Monthly Archives: October 2015

Eventos diferentes, pontos comuns…

Ao contrário do que é habitual, estou vestido de fato e gravata quando entro numa igreja antiga e bonita, toda renovada, onde não faltam flores, montes de lindas flores. Vê-se um grande número de familiares e ainda mais de amigos, reunidos nesta solenidade especial presidida pelo padre da paróquia, que celebra missa e faz uma homilia simples mas bonita, com palavras suficientemente simpáticas para fazer correr algumas lágrimas entre os presentes. Onde estou eu? Que celebração é esta? Deitem-se a adivinhar e vão dando palpites… Será um casamento? Ou, pelo contrário, estou num funeral? Não é fácil descobrir, tantas são as semelhanças…

Num funeral só é preciso um morto enquanto para um casamento são precisos dois (vivos, se bem que um deles rapidamente passará à condição de “morto”). Familiares e amigos elegantemente vestidos estarão num e noutro, com toiletes exuberantes e de cores garridas no casamento mas contidas e escuras no funeral, se bem que neste a roupa dos homens se tem tornado cada vez mais informal. Nos enlaces, as toiletes das senhoras cada dia são mais requintadas, mais “exclusivas”, e não voltarão a ser usadas noutro evento. A sua maquilhagem é cuidada e trabalhada e até os homens poem um “cheirinho” agradável. No funeral, só a “toilete” do falecido será usada naquela ocasião e em nenhuma mais… E, quanto a maquilhagem, para além das senhoras como é habitual, só nalgumas localidades o falecido “se entrega” nas mãos de alguém com o curso técnico de “necromaquilhagem” para ficar com “bom aspeto” diante dos “convivas”. Na véspera, de um lado há despedidas de solteiro(a) entradas pela noite dentro, regra geral muito animadas e bem regadas com todo o tipo de bebidas alcoólicas, enquanto no outro se faz o velório, noutros tempos atravessando a noite aquecida por uns copos de “bagaço” mas, nos dias de hoje, “a seco” e só durante o dia pois à noite é penoso.

Ambos são o ponto de encontro ideal para se encontrar velhos amigos e familiares, gente que se não vê há muito tempo, motivo de recordações entre os mais idosos e de partilha de histórias antigas vividas em conjunto. Contam-se anedotas e piadas, relembram-se amigos comuns, pergunta-se por outros a quem se perdeu o rasto, num animado convívio, mais contido num e mais alardeado noutro.

A música está nos dois acontecimentos pois, se na saída da igreja um se faz acompanhar da “marcha nupcial”, já o cortejo do outro tem na “marcha fúnebre” o compasso e a cadência do andamento. O choro e o riso, os abraços e todas as manifestações de afetos entre os que são mais ou menos próximos bem como outras reações emocionadas, estão presentes em qualquer dos eventos, onde “alguém” é o centro das atenções, a razão de ser “daquela” reunião.

Não há boda digna desse nome que não termine num “repasto” onde se “enfarda” à “fartazana”, mais que suficiente para encher a pança “até lhe chegar com o dedo”, sendo motivo de elogio ou de reprovação pelos “comensais” que “têm mais olhos que barriga”, muitos deles bem “avinhados” lá para o final do evento. Nesse aspeto, nos funerais estamos muito “atrasados” em relação a outros povos e a outras culturas, como na Bélgica, Irlanda e outros países e na África em geral. Por lá, após a despedida do finado, reúnem-se em casa da família, em restaurantes, pubs e outros locais, onde se come e bebe “à grande e à francesa”, em agradável confraternização entre todos os participantes na cerimónia, para “comemorar” e “honrar” a sua memória. Ora, por cá, não há sequer uma “bucha” para aplacar estômagos “a roncar”, nem sequer um copito de cerveja, mais na moda do que o velho “tintol”. E, sendo uma grande oportunidade de negócio absolutamente virgem entre nós, fico admirado por os organizadores de eventos, empresas de catering e restaurantes não terem ainda transformado tal prática em moda e até fazer dela um hábito. Andam a dormir “na forma”…

O fim da boda dá-se com a partida dos consortes num “caixão”, digo, carro, e com os familiares descalços e de sapatos debaixo do braço distribuindo entre si o resto dos bolos, insistindo uns com os outros para levarem mais e mais, em “clima de alegria”. Já no outro caso, o funeral termina com a “partida” do falecido quando desce à cova no caixão para, de imediato, a família se reunir e “disputar” a partilha dos “restos” (a herança), muitas vezes em “clima de guerra”, batendo-se uns com os outros para ver quem mais “abocanha” e quem agarra o melhor bocado.

