Desfile de Vaidades em local de recato

As três mulheres chamaram-me a atenção pela forma acalorada como falavam, duas delas com ar muito preocupado. Percebi depois que uma se chamava Joaquina e manifestava aflição porque “a cabeleireira lhe disse que já não tinha vaga para lhe arranjar o cabelo e, muito menos, para tratar das unhas”. E completou: “Vejam lá vocês como é que eu me vou apresentar depois de amanhã diante das pessoas da minha família, algumas que eu já não vejo há anos? Vão pensar que eu sou para aqui uma pelintra? Não me faltava mais nada! Vou arranjar o cabelo e vou, ainda que tenha de ir ao Porto”. A mais despreocupada, de sorriso nos lábios, entrou na conversa só para dizer que já tinha marcações para a cabeleireira e esteticista há mais de quinze dias, pois não queria correr o risco de não ter vaga como a Joaquina. E a terceira, com ar pesaroso, confessou que ainda conseguira que a cabeleireira lhe lavasse a cabeça, mas já não tinha tempo para lhe fazer os caracóis que ela tanto queria. Falou também em familiares que já não via há muito e que, quase de certeza, estariam lá. Pela conversa, percebi que aquelas três mulheres deveriam ir para algo como um casamento ou batizado, pois agora já não é tempo de comunhões.                                                                     Apanhei a conversa a seguir já a Joaquina perguntava às outras qual o vestido que iam usar, porque ela comprara na outra semana numa loja em Penafiel um vestido azul-celeste para “fazer ver” às primas de Gaia “quem se veste bem”, pois pensam que por não sermos da cidade “nós somos umas parolas”. A despreocupada adiantou logo que também já estava servida pois no dia anterior foi ao Norte Shopping e encontrou um vestido que lhe “fica a matar”. E a que ainda não tinha cabeleireira para lhe tratar da “crista”, ante o despacho das outras, choramingou: “Eu estive à espera do meu marido, mas como ele nunca tem tempo para ir comigo a lado nenhum, vou ter de me desenrascar à última hora e, se calhar, também vou dar um salto ao Norte Shopping e trato das duas coisas”. Perguntou à amiga a que loja fora e prometeu comprar um vestido diferente do dela. Entretanto fui chegando à conclusão de que devia ser mesmo um casamento e distraí-me a imaginar aquelas “criaturas de Deus” a “cortar na casaca dos outros” durante toda a boda. Só voltei a prestar atenção à conversa quando ouvi falar em flores. Imaginei que fossem flores para atirar aos noivos à saída da igreja, mas fui surpreendido quando uma delas se gabou: “Mandei fazer um arranjo de flores que vai custar cento e trinta euros, mas tem de tudo”. Então, fiquei baralhado: Arranjo de flores no casamento? Para quê? Será para assear o altar? Logo outra retorquiu: “Pois eu vou levar um ramo de orquídeas muito lindo”. Mas a terceira desfez o meu equívoco: “Como sei que vão ser muitas flores pois cada familiar leva um raminho e dá para cobrir a sepultura, encomendei uma coroa de 

flores para colocar no meio e desta vez, se falarem de mim, é para me invejar”. Foi aí que se fez luz e percebi que as três mulheres estavam a preparar-se para ir ao cemitério no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. Mas admirei-me da preocupação do trio com os preparativos e a forma de se apresentarem, pois acho que a ida ao cemitério não era propriamente uma passagem de modelos nem um concurso de Miss Universo. A meu lado estava uma senhora amiga que assistiu àquele “filme” e, como mulher, certamente viu mais do que eu. E perguntei-lhe o que é que se estava a passar porque eu não estava a perceber! Mas ela era mulher, “viu tudo” muito bem e “abriu o livro”: 

“Lembra-se que depois de amanhã é o dia de Todos os Santos e de ir ao cemitério rezar pelos mortos? Só não deve saber que quase todas as mulheres se arranjam “à maneira” como se fossem para um casamento! Ai daquela que vá com um vestido qualquer e com o cabelo mal-amanhado! Se virem assim alguém, são as familiares as primeiras a criticá-la dizendo “pobre coitada”, “parece uma desgraçada”, “até deixa ficar mal a família”. A maior parte delas nem sequer vai à missa e fica no cemitério a olhar as outras, de soslaio, para avaliar, criticar e dizer mal. A roupa tem de ser nova, sapatos a condizer, maquilhagem completa. As flores devem ser caras e com arranjos espetaculares, já que o mulherio faz uma passagem geral às campas, como os juízes num concurso, a comentar entre si: “Olha que flores tão pobrezinhas”? “Mas que arranjo mais parolo”! “Onde descobriria esta um arranjo tão espetacular”? Só falta mesmo cada uma dar pontos para atribuir um prémio! Mais que o morto, conta a competição entre elas. E o que virem ali, dá conversas para toda a semana lá na aldeia”!

