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O falhanço monumental de um país …

Falhamos estrondosamente, a fatura é alta, continua a subir sem fim à vista e “o valor já pago não tem preço nem retorno”. Está perdido para sempre. E não vale a pena arranjar desculpas esfarrapadas nem enterrar a cabeça na areia. Todos temos de assumir o fiasco. Todos, a começar pelos governantes que se perderam nos autoelogios de um “sucesso falso” no combate à primeira vaga da pandemia, esquecendo de, atempadamente, planear e tomar as medidas convenientes, ainda que impopulares, para controlar o que veio a seguir. Pelos políticos que quiseram tirar dividendos da crise quando se deviam preocupar com as pessoas, que não são números. Pelos especialistas, que tentam encontrar um caminho feito de avanços, recuos e até contradições. Pelos jornalistas, que fizeram dos noticiários um autêntico massacre psicológico, com relatos estatísticos tão exaustivos quanto maçudos. E todos nós que ficamos agarrados ao nosso comodismo, liberdades, regalias, direitos adquiridos, hábitos e tradições, esquecidos de que há um valor maior que tem de estar à frente de tudo isso: a vida de cada um. A nossa, dos nossos familiares, amigos, vizinhos, novos e menos novos, conterrâneos, estranhos, pessoas como nós. E temos esquecido que a luta para nos mantermos vivos tem de estar acima de tudo e em primeiro lugar. Sem ela, o que vale o resto?

Pode parecer estranho, mas o melhor e mais inteligente discurso de um governante ao seu povo durante a crise do Covid-19 alertando contra as pessoas que se comportam mal neste período da pandemia foi do presidente do Uganda, Kaguta Museveni, que começou a dizer aos ugandeses: “Deus tem muito trabalho, pois tem o mundo inteiro para cuidar. ELE não pode estar aqui simplesmente, no Uganda, a cuidar de idiotas …” Mas vale a pena ler a sua declaração pública que, mais do que para os ugandeses, deve servir de lição para todos nós:

“Numa situação de guerra, ninguém pede a ninguém para ficar dentro de casa. Você fica dentro de casa por opção. De facto, se você tem uma cave, fica escondido lá enquanto as hostilidades continuarem.

Durante uma guerra, você não insiste na sua liberdade. Desiste voluntariamente em troca da sobrevivência.

Durante uma guerra, você não se queixa de fome. Você sente fome e reza para continuar a viver para poder comer de novo.

Durante uma guerra, você não discute abrir ou não o seu negócio. Você fecha a sua loja (se tiver tempo) e corre para salvar a vida.

Você reza para sobreviver à guerra, para poder voltar ao seu negócio (isto é, se não tiver sido saqueado ou destruído por um morteiro).

Durante uma guerra, você fica grato por estar vivo mais um dia na terra dos vivos.

Durante uma guerra, você não se preocupa se seus filhos não vão à escola. Você reza para que o governo não os aliste à força como soldados para serem treinados nas dependências da escola, agora transformada em depósito militar.

O mundo está atualmente em estado de guerra. Uma guerra sem armas e balas. Uma guerra sem soldados humanos. Uma guerra sem fronteiras. Uma guerra sem acordos de cessar-fogo. Uma guerra sem teatro de guerra. Uma guerra sem zonas sagradas. Nesta guerra o exército não tem piedade. É indiscriminado – não respeita crianças, mulheres ou locais de culto. Este exército não está interessado em espólios de guerra. Não tem intenções de mudança de regime. Não está interessado na riqueza dos recursos minerais. Nem sequer se interessa por hegemonia religiosa, étnica ou ideológica. A ambição dele não tem nada a ver com superioridade racial. 

É um exército invisível, sem bases e impiedosamente eficaz. A sua única agenda é uma colheita de morte. Só ficará saciado depois de transformar o mundo num grande campo de morte. A sua capacidade de atingir o seu objetivo não está em dúvida. Sem máquinas anfíbias, terrestres e aéreas, possui bases em quase todos os países do mundo. O seu movimento não é governado por nenhuma convenção nem por protocolo de guerra. Em suma, “é uma lei em si mesma”. 

É o coronavírus, também conhecido como COVID-19.

Felizmente este exército tem uma fraqueza e pode ser derrotado. Requer apenas a nossa ação coletiva, muita disciplina e tolerância.