Diz-se que tudo tem um fim. Mas, ao que parece, o casamento tem vários… No caso do funeral, este é o “fim”, a primeira marca que separa os mortos dos vivos. Aliás, é incrível como a morte acaba com a vida das pessoas… o que é quase sempre considerado uma tragédia até porque, a “tragédia termina com a morte”. Em contrapartida, há quem também faça do casamento uma tragédia em dois atos (civil e religioso), enquanto outros o consideram uma comédia dizendo que “toda a comédia termina em casamento”.

Enquanto a alegria caracteriza os rostos num, a tristeza é o tom geral do outro. Mas, a grande diferença entre os dois é muito importante pois, se o casamento tem “reversão” através do divórcio (há até quem diga que este começa ao mesmo tempo que o casamento ou, para ser mais preciso, o casamento talvez comece algumas semanas mais cedo…), já o funeral não tem a possibilidade de ser “revertido”, aquilo a que se poderia chamar o “divórcio da morte”. Ora, pessoalmente, não tenho medo da morte, apenas… não quero estar lá quando ela chegar.

Ah, tomei a decisão de não voltar a participar em funerais. Só vou estar no meu… porque não tenho opção.

Mas, o que é que eu ia fazer?

Estava no quarto quando me lembrei de telefonar a um amigo. Fui à sala, levantei o auscultador e… fiquei a dar voltas à cabeça. Não sabia a quem ia telefonar. Regressei ao quarto (por vezes resulta voltar ao “local do crime”) mas, nada. Já há muito deixei de me irritar e estou convencido que esquecimentos e lapsos de memória acontecem com toda a gente: “O que é que eu ia fazer?” “O que é que eu estava a dizer?” “Como é que aquele se chama?”

Comecei cedo a “treinar”, mas vem-se agravando com a idade. Tinha dezoito anos e estudava na Escola Agrícola onde passava o trimestre sem vir a casa, sem telefonar e em que a única comunicação com a família era uma carta ocasional para dar sinal de vida. Quando tiramos uma fotografia da turma e tive direito a uma (coisa rara à época), entendi que a devia enviar aos meus pais. Escrevi-lhes uma carta a acompanhar e meti-a no correio. Quando fui ao quarto, encontrei a fotografia em cima da cama. Chateado, escrevi nova carta que fui a correr colocar no marco do correio mas, ao voltar ao quarto, vi que a fotografia permanecia em cima do travesseiro, teimosamente. Enfim, só a consegui enviar à terceira tentativa…

A memória é uma espécie de “armazém” onde guardamos coisas. Quando precisamos delas, vamos à procura mas, por variadíssimas razões, ou não as encontramos ou nos escapam em segundos. Estudiosos brasileiros dizem que os esquecimentos têm a ver com a gravidez (não me recordo de ter estado “grávido”), com a menopausa (devem estar a gozar comigo…), por não comer carne suficiente (será que terei de ser carnívoro como um leão?) ou por estar a fazer uma viagem de longa duração – no meu caso deve ser isso, pois estou “em viagem” há mais de sete décadas… Alguns neurologistas afirmam que acima dos sessenta anos os lapsos de memória aumentam de frequência pois a memória vai-se escapando, tal como a massa muscular. Daí ser necessário fazer exercícios para a melhorar. E o que recomendam? Aprender coisas novas como pintura, línguas, música, habilidades, isto é, mais coisas para… esquecermos. Dizem até que devemos ficar atentos ao que é importante… para esquecer o resto. Combater o stress e a ansiedade – por acaso, não seria melhor esquecê-los? Fazer exercícios mentais e físicos, quando tudo nos pede para ficarmos a dormir. E, dormir bem. Quem não quer?

