. A troco da intolerância de alguns à lactose, passamos a ser bombardeados com a promoção de “leite” de soja, aveia e até arroz, como se fossem leites, com artigos científicos a denegrir o verdadeiro. E, afinal, estivemos sempre errados? E parece-me, que continuamos a estar, embora não falte quem se arrogue em ter razão.

O mesmo se passou com o azeite, outrora medido sem “esbordar”, pois, era um alimento precioso e excecional. Quando chegaram os óleos, veio a recomendar-se estes porque o azeite, não. E agora, foi reabilitado e passou a ser uma nova estrela da alimentação. Em que ficamos? 

Quem defendeu uma coisa, se calhar, já defende o seu contrário. Estivemos certos ou errados?  Quantas “verdades” como estas, afirmadas “a pés juntos” e reafirmadas veementemente, com o tempo passaram a falsas?

Sabe-se que a internet e, especialmente as redes sociais, são um campo onde o certo e o errado se atropelam. Mesmo que um tema seja muito específico, diria até científico, há muito quem não perceba “patavina”, “nem veja um boi da matéria”, mas não se inibe de emitir opinião como “verdade”, na boa, contrariando com a sua santa ignorância o parecer dos especialistas. E, certamente, terá audiência a apoiar!

Costuma recorrer ao Dr. Google em busca da resposta a problemas de saúde? Quem nunca? No entanto, os verificadores de sintomas online pecam pela falta de precisão, revela uma análise feita por especialistas, que alerta que estes só estão certos cerca de um terço das vezes. O que quer dizer, que estão errados em dois terços. Mas, porque o Dr. Google  disse, passou a ser certo?

Hoje convivemos diariamente com montanhas de informações, muitas delas que não passam de mitos, mas que as damos como certas: Água com açúcar deixa-nos calmos; só utilizamos 10% da nossa capacidade cerebral; a pasta dentífrica é boa para as queimaduras; O uso de boné provoca a queda do cabelo; a posição sexual pode facilitar a gravidez; tomar leite direto da vaca, é excelente; a vacina causa autismo; a dieta detox ajuda a eliminar as toxinas; se engolir uma chiclete, ela cola no estômago. Como estas, há milhares de “verdades” que passam de boca em boca e são dadas como certas. E assim, estamos certos ou errados?

Os seres humanos mentem frequentemente, para melhorar a sua imagem, encobrir comportamentos errados, “não dar o braço a torcer” e ter de confessar que estão errados, distorcer a realidade e esconder a verdade, enfim, por tantas razões menos boas. E hoje, a mentira voa à velocidade da luz e espalha-se pelos quatro cantos do mundo como se fosse uma verdade inquestionável. E todos os utilizadores das redes sociais, disseminam-na com um clique para reenviar, sem sequer se darem ao trabalho de questionar se a mensagem, notícia, imagens ou o que quer que seja é real ou manipulada. Daí que, absorvemos muito do que ouvimos, lemos ou vemos e passamos a estar convencidos de que podemos defender essa “verdade” como 100% segura. Até porque, a maior parte das grandes mentiras trazem elementos reais à mistura. Como dizia o poeta António Aleixo: “P’ra mentira ser segura e atingir profundidade, tem que trazer à mistura qualquer coisa de verdade”. Por isso, para alguns mentirosos crónicos o poeta deixou mensagem: “Mentiu com habilidade, fez quantas mentiras quis; agora fala verdade
 e ninguém crê no que ele diz”.

Os políticos, sejam ou não governantes, também costumam manipular a realidade para atingir os seus objetivos e rapidamente saltam para outra, num jogo de cintura que tem feito muitas carreiras pessoais “brilhantes”, embora nada benéficas para o povo. Dizem que faz parte. As empresas, tantas vezes colocam no mercado “a maior invenção do século”, um “produto revolucionário”, um “milagre da tecnologia e os atributos mais diversos para produtos que, mais tarde, se vieram a revelar como uma fraude, um problema para a nossa saúde, algo que é um fiasco ou perigoso. O DDT foi o primeiro inseticida para combater determinadas pragas. E foi “milagroso” até se descobrir que os tordos em Boston “morriam como tordos” por comer as lagartas mortas pelo inseticida e, depois, que os seus resíduos apareciam no leite materno, vindo a ter consequências nos recém-nascidos. E quantos pesticidas já foram retirados do mercado por passarem de “bestiais a bestas”, do certo ao errado? Estamos na era dos produtos químicos que usamos e as empresas usam para melhorar as nossas vidas, sendo que muitos deles, tidos por maravilhosos, vieram a provar-se como criminosos, mas depois das empresas faturarem milhões de milhões. Vendidos e propagados como certos, anos mais tarde provou-se serem errados. Defendem-se “verdades”, grande parte das vezes assentes sobre areia, sem se saber de facto se o são. E qualquer discussão é perdida logo de início, simplesmente quando não se quer escutar o outro. Admitir que se está errado, não é fácil, daí “a culpa morrer solteira”.