E durante a procissão no final da missa, lá estão no cemitério à espera, mais para se mostrar do que participar, qual passagem de modelos, 

com sussurros críticos e sorrisos amarelos. Sabe, mais do que o Dia de Fiéis e Defuntos, eu digo que é uma Feira de Vaidades e Má-Língua. E o curioso é que uma boa parte só vai visitar os mortos uma vez no ano, precisamente neste dia, porque é um ponto de encontro obrigatório e, uma mulher que se preze, nunca pode faltar. E olhe que elas apostam forte: na sua “decoração” pessoal, no que vestem, no que calçam e nos arranjos de flores. Pois o mais importante é aparecer e “parecer”. E os mortos? Pouco importam, são só o motivo para aquele desfile, sendo o cemitério a passerelle”!

A ser verdade que se fez disto uma competição, é uma oportunidade excelente para criar um concurso com categorias diversas, a saber: Melhor Vestido, Melhor Arranjo de Flores, Crítica Mais Contundente e Mordaz, Melhor Maquilhagem, Melhor Penteado. Claro que por detrás de tudo isto está todo um negócio feito à medida destas “necessidades” e que movimenta muito dinheiro, com especulação nos preços porque nisto, ninguém trava gastos, nem regateia. Supermercados, floristas, lojas de chineses e outras, vendem produtos para a ocasião e à porta dos cemitérios os vendedores ambulantes resolvem os esquecimentos, quer seja de flores, lamparinas ou velas. Já poucas são as pessoas que usam flores de casa, pois “até parece mal” e não se pode ficar mal visto em relação ao vizinho do lado. Por isso, há que comprar flores caras para dar nas vistas e sair em grande na boca das outras! 

Por princípio, quando vou ao cemitério gosto de silêncio e alguma tranquilidade, e este não é o meu dia preferido para o fazer. Por isso, estava “a leste” da realidade. Mas, para confirmar tudo o que ouvi, resolvi passar em dois cemitérios só para confirmar se havia “desfile de modelos” ou não. E, que Deus me perdoe a intenção com que lá fui, mas tem uma grande dose de verdade. Neste dia um, muitas mulheres transformam o cemitério numa “passerelle” onde se exibem toiletes, penteados e arranjos florais. Pior ainda, a intenção de ir lá para lembrar e homenagear os entes queridos que já morreram, passa para segundo plano, esquecida entre os vestidos e flores, vaidades pessoais e má-língua, e por se perder, transformando um dia que devia ser de memória e respeito por quem morreu, num dia de exaltação, exibição e vaidades sem sentido por quem “ainda” cá ficou …

Mazagão: Teremos orgulho e respeito?

Nos últimos 50 anos da nossa história, a maioria dos governantes e de muitos outros políticos, tudo tem feito para renegarmos o passado e, especialmente, os grandes feitos alcançados pelos portugueses nos descobrimentos e sua aventura por um mundo até então desconhecido. Chegam a manifestar a vontade de que nos devemos até envergonhar e penitenciar por esse período, que dizem negro, da nossa história, numa inversão completa do orgulho que, como portugueses e descendentes desses antepassados, deveríamos ter. E a verdade é que não estamos a ser dignos dos seus feitos, de atos heroicos que praticaram pelo mundo fora e que hoje querem apagar e subverter, de construções excecionais que deixaram espalhadas pelo mundo e deveriam ser testemunho mais que suficiente da dimensão do que fizeram, sem terem ao seu dispor os meios de transporte, tecnologia, financeiros e científicos de hoje, pelo que se tornam ainda mais extraordinários. Por tudo isso e muito mais, 

deveríamos ser nós a glorificar os seus feitos, mas, estranhamente, a exaltação de heroicidade em acontecimentos da nossa história, de vez em quando chega-nos através de vídeos, filmes ou escritos da autoria de não portugueses, a trazer ao conhecimento público factos heroicos que nos querem fazer esquecer.  É o caso do chamado Grande Cerco de Mazagão, ocorrido em Marrocos no ano de 1562, em que pouco mais de 3.000 portugueses derrotaram acima de 120.000 marroquinos, resistindo ao cerco e tentativas de assalto à cidadela ao longo de quase 3 meses. 