O COVID-19 não pode sobreviver ao distanciamento social e físico. Só prospera quando você o confronta. Adora ser confrontado. Capitula diante do distanciamento social e físico coletivo. Ele se curva diante de uma boa higiene pessoal. Fica desamparado quando você toma o destino nas suas próprias mãos, mantendo-as higienizadas o mais tempo possível.

 “Não é tempo de chorar por pão e manteiga como crianças mimadas. Temos de achatar a curva do COVID-19”.

Vamos exercitar a paciência. Sejamos guardadores dos nossos irmãos. Em pouco tempo recuperaremos a nossa liberdade, as empresas e a socialização. No meio da EMERGÊNCIA, pratiquemos a urgência do serviço e a urgência do amor pelos outros”.

O nosso problema é que “estamos numa guerra”, mas não tomamos verdadeiramente consciência de que essa “guerra” é real e temos de lutar pela vida contra um inimigo invisível. Era mais evidente se fosse um vulcão em erupção, um terramoto arrasador ou uma torrente de água e lama que nos arrastasse ribanceira abaixo com todos os bens a reboque. Aí lutávamos pela vida sem querer saber de nada mais que não fosse ficar vivo. Quando em 2005 o furacão Katrina atravessou Nova Orleans, deixou um rasto de destruição e quase 2.000 mortos. A grande preocupação dos habitantes da cidade foi “salvar a pele”. Para trás deixaram casas, carros, negócios, empregos e bens pessoais. Em suma, tudo. E ali ficaram sem eletricidade, água potável, um teto para se abrigar, sem segurança e proteção. Agora nós, com mais de 10.000 mortos, que tudo indica passarão do dobro muito em breve, estamos ocupados em defender os direitos que a constituição nos confere, que os filhos continuem a ir à escola, que as nossas vidas continuem a ser iguais ao antes da pandemia! Também continuamos a comportar-nos como idiotas não respeitando o confinamento, distanciamento social e higienização frequente das mãos, talvez à espera dum milagre ou se calhar, convencidos que a chegada de alguns milhares de vacinas já nos imunizou a todos, como por encanto! Quando vamos acordar?

Esta “guerra” é difícil porque o “inimigo” não se mostra, mas está cá; dá-nos uma falsa sensação de segurança, que por ser falsa é perigosa; leva-nos a pensar mais nos bens materiais que estão em risco do que na vida que se pode perder num momento. E, sejamos francos, já não nos choca o número obsceno de mortos que a televisão nos atira à cara diariamente, cada vez maior, como se fosse banal tombarem a cada dia 250 pessoas ou mais. Porque não nos dizem respeito? São números de um “filme” diário que ouvimos, mas não sentimos. Já não mexe connosco. Ao que chegamos!!! E esquecemos, ignoramos e, pior ainda, com a nossa falta de cuidado, desrespeitamos os profissionais/ de saúde que estão na frente de combate, cansados, esgotados física e psicologicamente, ao verem-se impotentes para conter a “colheita” que a morte faz à sua volta. Quantos não terão vontade de desistir?

Em 10 meses, esta “guerra” já nos levou tantas vidas como a guerra do Ultramar em 13 anos e “assobiamos para o lado”, governantes e governados, só sendo “acordados” quando tomba alguém que nos é próximo. 

É tempo de sermos responsáveis antes que os nossos filhos tenham de chorar o nosso “número” nas estatísticas de um dia destes … 

Não estamos satisfeitos com nada …

Ainda antes de eu nascer, houve um ano de seca em que quase não choveu. Nas fontes, ou corria um “fio de água” ou secaram. Até os poços, cuja captação é a alguma profundidade, estavam reduzidos a um nível muito baixo de água, insuficiente para as necessidades da população. A situação era grave, as pessoas andavam preocupadas e com receio que a água faltasse por completo. Ciente da preocupação popular e da necessidade de ajuda divina, o pároco da minha aldeia convocou os paroquianos a orarem em conjunto no domingo à tarde. Com a igreja cheia de gente movida pela fé e crença da intervenção divina, a cerimónia começou. Todos rezavam com fervor e devoção. Já a oração conjunta decorria há algum tempo, quando a trovoada se fez anunciar através de um trovão distante. Mas isso não fez com que pároco e fieis interrompessem a cerimónia e continuaram a rezar. Pouco a pouco o ribombar dos trovões foi-se aproximando e centrou-se sobre a igreja, fazendo-se acompanhar duma chuva torrencial. No entanto, o celebrante continuou a cerimónia sem vacilar, como que a agradecer essa dádiva de Deus. Dentro da igreja sentia-se que chovia muito e era grande a quantidade de água caída sobre o telhado do templo. As pessoas sentiam-se esmagadas pela resposta ao seu apelo. E, às tantas, a água começou a entrar pela porta, numa enxurrada mista de água e terra, invadindo a igreja. Quando se aperceberam que a água já estava no interior do templo, algumas pessoas entraram em alvoroço e outras desataram a gritar. Ao ver toda aquela agitação, o padre interrompeu a oração. Ao manter-se a agitação, fechou o livro de orações e disse: “Vamos embora. O povo já está farto de água …”

