Monthly Archives: October 2019

Envelhecer não é um problema …

Para ser sincero, acho que ninguém gosta de envelhecer. Não é só por nós, que perdemos faculdades, mas também pelos outros, para quem passamos a ser “um estorvo”, “cansativos”, “inúteis”, “maçadores”, “descartáveis” e “chatos”, já para não falar de outros predicados “bem menos simpáticos”. Apesar disso, ser idoso não é uma doença, nem sequer um problema. Pelo contrário, a grande conquista do nosso tempo é o “direito de envelhecer”. Eu gosto de ser velho e de continuar a envelhecer porque a “alternativa” é algo que gostaria de adiar “indefinidamente”. O envelhecimento será sempre um triunfo e nunca um problema. A questão principal é envelhecermos bem e ter quem cuide de nós. Para isso, Portugal não se recomenda a ninguém. Em 53 países, estamos no grupo dos cinco que pior trata os idosos e podemos “agradecer” a quem nos tem “governado” … Claro que temos livre acesso ao “cardápio das doenças” dos velhos, como hipertensão, pneumonia, cancro, cataratas, diabetes, alzheimer, osteoporose, perda de audição e outras, de que nos podemos “servir à vontade”. Que eu saiba, já “contabilizo” algumas para me poder “gabar” junto do meu grupo etário. É que nas reuniões de amigos, dizemos que temos isto e aquilo e há sempre quem queira sobressair: “Mas eu tenho mais do que tu …”. Os esquecimentos e “lapsos de memória” também fazem parte do “cardápio”, mas são um “luxo”, pois até “dão jeito” nalgumas ocasiões para nos desculparmos. Eu já tenho os meus, que fazem parte do processo, mas ainda me lembro de quem são os meus pés …                                                                              Os esquecimentos dos idosos são motivo de histórias e anedotas como a seguinte: “Um grupo de amigos com 50 anos discutia qual o restaurante a escolher para o jantar. Finalmente, decidiram-se pelo Restaurante Tropical porque as empregadas eram jeitosas e usavam mini-saia e blusas muito decotadas. Dez anos mais tarde, aos 60, o grupo reuniu-se novamente e voltaram a discutir sobre a escolha do restaurante. Escolheram o Restaurante Tropical, pois a comida era muito boa e havia uma excelente carta de vinhos. Dez anos depois, aos 70 anos, reuniram-se outra vez e decidiram-se pelo Tropical porque tinha uma rampa para cadeira de rodas e até um pequeno elevador … Aos 80 anos, o grupo juntou-se a discutir e escolheram outra vez o Restaurante Tropical. Todos admitiram que era uma grande ideia, “porque nunca lá tinham ido almoçar” …                                                            Dizem os especialistas em demografia que em 1970/75 fomos dos países mais jovens da Europa e em 2050 seremos o que tem mais velhos. Admirava-me se assim não fosse. Se aos jovens de então somarmos mais 80 anos, lá para 2050 serão velhos certamente. Como sabemos, os políticos aumentaram a idade da reforma só para reduzir a dívida pública. Mas, havendo mais idosos, vão ter de a aumentar mais. Já agora, para evitar que o país venha a ser o “mais velho da Europa”, também deviam decretar que só será considerado idoso quem tenha mais de 85 anos. Duma “penada”, voltavam a “rejuvenescer o país” …                                                                      Mas, ser velho é uma maravilha e, tirando as “dores” e “afins”, só tem vantagens. A maior de todas é “não termos de trabalhar”. Que trabalhem os outros, porque já foram muitos anos a “dar o corpo ao manifesto”. Outro lado positivo é para os que vivem isolados e sós. Podem-se dedicar à “meditação”. Paz de espírito ou solidão? Os “velhotes” têm muita gente que se preocupa com eles. Melhor, com a “gestão do seu património”. Está provado que muitas vezes cuidam de os “aliviar” desse “fardo pesado”, um gesto “altruístico” digno de “bom samaritano”. E não falta gente sempre “disponível para ajudar”. O senhor João, já com oitenta anos, morava com a mulher dependente e o filho deficiente em casa própria. Em casas suas, ali ao lado, vivem dois filhos à borla e, como “moram longe”, não tinham “hipóteses” de o visitar. Só a nora “conseguia” ajudá-lo. Quando ele precisava, fazia-lhe uma sopa ou conduzia-lhe o carro, … mas cobrava-lhe 5 euros. Não são ajudas “bestiais???                                   Mas as vantagens não ficam por aqui. Para já, não têm ninguém a dizer-lhes que são novos. Só mesmo a gozar. E os privilégios que têm? Os bancos dos jardins são (quase) todos deles, tal como os tascos e os cafés do bairro. Como “o trabalho está feito”, não têm horas para se levantar e podem ficar toda a noite a ver televisão, pela mesma razão. Não é “baril? Se demoram o dobro do tempo a fazer uma caminhada, é porque são sempre eles que apreciam melhor a paisagem. Tal como apreciam a comida, mastigando só, e bem … com as gengivas. Lentamente. E saem muito de casa … basta ver o número de visitas que fazem ao … médico, à farmácia, ao hospital. Cresce-lhes (quase) tudo, especialmente os pelos e as peles. Só “minga” uma coisa, de que têm saudades. O que também não é para todos. 