Os portugueses construíram uma cidadela no porto de Mazagão no verão de 1514, que o rei D. João III mandou expandir em 1541 para a maior fortaleza murada que vemos hoje, com 69 canhoneiras e um amplo fosso provido de eclusas que o mantinham cheio de água do mar durante a maré baixa, concentrando aí a presença portuguesa naquela região. Poucos anos depois, Marrocos foi unificado por Maomé Xeque e o seu sucessor cedo começou a planear a conquista dessa cidadela bem fortificada preparando a ofensiva ao longo de dois anos. O governador da fortaleza Álvaro de Carvalho encontrava-se em Lisboa e o seu lugar-

tenente Rui de Sousa de Carvalho através de um espião, confirmou os

rumores sobre os preparativos do sultão. Assim, enviou um navio com um pedido de socorro para Portugal, então governado pela regente D. Catarina perante o cerco iminente, já que a guarnição da cidade e os residentes não seriam capazes de resistir sem ajuda. A 18 de fevereiro de 1562 chegou o primeiro contingente de marroquinos, assentando arraiais ali perto e o filho do sultão, Mulei Moâmede, não concebendo que tão pequeno número de homens pudesse fazer frente ao seu poderoso exército, antes de iniciar o ataque enviou um ultimato ao governador, que dizia: “Tenho tolerado essa fortaleza até à data, mas agora exijo a sua evacuação. Dou o tempo preciso para levarem tudo menos a artilharia e as armas. Se não quiserem aproveitar a minha generosidade tomarei pela força o que me pertence. Não obedecendo, passarei tudo a fio de espada e isso é fácil quanto é certo que Portugal é governado por uma mulher e o rei é ainda uma criança”. A resposta não demorou: “Nenhum português é homem que receie o poder e as ameaças dos moiros; todos saberão resistir e defender a fortaleza do rei-criança, seu soberano, porque todos os que se encontram na praça são portugueses que juraram morrer ou vencer e eles só́ morrem na luta quando deitam por terra os seus inimigos”.

Em Portugal, a rainha regente Dona Catarina ponderava abandonar Mazagão, Mas a notícia do cerco da cidadela provocou uma onda de sentimento patriótico em Portugal e antes que ela tomasse qualquer decisão, fidalgos, plebeus, clérigos, pescadores e outros voluntários, armaram-se e zarparam voluntariamente em auxílio da cidade sitiada. 

O inimigo atacava violentamente com cem mil infantes, trinta mil cavaleiros e treze mil auxiliares para escavar e remover terras, com o apoio de vinte e quatro canhões, mas dois meses de combate provaram uma vez mais aos muçulmanos que os Portugueses sabiam ligar as ações às palavras.
Com efeito, a luta começou trágica, terrível e mortífera. O ataque da artilharia inimiga era incessante, a defesa, heroica e infatigável. No dia 30 de Abril, no momento da preia-mar, os Mouros fizeram um ataque violento e conseguiram abrir brecha nas muralhas com a artilharia. Debaixo de um fogo terrível, onde morreram muitos combatentes de um e de outro lado, os valentes defensores de Mazagão escreveram a mais linda página da sua história. Uma explosão de vinte barris de pólvora, provocada pelos nossos, produziu no meio dos sitiantes verdadeira hecatombe. Entretanto, chegavam mais tropas de Lisboa, e o inimigo, cansado da luta, desbaratado e desanimado pela coragem indómita dos sitiados, abandonou o cerco, no dia 17 de Maio, retirando para Azamor. O esforço hercúleo dos defensores de Mazagão manteve ainda por dois séculos a soberania de Portugal na veneranda fortaleza.
Mazagão mantém ainda hoje o seu traçado urbano original e muitas das ruas conservam nomes portugueses como a Rua da Carreira, a Rua Direita, a Rua da Nazaré, a Rua do Arco, a Rua do Governador, a Rua da Mina ou a Rua do Celeiro. O pioneirismo da fortaleza inovadora de Mazagão, peça-chave da evolução das fortificações modernas, abriu a porta à transição para o uso da artilharia, materializa em Marrocos pela primeira vez as novas teorias da fortificação abaluartada, que daqui seriam transpostas para a colonização da América, África e Ásia.