É normal que andemos meses a queixar-nos que não chove, que há falta de água, as albufeiras estão baixas e, quando a chuva vem, logo ao segundo dia é vulgar ouvir-se: “Já estou farto de chuva”. Dois dias antes resmungava-se por não chover e mal ela chega já se quer outra coisa? 

É por isso que se costuma dizer que “as pessoas nunca estão satisfeitas com nada”. E é verdade. Somos um ser “defeituoso”, pois temos uma insatisfação permanente. Queremos sempre o que não temos. Essa insatisfação já a manifestava António Variações numa das suas canções, ao dizer: “… porque eu só estou bem, aonde eu não estou, porque eu só quero ir, aonde eu não vou” … 

É normal ter-se ambição, querer ir mais longe, mais além. Mas se achamos que a felicidade só está naquilo que não temos, algo está errado. É como correr atrás do arco-íris para o agarrar. As pessoas se têm pouco querem muito, se têm muito, querem muito mais e se têm muito mais, “têm a lata” de dizer que desejam ser felizes com pouco. Só que não dão um passo nesse sentido, para ficarem mesmo com o “pouco” … É que custa muito libertarem-se dos “teres e haveres”, num desprendimento dos bens materiais. E depois? Começariam tudo de novo a partir do zero? 

Para além de sermos seres insatisfeitos, também não damos valor ao que temos, a tudo aquilo de que usufruímos. Nem sequer percebemos quanto somos privilegiados em milhentas pequenas e grandes coisas que não valorizamos nada, mas a que milhões de pessoas gostariam de ter acesso e não têm. Ao abrir a torneira de água e poder escolher entre fria e quente, com muita ou pouca pressão, estou agradecido. Ao carregar no interruptor elétrico e fazer acender a lâmpada, estou agradecido. Ao ter uma casa onde me abrigar com a família, mais ou menos equipada, bem ou mal decorada, climatizada ou não, tenho de estar agradecido e feliz pela localização. Há melhor? Oh se há, mas não é isso que me deve fazer lamentar porque tenho quanto baste. 

Um homem que queria vender uma propriedade ao andar pela rua encontrou o poeta Olavo Bilac seu conhecido. E perguntou ao poeta: “Poeta, eu quero vender a minha propriedade que o senhor conhece tão bem. O senhor poderia redigir um anúncio de venda para eu pôr no jornal”? O poeta pegou em papel, lápis e escreveu: “Vende-se uma propriedade encantadora onde, num extenso arvoredo, cantam os pássaros ao amanhecer. É cortada por águas límpidas e cristalinas de um belo ribeiro. A casa nela existente é banhada pelo sol nascente e oferece as sombras tranquilas das tardes nas varandas”. Passados uns dias o poeta encontrou-se com o homem e perguntou-lhe: “Então, já vendeu a propriedade? E ele respondeu: “Nem pensei mais nisso. Depois de ver o anúncio que você escreveu é que eu vi a maravilha que tenho”.

Ao tomar conhecimento deste caso com o poeta Olavo Bilac, lembrei-me de uma viagem que fiz ao Brasil, tendo passado alguns dias numa fazenda em pleno Pantanal atravessada por um riacho sinuoso, onde se passeiam onças, jacarés e muitos outros animais e aves selvagens, além de poder andar de barco ou a cavalo. Para quem gosta de estar de bem com a natureza é algo espetacular. O dono da fazenda morava numa cidade próxima e, com a família, ia-se revezando na assistência aos clientes como nós. Numa das conversas contava ele que um dia contou a uma cliente oriental estar a pensar vender a propriedade. Então ela perguntou-lhe: “O que vai fazer com o dinheiro da venda”? E ele respondeu-lhe: “Vou comprar um paraíso qualquer para passar o resto dos meus dias”. E ela, sem rodeios, disse-lhe o que ele nunca ouvira: “Se o senhor já tem aqui um paraíso incrível, praticamente virgem, vai largá-lo de mão e procurar outro que não sabe se algum dia vai encontrar? Você não precisa de procurar o que já tem” … 