Um amigo meu sempre que ia à sua quinta gostava de falar com a mulher do caseiro, com quem tinha grande confiança. Numa das vezes, quando lhe perguntou como andava o “homem”, ela respondeu preocupada: “Agora ninguém o atura”. Na brincadeira, espicaçou-a: “Então? Já não vai lá?”. Com naturalidade, ela retorquiu: “Nada disso. Sabe, agora só consegue dar duas por noite …”.  Ele ficou de boca aberta e tão atrapalhado, que não teve capacidade de resposta … Mas há outras exceções que fazem inveja aos mais novos. Já se sabe que os idosos com demências podem apresentar híper-sexualidade, havendo relatos de alguns que fazem sexo várias vezes ao dia. Pensando bem, há uma prova científica de que “ser velho é melhor que ser novo”. É que a medicina e a ciência aumentaram-nos a longevidade, mas prolongaram só a velhice, não a juventude. Não é uma evidência? E outra prova é que, como nos esquecemos da anedota que nos contaram, rimo-nos sempre como se fosse a primeira vez.           Já agora, só mais esta história real para provar que ser velho é bom. A senhora Miquinhas vai a caminho dos noventa anos. Vive numa casita térrea e todos os dias prepara o almoço para a neta e marido e ainda para a nora, já viúva, que não deixa de lá almoçar diariamente, apesar de nem sequer dirigir a palavra à “cozinheira e dona da casa”. E mais: a D. Miquinhas, depois de servir esse almoço a “tão ilustres comensais”, recolhe-se ao canto da cozinha onde não lhe tiram o “direito de comer sozinha”. Não, “com Deus”.                                                                        Mas há muito mais vantagens em ser “velhote”. Porém, como já vai longa a conversa, só refiro que recebem muitos conselhos, como um que circula na net destinado aos homens que, durante a noite, têm de ir várias vezes ao WC. Vou ter de experimentar: “Ao dormir, o corpo na horizontal facilita a circulação do sangue e o coração bate pausadamente. Se você acordar para ir à casa de banho urinar, não se levante à pressa porque o sangue “esvazia” a cabeça e você pode ficar tonto e desmaiar. Faça assim: retese as pernas a partir dos pés durante trinta segundos, para começar a acelerar os batimentos cardíacos. Sente-se calmamente na beira da cama e fique quieto durante um minuto. Passado este tempo, deve-se deitar novamente porque já estará … todo “mijado” …                                                                                                                                                

Pequenos gestos, grandes ganhos…

Sentado confortavelmente na varanda do apartamento, observava o movimento numa das principais artérias de Viseu naquela manhã de domingo, quando surgiu de uma rua lateral um grupo com cerca de vinte rapazes e raparigas, andando passeio abaixo e empunhando cartazes onde se lia em letras garrafais: “QUER UM ABRAÇO?” E os transeuntes que encontravam, surpreendidos e curiosos com aquela iniciativa, paravam e aceitavam, quase sempre bem, um ou mais abraços dos jovens. E seguiam sorrindo, como se tivessem recebido uma prenda de Natal, enquanto o grupo continuava lentamente pela rua fora. Fiquei ali na varanda muito para além de os ver desaparecer ao fundo, roído de inveja daquela simplicidade, ingenuidade e dádiva ao outro, mesmo que desconhecido. 