A sua eficácia enquanto estrutura defensiva ficou patente na sua inviolabilidade durante os cerca de 260 anos que serviu a coroa portuguesa. Mas a excecionalidade de Mazagão ultrapassa o simples conceito de fortificação, revelando-se também como um modelo de planeamento e construção da cidade, de transposição para o território de funções urbanas, instaladas segundo determinada escala, de acordo com princípios de racionalidade e sustentabilidade. Serão também estes conceitos da cidade que contribuirão decisivamente para o desenvolvimento do planeamento urbano moderno. 

Como diz Oliveira Martins, «o domínio português do Litoral de África é apenas um episódio da grande história das descobertas e conquistas ultramarinas e o seu merecimento serviu de escola para os guerreiros da Índia». A nossa História, aqui e ali, está cheia de atos heroicos, sempre em desproporção numérica, mas com um sentido do que é ser português, irrepreensível. Os portugueses que resistiram e venceram no cerco de Mazagão, não renegaram um passado cheio de ensinamentos e honra. As ordens eram, como sempre foram, para lutar pela honra e pela Pátria! E eles cumpriram! Saibamos nós cumprir, no orgulho e respeito por eles e por todos os outros que lutaram e se sacrificaram para levar Portugal e a civilização aos quatro cantos do mundo … 

O mundo está louco! E a dormir …

Sentado no sofá, ligo a TV e fico a ver as notícias do mundo. Às tantas, passam as imagens da destruição e devastação que o furacão Milton causou na Florida e são impressionantes. Logo a seguir, recuperam outras dos recentes incêndios de Albergaria, não menos chocantes. Mas, como não é nada comigo e até já tinha visto tudo isto, mudo de canal para ver um filme cómico, pois sempre é mais agradável. Que tenho eu a ver com os furacões do outro lado do mundo ou até com os incêndios no centro do país? Nada! Mas será bem assim? Dou comigo a pensar que, afinal, “temos (quase) todos a ver” com os furacões e os incêndios, as inundações e os nevões anormais, as secas e as ondas de calor, os tornados e os ciclones tropicais, pois contribuímos para eles todos os dias. Como? No que consumimos, queimamos, desperdiçamos, poluímos, estragamos, desmatamos, mineramos, cultivamos, enfim, no nosso estilo de vida. Uns mais que outros, contribuímos para o Aquecimento Global, a causa mais que provada das alterações climáticas e dos fenómenos extremos a que temos assistido, cada vez com mais frequência.

Já há 1.500 anos Platão falava sobre degradações ambientais que resultavam de atividades como agricultura, habitação e mineração. 

Depois, a industrialização provocou a maior revolução global e fez as pessoas acreditarem que têm o direito de dominar a natureza a seu belo prazer e transformar tudo em bens de consumo, mesmo que para tal seja necessário, e aceitável, destruir o meio ambiente na busca por mais produção econômica, para satisfazer as suas necessidades. E, para dar resposta à permanente insatisfação do ser humano ao entender que deve ter tudo, mesmo para além do necessário, nos países mais desenvolvidos entrou-se numa espiral de consumo de mais e mais, sem respeito pelos outros seres vivos e muito menos, pela “casa” comum onde habitamos. Foi assim que, manipulados pelo marketing, publicidade e pelo crédito fácil, nos tornamos “consumistas” em vez de consumidores, diria mesmo, “os grandes contribuintes para a desgraça” do nosso planeta. 

Os maiores culpados são os governos de todo o mundo porque é a eles que compete dar os passos fundamentais para as mudanças. Mas vivem a prometer aumentos na produção para se criar mais riqueza, ganhar mais, consumir mais, poluir mais e dar cabo disto tudo. Cabe-lhes tomar decisões e a implementação de regras que de fato tenham impacto na cadeia produtiva e protejam o meio ambiente. E, para além dos governantes, somos (quase) todos nós, cidadãos do mundo, que com mais ou com menos (in)consciência, consumimos sem conta, peso, nem medida, com consequências gravíssimas para o meio ambiente pelo excesso de produção de lixo, de que as montanhas de roupa usada e produtos eletrónicos descartados são mau exemplo, além da grande poluição gerada pelas indústrias produtoras de bens. Com a mania das grandezas, aumentamos significativamente a poluição ao construir mais casas e maiores que implica mais cimento, ferro e aço e consequente consumo de mais petróleo, carvão e gás para os produzir. Somos nós que fazemos desaparecer florestas e com elas a capacidade de armazenarem carbono, libertar o oxigénio, reter água das chuvas e trazer muitos outros benefícios para nós e para o meio ambiente. E somos nós que desperdiçamos água no banho, nas lavagens, rega e outras situações, um bem fundamental que vai a caminho da escassez. E desperdiçamos alimentos quando faltam a outros, que desperdiçamos eletricidade e outros bens com o nosso estilo de vida, o que tem um profundo impacto no planeta, cabendo aos mais ricos, pelos maiores excessos nos consumos, a maior cota de responsabilidade.