Assim é na vida. Não deixemos que seja necessário vir alguém de fora para valorizar o que nós não conseguimos ver, para admirar o que já não nos satisfaz e só porque queremos outra coisa. Sintamos a beleza da vida porque estamos dentro dela. E teremos sempre a escolha por viver com dificuldades, sem dificuldades e apesar das dificuldades. Mas viver, valorizando sempre tudo o que temos, muito ou pouco … 

E a pandemia fez ver, a quem quer ver, o muito que tínhamos, mas que achávamos não ser suficientemente bom. E se era …

Atenção aos erros de comunicação …

É através da comunicação que os homens e os animais, trocam informações entre si, quer seja por gestos, sons, linguagem corporal, verbal ou outros códigos. E as falhas ou erros, tanto na transmissão como na interpretação dessas informações podem ocasionar muitos problemas, pequenos ou grandes, podendo mesmo ficar fora de controle ou até serem irreversíveis. Não deixa de ser verdade que “a culpa costuma morrer solteira” porque os culpados arranjam quase sempre forma de “encontrar um bode expiatório”, embora os erros de comunicação possam acontecer com qualquer um de nós por mero acaso, falta de rigor na comunicação, por se falar muito do que não importa e retardar a informação essencial por receio ou medo. Sem consequências significativas, ainda há poucos dias fiz compras num comércio e, ao pagar, tinha de receber de troco 34,50 euros. Como ainda tinha a carteira aberta, pedi à senhora para me entregar as notas (30,00 €) com a intenção de as arrumar logo, pois as moedas costumo guardá-las no bolso das calças. E ela assim fez. Enquanto as colocava na carteira, ela agradeceu-me e enfiou os 4,50 euros em moedas numa caixa decorada para brindes de Natal. Não tendo sido essa a intensão pois nem reparara na caixa de ofertas, percebi o erro, mas não o desfiz, até porque a culpa fora minha ao não a informar bem da minha intenção e nem o montante em causa era significativo. Mas o não entendimento sobre prescrições e conselhos médicos pode levar a problemas de saúde mais ou menos graves, conforme o caso.

Um dentista procurava orientar os pacientes sobre os cuidados a ter para evitar hemorragia após a extração de dente. Entre outros, havia um conselho que recomendava sempre: “nada de café quente na boca”. Qual não foi a surpresa quando um dos seus pacientes apareceu no dia seguinte à extração com a boca toda inchada. Quando lhe perguntou o que aconteceu, ele respondeu que não sabia pois tinha feito tudo direitinho como o doutor mandara: “tomei café quente e fui nadar” …

A falta de clareza, com rodeios, não objetiva e não indo ao centro da questão, pode acontecer porque há pessoas a acharem que os outros têm de entender e adivinhar o que elas pensam, dando-lhes códigos de informação nem sempre fáceis, como foi o caso duma mulher num restaurante. Depois de ver a ementa, pediu uma sopa. O empregado serviu-a e afastou-se um pouco. Mas ela chamou-o logo: “Pode provar a sopa”? O rapaz perguntou se estava alguma coisa mal e ela insistiu: “Pode provar a sopa”? Então, imaginando que a sopa estivesse fria, ele pediu desculpa e disse-lhe que trazia uma sopa quente. Mas ela não desarmou: “Pode provar a sopa”? Já farto desta conversa, o rapaz questionou-a: “Se a sopa não está ruim, nem fria, qual é o problema? E ela continuou: “Pode provar a sopa”? Com tanta insistência da parte da cliente, ele sentou-se, puxou o prato para si e procurou a colher para a provar. Não havia colher. E então ela completou a informação: “Já viu qual é o meu problema com a sopa? A falta da colher. Sem ela, não consigo comê-la”!!!