Para precaver das nossas atitudes, há este provérbio árabe que se ajusta em boa medida ao tema: “Não digas tudo o que sabes/Não faças tudo o que podes/Não acredites em tudo que ouves/ Não gastes tudo o que tens. /Porque: Quem diz tudo o que sabe/Quem faz tudo o que pode/Quem acredita em tudo o que ouve/Quem gasta tudo o que tem. /Muitas vezes: diz o que não convém/Faz o que não deve/Julga o que não vê/Gasta o que não pode”.

O errado de ontem é o certo de hoje e o certo de hoje é o errado de amanhã? O ser humano está preso num círculo de crenças e de escolhas contraditórias, onde a verdade e a mentira, o certo e o errado, se confundem, nos enganam e fazem acreditar tanta vez de que estamos certos. Mas, estaremos certos ou errados?

Sou um “empregado não remunerado”

Já pensou que, hoje, posso sair de casa, ir a um posto de combustíveis atestar o automóvel com pagamento por cartão na própria bomba, lavar a roupa em lavandaria self-service e ir para o trabalho usando uma autoestrada com portagem automática, sem ser servido por uma única pessoa? E posso continuar ao almoço selecionando a refeição numa cantina e aproveitar o tempo livre para consultar a minha conta bancária, fazer pagamentos, transferências, escolher, marcar e pagar uma viagem e imprimir a passagem aérea, tudo através da internet, por computador, tablet ou smartphone? E no regresso, ir ao supermercado fazer compras, escolher os produtos que quero, tirá-los das prateleiras e pagar em caixa automática sem intervenção de qualquer funcionário? Posso ainda lavar o carro numa lavandaria auto e ir ao cinema com bilhete eletrónico comprado através duma aplicação móvel. O trabalho será todo meu, sem receber qualquer contrapartida, coisa que há uns anos exigia uma série de pessoas para me atender. Já pensou nisto que começou há muitos anos, mas agora está a ir além do inimaginável e nas consequências desta “revolução self-service”, de que a principal é a quantidade enorme de trabalhadores que vão para o desemprego? 

A revolução “self-service” começou em 1916 numa pequena loja dos Estados Unidos e nunca mais parou. Clarence Saunders, proprietário do supermercado Piggly Wiggly, em Memphis, Tennessee, foi o pai da ideia que mudou a maneira como fazemos compras. Até aí, os produtos estavam guardados atrás do balcão e o cliente limitava-se a dizer o que queria e a pagar. O empregado acompanhava todo o processo. Atendia o pedido, metia as compras em sacos, fazia a conta e recebia o dinheiro.

Com a chegada do “self-service”, o consumidor passou a poder circular pela loja, retirar os produtos das prateleiras e levá-los em cestos até à caixa. Foi assim que o retalho ganhou a dianteira da revolução “self-service”. E diz quem sabe, que “ainda não vimos nada”: há experiências em curso para substituir as caixas de supermercado por “tablets”; para fazer da voz uma ordem de pagamento; para transformar “apps” em instrumentos de compra e catálogos interativos; e, cereja em cima do bolo, entregar as compras em casa com aviões não-tripulados (os tão famosos “drones”). O certo é que, com tudo isto, a produtividade e capacidade de atendimento dispararam, abrindo caminho à criação do supermercado, do hipermercado e da grande superfície especializada, onde “o consumidor faz tudo” …

A primeira loja em Portugal deste tipo só abriria em 1961, em Lisboa e nunca mais pararam. Dizem que as vantagens para os consumidores são muitas: oferta muito maior, atendimento rápido e com preços mais baixos. Mas as empresas ganham muito mais. E nós, só trabalhamos?

O “self-service” significa uma redução enorme dos trabalhadores, um problema grave para a comunidade. E a inovação constante, como é o caso das caixas automáticas nos supermercados, faz aumentar ainda mais o desemprego, sem contrapartidas para a sociedade. É o próprio consumidor que faz a leitura dos códigos de barras, faz o pagamento, ensaca e sai com os produtos, sem haver necessidade da intervenção do colaborador da loja. E não recebe nada. Diria que é “um trabalhador não remunerado”, que tira o emprego a alguém, sem se aperceber. A tradicional linha com dezenas de caixas de saída nos supermercados pode desaparecer e os pagamentos serão feitos “em qualquer parte da loja”, “de uma forma que parece mágica” e já acontece em duas cadeias de supermercados americanas. Aliás, tem estado a ser desenvolvido lá um sistema em que o consumidor paga dizendo apenas o seu nome, nada mais. Nem tem que digitar nada. Como eles dizem, “nós ainda não vimos o que aí vem”. As “apps” vão permitir comprar “em qualquer lado e a qualquer hora” e darão “uma maior liberdade ao consumidor que não necessite ou não queira, sequer, ter a participação de outra pessoa para fazer as compras.” O futuro passará por carrinhos de compras inteligentes e os bens encomendados nas lojas “online” (outro terreno moderno do “self-service”) podem chegar a casa dos clientes nas asas de aviões não-tripulados. A Amazon já está a testar “drones” para substituir as carrinhas de entregas. É assim que, além de estar a aumentar o desemprego, a tecnologia pode vir a matar o atendimento personalizado.