Todo o mundo defende um desenvolvimento sustentável e quem não o defende é louco. Houve cimeiras do clima e milhentos fóruns sobre como travar o pior, no entanto a maioria fica à espera de que sejam os outros a resolver o problema. Mas, com uma sociedade tão desigual, tão diversa e de antagonismos gritantes, como vai ser possível construir um consenso para travar os desmatamentos e a poluição e tudo o que está a descontrolar o clima?

Acreditar que os políticos façam alguma coisa de verdade é crer no impossível, pois eles são incapazes de tomar medidas impopulares para não perder eleições. E “vão empurrar com a barriga para a frente”, à espera de que o problema se resolva sozinho, fazendo com que “a culpa morra solteira”. Mas, também acreditar que cada um de nós vai fazer a sua parte, que vai poupar água, eletricidade, combustíveis, alimentos, reduzir a compra de roupas, calçado, plásticos, eletrodomésticos e aparelhos tecnológicos ao essencial, é acreditar no “pai natal”, pois é certo e sabido que, tirando uns maduros de quem nós diremos que “têm a mania que vão salvar o mundo”, mais ninguém fica a pensar no assunto e “assobia para o lado” porque “o outro é que têm a obrigação de fazer essas coisas”, “porque já estou velho para isso” ou “não estou para aí virado”.

O clima entrou em terreno desconhecido e os vídeos que vemos da devastação dos furacões não deviam deixar ninguém indiferente. Mas deixam. E a grande maioria faz o que eu fiz: pega no comando da televisão e muda de canal para ver algo agradável. O menu dos eventos climáticos extremos que ocorreram na Terra este ano tem de tudo e de que forma: nevões, secas, ondas de calor, incêndios florestais, ondas de frio, inundações, tornados e ciclones tropicais. Apesar dos avisos dados pelos cientistas, que estamos demasiado perto do ponto crítico a partir do qual as crises climáticas podem multiplicar-se, sobrepor e descontrolar, sem que a Humanidade tenha capacidade de prever e se adaptar, assobia-se para o lado. O fim do mundo que preencheu o imaginário de tantos e deu nome a livros e a filmes, poderá já não ser uma ficção científica. 

Temos um problema climático grave e há as diversas guerras que assolam o mundo, em atos de loucura que só é possível entre seres (des)humanos. E nem a literacia, o acesso à informação e todas as formas de conhecimento e saber conseguem meter juízo no grande número de governantes que não se importam de brincar com o fogo e a vida de milhões de pessoas. Como é possível continuar de braços cruzados enquanto os combustíveis fósseis e o consumismo desenfreado destroem o planeta? Como é possível permitir que os recursos naturais se esgotem a um ritmo nunca visto? Como é possível ainda comer, rir e ir para a cama descansado enquanto a humanidade caminha para o abismo? Estamos numa contagem decrescente para o apocalipse climático e a sociedade precisa de despertar do seu torpor. Foi o sistema que nos trouxe até aqui, mas é com ele ou sem ele que temos de sair desta crise. E se o sistema que nos trouxe aqui, com governantes e connosco, não encontrar uma solução, o clima encarrega-se de a encontrar para acabar com ele…

É caso para dizer, “cruzes, canhoto”!

Ao longo dos séculos, todo aquele que era considerado “diferente” da maioria era cruelmente perseguido e condenado pelos demais. E os canhotos, as pessoas que utilizam preferencialmente a mão e o pé esquerdo, encontram-se nesse grupo de “párias”. Assim, ser canhoto, nem sempre foi visto com bons olhos. Durante boa parte da história da humanidade quem escrevia com a mão esquerda sofria de certeza, preconceito cultural, social e religioso. E houve casos até de pessoas queimadas vivas por “tamanho sacrilégio”. O que já foi considerado bruxaria, maldição ou superstição é, tão somente, uma questão de genética.