Mas muitas vezes tiramos conclusões precipitadas antes de conhecer a informação completa e podemos arranjar uma confusão danada:  

“Num determinado país foi criado um programa de incentivo à natalidade, pois o número de habitantes estava a cair muito e a proporção de idosos crescia assustadoramente. Necessitando de mão-de-obra, o governo decretou uma lei que obrigava os casais a ter

um certo número de filhos. A lei dava também a tolerância de cinco anos após o casamento, ao fim dos quais o casal deveria ter pelo menos um pimpolho. Aos casais que nesse prazo não tivessem um único filho, o governo destacaria um agente auxiliar para que a criança fosse gerada. Neste cenário deu-se o seguinte diálogo entre um casal:                                                                                                                   

“Ela disse-lhe: – Querido, completamos hoje cinco anos de casamento. E ele: – É … querida e … infelizmente não tivemos um filho sequer. E a mulher continuou: – Será que eles vão mandar o tal agente? Mas ele respondeu: – Não sei … talvez mandem! Nervosa, ela insistiu: – E se ele vier? Ouviu-o num desabafo: -Bom, eu não posso fazer nada. Ao que ela adiantou: – E eu, menos ainda … Já à porta, ele disse: – Tenho de sair pois estou atrasado para o trabalho.

Logo após a saída do marido, bateram à porta: TOC, TOC, TOC!!!! A mulher abriu e encontrou um homem com boa aparência à espera

(Tratava-se de um fotógrafo que saíra para atender a chamada de uma família que queria fotografar a sua criança recém-nascida, mas que, por erro, se enganara no endereço). E aconteceu esta conversa:

HOMEM: Muito bom dia! Não sei se sabe, mas eu sou…

MULHER: Ah, já sei! Faça o favor de entrar.

HOMEM: Obrigado. O seu marido está em casa?

MULHER: Não. Já foi trabalhar.

HOMEM: Presumo que esteja a par da minha vinda aqui?!…

MULHER: Sim e o meu marido também sabe de tudo. E eu concordo.

HOMEM: Ótimo. Então, vamos começar.

MULHER: Mas já? Tão rápido!!!

HOMEM: Preciso de me despachar, pois hoje ainda tenho de visitar mais 16 casas.

MULHER: Minha nossa! E o senhor aguenta?

HOMEM: O segredo é gostar do meu trabalho. Dá-me muito prazer!

MULHER: Então, vamos lá começar. Como faremos e onde prefere?

HOMEM: Permita-me sugerir: – Uma no quarto, duas no tapete, duas no sofá e, uma em pé ao lado da mesinha do telefone.

MULHER: Puxa, serão necessárias assim tantas?

HOMEM: Bem, talvez possamos acertar na mosca logo à primeira tentativa.

MULHER: O senhor já visitou alguma casa neste bairro?

HOMEM: – Não, mas tenho comigo várias amostras do meu trabalho e… (mostrou algumas fotos de crianças). – Não são lindas??

MULHER: Como são belos os bebés! Foi o senhor mesmo quem fez?

HOMEM: Sim. Veja esta. Foi conseguida à porta do supermercado.

MULHER: Que horror! O senhor não acha que é muito público?

HOMEM: Sim, mas a mãe queria ter uma grande publicidade.

MULHER: Eu não teria coragem para isso!!!

HOMEM: Já esta aqui foi efetuada em cima de um autocarro.

MULHER: Cacilda. Minha nossa!!! De um autocarro?

HOMEM: Foi um dos serviços mais difíceis que eu fiz na vida.

MULHER: Claro, eu imagino!!!

HOMEM: Esta foi feita no inverno, num Parque de Diversões.

MULHER: Credo! Como foi que o senhor conseguiu? Não sentiu frio?

HOMEM:  Não foi fácil! Como se não bastasse a neve a cair, tinha uma enorme multidão à volta. Quase não consegui acabar …

MULHER: Oh, não. Eu sou discreta e não quero ninguém a olhar-nos.

HOMEM: Ótimo, eu também prefiro assim. Agora, se me der licença, preciso armar o tripé. 

MULHER: TRIPÉ?!!!

HOMEM: Sim, minha senhora, pois o negócio, além de pesado, depois de armado mede quase um metro.

E a Mulher …  desmaiou.

“Quando a tempestade passar” …

Terminou mais um ano que não vai deixar saudades e será um marco nas nossas vidas. Nunca tínhamos passado por algo tão difícil, não só enquanto pessoas, mas também enquanto país e humanidade. Ficará para a história como o ano da pandemia covid-19, com gravíssimas consequências sanitárias, económicas e sociais cuja dimensão ainda se não conhece. 