Claro que os trabalhadores de hoje não vão deitar “fogo às máquinas” por estarem a roubar-lhes os empregos, como na primeira revolução industrial, tendo sido “substituídos” nas suas funções pelos próprios clientes, mas é caso para estarem preocupados pois nada dos ganhos com a redução de pessoal nas empresas vai parar aos seus bolsos. E o problema coloca-se em numerosas áreas de atividade, dos postos de combustíveis aos parques de estacionamento, dos supermercados às mais variadas indústrias, da banca aos escritórios, das portagens às vendas de bilhetes para tanta coisa, dos tabuleiros de qualquer centro comercial ao restaurante self-service. É que as novas tecnologias têm, normalmente, um efeito devastador sobre o emprego. E isso quer dizer que se vão descartando as pessoas. É aí que começa o problema …

É estranha esta sociedade que, cada vez com mais frequência, nos leva a fazer funções que seriam de alguém. E com isso estamos a roubar empregos, a roubar esperanças. As caixas autónomas, instaladas como opção entre ser atendido por assistente ou, em momentos de aperto, para desenrascar mais depressa, vão passar a ser obrigação. E é assim que “somos contratados” como “empregados não remunerados”, sendo manipulados e amestrados para executar diversos tipos de tarefas, até de arrumação e limpeza como é o caso dos tabuleiros de restaurantes.

O curioso é que nalgumas empresas deste tipo nos Estados Unidos, em que os clientes assumem a tarefa de empregados não remunerados, até existe no final da linha uma pergunta automática para saber qual o valor da gorjeta que o cliente vai deixar. E# a moda pode chegar aqui. Ou está tudo bêbado ou sou eu que estou a ver as coisas “de pernas para o ar” … 

Com tudo isto, não estou a perder tempo nas filas (que só existem por falta de operadores nas caixas), mas estou a contribuir para aumentar os lucros das empresas, a atirar gente para o desemprego e a trabalhar “para aquecer” em montes de locais onde só deveria ser cliente. Mas, trabalhando “à borla” e sem beneficiar de um desconto sequer, por mais miserável que seja, posso sentir-me satisfeito porque sou muito mais evoluído, mais moderno e mais despachado …

Temos muitos tiques de “riquismo” …

Nos meios rurais como era o nosso, todas as pessoas tinham um rosto que se conhecia e um nome que se dizia ao cumprimentar. A maioria era gente pobre que trabalhava e sonhava um dia ter uma vida melhor. Gente que trabalhava de sol a sol, de horário variável conforme a luz do dia. Aprendia-se desde bem cedo na família a poupar, a não exigir o que não se podia ter, a não estragar nem desperdiçar e a não fingir que se era rico quando nem sequer se era remediado. Numa sociedade que vivia da agricultura como era esta, havia muito pouco para comer, comprar, distribuir. Estriava-se roupa nova só na Páscoa ou Natal, quando se estriava. E mesmo assim as pessoas eram alegres epartilhavam as coisas da horta e até os pedintes não iam embora só com palavras e promessas. Ao chegarem as indústrias, primeiro a Estofex que até deu regalias sociais e emprego a mulheres, e mais tarde a Fabinter, a riqueza começou a ser distribuída por quem nunca a vira. As famílias apostaram toda a sua poupança na construção de casa para viver, grande parte das vezes feita aos fins de semana num terreno de família com a ajuda de familiares e amigos, num hoje ajudo-te eu e amanhã ajudas-me tu, com muito suor e sacrifício, ao longo de anos, para terem um teto seu. E fizeram-no aprendendo a viver com o muito ou pouco que tinham. E só com isso.

Mas “o tempo é feito de mudança” e as pessoas começaram a aprender na nova escola que ensina a comprar sem dinheiro. A dependência de um ordenado certo tornou-se moeda corrente; a procura dum trabalho no Estado era garantia de segurança para o futuro; e a emigração para o estrangeiro abria um mundo de oportunidades pois até dava para ter automóvel e fazer casa nova na terra, enquanto por cá “não se saía da cepa torta”. Chegou-se, então, a um tempo de melhor nível de vida, por vezes vida sem grande nível e com mais aparências que realidade. E de repente tudo foi mudando com muitos encargos, rendimentos incertos.  Poupanças e hábitos de moderação deixaram de fazer parte da história pessoal e familiar. Com a crise veio o desemprego, as casas entregues ao banco, aumentou a pobreza e mesmo as vidas remediadas viraram falta do essencial numa realidade dolorosa. Toda a gente se queixa, a inflação escalou preços que já não recuam mais, o trabalho precário mantém-se, os recibos verdes continuam a fazer história, a fila dos que procuram cada dia o Banco Alimentar e batem à porta das instituições de solidariedade social cresceu e já não há capacidade para responder às necessidades mais prementes. Com 2 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza com menos de 591 euros, cerca de 380 mil desempregados, uma dívida pública a rondar os 280 mil milhões de euros e uma dívida total do estado e privados à volta dos 800 mil milhões, não se pode dizer que somos um país rico. Vamos lá, talvez remediado …