Dei comigo a pensar que vivi um tempo em que nada disto era possível. Fomos formatados com outros princípios comportamentais, em que as relações interpessoais nada tinham a ver com os dias de hoje. O simples “toque” entre familiares era muitíssimo reduzido, quanto mais com estranhos. Não me lembro de grandes abraços e a saudação aos pais e avós era oral, num “vote-me a sua bênção meu pai” ou “vote-me a sua bênção minha mãe”. Já à minha avó, que não gostava de ser tratada como tal, era um “vote-me a sua bênção mãezinha”. Como as vidas eram muito difíceis em tudo, o pai tinha a função de “caçar”, isto é, ir ganhar a vida para sustentar a família, para o que era necessário trabalhar de sol a sol. Os filhos de lavrador (caseiro), desde tenra idade eram “mão de obra barata”. Por isso se “faziam” muitos filhos. Trabalhavam muito para além do que a sua idade aconselharia, quando ninguém pensava sequer se era legal ou ilegal. E o que se passava com os filhos dos lavradores, passava-se com os filhos de todos os outros. Assim, não havia tempo, disposição nem o hábito de manifestações de afeto em casa através do abraço ou beijo entre homem e mulher e destes com os filhos, quanto mais em público. Era impensável porque “parecia mal”. Porque os sentimentos “não precisavam de ser demonstrados”. Daí haver um pudor cultural enorme, nas palavras, nos gestos, na distância, no respeito. Era bem? Mal? Não é justo julgar à luz dos conceitos de hoje, comportamentos de há setenta anos.

Mas nem é preciso regressar à minha infância para ver as diferenças e sentir os condicionamentos culturais. Ainda há dias, em conversa franca, uma senhora com pouco mais de metade da minha idade me confessava que, estando casada há quinze anos, só há dois foi capaz de dar a mão ao marido. E disse mais. Que foi quase acidental pois, ao andar lado a lado, as suas mãos tocaram-se por acaso e naturalmente agarraram-se. E sentiu-se muito bem. Porque foi que durante vinte e oito anos de namorados e de casados não foram capazes de o fazer, como seria normal? Reconhece que foi o condicionamento resultante da educação familiar, pelo “parece mal”, pelos olhares dos outros que dizem “não podes”, pela limitação que no subconsciente dizia “não” e impedia manifestações de afeto entre pessoas, o que hoje encaramos com naturalidade.

Quanto vale um abraço de conforto, solidariedade, amizade, amor ou simples cumprimento? “Não tem preço”, dizemos nós aqui e agora. Se perguntasse outrora, a resposta talvez fosse: “Tem valor”? Dizem que precisamos de oito abraços por dia para viver melhor e com mais saúde. É caso para nos interrogarmos porque não vivemos melhor se é “tanto ganho por tão baixo custo”? Porque não o fazemos mais? Sabe-se que o abraço melhora o estado de espírito, o humor e o grau de felicidade, sendo mesmo recomendado como terapia. E como os carinhos dos pais permanecem gravados e são lembrados sempre que recebemos um abraço. É que ele acalma, entusiasma, estimula e descontrai, porque foi feito para exprimir o que as palavras não conseguem dizer. Há muita gente a reconhecer que “o melhor lugar para se morar é na ternura de um abraço”. Se soubéssemos o quanto um abraço na hora certa pode resolver …

Pois a memória leva-me lá atrás, àquele tempo de abraços e beijos raros, aliás, de ausência deles. E, apesar disso, não sei dizer se muito valiosos. Mais ainda, como todas as manifestações de carinho e amor, eventualmente restritas ao silêncio e descrição do quarto do casal, longe dos olhares críticos e de “juízes” pouco condescendentes. Se é que havia algo parecido com “carinho e amor”. Não posso esquecer as imagens de telenovelas do “país irmão”, quando o coronel dá ordens à sua mulher: “Dona Branca logo se apronte, que eu vou lhe usar esta noite”. E o que é que isto tem a ver connosco? Nada, porque aqui não havia “coronéis”. E tudo, porque se dizia ou fazia mais ou menos o mesmo, “usando outras palavras”. É que as manifestações de afeto não faziam parte da vida de então. Na realidade, quase só aconteciam quando o “predador” queria apanhar uma “presa”, sendo usadas por ele como “argumento”, quando não “armadilha”. 

