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Figos, amigos e compota…

Gosto muito de provérbios. Entre outras razões, porque encerram conhecimentos empíricos adquiridos através da observação, do bom senso e da experiência, apesar de não comprovados cientificamente. Tais conhecimentos são condensados numa simples frase, quase sempre curta. Há um que me intrigou desde sempre porque não lhe conseguia ver o sentido, nem a lição que encerra: “Em tempo de figos, não há amigos”. Será que, quando há figos, cada um “faz pela vida” sem respeitar os amigos? Será que os figos são motivo de discórdia? A minha experiência diz-me o contrário. Ainda há pouco e no espaço de três dias, recebi figos frescos de alguns amigos, algo que fazem amavelmente há anos. E duas das caixas eram bem grandes. Nunca se esquecem que os figos, a par dos dióspiros e das cerejas, estão no topo das minhas preferências frutícolas. Quando recebi os primeiros no sábado, excedi-me e apanhei uma “barrigada”. E, por isso, estive dois dias a correr para a casa de banho, com o trânsito intestinal acelerado… Antigamente, quando “atacava” a figueira no quintal da minha avó, encostada ao fundo junto da casa da Emilinha “Séria” e abusava da “comezaina”, apanhava uma “caganeira” e ia a correr para o monte durante dois dias. Agora, é tudo mais delicado, mais politicamente correto. Não se apanha uma “caganeira”, tem-se diarreia. Não se corre para o monte, vai-se à casa de banho. Talvez até se lave o “rabiote” para não ficar vermelho e a “arder”… A figueira da minha avó era das que dão figos em duas épocas distintas. Entre Maio e Junho amadureciam alguns figos grandes, menos doces e mais raros. Para nós, eram os “figos de S. João”. Já adulto soube que se chamam “figos lampos” embora, para mim, serão sempre “de S. João”. Sendo poucos, acabavam por ser disputados pela pequenada, entre a qual eu me incluía. Será daí que vem o provérbio? Soube também que que crescem em ramos do ano anterior. Todos os outros (os que frutificam em ramo do ano), amadurecem mais tarde, entre Agosto e Outubro. São chamados de “figos vindimos”. E aí, sim, quase acampava debaixo da figueira, despreocupado das consequências dos excessos. Por isso, era comer até não poder mais…

Há muitas variedades de figos mas os mais comuns entre nós são os “pingo de mel”. Doces, muito doces. Cá em casa sou eu que tenho o encargo de os comer. Por isso, três caixas (duas delas nada pequenas), deram-me que fazer, para não falar nos reforços de stock vindos na semana seguinte (já meios “pecos” e, por isso, ainda mais doces). E, claro, o trabalho continuou na sanita… Mas não faz mal porque, ao contrário do que se pensa, o figo é um fruto rico, excelente até para fazer funcionar o intestino. Os cientistas dizem mesmo ser o fruto mais saudável do mundo. Por alguma razão é tido como fruto sagrado pelos judeus e faz parte dos sete alimentos que crescem na “Terra Prometida”. Sendo Portugal um produtor de figos, praticamente de norte a sul, não se compreende que nunca façam parte das sobremesas dos restaurantes. Preconceitos? Mesmo nos supermercados, é raro encontrarmos figos frescos. Já secos, vemos com frequência vindos da… Turquia. Também gosto deles secos, se possível com “pão de Padronelo”. Antigamente os melhores vinham em seiras e os mais comuns em sacos. Como este ano a simpatia dos amigos fez com que os figos se acumulassem na cozinha, entendi, e bem, que devia fazer compota de figo. O resultado foi excelente e é uma experiência para repetir porque ficou deliciosa. É caso para dizer que “lhe chamei um figo”…

Com tudo isto, acabei por descobrir algo que faz com que o provérbio de que falei no início faça algum sentido. Dizem-me que, quando se diz que “em tempo de figos não há amigos”, quer dizer que não há tempo para os amigos porque, sendo um fruto que amadurece rapidamente, não há tempo a perder, nem com os amigos. Tem de se ser rápido a apanhá-los. Embora para mim, e repito-o, os figos têm sido uma experiência interessante no que aos amigos diz respeito. É a forma que algumas pessoas encontraram para expressar a amizade, traduzida na simpatia dum gesto simples. Numa simples caixa de cartão ou madeira forrada com folhas de figueira, cheia de figos a “pingar” mel. Como se os “pingos” correspondessem à doçura da atitude. E, não posso deixar de dizer, que dou muitas graças a Deus e me sinto muito feliz por receber estes mimos, ainda que depois me acelerem o trânsito intestinal e façam correr para a casa de banho…