Foi assim que, na Idade Média, os canhotos, especialmente mulheres sofreram perseguição implacável. No caso delas, todas as acusações de bruxaria baseavam-se na relação estabelecida nos textos antigos entre o lado esquerdo e o pecado e a tentação. Em tempos recentes e durante muito tempo, os pais, professores e as instituições de ensino pressionavam as crianças para usarem a mão direita ao invés da mão esquerda. Assisti a esse “filme” e vi um colega de escola a ser avisado, admoestado e contrariado para não usar a mão esquerda …

Desde sempre a mão direita tem sido associada a todas as coisas boas e puras, enquanto a mão esquerda é sinal de tudo que é profano, mau e inferior. Este simbolismo está presente em quase todas as culturas. Por isso, o lado esquerdo é evitado quase universalmente. Os antigos gregos e romanos consideravam o lado esquerdo inferior e profano, e nos tempos medievais, o uso da mão esquerda era ligado à feitiçaria. Na Nova Zelândia, o lado esquerdo é dedicado a demônios e ao diabo. Os muçulmanos acreditam que Alá fala às pessoas na orelha direita e o diabo na esquerda. Na era medieval, o diabo era representado com a mão esquerda estendida. Entre os índios americanos, a mão direita representa coragem e virilidade e a mão esquerda, morte. Na África, o direito é bom, esquerdo é mau. Em alguns países, uma esposa nunca deve tocar seu marido no rosto com a mão esquerda. Na América do Sul, a direita é boa, é vida, divino e a esquerda é feminina, ruim, má e mórbida. E onde começou tudo isso? Na … costela esquerda de Adão. No passado, como a mão direita sempre foi a dominante, a esquerda era usada para a higiene depois da defecação. Por isso, ninguém levava comida à boca com a mão esquerda, e algumas culturas ainda hoje consideram ofensivo cumprimentar alguém com a esquerda. Até mesmo nos gaúchos, passar a cuia de chimarrão com a mão esquerda é ofensa. E entre os árabes, qualquer texto santo só pode ser tocado com a mão direita. 

Todo aquele que utiliza mais os seus membros esquerdos do que os direitos para os seus afazeres, é vulgarmente conhecido por canhoto, podendo também ser chamado esquerdino, esquerdo e sinistrômano. Mas, afinal, se a maioria das pessoas faz tudo com a mão direita, por que algumas delas nascem com a esquerda predominante? O certo é que continuamos sem saber muito bem por que algumas pessoas são canhotas e outras são destras. 

Estudos revelam que os canhotos representam cerca de 10% da população, pelo que, como a grande maioria é destra, quase todos os aparelhos são projetados para ser usados ​​por estes, dificultando o seu uso e a vida dos canhotos. Como consequência disso, os canhotos acabam por ganhar salários menores darem menor rendimento pelo facto das maquinarias lhes serem adversas. Além disso, também correm maiores riscos de sofrer acidentes, precisamente porque os equipamentos são feitos para ser usados com a mão direita e não com a esquerda. Nascer canhoto num mundo feito para destros não é fácil. Segurar uma caneca ou usar uma tesoura, por exemplo, podem ser tarefas surpreendentemente difíceis para essas pessoas, tal como teclados, facas, abridores de latas, saca-rolhas, serras, tornos e outros objetos produzidos e pensados para usuários destros. Mesmo que alguns objetos sejam inofensivos, como os teclados, serras, tornos, facas e abridores de latas, estes podem causar acidentes graves a pessoas canhotas. Apesar de tudo isso, os canhotos passaram de uma situação em que eram vistos como deficientes (o sinistrum do latim tinha até uma conotação moral), para uma situação oposta em que se começaram a encontrar-lhes muitas, e boas, virtudes. É caso para dizer, “cruzes, canhoto”!

E que é ser canhoto?
Ser canhoto é ser um jogador genial como Diego Maradona ou Messi. Ser canhoto é ser guerreiro como Alexandre, o Grande ou estratega como Napoleão Bonaparte; ser canhoto é ser génio da Matemática e da Física como Newton, da música como Beethoven e até da Física moderna como Einstein; ser canhoto é ser o maior génio da história como Leonardo da Vinci pela multiplicidade de artes e ciências em que se destacou; ser canhoto é ser o melhor piloto da história da F1 como Senna e o melhor guitarrista da história do rock como Hendrix; ser canhoto é ser um génio da pintura como Michelangelo, Rafael ou Picasso; ser canhoto é ser excecional atriz ou ator de cinema como Marilyn Monroe, Julia Roberts, Bruce Willis ou Tom Cruise; canhoto é ser um músico e compositor genial como Paul McCartney, Paul Simon ou Bob Dilan; ser canhoto é ser um pacifista como Gandhi; o canhoto é ser um presidente dos USA como Reagan, Bush, Clinton e Obama; ser canhoto é ser um escritor como Mark Twain. Ser canhoto é ser um tenista como Rafael Nadal. 