O condicionamento que a sociedade fazia às manifestações de afeto era múltiplo. Relembro que as próprias autoridades funcionavam como “polícia de costumes”, atuando sempre que, no seu entender, estivesse em causa a “moral pública”. Assim, eram proibidas todas e quaisquer “manifestações públicas de carinho” porque ofendiam a moral. E sei do que falo, já que também fui um dos interpelados pela polícia no parque do Palácio de Cristal só porque “estava demasiado perto de uma jovem”. Somente isso. Sem tirar “proveito” nenhum, fui repreendido por aquele polícia com ar “didático” e paternal. E tive sorte de não ter ido parar à esquadra …

Neste tempo de liberdade, as autoridades saíram deste filme e tudo (ou quase) passou a ser permitido, seja qual for o espaço público que se use para o efeito. Do abraço ao beijo, do cumprimento de mão ao afago, quando não ir além do que o sentido do pudor recomendaria, tudo é olhado com alguma naturalidade e aceite pela sociedade como normal. Mesmo os maiores absurdos …

Demonstrar afeto é vital para a convivência saudável de qualquer sociedade e foi uma das grandes conquistas da nossa evolução social. E posso falar disso, porque assisti ao “antes” e ao “depois” do quebrar de preconceitos e medo, e à libertação das manifestações de afeto, sejam emoções ou sentimentos. E não tenhamos dúvidas de que, quando o afeto é “real”, as “manifestações” são importantes para um desenvolvimento saudável … 

Festa Grande: O “ruído” que ficou …

Hoje estive a rever imagens da Festa Grande de Lousada, maior, cada ano “mais Grande”. Há quem a denomine de “Festas Grandes” e ainda quem lhe chame de “Grandiosas”. Ora, apesar de decorrer ao longo de vários dias – e este ano foram seis – continua a ser uma só festa em honra do Senhor dos Aflitos e não várias (embora pareça). E faz todo o sentido o “Festa Grande”, porque é a maior do concelho, o corolário de todas as que se realizam em cada freguesia em honra do seu santo padroeiro. E é por ter esse sentido concelhio que o contributo é de todas as freguesias e não só das da vila de Lousada. É desse nome que me lembro quando procuro nos arquivos da memória as lembranças pessoais mais antigas da Festa Grande. E já lá vão uns anitos …

Entre as primeiras memórias está o sábado com a tradicional feira de gado, o rufar dos bombos e a dança dos “gigantones e cabeçudos”, os vendedores da “banha da cobra” com promessas de curar todos os males, propagandistas a atirar pentes ao povo para captar a atenção, negociantes de gado armados de varapau para o que desse e viesse, as filhas dos lavradores, coradas e de cordão de ouro ao pescoço à caça de namorado, os carteiristas e jogadores da “vermelhinha” que vinham dum concelho vizinho para “aliviar” carteiras, a garotada de olhos postos nos pequenos brinquedos artesanais em madeira. E no domingo, a missa de festa com o pregador empolgado no púlpito, a procissão ao fim da tarde e o ajoelhar quando passava o Senhor e depois o piquenique em família junto aos lavadoiros públicos. E já à noite, a banda de música, as tigelinhas a iluminar o monte do Senhor dos Aflitos, as barracas de comes e bebes com pipas de vinho e iscas de bacalhau servidas em grandes mesas de “bancos corridos”. Para fechar, a vaca de fogo que via cheio de medo dentro do carro do meu pai em plena avenida. 

Anos mais tarde falaram-me de “uma mulher da vida” que numa noite acalmou a “tensão” de uns quantos homens entre o milho dos campos lá atrás do monte, usando como lema “cu no chão, dinheiro na mão”. Dizia quem por lá andou que o resultado da noitada foi de quarenta escudos … sendo que cada “cliente” pagava uma “coroa”, ou seja, cinco tostões ou, para quem não sabe, meio escudo. É só fazer as contas …

De ano para ano, o entusiasmo das comissões organizadoras fez com que a Festa crescesse em importância, grandeza e entretenimento para públicos diversos, embora nos últimos tempos muito centrada no negócio do álcool para gente nova, uma forma de financiamento da organização sem ter em conta as consequências. Mas, como dizia alguém envolvido nessas andanças, “é o preço a pagar pelo dinheiro”. 

Agora, fruto das circunstâncias da vida, nos dias de festa fico em casa e só digo “abençoado seja o Monte do Loreto”. É que ele interpõe-se entre a minha casa e a zona onde decorrem os festejos, fazendo com que cá dentro não ouça nada do que se passa no arraial. É como se vivesse noutro mundo. Somente quando rebentam os foguetes, muito especialmente as bombas e os morteiros, sim. Chega o incómodo do barulho, visível no comportamento da minha cadela ao dar sinais de agitação, metendo-se debaixo da cadeira. Então, ouço os estrondos, embora amortecidos pelo monte abençoado. 