E, apesar duma certa recuperação, muita gente ainda não acordou ou finge que nada mudou. Quem, viva cá dentro ou vindo de fora, observar o que por aí se vê, não deixa de pensar que parecemos um país de gente rica, que dá nota pública de opulência. São caros, mas temos um parque automóvel rico que faz inveja aos pobres, telemóveis aos montes, dos mais caros e sofisticados, só roupa de marca, férias no estrangeiro nos locais mais badalados, lua-de-mel em países exóticos, consumos altos, habitações de luxo que são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Dizia-me um amigo da área financeira que “muitos vivem a crédito por conta do amanhã, com a casa, carro, barco e salário penhorados. Já só falta penhorar os filhos. Virados de pernas para o ar, já não cai um tostão furado” … 

Neste contexto, os tiques de riquismo são ofensivos, as cedências ao supérfluo tornam-se escandalosas e os exibicionismos patéticos são tidos por provocadores. Todos são chamados, à medida de cada um, a entrar no processo da recuperação necessária e urgente do país. Não é trabalho apenas dos governantes. Pouco ou nada se conseguirá se cada um não se impuser a si próprio atitudes de certa austeridade e gestos de partilha e a quem governa decisões justas e exemplo convincente. Urge que todos digamos, de modo consequente, que somos pessoas responsáveis e solidárias, irmãos e cidadãos com iguais direitos e deveres.

Mas é verdade que os governantes deveriam ser os primeiros a dar o exemplo para, pelo exemplo, enquanto cidadãos e enquanto decisores políticos, mobilizarem todos os outros. Como cidadãos, deixando de aprovar para si e usufruir de mordomias e benesses escandalosas que chocam o cidadão comum, num aproveitamento dos recursos públicos que provoca risos de chacota nos nossos parceiros do norte da Europa. E, por essa razão, são um péssimo exemplo. É como aquele pai que se farta de dizer ao filho “não roubes”, mas que passa a vida a fazer isso mesmo à sua frente. E o miúdo vai olhar para o que o pai faz e não para o que o pai diz!

Mas os tiques de riquismo nos políticos confundem-se com a estupidez e inconsciência, já para não falar na incompetência, de quem governa e gere o que é de todos sem nunca ter gerido nada na vida. Daí termos visto o desmando e esbanjamento de dinheiro na renacionalização da TAP que custou aos cofres públicos muitos milhares de milhões de euros, só, mas só por razões políticas. E o mesmo aconteceu com a Efacec, que não nos levou tanto como a TAP, mas mesmo assim foram muitas centenas de milhões pagos por nós, contribuintes. Mas essa mania de que somos ricos levou outros figurantes a realizar o Euro 2004, com a construção de 10 estádios que custaram 650 milhões de euros. Vinte anos depois, quase todos eles ainda não estão pagos e às autarquias continuam a chegar pesadas faturas. E todos os grandes negócios de estado que têm sido um manjar no banquete da corrupção e tráfico de influências?

Se fosse a enumerar as muitas obras mandadas executar tanto pelo estado central como pelas autarquias, parte delas de interesse muito duvidoso ou ruinoso, quando nem sequer chegaram a sair do papel, mas consumiram muito dinheiro, por incompetência total, tiques de riquismo ou interesses inconfessáveis dos decisores políticos, tinha de escrever vários artigos e dar-vos cabo da paciência …

Mais: como somos ricos, o anterior governo “abraçou” todos os povos das nossas antigas colónias ao decretar que podem vir para Portugal e são recebidos com direito de residência automática e todos os direitos na saúde e sociais como qualquer cidadão português, com um subsídio mensal de 750 € durante dois anos mesmo que seja vadio. “Sem nunca ter contribuído para o sistema”. Mas nós pagamos por eles. Por isso se sabe que são cada vez mais os que nunca cá viveram, mas precisando de uma cirurgia, fazer um parto ou tratamento, pedem o estatuto de residente ou até passaporte português para o fazerem cá, à custa do “Zé Povinho”, de cujo exemple mais badalado é o caso das “gêmeas brasileiras”. Mas nós pagamos por eles. São estes tiques de riquismo dos nossos governantes que nos deveriam fazer pensar! 

Com gente desta, com “tiques” de que somos um país rico onde o dinheiro sobra, temos que ter muito medo de vir a ficar cada vez mais pobres … 

