Hoje sou catalão. Catalão e independentista. E só não tenho a bandeira oficial da Catalunha, a “Estelada”, pendurada na janela ou num mastro do jardim porque, se a colocar, vão pensar que… sou adepto do Estoril. E não sou. Sou catalão por uma questão de princípio, mas também pelo respeito à Constituição Portuguesa e ao seu artigo 7, número 3: “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão”. E diz-me a história que a Catalunha é uma nação, um povo com cultura e língua próprias, que sempre foram reprimidas de forma mais ou menos violenta pelo poder de Madrid. Como o fazem os poderes centrais, alegando a lei, mas não a democracia… E se a Catalunha não é uma nação independente há muito tempo, deve-se somente ao facto de ter sido traída pelos ingleses em 1714 (por aqueles que sempre se disseram nossos amigos e que de nós se aproveitaram…), faltando-lhe na hora da verdade…
Também o sou por solidariedade de português para catalão. É que, quando em 1640 nos revoltamos contra o domínio espanhol e foi restaurada a nossa independência, tal parece dever-se, e muito, à Catalunha, que também estava num processo semelhante. Castela terá enviado a maioria das suas tropas para lá, enfraquecendo a frente ocidental contra Portugal, o que nos permitiu recuperar a soberania. Hoje, como no passado, o autismo de Madrid ignora o grito de um povo, apesar da democracia… e usa a Constituição, a justiça e, sobretudo, a força bruta, que não faz mais do que ativar o incêndio do separatismo.
Mas, a luta do povo da Catalunha inspirou-me para dar alento a outros povos, a outras comunidades, algumas até dentro das nossas fronteiras.
É o caso do Algarve. Já há muito tempo se justifica a sua independência dos poderes de Lisboa, por muitas e boas razões, que qualquer português atento pode atestar. E eu atesto. Já têm língua própria. Pois é, todos sabemos que lá, (quase) só se fala o inglês. Ah, e um dialeto que é uma “algaraviada”. Em qualquer restaurante, seja “gourmet” ou uma tasca algarvia, somos brindados pelo empregado mais foleiro com um arrazoado em inglês. “Mas que raio se passa. Pensava que estava em Portugal…”, digo eu com os meus botões. Como se isso não bastasse, temos de ter em conta que os residentes são todos “estrangeiros de fora”, formando uma comunidade eclética (fica bem a palavra?) onde poucos portugueses encaixam. Algarvios de Portugal, muito poucos. Já só se veem no interior serrano, junto de jumentos, burros e do lince ibérico, para turista ver. Algo como as “reservas de índios” na América e noutras Américas do mundo…
Mas há mais razões. Houve tempos em que qualquer um de nós ia da sua terrinha ao Algarve sem ter de atravessar “fronteiras”, até porque os preços ali praticados estavam ao nosso alcance. Agora, até parece que lá, o euro tem metade do valor. É outro mundo. Aquilo já não é para o nossa carteira… Mais uma razão para haver cada vez menos portugueses. Nos hotéis, somos raros. Tão raros, que é mais fácil encontrar uma barata num hotel do que um português. Já não temos carteira para aquela vida… Ora, se já não somos capazes de comprar estadias curtas, morar lá está fora de questão. Em absoluto… E grande parte do património há muito tempo pertence a gente da “estranja”. Por isso, cá por mim, independência imediata. Pode ser que depois fique mais barato ir lá de férias. Nas promoções. E nos saldos. E, se formos, podemos exibir-nos e fazer inveja aos amigos, dizendo que fizemos férias no estrangeiro…
Do Alentejo, não tenho dúvidas. Já devia ser independente desde os tempos da reforma agrária, por razões menos abonatórias. Mas, nos dias de hoje, há algumas razões comuns ao Algarve. O Alqueva é dos espanhóis e os milhares de hectares de propriedades dedicadas ao cultivo de framboesas, são internacionais e trabalhadas por gente vinda dos quatro cantos do mundo. Sobreiros ainda há muitos, mas não votam (ou será que votam?). Está na moda, tem mais azeite, vinho e reformados. Pode tornar-se independente porque assim, quando contarmos anedotas sobre a lentidão dos alentejanos, estaremos a gozar com estrangeiros e não portugueses como nós.
Dos transmontanos, nem vale a pena falar. Desde que me conheço que os ouço dizer: “Para cá do Marão, mandam os que cá estão”. Que não precisam do resto do país até porque, se houver incêndios, ninguém lhes vai acudir. Se o não fizeram no centro do país, ali tão perto, como vão dar alguma ajuda lá, “para trás do sol posto”? E poderia falar de mais umas quantas regiões do país a quem é legítimo o direito (ou torto) à autodeterminação, ainda que não saibam o que fazer a seguir (mas esse é o desígnio de qualquer governo nacional…).
Mas tudo isto, para chegar a uma conclusão: Quero proclamar a independência da minha casa. Não quero estar mais sob a tutela de governos que me são estranhos e que só me metem a mão no bolso em nome de políticas desastrosas, sem que os conheça de lado nenhum (nem da televisão pois, quando aparecem, mudo de canal). Não quero estar mais dependente de políticos que têm o dever de assegurar a nossa segurança e deixam o país arder e dizem que nós, cidadãos, é que somos culpados. Nós e o passado. Que nos dizem que temos de criar meios de autodefesa e que se lamentam por não terem ido de férias (para ficarem a estorvar a Proteção Civil). E que não pedem desculpa, nem lamentam os mortos. São mortos, já não votam. Nem demitem os ministros incompetentes. Também são mortos, só que ainda não o sabem.
Por isso, quero proclamar a independência da minha casa e chegar a presidente. E ser chefe do governo do meu país, que é a minha casa, para assumir os méritos e as culpas, sem ter de esconder a incompetência e a falta de decoro, com desculpas para o não fazer.
Porque a culpa não pode morrer solteira…