Saí duas vezes um pouco antes da meia noite, em ocasiões em que prometi à Luísa ir buscar as tradicionais farturas. Aproveitei para dar uma volta rápida pelos locais mais movimentados do arraial, a forma simples de “apalpar o pulso” à Festa. Como já é habitual, passei pelas barracas de “artesanato africano” feito à máquina na China ou num barracão de Alcabideche, mas vendido por nativos negros vestidos com roupas coloridas para dar credibilidade à “origem controlada”. Também vi trabalhos de outras bandas, sinal de que somos uma boa “sociedade inclusiva”, abraçando tudo e todos. Curiosamente, sendo um ajuntamento onde se promove a venda de “artesanato”, estranho não conseguir encontrar nenhuma barraca de artesanato local, nem sequer da região. As barracas de “comes e bebes” nada têm a ver com as de antigamente. Modernas e sofisticadas nalguns casos, oferecem uma grande variedade alimentar que vai do pão com chouriço meio artesanal às pizas e cachorros. É um facto comprovado que a Festa cresceu em tudo. Em área, diversões, barracas, concertos, iluminação, bêbados e outras estatísticas. Só diminuiu na média de idades dos “anestesiados”, pois se antigamente eram quase sempre “homens velhos enfrascados em verde tinto”, hoje são “adolescentes novos conservados em shots de álcool puro” ou quase. Conserva melhor … A “Família Armando” manteve o seu registo normal ao empanturrar-nos com farinha húmida frita, polvilhada com açúcar. E eu fui cliente duas vezes, fazendo da Luísa uma “vítima” inocente. É que, ao comer farturas e beber sumo, a farinha cresce e a barriga vai atrás e incha …

Apagaram-se as luzes da Festa Grande de Lousada deste ano e com elas o barulho da animação e dos foguetes, para descanso da minha cadela. Mas ficou um “ruído de fundo” que vai e vem, mas teima em continuar, provocado pela indefinição de qual vai ser a Comissão da Festa do próximo ano. Chegou a notícia pública e publicada de que há um grupo que se disponibilizou para o efeito. Mas, além disso, ouço rumores e conversas em surdina sobre reuniões, pressões, avanços e recuos, ingerências e ausências, que transpiram para a praça pública e em nada dignificam os atores. Não se podem esquecer que estamos a falar da “organização da Festa Grande em Honra do Senhor dos Aflitos” e não de um jogo de futebol de casados e solteiros ou de uma corrida ao galo. Por isso, o processo devia ser transparente, célere e digno do que está em causa para evitar especulações e sem se deixar inquinar pela politiquice, que não dignifica o que está em causa … 

É caso para dizer “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Tal como se apagaram as luzes da Festa e o barulho dos morteiros, será bom que também desapareça esse “ruído” inútil e desnecessário que ficou …    

Será preciso um dia de reflexão?

Hoje é dia de reflexão e eu, como sou bem mandado, estou a refletir. Tenho vinte e quatro horas para o fazer, mas será difícil conseguir estar tanto tempo a refletir. É caso para perguntar: “Será que alguém aproveita este dia em véspera das eleições, para refletir”? Não creio. Se sair por aí a perguntar “está em reflexão?”, vão pensar que estou maluco, porque nem sabem ao que me refiro. E não é necessário um dia reflexão para nada, até porque já todos “conhecemos os políticos de ginjeira”. E “pela aragem, se vê quem vai na carruagem” …

“Conta-se a história de um homem que caminhava por uma estrada, quando se apercebeu de um balão a voar muito baixo. O balonista acenou-lhe desesperado. Conseguiu baixar o balão o mais possível e gritou: “Pode ajudar-me? Prometi a um amigo que me encontraria com ele às duas horas da tarde e já são quatro e nem sei onde estou. Pode dizer-me onde me encontro”? O homem da estrada respondeu: “Sim. Você está a flutuar a cinco metros acima da estrada, a trinta e oito graus e quarenta e seis minutos de latitude norte e a nove graus e oito minutos de longitude oeste”. O balonista escutou e perguntou com um sorriso irónico: “Você é engenheiro”? “Sim, senhor! Como foi que descobriu?”, perguntou o homem. “Simples. O que você disse está tecnicamente correto. Porém, a sua informação não me é nada útil e continuo perdido. Será que consegue dar-me uma resposta mais satisfatória”? O engenheiro, depois de uma breve pausa, perguntou ao balonista: “E você é político”? E recebeu como resposta: “Sim, sou político filiado. Como descobriu”? Com ar sarcástico, o engenheiro satisfez-lhe a curiosidade: “Fácil. Você subiu sem se preparar e sem ter a mínima noção de orientação! Não sabe o que fazer, onde está e tão pouco para onde ir! Fez uma promessa e não tem a menor ideia de como conseguir cumpri-la! Ainda espera que outra pessoa resolva o seu problema, continua perdido e acha que a culpa disso passou a ser minha! É político nato!!!” 