Deste ano de figos vou guardar duas recordações: A dos amigos que me queriam “pôr de caganeira” (tantos foram os figos que me enviaram) e o sucesso da compota de figo, orientada por mim mas trabalhada pela Ana Maria. E cá por casa gostaram tanto que, não sendo cozinheiro, não resisto a partilhar a receita, se é que ainda vai a tempo de algum curioso fazer a experiência. E, se ainda tem figos, faça compota porque vale a pena. Aí vai:

Ingredientes: 1 kg de figos, 700 grs de açúcar, 2 dls de água, 1 pau de canela, 1 cravinho, sumo de 1 limão. Lave os figos e limpe-os de impurezas mas deixe a pele. Parta-os em quatro. Na panela ponha todos os ingredientes (menos os figos), mexa bem e deixe ferver em lume brando durante 10 a 15 minutos. Depois junte-lhe os figos e deixe ferver em lume brando durante uma hora, mexendo bem, até atingir o “ponto estrada” (atinge o ponto quando deitar um pouco do doce no prato e, ao fazer-lhe um risco com o garfo, este (a “estrada”) não se fechar. Passe os frascos por água quente, encha-os, feche-os hermeticamente e ponha-os de boca para baixo, até arrefecerem.

Ah, não se esqueça de deitar um pouco de compota num prato de sobremesa. Para quê? Para se deliciar logo, como eu fiz…

Para conseguires, acredita em ti…

Se tivesse de escrever o currículo, nele teria de constar que também já fui jogador de hóquei em campo durante vários anos. Tinha regressado do Ultramar e deixado o serviço militar quando um dia o Joaquim Valinhas me encontrou e disse para aparecer no treino de hóquei em campo. Confesso que nunca tinha visto um jogo sequer mas não podia recusar o convite de um amigo de longa data. E lá fui eu de calções e sapatilhas, nada adequadas à função. Arranjou-me um stique, deu-me algumas instruções e fui para o campo dar umas “varadas”, termo usado quando se falava de pancadas mais fortes. Corri, “stiquei” e tive muita dificuldade em acertar na bola quando ela vinha na minha direção. Era difícil pará-la… No final do treino, o Quim pediu-me uma fotografia, o bilhete de identidade e assinei uma folha para ser inscrito na Associação de H. C. do Porto. No fim de semana seguinte, sem qualquer treino mais, fui convocado para o jogo oficial… Confesso nunca me ter imaginado um atleta de tão grande gabarito para, só com um treino de um desporto que nunca tinha visto, ser convocado para jogar. Tinha qualidades que desconhecia… Como nesse tempo o hóquei em campo era um desporto amador, verdadeiramente, tive de comprar um stique (como não percebia nada da “poda”, entrei numa casa de desporto no Porto e saí de lá com um que mais parecia uma moca de Rio Maior serrada ao meio), luvas, caneleiras e chuteiras pois a única coisa que a Secção tinha era o equipamento. À distância, penso que a minha convocatória se deveu não só à falta de atletas (para jogar fora de casa era difícil tirar da cama onze preguiçosos) como também ao facto de ter automóvel, importante para carregar metade do “pessoal” porque o transporte também era da nossa conta.

Talvez por a minha habilidade para jogar não ser muita, colocaram-me à defesa onde a preocupação era cortar a bola, estorvar os avançados adversários e dar umas “varadas” lá para a frente, para que a bola ficasse bem longe da nossa área. Com o tempo, comecei a acertar mais na bola, a saber pará-la, mas fintar não era comigo. Para isso, havia na equipa outros artistas, se bem que o Lousada nessa altura ficava do meio da tabela para baixo. Aliás, a existência de hóquei em campo em Lousada é tida como atípica pois a modalidade é característica só das grandes cidades. Lousada está fora desse contexto e o jogo só apareceu na terra graças ao senhor Jaime (que havia sido jogador numa das equipas da cidade do Porto), ao seu empenho e dedicação alguns anos antes de eu “cair ali de paraquedas”.