Desfile de Vaidades em local de recato

As três mulheres chamaram-me a atenção pela forma acalorada como falavam, duas delas com ar muito preocupado. Percebi depois que uma se chamava Joaquina e manifestava aflição porque “a cabeleireira lhe disse que já não tinha vaga para lhe arranjar o cabelo e, muito menos, para tratar das unhas”. E completou: “Vejam lá vocês como é que eu me vou apresentar depois de amanhã diante das pessoas da minha família, algumas que eu já não vejo há anos? Vão pensar que eu sou para aqui uma pelintra? Não me faltava mais nada! Vou arranjar o cabelo e vou, ainda que tenha de ir ao Porto”. A mais despreocupada, de sorriso nos lábios, entrou na conversa só para dizer que já tinha marcações para a cabeleireira e esteticista há mais de quinze dias, pois não queria correr o risco de não ter vaga como a Joaquina. E a terceira, com ar pesaroso, confessou que ainda conseguira que a cabeleireira lhe lavasse a cabeça, mas já não tinha tempo para lhe fazer os caracóis que ela tanto queria. Falou também em familiares que já não via há muito e que, quase de certeza, estariam lá. Pela conversa, percebi que aquelas três mulheres deveriam ir para algo como um casamento ou batizado, pois agora já não é tempo de comunhões.                                                                     Apanhei a conversa a seguir já a Joaquina perguntava às outras qual o vestido que iam usar, porque ela comprara na outra semana numa loja em Penafiel um vestido azul-celeste para “fazer ver” às primas de Gaia “quem se veste bem”, pois pensam que por não sermos da cidade “nós somos umas parolas”. A despreocupada adiantou logo que também já estava servida pois no dia anterior foi ao Norte Shopping e encontrou um vestido que lhe “fica a matar”. E a que ainda não tinha cabeleireira para lhe tratar da “crista”, ante o despacho das outras, choramingou: “Eu estive à espera do meu marido, mas como ele nunca tem tempo para ir comigo a lado nenhum, vou ter de me desenrascar à última hora e, se calhar, também vou dar um salto ao Norte Shopping e trato das duas coisas”. Perguntou à amiga a que loja fora e prometeu comprar um vestido diferente do dela. Entretanto fui chegando à conclusão de que devia ser mesmo um casamento e distraí-me a imaginar aquelas “criaturas de Deus” a “cortar na casaca dos outros” durante toda a boda. Só voltei a prestar atenção à conversa quando ouvi falar em flores. Imaginei que fossem flores para atirar aos noivos à saída da igreja, mas fui surpreendido quando uma delas se gabou: “Mandei fazer um arranjo de flores que vai custar cento e trinta euros, mas tem de tudo”. Então, fiquei baralhado: Arranjo de flores no casamento? Para quê? Será para assear o altar? Logo outra retorquiu: “Pois eu vou levar um ramo de orquídeas muito lindo”. Mas a terceira desfez o meu equívoco: “Como sei que vão ser muitas flores pois cada familiar leva um raminho e dá para cobrir a sepultura, encomendei uma coroa de 

flores para colocar no meio e desta vez, se falarem de mim, é para me invejar”. Foi aí que se fez luz e percebi que as três mulheres estavam a preparar-se para ir ao cemitério no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. Mas admirei-me da preocupação do trio com os preparativos e a forma de se apresentarem, pois acho que a ida ao cemitério não era propriamente uma passagem de modelos nem um concurso de Miss Universo. A meu lado estava uma senhora amiga que assistiu àquele “filme” e, como mulher, certamente viu mais do que eu. E perguntei-lhe o que é que se estava a passar porque eu não estava a perceber! Mas ela era mulher, “viu tudo” muito bem e “abriu o livro”: 

“Lembra-se que depois de amanhã é o dia de Todos os Santos e de ir ao cemitério rezar pelos mortos? Só não deve saber que quase todas as mulheres se arranjam “à maneira” como se fossem para um casamento! Ai daquela que vá com um vestido qualquer e com o cabelo mal-amanhado! Se virem assim alguém, são as familiares as primeiras a criticá-la dizendo “pobre coitada”, “parece uma desgraçada”, “até deixa ficar mal a família”. A maior parte delas nem sequer vai à missa e fica no cemitério a olhar as outras, de soslaio, para avaliar, criticar e dizer mal. A roupa tem de ser nova, sapatos a condizer, maquilhagem completa. As flores devem ser caras e com arranjos espetaculares, já que o mulherio faz uma passagem geral às campas, como os juízes num concurso, a comentar entre si: “Olha que flores tão pobrezinhas”? “Mas que arranjo mais parolo”! “Onde descobriria esta um arranjo tão espetacular”? Só falta mesmo cada uma dar pontos para atribuir um prémio! Mais que o morto, conta a competição entre elas. E o que virem ali, dá conversas para toda a semana lá na aldeia”!

E durante a procissão no final da missa, lá estão no cemitério à espera, mais para se mostrar do que participar, qual passagem de modelos, 

com sussurros críticos e sorrisos amarelos. Sabe, mais do que o Dia de Fiéis e Defuntos, eu digo que é uma Feira de Vaidades e Má-Língua. E o curioso é que uma boa parte só vai visitar os mortos uma vez no ano, precisamente neste dia, porque é um ponto de encontro obrigatório e, uma mulher que se preze, nunca pode faltar. E olhe que elas apostam forte: na sua “decoração” pessoal, no que vestem, no que calçam e nos arranjos de flores. Pois o mais importante é aparecer e “parecer”. E os mortos? Pouco importam, são só o motivo para aquele desfile, sendo o cemitério a passerelle”!

A ser verdade que se fez disto uma competição, é uma oportunidade excelente para criar um concurso com categorias diversas, a saber: Melhor Vestido, Melhor Arranjo de Flores, Crítica Mais Contundente e Mordaz, Melhor Maquilhagem, Melhor Penteado. Claro que por detrás de tudo isto está todo um negócio feito à medida destas “necessidades” e que movimenta muito dinheiro, com especulação nos preços porque nisto, ninguém trava gastos, nem regateia. Supermercados, floristas, lojas de chineses e outras, vendem produtos para a ocasião e à porta dos cemitérios os vendedores ambulantes resolvem os esquecimentos, quer seja de flores, lamparinas ou velas. Já poucas são as pessoas que usam flores de casa, pois “até parece mal” e não se pode ficar mal visto em relação ao vizinho do lado. Por isso, há que comprar flores caras para dar nas vistas e sair em grande na boca das outras! 