Eu não preciso de refletir coisa nenhuma, pois estou decidido e mais que decidido. Claro que vou escolher quem prometeu reduzir muito os impostos, pôr os medicamentos gratuitos para idosos, além de não pagar mais nada na saúde. É o melhor cá para o Zé. E o que se passa comigo também acontece com os dez milhões de portugueses que têm direito a ir votar amanhã. Já escolheram há muito. O partido que propõe a legalização da canábis não conquistou já certo eleitorado, doa a quem doer? E quem promete que a semana de trabalho passa para as 30 horas e o salário mínimo para os oitocentos e cinquenta euros ou até novecentos euros tem ou não tem assegurados os votos de imensos eleitores? Será que algum deles precisa de refletir? 

Mas são muito mais as promessas dos partidos que arrebanharam os milhões de votos em disputa. A promessa de creches gratuitas vai ao encontro dos casais jovens em idade de procriação e com vontade de aproveitar. Passam a ter onde deixar os “pimpolhos” a custo zero. Daí, zero de necessidade de reflexão. Para quem está a precisar de habitação faz algum sentido escolher outro partido que não o que promete construir 100.000 casas com rendas baratuchas? 

E se os eleitores são de Lisboa ou Porto, vão fazer questão de estar à porta do local de voto às cinco da manhã para garantir lugar na fila (tal e qual como em muitas repartições públicas, centros de saúde, etc.) e ser dos primeiros a votar. Terão a certeza que ajudaram a colocar o partido “promitente” no poder. Como a criançada ainda não pode votar, os pais dos cábulas votam por eles no partido que promete acabar com os chumbos no ensino básico (já se fala também fazer o mesmo no secundário). Podem aproveitar também e votar em quem promete acabar com as propinas. Mesmo que os filhos ainda estejam na creche. É uma visão de futuro …

Para os que vivem nos centros urbanos e querem “regressar à terra” há um que lhes serve como uma luva, pois promete criar uma “Rede Nacional de Hortas Urbanas”. Não sei se são “hortas penduradas” ou não. Para quem acha que os políticos vivem à sua custa, votará com certeza no partido que vai reduzir os deputados para 100. Falta saber é se, para dar “emprego” aos outros, não vão aumentar o número de ministros, secretários de estado, etc. Mas há promessas para todos os gostos (e necessidades). Não quer que se pague a dívida pública? Quer que Portugal saia da União Europeia e da Nato? E os comboios devem chegar mais longe? ADSE para todos? Aulas de filosofia para crianças? Já nem falo nos eleitores que são “adeptos fanáticos” do seu “clube político”, pois não vale a pena refletirem porque só veem “uma coisa ao fundo”. Por tudo isto, não é preciso este dia de reflexão …  

Se os políticos vão cumprir ou não o que prometem é outra questão, que amanhã não importa. Nem sequer depois …

Entregámo-nos confiantes e inocentes aos políticos (governantes) e não percebemos (ou não queremos perceber …) que para eles, “não mentir”, não significa “dizer a verdade”. São duas coisas distintas. Basta lembrar o que se passou com o “arremedo de descentralização” anunciado pelo ministro da saúde (que “já foi de vela”) e confirmado depois pelo primeiro ministro no Parlamento em tom agreste e muito cínico, de que o Infarmed vinha para o Porto, quando estava visto que a “montanha ia parir um rato”. E aconteceu. O Porto “ficou a ver o Infarmed por um canudo” e já ninguém se lembra da “garantia que era a sério” e do nosso primeiro ter “a lata” de afirmar “que já o tinha repetido perante os deputados da nação e do país por cinco vezes”, como se tratasse de uma verdade definitiva. Com todas as repetições, conseguiu um feito histórico ao “afirmar” uma mentira duas vezes mais do que o apóstolo Pedro quando negou Jesus Cristo … 

Aliás, foi o que fizeram os políticos de cento e oitenta e nove países no ano 2000, como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano: “Nesses dias do ano 2.000, 189 países assinaram a Declaração do Milénio e comprometeram-se a resolver todos os dramas do mundo. O único objetivo alcançado não apareceu na lista: conseguir multiplicar-se a quantidade de “especialistas” necessários para levar adiante tarefas difíceis. 