Como todos os campos eram em terra batida, o jogo era pouco técnico, não muito agradável para o espectador, o piso autêntica lixa para quem caísse e, acertar na bola em terreno tão irregular, motivo de satisfação pessoal. Jogar com o Ramaldense era derrota certa (se lhes corresse mal o árbitro, que era sempre daquelas “bandas”, encarregava-se de ajudar) e a pressão e agressividade do seu público em casa não davam hipóteses. Mas com outras equipas já conseguíamos equilibrar, marcar golos e até ganhar. Apesar dos balneários sem condições, dos chuveiros sempre com água fria, de jogarmos muitas vezes com falta de jogadores, da falta de condições a todos os níveis e do amadorismo completo, o convívio era saudável, o esforço valia a pena e os petiscos no bar (quando havia) no fim do jogo uma delícia e guardo esses momentos no coração. Pensando bem, as minhas qualidades eram tais que cheguei a ser dirigente da Secção, treinador, capitão, motorista e jogador. Tudo ao mesmo tempo…

Mas a razão que me levou a recordar com saudade esses tempos de hoquista amador foi porque uma vez jogamos com o Futebol Clube do Porto no campo da Constituição. Apesar de ser uma Secção daquele grande clube nacional, jogar contra o Porto dava-nos sempre uma motivação extra. E, nessa partida, conseguimos equilibrar o jogo de forma surpreendente. Na baliza o Camelo defendia tudo o que havia para defender e no meio campo o Quim estava a fazer um jogo excepcional. Ao intervalo mantinha-se o nulo e assim continuou até perto do final. Foi quando aconteceu: Pela direita um dos nossos avançados foi à linha e fez um cruzamento com toda a precisão, pois o guarda redes adversário saiu para defender a bola mas esta passou-lhe pela frente. Eu ia pelo centro do terreno a acompanhar a jogada e quando vejo a bola cruzada passar pelo guarda redes e vir direita a mim, com a baliza escancarada e sem ninguém à minha frente, meti o stique à bola para fazer golo e… falhei. Ali sozinho, diante da baliza, quando estávamos empatados com o Porto a zero em sua casa… E o pior é que eu sabia porque falhei. É que quando coloquei o stique para fazer golo, disse para mim mesmo : “Vou falhar, vou falhar”. E falhei. Fiz-me ao lance derrotado, sem autoconfiança. Por isso, “só podia falhar”. Se eu próprio não acreditei em mim, na minha capacidade de fazer golo, quem iria acreditar? E de seguida o árbitro inventou uma falta, expulsou o Joaquim Valinhas sem motivo e no canto curto inventado, marcaram o golo. Uma perda inglória.

Falhar acontece com qualquer um, mas não pode ser opção própria de quem tenta. Ganhamos força, coragem e confiança em cada tentativa de enfrentar o medo de errar. Por isso é importante fazermos aquilo que achamos não conseguir. A lição serviu-me para acreditar em mim mesmo, nas minhas capacidades, mesmo que aqui ou ali erre. E preciso de ser o primeiro a acreditar em mim, para os outros acreditarem. Ainda hoje estou convencido que, quando me dirigi para a bola, se tivesse acreditado e pensado para mim “vou acertar”, teria feito golo. E faria toda a diferença. No jogo, como na vida…

Agradecidos temos de estar todos nós…

Durante a primeira quinzena do mês de Agosto o inferno entrou-nos casa dentro através das imagens televisivas dos noticiários, de matas, casas, culturas e palheiros a arder sem controle. Mas, o verdadeiro inferno foi vivido por aqueles que viveram esse drama e viram as chamas devorarem-lhe os bens, o fruto de uma vida de trabalho. Dizia-me um homem que lutou para salvar o “seu canto”, muito impressionado: “Nunca imaginei como somos tão pequenos diante de uma barreira de chamas tão alta e violenta. E, o que mais me surpreendeu, foram as línguas de fogo que voavam por cima de mim e a facilidade com que ateava novas frentes, obrigando-nos a lutar até à exaustão”. No conforto de nossas casas e à distância, as notícias sobre os incêndios cada dia maiores e mais devastadores, impressionavam. Mas, pouco depois, outros programas, outros afazeres, faziam esquecer o drama que se vivia em muitas regiões do país. Em desespero e aflição ficavam as populações atingidas e, em sobrecarga, os bombeiros deste país, na sua maioria voluntários dedicados à causa, dedicados aos outros.