Por princípio, quando vou ao cemitério gosto de silêncio e alguma tranquilidade, e este não é o meu dia preferido para o fazer. Por isso, estava “a leste” da realidade. Mas, para confirmar tudo o que ouvi, resolvi passar em dois cemitérios só para confirmar se havia “desfile de modelos” ou não. E, que Deus me perdoe a intenção com que lá fui, mas tem uma grande dose de verdade. Neste dia um, muitas mulheres transformam o cemitério numa “passerelle” onde se exibem toiletes, penteados e arranjos florais. Pior ainda, a intenção de ir lá para lembrar e homenagear os entes queridos que já morreram, passa para segundo plano, esquecida entre os vestidos e flores, vaidades pessoais e má-língua, e por se perder, transformando um dia que devia ser de memória e respeito por quem morreu, num dia de exaltação, exibição e vaidades sem sentido por quem “ainda” cá ficou …

Desfile de vaidades em local de recato …

As três mulheres chamaram-me a atenção pela forma acalorada como falavam, duas delas com ar muito preocupado. Percebi depois que uma se chamava Joaquina e manifestava aflição porque “a cabeleireira lhe disse que já não tinha vaga para lhe arranjar o cabelo e, muito menos, para tratar das unhas”. E completou: “Vejam lá vocês como é que eu me vou apresentar depois de amanhã diante das pessoas da minha família, algumas que eu já não vejo há anos? Vão pensar que eu sou para aqui uma pelintra? Não me faltava mais nada! Vou arranjar o cabelo e vou, ainda que tenha de ir ao Porto”. A mais despreocupada, de sorriso nos lábios, entrou na conversa só para dizer que já tinha marcações para a cabeleireira e esteticista há mais de quinze dias, pois não queria correr o risco de não ter vaga como a Joaquina. E a terceira, com ar pesaroso, confessou que ainda conseguira que a cabeleireira lhe lavasse a cabeça, mas já não tinha tempo para lhe fazer os caracóis que ela tanto queria. Falou também em familiares que já não via há muito e que, quase de certeza, estariam lá. Pela conversa, percebi que aquelas três mulheres deveriam ir para algo como um casamento ou batizado, pois agora já não é tempo de comunhões.                                                                     Apanhei a conversa a seguir já a Joaquina perguntava às outras qual o vestido que iam usar, porque ela comprara na outra semana numa loja em Penafiel um vestido azul-celeste para “fazer ver” às primas de Gaia “quem se veste bem”, pois pensam que por não sermos da cidade “nós somos umas parolas”. A despreocupada adiantou logo que também já estava servida pois no dia anterior foi ao Norte Shopping e encontrou um vestido que lhe “fica a matar”. E a que ainda não tinha cabeleireira para lhe tratar da “crista”, ante o despacho das outras, choramingou: “Eu estive à espera do meu marido, mas como ele nunca tem tempo para ir comigo a lado nenhum, vou ter de me desenrascar à última hora e, se calhar, também vou dar um salto ao Norte Shopping e trato das duas coisas”. Perguntou à amiga a que loja fora e prometeu comprar um vestido diferente do dela. Entretanto fui chegando à conclusão de que devia ser mesmo um casamento e distraí-me a imaginar aquelas “criaturas de Deus” a “cortar na casaca dos outros” durante toda a boda. Só voltei a prestar atenção à conversa quando ouvi falar em flores. Imaginei que fossem flores para atirar aos noivos à saída da igreja, mas fui surpreendido quando uma delas se gabou: “Mandei fazer um arranjo de flores que vai custar cento e trinta euros, mas tem de tudo”. Então, fiquei baralhado: Arranjo de flores no casamento? Para quê? Será para assear o altar? Logo outra retorquiu: “Pois eu vou levar um ramo de orquídeas muito lindo”. Mas a terceira desfez o meu equívoco: “Como sei que vão ser muitas flores pois cada familiar leva um raminho e dá para cobrir a sepultura, encomendei uma coroa de 

flores para colocar no meio e desta vez, se falarem de mim, é para me invejar”. Foi aí que se fez luz e percebi que as três mulheres estavam a preparar-se para ir ao cemitério no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. Mas admirei-me da preocupação do trio com os preparativos e a forma de se apresentarem, pois acho que a ida ao cemitério não era propriamente uma passagem de modelos nem um concurso de Miss Universo. A meu lado estava uma senhora amiga que assistiu àquele “filme” e, como mulher, certamente viu mais do que eu. E perguntei-lhe o que é que se estava a passar porque eu não estava a perceber! Mas ela era mulher, “viu tudo” muito bem e “abriu o livro”: 

“Lembra-se que depois de amanhã é o dia de Todos os Santos e de ir ao cemitério rezar pelos mortos? Só não deve saber que quase todas as mulheres se arranjam “à maneira” como se fossem para um casamento! Ai daquela que vá com um vestido qualquer e com o cabelo mal-amanhado! Se virem assim alguém, são as familiares as primeiras a criticá-la dizendo “pobre coitada”, “parece uma desgraçada”, “até deixa ficar mal a família”. A maior parte delas nem sequer vai à missa e fica no cemitério a olhar as outras, de soslaio, para avaliar, criticar e dizer mal. A roupa tem de ser nova, sapatos a condizer, maquilhagem completa. As flores devem ser caras e com arranjos espetaculares, já que o mulherio faz uma passagem geral às campas, como os juízes num concurso, a comentar entre si: “Olha que flores tão pobrezinhas”? “Mas que arranjo mais parolo”! “Onde descobriria esta um arranjo tão espetacular”? Só falta mesmo cada uma dar pontos para atribuir um prémio! Mais que o morto, conta a competição entre elas. E o que virem ali, dá conversas para toda a semana lá na aldeia”!