A publicidade quer vender-nos medicamentos para ficar com… memória de elefante. Se calhar, só nos lembraremos do preço do produto… A Teresa tem uma técnica pessoal para não se esquecer de algo que se lhe peça: Faz uma cruz nas costas da mão com a esferográfica. Mas, já me disse que muitas vezes olha para a cruz… mas não sabe o que significa. Acontece a todos, até a um ilustre e conceituado advogado de Lousada quando foi ao Porto com a esposa. Ao fim da tarde regressou a casa e, só quando perguntou aos filhos onde estava a mãe, é que se apercebeu que se esquecera dela na cidade invicta…

Eu, confesso, sofro de “esquecimentos” crónicos, “refinados” com a idade. Perdoem-me as pessoas que tenho deixado “penduradas” à espera, por esquecimentos de que não sou culpado. Bem tento evitar que isso aconteça e até uso uma agenda e papelinhos como “auxiliares de memória”. O problema é que me esqueço também de os ler… E os “papelinhos”? Também acabam por ficar “esquecidos” por aí… Assim, como é que me consigo lembrar? Há ocasiões em que saio para me encontrar com alguém mas, uma simples chamada ou uma paragem para um recado são suficientes para “apagar” o que ia fazer, desviando-me para algo bem diferente. Imagino o que esse alguém deve ficar a pensar de mim… Nalguns casos, é um “apagão” total, que só vem ao de cima tempos depois, ao encontrar o ofendido…

Existem esquecimentos “Convenientes”, que dão muito jeito para resolver situações, os “Perigosos”, que temos de evitar a todo o custo pelas consequências, à cabeça dos quais coloco o “aniversário da mulher”. Um enorme perigo… Os “Esfarrapados”, que não passam de “desculpas de mau pagador” – e consigo lembrar-me dos “amigos” que se “esquecem” de pagar o que lhes emprestamos e outros caloteiros que se “esquecem” sempre do livro de cheques.

Porque será que as coisas que eu gostaria de esquecer são aquelas que mais vezes me veem à “mona” e as outras, que quero lembrar, são precisamente as que esqueci? Será que as “arquivei” no “sítio” errado?

Dizem que os “lapsos de memória” se devem à redução do número de neurónios, mas isso só me facilita a vida: São menos, é mais fácil geri-los… Por isso, podem-me contar um segredo à vontade que fica bem guardado. Nunca mais me lembro do que me disseram… Aliás, contaram-me alguma coisa?

Ter uma memória péssima e esquecer, dá-nos o grande privilégio de nos divertirmos sempre com as mesmas coisas, como se fosse a primeira vez. Como me esqueço do que contei ontem aos amigos, amanhã posso voltar a repetir-lhes as mesmas histórias, as mesmas piadas, pois são sempre novas… E eles acham graça… até porque também as esqueceram…

Ora, é precisamente o que acontece com os políticos que nos prometeram um país melhor, uma vida melhor, um mundo melhor. Muitos já estiveram no “poleiro” e “esqueceram-se” do que haviam prometido por várias vezes, como eu me esqueço das histórias que contei aos amigos. Por isso, voltam sempre a “jurar” dar-nos tudo, como se fosse a primeira vez, com o mesmo “entusiasmo”, com o mesmo “desplante”, com a mesma “cara sem vergonha”, seguidos pelo mesmo séquito de “lambe-botas”, pela mesma cáfila, pelas mesmas “moscas” pousadas na… E até se convencem do que dizem, “esquecendo” o país e as pessoas que cá vivem na ânsia do poder.

Será que “prometer” estraga a memória do “computador”?