Quando a dimensão dos incêndios atingiu proporções anormais, para além das notícias e imagens dos mesmos passamos a ser bombardeados com os comentários de analistas, especialistas, ambientalistas, políticos e todo o tipo de entendidos (ou não) neste fenómeno, apontando todos soluções, recomendações, estudos, sugestões de leis, penalidades e planos, coisas que na sua maioria já ouvimos repetidamente noutros anos a quando de outros picos de crise incendiária. E depois, quando chegou a chuva e acabou de apagar os últimos vestígios de fogo, os planos de ordenamento da floresta, o reequipamento das Corporações de Bombeiros e todos os planos de prevenção caíram no esquecimento. Claro, quem é o tolo que é capaz de se lembrar de fogos em pleno inverno?

Tal como noutras ocasiões, ouvimos guardas e vigilantes a acusarem o estado de abandonar a floresta. Mas não sabemos todos que já fez isso há muito tempo? Que os bons Serviços Florestais que existiam desapareceram e hoje fingimos que os temos?

Lemos e ouvimos que os aviões custam “uma pipa de massa por hora” e passam muito tempo em terra, com críticas de todos os lados a dizer que “quase não chegam a lado nenhum”. E, para evitar que o combate aos incêndios por meios aéreos não seja um “rico negócio” como tem sido, porque é que não temos aviões desses entregues à Força Aérea? E ouvimos os pedidos para se fazerem leis mais severas para os incendiários, como se isso resolvesse o problema. Ou que as autoridades devem ser mais duras com os proprietários que não limpam as matas, como se um reformado que ganha a pensão mínima e tenha um ou dois hectares de mata algures no meio do monte possa dar-se ao luxo de gastar muitos euros que não tem para a limpar, se os vizinhos não o fazem? E ouvimos os gritos de alerta contra a plantação, indiscriminada e só, de eucaliptos, fazendo com que nalgumas regiões já sejam os donos exclusivos das matas. Mas não ouvimos isso há tantos anos? E o que se fez?

Evacuaram-se aldeias, populações realojadas, passadiços do Paiva outra vez queimados, centenas de casas devoradas pelas chamas, milhares e milhares de hectares de mata de luto, mobilização geral dos bombeiros cansados e levados à exaustão, numa luta inglória contra o fogo que tinha a seu favor os ventos fortes e temperaturas altas. E as queixas habituais do subfinanciamento das corporações, das viaturas e material a precisar de ser renovado, do insuficiente avanço tecnológico e das condições de segurança.

E agora, que o tempo está a esfriar, caíram os primeiros chuviscos e quando a meteorologia trouxer uma boa regadela e colocar o ponto final (até ver) nos incêndios, a sirene vai calar-se e os bombeiros, enfim, vão poder descansar e regressar às suas vidas nem sempre fáceis e… ser esquecidos. De heróis de há poucos dias, passarão a ignorados, talvez até criticados por não terem estado a tempo em vinte locais em simultâneo. A solidariedade para com os soldados da paz vai esfriando por contágio do frio que o inverno traz. É que a nossa casa, a nossa mata, já não estará a arder…

E tudo isto porque vi em frente do quartel dos Bombeiros Voluntários de Lousada uma grande lona da corporação, onde se pode ler: “OBRIGADO LOUSADENSES”… Não queria acreditar e não faz sentido. Aqueles a quem todos nós, sem exceção, temos de estar muito agradecidos pelo trabalho duro, violento e incansável que têm e tiveram, especialmente nestes últimos dias, ainda nos agradecem? Pelo contrário, em todas as localidades as populações deveriam sair à rua numa manifestação de agradecimento a esses heróis anónimos que só têm nome quando morrem no combate. E o bom exemplo veio do Funchal, onde a população se manifestou e foi agradecer aos que por ela combateram. Percebo a intenção do “obrigado” dos bombeiros mas está tudo ao contrário. As Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários não são uma qualquer instituição descartável, dispensável, como muitas outras. Têm uma missão de que a sociedade não pode prescindir e, por isso mesmo, deveria ser obrigatório uma quota por cada cidadão e outra pelo património de cada um, para assegurar a sua sustentabilidade e garantir condições adequadas para poderem cuidar da nossa segurança e dos nossos bens, sem terem de mendigar e estar dependentes do estado e do lado para onde os políticos estiverem virados. Porque é da nossa segurança que se trata quando falamos de Bombeiros. E, mais ainda, porque são Voluntários…

Por isso, agradecidos (e muito) temos de estar todos nós…