Ser canhoto é, enfim, ser o que quiser ser, podendo mesmo vir a ser o melhor, como estes e tantos outros que deixaram o seu nome gravado para a posteridade a letras de ouro, provando que, ser canhoto, só por si, não condicionou ninguém a ser o que sempre desejou. Mas, a perseguição de que foram alvos, deixará uma pergunta no ar que nunca terá resposta: Com a fobia e perseguição aos canhotos, quantos talentos não terão sido sufocados ao longo da história e que a história irá ignorar para sempre? 

Nada substitui o tempo que se lhes dá! (2)

O tempo é um recurso finito: usou, acabou. Se não o gerirmos bem, algo ficará por fazer. Horas diárias nas redes sociais deixam alguém de fora. Não queira fazer isso com os filhos, cônjugue, família, amigos e consigo, para estar satisfeito com a vida. E se não for capaz de se organizar para poder dar-lhes tempo na infância e adolescência, pelo menos, se calhar é melhor pensar no assunto antes de os ter. Se já os tem, pense nisso e não arranje desculpas porque assumiu muitíssimas responsabilidades quando decidiu ser pai ou mãe. Ou acha que não?

É que, os primeiros responsáveis pelo desenvolvimento das relações sociais duma criança são os pais: pai e mãe. O cérebro do bebé é como uma esponja que absorve tudo o que vem do que o cerca e, é natural, a criança tem desejo de explorar e aprender sobre tudo isso. Daí inundar a todos com uma enxurrada de perguntas, que devem ter respostas de qualidade e exemplos. Embora se possa justificar a falta de tempo, bom será reforçar a importância de ser modelo para os filhos e de poder dedicar-lhes tempo em qualidade e quantidade, porque esse tempo em quantidade e qualidade deixa marcas profundas, dá autonomia, inspira confiança, molda padrões, estabelece regras, forma amigos. Por isso, seja justo consigo e com seu filho, deixe que assimile da sua conduta e não deixe esse privilégio para outros. “Ensine bondade demonstrando bondade, as boas maneiras, praticando-as, a meiguice, sendo meigo, a honestidade e a veracidade, exemplificando-as”.

E para se inspirar, que tal aprender com exemplos como o de Vera. Quando lhe nasceu o primeiro filho foi-lhe diagnosticado autismo e apesar de ser a responsável de metade das lojas de uma multinacional no nosso país, uma situação invejável, abandonou a empresa para se devotar unicamente a ele. Foram anos de dedicação sem limites, lendo, informando-se, acompanhando-o a todos os lados. Dez anos depois ela e o marido decidiram ter outro filho. E veio então novo rapaz … autista. Passaram a ter dois filhos com autismos distintos e personalidades às avessas, a ser seguidos por terapeutas com tratamentos diferenciados. Mas, como a magia ou os milagres às vezes acontecem, conseguiram agilizar o relacionamento entre os dois. E Vera continua dedicada de corpo e alma aos seus amores que, apesar das dificuldades, a fazem sentir muito feliz. 

Por cá existem mais casais com dois filhos autistas e são-lhes de uma dedicação extrema! E não posso deixar de lembrar a Daniela que optou após a nascença por dar o seu tempo por completo ao filho, também ele autista, numa dedicação que deveria fazer corar de vergonha os pais comuns de crianças comuns, que praticam o extremo oposto …    