E durante a procissão no final da missa, lá estão no cemitério à espera, mais para se mostrar do que participar, qual passagem de modelos, 

com sussurros críticos e sorrisos amarelos. Sabe, mais do que o Dia de Fiéis e Defuntos, eu digo que é uma Feira de Vaidades e Má-Língua. E o curioso é que uma boa parte só vai visitar os mortos uma vez no ano, precisamente neste dia, porque é um ponto de encontro obrigatório e, uma mulher que se preze, nunca pode faltar. E olhe que elas apostam forte: na sua “decoração” pessoal, no que vestem, no que calçam e nos arranjos de flores. Pois o mais importante é aparecer e “parecer”. E os mortos? Pouco importam, são só o motivo para aquele desfile, sendo o cemitério a passerelle”!

A ser verdade que se fez disto uma competição, é uma oportunidade excelente para criar um concurso com categorias diversas, a saber: Melhor Vestido, Melhor Arranjo de Flores, Crítica Mais Contundente e Mordaz, Melhor Maquilhagem, Melhor Penteado. Claro que por detrás de tudo isto está todo um negócio feito à medida destas “necessidades” e que movimenta muito dinheiro, com especulação nos preços porque nisto, ninguém trava gastos, nem regateia. Supermercados, floristas, lojas de chineses e outras, vendem produtos para a ocasião e à porta dos cemitérios os vendedores ambulantes resolvem os esquecimentos, quer seja de flores, lamparinas ou velas. Já poucas são as pessoas que usam flores de casa, pois “até parece mal” e não se pode ficar mal visto em relação ao vizinho do lado. Por isso, há que comprar flores caras para dar nas vistas e sair em grande na boca das outras! 

Por princípio, quando vou ao cemitério gosto de silêncio e alguma tranquilidade, e este não é o meu dia preferido para o fazer. Por isso, estava “a leste” da realidade. Mas, para confirmar tudo o que ouvi, resolvi passar em dois cemitérios só para confirmar se havia “desfile de modelos” ou não. E, que Deus me perdoe a intenção com que lá fui, mas tem uma grande dose de verdade. Neste dia um, muitas mulheres transformam o cemitério numa “passerelle” onde se exibem toiletes, penteados e arranjos florais. Pior ainda, a intenção de ir lá para lembrar e homenagear os entes queridos que já morreram, passa para segundo plano, esquecida entre os vestidos e flores, vaidades pessoais e má-língua, e por se perder, transformando um dia que devia ser de memória e respeito por quem morreu, num dia de exaltação, exibição e vaidades sem sentido por quem “ainda” cá ficou …

Mazagão: Teremos orgulho e respeito?

Nos últimos 50 anos da nossa história, a maioria dos governantes e de muitos outros políticos, tudo tem feito para renegarmos o passado e, especialmente, os grandes feitos alcançados pelos portugueses nos descobrimentos e sua aventura por um mundo até então desconhecido. Chegam a manifestar a vontade de que nos devemos até envergonhar e penitenciar por esse período, que dizem negro, da nossa história, numa inversão completa do orgulho que, como portugueses e descendentes desses antepassados, deveríamos ter. E a verdade é que não estamos a ser dignos dos seus feitos, de atos heroicos que praticaram pelo mundo fora e que hoje querem apagar e subverter, de construções excecionais que deixaram espalhadas pelo mundo e deveriam ser testemunho mais que suficiente da dimensão do que fizeram, sem terem ao seu dispor os meios de transporte, tecnologia, financeiros e científicos de hoje, pelo que se tornam ainda mais extraordinários. Por tudo isso e muito mais, 

deveríamos ser nós a glorificar os seus feitos, mas, estranhamente, a exaltação de heroicidade em acontecimentos da nossa história, de vez em quando chega-nos através de vídeos, filmes ou escritos da autoria de não portugueses, a trazer ao conhecimento público factos heroicos que nos querem fazer esquecer.  É o caso do chamado Grande Cerco de Mazagão, ocorrido em Marrocos no ano de 1562, em que pouco mais de 3.000 portugueses derrotaram acima de 120.000 marroquinos, resistindo ao cerco e tentativas de assalto à cidadela ao longo de quase 3 meses. 