Uma lição que vem da Madeira…

Há dias, ao entrar no escritório, fui recebido pelo ladrar defensivo de uma cadelita que, “colada” à Teresa, parecia querer proteger o seu “território” e a sua “dona”. De raça pequena, pelo muito preto e brilhante, tinha duas manchas castanhas sobre os olhos o que lhe conferia uma beleza original. Percebi que era mais um “protegido” da Teresa e por isso aproximei-me daquela “dez reis” de cão, baixei-me e acariciei-lhe a cabeça, fazendo com que os latidos se transformassem num abanar da cauda em manifestação de alegria. Soube então que, quando a Teresa regressava ao trabalho após o almoço, viu-a a cambalear pela estrada. Apercebendo-se logo que algo não estava bem, e ao contrário do que seria habitual num cidadão comum, parou e fez com que os carros que vinham atrás de si parassem também, para socorrer o animal e evitar que fosse novamente atropelado. Pegou-lhe com cuidado e colocou-a no carro, seguindo para o trabalho. Quando a levava ao colo para o escritório, viu que estava ferida e “zonza”, sem saber se seria de fraqueza ou como consequência do atropelamento. Deitou-a junto à sua secretária, deu-lhe de comer e cuidou-a, fazendo com que acabasse por adormecer de cansaço.

Por isso, ao ver-me entrar, a pequenota “avisou-me” para não interferir no seu sossego (recém adquirido), provavelmente depois de ter escapado ao inferno que é o abandono de animais. E isso vir-se-ia a confirmar porque, para esclarecer a dúvida se teria dono ou se era mais um caso de abandono, depois de a fazer tratar por um veterinário, a Teresa deu-se ao cuidado de percorrer os lugares próximos do local onde a encontrou indagando os moradores, mas os resultados foram nulos, tudo indicando que alguém “despejara” o animal da sua vida.

Ali agachado junto da cadelita, acariciando-lhe o dorso e a cabeça, ela “disse-me” muitas coisas que nós, “ditos” seres humanos, precisamos de ouvir repetidamente. Porque é que a abandonaram depois de ser atropelada? Se há condutores que fogem quando atropelam pessoas, o que podia ela, animal insignificante para muitos humanos, esperar de quem trata assim os seus semelhantes? Achava até que a culpa seria sua por andar distraída, na sua ansiedade de querer encontrar o dono que tanto amava. Sim, ela e qualquer cão, entregam o seu coração ao dono, a quem são fieis e leais até à morte, independentemente da forma como são tratados. Se ele lhes dá de comer ou fome, se acaricia ou bate, se afaga ou dá pontapés, eles aceitam, porque é essa “a natureza” do ser humano (como é da natureza o lacrau picar quem o ajude). E continuava à procura do dono porque acredita que foi “distração” dele quando a atirou janela fora ou a fez sair do carro longe de casa e arrancou à pressa. “Que vai ser dele sem mim? Quem o vai receber ao portão? Quem o leva a passear? Quem lhe faz carícias e se deixa acariciar por ele sem pedir nada em troca?”

Ainda combalida, confessou que já tinha falado com um “passador” para fugir, pois aqui corria risco de vida. O cão que está a tratar disso não “cobra” nada como fazem esses “passadores” humanos lá para a Síria e outros bandas (cá também os há…), traficantes que “roubam” quem precisa de fugir para salvar a vida. Se ela continuasse na rua, seria chamada de “cão vadio”, como os vagabundos das grandes cidades que a sociedade quer retirar da rua (há quem até os queira “erradicar”, tal como aos velhos, para não consumirem recursos, deixarem de estorvar e não darem “mau aspeto” aos locais por onde andam). Ora, a sociedade dos homens também não aceita os “cães vadios” por razões que ela não entende e, por isso, os querem recolher em “hotéis” chamados Canis Municipais, alguns que não passam de “pensões” rascas. Mas os animais sabem o que os espera e fogem, pois desde cachorros estão informados que o Canil é comparado aos campos de extermínio nazi, para onde se era levado à força, enfiado em camaratas (jaulas) apinhadas e sem condições de higiene e sanidade. Ali se ficava a sofrer, a lamuriar (ladrar), com falsas promessas quando, afinal, se acabava nas câmaras de extermínio, gaseados e mortos. E, tirando aqueles poucos que algum humano caridoso decide adoptar, o extermínio também acontece no Canil ao fim de uma semana ou duas, conforme o prazo previsto no seu Regulamento, uma espécie de “prazo de validade” atribuído por alguns homens. Só que não lhe chamam extermínio mas sim “abate”!!!…

A pequena cadela confessou-me que, durante a noite, grandes grupos de cães e outros animais de estimação ditos vadios, estão a fugir para o litoral, acompanhados dos tais “passadores”, gente que conhece os caminhos mais seguros para não serem apanhados pela “ramona” dos animais. O objetivo é embarcá-los clandestinamente no porão de barcos e aviões para chegarem à “Terra Prometida”, neste caso à… ilha da Madeira. É verdade, ali estarão a salvo porque naquela região, está escrito em letra de lei, que É PROIBIDO O ABATE DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO.