Perderam-se familiares, amigos, vizinhos, conhecidos e muita gente de que nem ouvimos falar. Tem-se sofrido muito, tanto física como psicologicamente, até porque as medidas de proteção nas, quais se inclui o confinamento, por prolongadas no tempo, são uma violência terrível, em especial para idosos e crianças. E como é difícil manter distantes os que nos são próximos, acenar ao longe a quem se queria abraçar bem perto, ter de dar um carinho sem o necessário toque de que todos sentem falta. E as despedidas de entes queridos que nunca se deram, o luto que não foi feito, o adeus que se perdeu. Será que alguém ficou indiferente às imagens televisivas das enormes valas comuns com que as televisões nos chocaram contendo milhares e milhares de urnas alinhadas como em parada militar e onde foram a sepultar (quase) na clandestinidade pessoas como nós, sozinhos e afastados daqueles a quem amavam? Foram-se empresas, empregos, economias, projetos de vida e sonhos. As promessas que cada um fez para o 2020 no final do ano anterior esfumaram-se com a chegada de algo invisível, mas que se revelou superior a todos nós. Temos muito a lamentar pela pandemia que virou do avesso este nosso mundo, temos muitas lições a tirar se as quisermos aprender ou assobiamos para o lado “quando a tempestade passar” e retomamos o caminho errado que nos trouxe até aqui. A escolha será nossa.

Mas se quiser ver o 2020 com outro olhar, acho que no meio da luta brilhou de forma cintilante uma enorme legião de heróis anónimos na solidariedade, na dedicação, na entrega aos outros, ainda que em muitos casos pagando tudo isso com a sua vida. Na linha da frente do combate estão, sem dúvida, todos os profissionais de saúde, mas não podemos esquecer também os que cuidam de idosos, crianças e das pessoas com deficiências, com os minutos feitos horas e horas feitas dias ou semanas. Ficou essa lição de superação e sacrifício pessoal, da família, da saúde e descanso. E vi isso na maioria dos colaboradores da Misericórdia de Lousada, dos Lares ao Hospital, do Infantário ao Apoio Domiciliário, numa entrega sem precedentes, uma lição de como é importante o reconhecimento e valorização das pessoas. 

No final do ano que findou chegou, finalmente, um sinal de esperança com a vinda das primeiras vacinas num programa comum da União Europeia e de entrega proporcional à população de cada país, num caso raro de solidariedade real. Mas não nos iludamos nem baixemos a guarda, porque é muito cedo para pensar que “são favas contadas”. Vamos ter ainda de penar muito, vamos continuar a ver partir gente de quem gostamos, a ter de ficar contidos com vontade de abraçar, a ser pacientes e esperar que chegue a bonança, que ainda não chegou. Até lá acreditemos que tudo isto vai mudar as nossas vidas, a forma de olhar, ver e nos relacionarmos uns com os outros, de respeitar a terra que nos dá abrigo e se há algum verdadeiro significado para a nossa presença aqui que não seja o “Ter” só para pensar que somos donos do que quer que seja. E vale sempre a pena acreditar … 

Neste momento em que se começa a vislumbrar uma pequena luz ao fundo do túnel, faz todo o sentido transcrever um poema cuja autoria se atribui a Kathleen O’Meara durante a epidemia de peste em 1800, mas que, afinal, terá sido escrito pelo cubano Alexis Valdés em plena pandemia de Covid-19. Por um ou por outro, vale o momento:

“Quando a tempestade passar

As estrelas se amansarem

E formos sobreviventes

De um naufrágio coletivo,

Com o coração choroso

E o destino abençoado

Nós sentir-nos-emos bem-aventurados

Só por estarmos vivos.

E daremos um abraço ao primeiro desconhecido

E rejubilaremos por ter a sorte de ter um amigo.

E aí lembraremos tudo aquilo que perdemos;

E de uma vez aprendemos tudo o que não aprendemos.

Não teremos mais inveja, pois todos sofreram,

Não teremos mais o coração endurecido,

Pois seremos todos mais compassivos.

Valerá mais o que é de todos do que eu nunca consegui,

Seremos mais generosos

E muito mais comprometidos.

Entenderemos o quão frágeis somos

E o que significa estarmos vivos!

E sentiremos empatia por quem está e por quem se foi …

Sentiremos falta do velho que pedia esmola no mercado,

Aquele de quem nunca soubemos o nome e sempre esteve ao nosso lado.

E talvez o velho pobre fosse Deus disfarçado …

Mas nunca perguntamos o nome dele

Porque estávamos com pressa …

E tudo será milagre!

E tudo será um legado

E a vida que ganhamos será respeitada!

Quando a tempestade passar,

Eu te peço, Deus, eu te suplico,

Que nos tornes melhores.

… Como Tu, Deus, nos sonhaste!”