Os portugueses construíram uma cidadela no porto de Mazagão no verão de 1514, que o rei D. João III mandou expandir em 1541 para a maior fortaleza murada que vemos hoje, com 69 canhoneiras e um amplo fosso provido de eclusas que o mantinham cheio de água do mar durante a maré baixa, concentrando aí a presença portuguesa naquela região. Poucos anos depois, Marrocos foi unificado por Maomé Xeque e o seu sucessor cedo começou a planear a conquista dessa cidadela bem fortificada preparando a ofensiva ao longo de dois anos. O governador da fortaleza Álvaro de Carvalho encontrava-se em Lisboa e o seu lugar-

tenente Rui de Sousa de Carvalho através de um espião, confirmou os

rumores sobre os preparativos do sultão. Assim, enviou um navio com um pedido de socorro para Portugal, então governado pela regente D. Catarina perante o cerco iminente, já que a guarnição da cidade e os residentes não seriam capazes de resistir sem ajuda. A 18 de fevereiro de 1562 chegou o primeiro contingente de marroquinos, assentando arraiais ali perto e o filho do sultão, Mulei Moâmede, não concebendo que tão pequeno número de homens pudesse fazer frente ao seu poderoso exército, antes de iniciar o ataque enviou um ultimato ao governador, que dizia: “Tenho tolerado essa fortaleza até à data, mas agora exijo a sua evacuação. Dou o tempo preciso para levarem tudo menos a artilharia e as armas. Se não quiserem aproveitar a minha generosidade tomarei pela força o que me pertence. Não obedecendo, passarei tudo a fio de espada e isso é fácil quanto é certo que Portugal é governado por uma mulher e o rei é ainda uma criança”. A resposta não demorou: “Nenhum português é homem que receie o poder e as ameaças dos moiros; todos saberão resistir e defender a fortaleza do rei-criança, seu soberano, porque todos os que se encontram na praça são portugueses que juraram morrer ou vencer e eles só́ morrem na luta quando deitam por terra os seus inimigos”.

Em Portugal, a rainha regente Dona Catarina ponderava abandonar Mazagão, Mas a notícia do cerco da cidadela provocou uma onda de sentimento patriótico em Portugal e antes que ela tomasse qualquer decisão, fidalgos, plebeus, clérigos, pescadores e outros voluntários, armaram-se e zarparam voluntariamente em auxílio da cidade sitiada. 

O inimigo atacava violentamente com cem mil infantes, trinta mil cavaleiros e treze mil auxiliares para escavar e remover terras, com o apoio de vinte e quatro canhões, mas dois meses de combate provaram uma vez mais aos muçulmanos que os Portugueses sabiam ligar as ações às palavras.
Com efeito, a luta começou trágica, terrível e mortífera. O ataque da artilharia inimiga era incessante, a defesa, heroica e infatigável. No dia 30 de Abril, no momento da preia-mar, os Mouros fizeram um ataque violento e conseguiram abrir brecha nas muralhas com a artilharia. Debaixo de um fogo terrível, onde morreram muitos combatentes de um e de outro lado, os valentes defensores de Mazagão escreveram a mais linda página da sua história. Uma explosão de vinte barris de pólvora, provocada pelos nossos, produziu no meio dos sitiantes verdadeira hecatombe. Entretanto, chegavam mais tropas de Lisboa, e o inimigo, cansado da luta, desbaratado e desanimado pela coragem indómita dos sitiados, abandonou o cerco, no dia 17 de Maio, retirando para Azamor. O esforço hercúleo dos defensores de Mazagão manteve ainda por dois séculos a soberania de Portugal na veneranda fortaleza.
Mazagão mantém ainda hoje o seu traçado urbano original e muitas das ruas conservam nomes portugueses como a Rua da Carreira, a Rua Direita, a Rua da Nazaré, a Rua do Arco, a Rua do Governador, a Rua da Mina ou a Rua do Celeiro. O pioneirismo da fortaleza inovadora de Mazagão, peça-chave da evolução das fortificações modernas, abriu a porta à transição para o uso da artilharia, materializa em Marrocos pela primeira vez as novas teorias da fortificação abaluartada, que daqui seriam transpostas para a colonização da América, África e Ásia.

A sua eficácia enquanto estrutura defensiva ficou patente na sua inviolabilidade durante os cerca de 260 anos que serviu a coroa portuguesa. Mas a excecionalidade de Mazagão ultrapassa o simples conceito de fortificação, revelando-se também como um modelo de planeamento e construção da cidade, de transposição para o território de funções urbanas, instaladas segundo determinada escala, de acordo com princípios de racionalidade e sustentabilidade. Serão também estes conceitos da cidade que contribuirão decisivamente para o desenvolvimento do planeamento urbano moderno. 

Como diz Oliveira Martins, «o domínio português do Litoral de África é apenas um episódio da grande história das descobertas e conquistas ultramarinas e o seu merecimento serviu de escola para os guerreiros da Índia». A nossa História, aqui e ali, está cheia de atos heroicos, sempre em desproporção numérica, mas com um sentido do que é ser português, irrepreensível. Os portugueses que resistiram e venceram no cerco de Mazagão, não renegaram um passado cheio de ensinamentos e honra. As ordens eram, como sempre foram, para lutar pela honra e pela Pátria! E eles cumpriram! Saibamos nós cumprir, no orgulho e respeito por eles e por todos os outros que lutaram e se sacrificaram para levar Portugal e a civilização aos quatro cantos do mundo …