Pelo que ouvi, em S. Domingos um dos especialistas estava a percorrer os arredores da cidade, quando parou diante do galinheiro da dona Maria de las Mercedes Holmes e lhe perguntou: “Se eu disser exatamente quantas galinhas tem, a senhora dá-me uma? E ligou o computador tablet com tela “touch screen”, ativou o GPS, conectou-se através do seu telefone celular 3G com o sistema de fotos de satélite, pôs o contador de pixels a funcionar: “A senhora tem 132 galinhas”. E pegou uma. Dona Maria de las Mercedes não ficou calada: “Se disser ao senhor qual é o seu trabalho, devolve-me a galinha? Pois então eu digo: o senhor é um especialista”. “Como sabe”, questionou ele. Ela respondeu: “O senhor é um especialista internacional. Notei porque veio sem ninguém o chamar, entrou no galinheiro sem pedir licença, contou-me uma coisa que eu já sabia e cobrou-me por isso” …

Da esquerda à direita, as promessas eleitorais têm mais ofertas que um propagandista em feira de ano, com benesses para todo o tipo de clientela. A verdade é que a maioria delas não passa de fogachos. Os que decidem em muitas dessas matérias têm os “rabos” sentados em Bruxelas e Estrasburgo e não em Lisboa. E, que se saiba, as eleições de amanhã deixarão os eleitos sentados na nossa capital …

Moscas, mosquitos e outras “melgas” …

Havíamos chegado a Luanda há alguns dias e, instalados na pensão bem perto do mercado de S. Paulo, conseguira convencer o Zé, meu colega e amigo, a comer o bife que lhe serviram ao jantar porque, como estava habituado à “comida da mamá”, já andava a passar fome desde que saímos do continente. Meteu a primeira garfada à boca e, quando se preparava para cortar mais um bocado de carne, naquela sala onde as moscas eram mais que muitas, duas delas “abraçaram-se” em pleno voo e, incapazes de controlar a aterragem, caíram aos trambolhões dentro do prato dele. E com um ar de desgraçado e de quem não sabe o que fazer, perguntou-me: “E que faço agora”? Sem pensar muito, disse-lhe o que pensava: “Empurra-as para o lado e acaba o bife”. Era um tempo em que não havia lugar ao desperdício …

Como é que um pequeno inseto, seja mosca ou o mosquito, nos pode estragar a refeição ou dar-nos cabo do juízo ao pôr-nos a fazer figura de estúpidos dando “sapatadas” na cara, na cabeça ou no corpo, na tentativa de lhes acertar sem que levemos a melhor na maior parte das vezes? Chega a ser desesperante travar luta tão inglória. Ainda hoje andava cá por casa a “jardinar” e suei bastante. A certa altura, as moscas começaram a voar à minha volta tentando pousar na cabeça, nas orelhas e no nariz, atacando e fugindo logo numa estratégia de “guerrilha” que fazia “moça” pelo incómodo. Uma chatice. Mas o pior foi quando uma delas ficou às voltas dentro da orelha, obrigando-me a dar uma palmada na cara com mais força que a desejada. Raio de mosca. Mas são rápidas, bem mais rápidas do que nós. Dificilmente lhes acertamos. E tudo está nos olhos e na velocidade de perceção das imagens, um sem número de vezes mais rápida do que nós, que lhes permite perceberem o nosso movimento muito cedo, mal o comecemos a fazer e que lhes dá tempo para se “porem ao fresco”. Sempre que vou fazer a minha caminhada matinal atrás da Becas, sim, porque é ela que me leva a reboque, numa parte do percurso é habitual ser atacado por umas moscas pequenitas, mas chatas, que me obrigam a tentar sacudi-las agitando as mãos dos dois lados da cabeça ou abanando com o boné. Ontem, quando ia a chegar ao cimo duma subida a fazer tal figura de parvo, de tão desesperado, ao agitar as mãos acertei nas hastes dos óculos escuros que uso nos dias mais luminosos, indo estes parar ao asfalto da rua com alguma força. Como que de forma automática, fecharam-se e, com as lentes arredondadas voltadas para baixo, começaram a deslizar pelo asfalto ladeira abaixo. De repente, vi-me a correr atrás dos óculos na descida, mas quanto mais corria, mais os óculos aceleravam qual “skate” e não os consegui apanhar senão quando pararam lá no fundo. Se alguém ali ao lado estivesse a ver a cena pensaria que era o programa dos “apanhados”. Claro que as lentes ao deslizarem sobre o asfalto áspero, foram bem “esmeriladas” sem eu pedir. E tudo por culpa de uma mosquinha, a que nem sequer se podia chamar de mosca …   