Nestas histórias, duas coisas são reais: A recolha da pequena cadela pela Teresa e a proibição do abate de animais de estimação na Madeira, um triunfo da civilização sobre a barbárie.

Dizia Gandhi que “a grandeza de uma nação e o seu progresso moral podem ser medidos pelo modo como os seus animais são tratados” ….

Será que neste país só os madeirenses são capazes de atingir essa grandeza e essa dimensão moral? E nós, continentais e açorianos, não somos capazes de dar esse passo, de deixarmos de exterminar animais que foram companheiros fieis e leais a muitos de nós? Saibamos seguir o exemplo…

Quem vê caras, não…

Diz o povo que “quem vê caras não vê corações”. Mas, a verdade é que é o povo que põe rótulos nas pessoas apesar de as não conhecer, somente em função da cara: “Aquele tem cara de sério e honesto” e “o outro tem cara de vigarista”. E serão? Provavelmente, não, mas esses são os estereótipos que se criam e que nos levam a “classificar” gente que não conhecemos. Para um velho amigo meu todos temos cara de ladrão porque, diz ele, quem não tem cara de ladrão… só pode ter cara de burro.

A cara, normalmente reflete aos outros uma “imagem”, se bem que muitas vezes não corresponde à realidade. Por se ter um rosto sorridente não quer dizer que se seja simpático e, muito menos, boa pessoa. Tal como, aqueles cujas feições são sérias e fechadas não podem ser catalogados de maus e antipáticos. No entanto, temos tendência a “julgar mesmo sem conhecer”. Ora, mesmo aqueles que aparentam ser rigorosos, difíceis ou inacessíveis, são pessoas como as outras, podendo ser simpáticas e de bom trato.

Um comerciante de adubos que vendia produtos da empresa onde eu trabalhava, estava a tentar angariar a encomenda de um grande agricultor alentejano. Para o conseguir, solicitou apoio técnico à nossa empresa no encontro com o cliente que iria ocorrer em Évora. Foi destacado um colega, tendo-lhe sido fornecidas algumas indicações pelo distribuidor, nomeadamente o dia, hora e local onde se realizaria a reunião. Além destas, havia uma nota especial referindo que o agricultor era uma “pessoa difícil” e exigia pontualidade. Ora, ele tinha dificuldade em cumprir horários pelo que, à hora marcada, não apareceu, e o comerciante “viu-se e desejou-se” para convencer o agricultor a esperar. Só quarenta minutos depois chegou com um ar esbaforido e aflito. “Que raio se passou para aparecer a esta hora e assim”, perguntou-lhe o agricultor. “Desculpe, mas a viagem foi tão complicada que, na curva da ponte, até entrei com um pneu no ar”, disse-lhe ele. “Oh, homem, também não era caso para tanto. Ainda podia ter tido algum acidente”, retorquiu o alentejano já num tom menos severo. Então, ele aproveitou a deixa e clarificou: “Não, não foi da velocidade. O pneu que eu trazia no ar … era o suplente.” E o agricultor desfez-se a rir, deixando a porta escancarada para o negócio que se seguiu.

Quando fui com outros responsáveis do Clube Automóvel de Lousada a Paris, assistir a uma prova de Ralicrosse com o objetivo de convidar os pilotos a participarem na corrida de candidatura ao campeonato da Europa que iríamos organizar semanas depois, alguns pilotos aconselharam-nos a pedir a colaboração do observador da FIA ali presente, um alemão austero e tido como muito difícil. Hesitamos perante o seu ar impenetrável, cabelo “espetado” e bigode fino, mas acabamos por abordá-lo já que nada tínhamos a perder. Ouviu-nos, mas parecia que estávamos a lidar com um bloco de gelo, embora fosse objetivo, rigoroso e preciso. Verdade é que, a partir desse primeiro contacto “gélido”, muitos outros se seguiram e entre nós nasceu uma enorme e profunda amizade pessoal que só foi interrompida com a sua morte súbita anos mais tarde. Ainda hoje recordo com muita saudade o Bernd…

Quem não andou anos a evitar alguém de quem tinha péssima impressão apesar de nunca ter falado com ele, com base no aspeto, no olhar ou numa palavra e, depois de uma primeira conversa, às vezes acidental, percebeu como estava enganado? Carregamos em nós alguma sensação de mal estar em relação a pessoas com quem nunca falamos e de quem nada sabemos, com base nos “modelos” que criamos na mente pelos quais classificamos as pessoas de boas ou más. Temos até medo de falar com algumas… Já me aconteceu adiar esse primeiro contacto por pensar que ia encontrar o “bicho-papão”, para vir a descobrir que, afinal, era só medo meu, esquecendo a máxima de “faz o que receias e o receio deixará de existir”. Aliás, isso também acontece com algumas pessoas que precisam de falar comigo num ou noutro momento e que acabam por o confessar. Para essas, também estava no catálogo dos maus e inacessíveis…

O inverso também se coloca. O meu primo estava com o João no café Avenida quando entrou um homem que, ao vê-lo, fez uma algazarra como se tivesse encontrado o maior amigo, dando-lhe um grande abraço. Apresentou-o ao João e conversaram animadamente alguns minutos, até que o fulano se despediu e foi embora. Mal acabara de sair, o meu primo disse ao João: “Toma atenção, este tipo é um vigarista. Nunca lhe emprestes dinheiro, pois ele não paga a ninguém. E, cuidado com as manifestações de amizade em que ele é especialista”. Algum tempo depois reencontraram-se no mesmo café e o João confidenciou-lhe: “Você tinha razão. O fulano deu-me o golpe”. “Mas como é que isso foi possível se eu te avisei”, disse-lhe o meu primo. “Pois é, ele apareceu e abraçou-me como se fosse meu maior amigo e me conhecesse há muito tempo. Fez-me uma festa de tal maneira que, quando me pediu o dinheiro, eu não podia dizer-lhe que não. E com aquela cara…”, disse o João conformado.

É só campanha eleitoral, meu irmão…

Pois é, rapaziada, este domingo “bou botar”. Depois duma longa campanha eleitoral, deram-me um dia de sossego para meditar e escolher o quadrado onde vou pôr a cruzinha. Já comecei a praticar porque é um exercício meio difícil já que a esferográfica pode “fugir-me” e deixar um rabinho fora do tal quadradinho, motivo para impugnação das eleições. Ora, não quero que eles gastem mais uma data de “massa” por minha culpa. Cá para mim não devia ser um quadrado, já se não usa desde que o D. Nuno Álvares Pereira o usou para derrotar os castelhanos. Era melhor uma roda do tamanho de um ovo… estrelado, pois era mais prático fazer a cruzinha e ficava mais bonita. Mas, “manda quem pode e obedece quem deve”.

Estou com dificuldades em “pesar” as “promessas” de cada um e assim poder avaliar os “promitentes”, até porque algumas delas não passam disso mesmo e tenho de as pôr no caixote do lixo para não enganarem. Como “pesar” promessas de “acabar com a austeridade”, “devolver os cortes nos salários e nas pensões”, “sair do euro”, “baixar o deficit”, “baixar os impostos”, “controlar a dívida”, “criar emprego”, “sair da NATO”, “aumentar os subsídios”, “diminuir o horário de trabalho”, “acabar com as touradas”, “nacionalizar a TAP”, etc., etc.? E as promessas até vão aumentando à medida que as sondagens dão pro torto. É o chamado “último folgo dos afogados”: Agarram-se a tudo para tentarem safar-se…