Não gosto de moscas nem de mosquitos por muito ecologista que seja e não espero vir a ser convencido do contrário. Nem mesmo quando nos dizem que a “mosca soldado negra” pode ser uma solução para o problema da alimentação humana. Já há criadores de larvas desta espécie de mosca pois, diz quem sabe, elas conseguem transformar qualquer resíduo orgânico em proteína de altíssima qualidade. Mas nem assim. É que “as moscas tanto pousam no mel como no estrume” e, quando me tentam chatear, nunca sei de “onde é que elas vieram”.

Já decidi que não inicio nenhuma viagem por mais curta que seja com uma mosca “a bordo”. São um perigo à condução porque, quando se poem a voar à nossa volta podem ser tão chatas que nos obrigam a tentar abatê-las o que, para quem vai a conduzir, pode ser um problema sério … 

Mas, muito mais incomodativo que a mosca, é a melga. A melga é um mosquito, embora nem todos os mosquitos são melgas. Só as fêmeas, pois os machos não nos picam nem chateiam. Só mesmo elas têm o péssimo hábito de nos darem cabo do juízo e do corpo. Diria que é uma característica inata de “género” … Mas, voltando à melga, para além de duas asas está também munida de uma tromba especializada em picar a pele e sugar sangue. Mas se há alguma coisa de que não gosto (nem ninguém penso eu …) é ser acordado a meio da noite com um “bzzzzzz”, “bzzzzzz” a entrar pelos ouvidos, do tipo berbequim a furar, voando à volta da cabeça num vai e vem sem parar, diminuindo ou aumentando de intensidade conforme se afasta ou aproxima. Quando acordado ao “toque de ataque” desse “inimigo invisível”, sem pensar e de forma instintiva, cubro a cabeça com o lençol e tapo-me todo para impedir que tenha acesso à minha pele. Mas o “bzzzzzz” não para, pois ela sabe que tem sangue fresco ali à mão. Às vezes, quando mais acordado, acendo a luz, mas desaparece como por encanto. Mal apago o candeeiro, o som volta. Só me resta sujeitar-me ao castigo para lhe montar a armadilha. Ponho o braço esquerdo de fora dando-lhe “campo” para ela aterrar e picar. E deixo que enterre a tromba e comece a sugar sangue, para se distrair da palmada que a mão direita tem preparada. Só assim será possível abater esse “inimigo”.

As melgas atacam-nos porque somos como que um “camião cisterna” do alimento necessário para a maturação dos seus ovos: o sangue. E conseguem facilmente descobrir-nos pois emitimos odores especiais que elas detetam, como “letreiro em supermercado”. Já me aconteceu estar com outras pessoas em quem elas não “tocam”. Será que é gente com o sangue envenenado e, se picarem, morrem? Ou terão o sangue estragado e com sabor a ranço? A acreditar nos estudiosos, há alguns humanos que emitem algo parecido com um repelente, que as afasta. Infelizmente, não é o meu caso. Chego a pensar que o meu tem mel …

Já agora que estou a pensar no muito que “fui mordido” ao longo da vida, não há dúvida que as maiores “picadelas” que levei foram dadas por “melgas” bem maiores e que não têm tromba, mas “trombas”. A alguns, bem me apetecia “parti-las”. Verdade seja dita que nunca me acordaram a meio da noite nem tão pouco fizeram “bzzzzzz” à minha volta a avisar que estavam prestes a picar-me. Nisso, as verdadeiras melgas são honestas porque avisam quando vão atacar, ao contrário das “melgas grandes”, que são traiçoeiras e enganadoras.

Há muitas recomendações para afastar as melgas e evitar as picadas dolorosas, desde usar roupa clara, “fazer de morto”, andar com uma ventoinha e outros mais ou menos curiosos. Além disso há os meios técnicos expressos numa grande variedade de aparelhos feitos para matar ou repelir. Para não ser “picado” pelas outras “melgas”, tenho alguma dificuldade em dar conselhos, porque preciso de alguns. Em teoria, é fácil. Para resistir ao “canto da sereia”, lembra-te bem: “nos negócios, não existem amigos, apenas clientes” e “não emprestes dinheiro a um amigo, porque perderás os dois”. Se formos capazes de seguir estes dois princípios, não precisaremos de nenhum outro “repelente” …