Se eu fosse candidato, fazia poucas promessas, mas boas, tais como: Dobrar salários e pensões, acabar com os impostos (pelo contrário, o estado é que nos devia pagar um imposto para sermos cidadãos do país pois, sem nós, não há estado). Aumentava o “fim de semana” para seis dias e só se trabalhava à terça-feira, entre as dez e as onze, de três em três meses nos anos bissextos. Os três meses de férias seriam de graça, mas obrigatórias em hotéis de cinco estrelas no Algarve, para que lá se voltasse a falar português (ou aquela região já não é nossa?). Como as sardinhadas são uma tradição bem portuguesa, a pesca seria livre. Ah, e os ministros andariam a pé, da entrada do ministério ao gabinete…

Mas podem ficar descansados os que fazem todo o tipo de promessas, em especial na campanha eleitoral, eu não estou nessa. Aliás, esta conversa sobre a campanha eleitoral só veio à baila porque o meu filho nas suas deambulações pela net encontrou e mostrou-me um poeta e cantor brasileiro a declamar poesia popular e gostei muito. Por isso, aqui transcrevo a poesia de Maviael Melo, embora sem o ênfase e a graça da declamação, mas que é oportuna. Vamos a isto?

– O senador do estado passou desta para melhor, ou pra outra bem pior e eu vou relatar o passado: Chegando o pobre coitado na porta do firmamento, o S. Pedro disse “um momento, tenha calma cidadão, fica aqui a petição e assine o requerimento, pois aqui tem governia, tudo está no seu lugar e você vai optar, onde quer passar o dia. Depois, em democracia, me dará sua resposta e fará sua proposta, de ir pro céu ou pro inferno, do jeito que você gosta”. Então, o senador, assinou a papelada. Descendo por uma escada, entrou no elevador e desceu com o assessor, para o inferno conhecer, para depois escolher onde queria morar e qual seria o lugar, que escolheria viver.

E no inferno ele viu, um campo todo gramado, verdinho, bem arrumado, como os que tem no Brasil. Um homem grande e gentil disse-lhe “eu sou o Cão, muito prazer meu irmão, aqui você é quem manda” e deu ordens para que a banda tocasse outro baião. E terminou a visita numa mesa repleta, numa assessoria completa no alpendre palafita, uma assistente bonita, cerveja, whisky e salgado, dinheiro pró escarpiado, charutos dos bons e cubanos, e foi relembrando os anos e dos acordos fechados. Encontrou com os amigos dos tempos áureos de glórias, relembrando as histórias que já haviam esquecido, whiskies envelhecidos não paravam de chegar. Parecia um marajá, jogando carta e fumando, mas já estava chegando a hora dele voltar. E entrou no elevador e ele tornou a subir, para então se decidir e finalmente propor. E no céu o senador viu um cenário de paz, um sereno aliás, anjinhos tocando lira. S. Pedro disse “confira, escolha e não volte atrás”. Era um silêncio danado, sem whisky, sem cerveja, no máximo, uma cereja e ele ali agoniado, disse assim ressequiado, “já tomei a decisão, quero ir morar com o Cão por lá me sentir melhor, não que aqui seja pior, é questão de opinião”.

Pedro disse “pois bem, pode ir pelo elevador que logo meu assessor fará o que lhe convém”. O senador disse “ámen”, já pensando no sucesso que seria o seu regresso lá pro quinto do inferno. Lá também seria eterno e a tudo teria acesso. E assim que ele desceu numa imensa alegria, sentiu logo uma agonia, algo estranho percebeu, mal atrás desapareceu a porta do elevador. O pobre do senador só via fogo e tortura, deu-lhe logo amargura naquele cenário de horror. Nisso ia passando o Cão, que lhe deu uma chibatada, sumindo em gargalhada, remexendo o caldeirão e empurrou o ferrão, deixando a testa ferida e ele, “puto da vida”, disse “rapaz, sou eu, o senador, se esqueceu? Qué daquela acolhida? Eu peguei o bonde errado ou o “cabra” atrapalhou e para cá me mandou, deve ter-se enganado? Meu lugar é no gramado, jogando carta e fumando. Eu não estou lhe cobrando, você é que ofereceu, whisky, se esqueceu? Só posso estar delirando… E o diabo a seguir, disse “seja bem vindo, mas o que está dito, eu não vou poder cumprir. Quando estiveste aqui, naquela ocasião, não era outra coisa não, também não me leve a mal, foi Campanha Eleitoral e eu… ganhei a Eleição”.