Já Marisa, recém-casada e a viver no rés do chão da casa dos sogros, ao saber que ia ter 3 filhos de uma “assentada”, chorou, mas mais chorou ao saber que um deles tinha paralisia cerebral e poderia não chegar a andar, falar, respirar, enfim, a viver. Deixou o emprego que tinha e assumiu o de Mãe a tempo inteiro e o compromisso de que a filha um dia iria andar. E a sua vida tornou-se numa roda-viva entre consultas médicas e tratamentos diversos. Contrariando a previsão de alguns clínicos, Susi foi equilibrando o corpo, começou a gatinhar, apresentou melhoras significativas. Com a posição dos pés em pontas a impedir de andar, foi sugerida uma cirurgia no México aos três anos de idade e lá foi, com a total solidariedade económica e emocional da família. E Susi já passou a dar alguns passos sem apoio e foi melhorando, até que um cirurgião russo lhe recomendou nova cirurgia em Madrid, aos seis anos, renovando a esperança. Criou uma rifa para fazer dinheiro e uma amiga desencadeou uma angariação de fundos, que lhe permitiu levar a filha a ser operada em Madrid com sucesso e entrar num processo de recuperação com tratamentos, terapias e duas novas cirurgias, que lhe permitiram tornar-se autónoma e estar quase a concluir o secundário.

E cresceu como pessoa e mulher, tomando consciência do que é verdadeiramente importante nesta vida, do que tem significado. 

Queixa-se da vida? Não, nem pensar. Pensa até que toda a gente devia passar por uma provação como a sua, para poder crescer e encontrar um objetivo digno para viver.      

Daquilo que para a maioria das pessoas seria uma cruz, e para ela tem sido bem pesada, ela fez dela a sua redenção, a sua bênção, o significado para a sua presença aqui. E diz, com um sorriso nos lábios: “Se Deus me deu de uma vez três filhos para tomar conta, tendo um deles problemas de saúde tão graves, por alguma razão foi. Porque ELE sabe o que faz.”  

Há dias assisti à celebração de uma missa e, no banco à minha frente, estava uma mãe relativamente jovem acompanhada por uma menina de 8 a 10 anos, com sinais duma doença cromossômica. Do início ao fim aquela mãe deu uma lição de amor e dedicação à sua filha como nunca vi. Sempre de sorriso no rosto, irradiava um brilho nos olhos de alegria e felicidade pela preciosidade que tinha a seu lado, fazendo-a seguir as diversas fases da celebração. Em momento algum deixou de dar atenção à sua filha “especial” e sorrir, cobrindo-a de carinho numa lição de entrega e amor, sem olhar à doença e suas limitações. 

Como a “cereja em cima do bolo”, o padre celebrante na homilia, referindo-se à leitura do evangelho, disse que “Jesus deseja que cada um aceite e carregue a sua cruz, pesada ou leve, boa ou má, com alegrias e tristezas, sem revolta ou mágoa. E ao ver aquela mãe abraçada à filha “especial”, numa imagem de felicidade, não pude deixar de pensar que Jesus a terá enviado como o exemplo acabado e perfeito de “como todos nós deveríamos carregar a cruz que nos tocar”, com razões dobradas para quem tem filhos sem doenças ou outras limitações em que a “cruz será bem mais leve e mais fácil de carregar” … 

Para estas mulheres e mães, a Teresa enviou-me a sua definição de “Mãe”: “Termo usado para designar um coração capaz de amar infinitamente. É sentir por dois, sorrir por dois, sofrer por dois, é dar o melhor de si duas vezes. É aquela que cura com um abraço e que sara a ferida com um beijo. É aquela que dá à luz AMOR.”

Nada substitui o tempo que se lhes dá! – 1

Diz-se que a maioria dos portugueses não tem dinheiro para ter uma vida digna, nem tempo para viver. Ora, se não tem tempo para viver, como tem tempo para ter filhos? Não, não falo no “tempo para fazer filhos”, isso é fácil e até é gostoso. Quem não gosta? Falo no tempo que é necessário para se lhes dar e dedicar. Quase sempre, tem-se filhos para outros criar, pois ainda pequeninos são entregues aos cuidados de familiares, quando há essa sorte, ou de desconhecidos se não se tem outra opção, numa ginástica operacional e orçamental nada fácil. Mas é triste saber que não seremos nós a ouvir a primeira palavra do nosso filho, nem a vê-lo dar os primeiros passos e a estar lá para o confortar na primeira queda. E ao conciliar a vida familiar com a profissional, alguém fica a perder e o elo mais fraco é sempre a criança. Tentamos encontrar justificações por não sermos nós a tomar conta deles, mas são razões económicas, em regra, pois necessitamos de dinheiro para comprar o que precisamos … e até do que não precisamos! E como não temos tempo porque, alegadamente, trabalhamos tempo demais, então que disponibilidade teremos para dar tempo aos filhos? 

A verdade é que (quase) toda a gente diz não ter tempo para eles porque tem (quase) sempre outras prioridades, que muitas vezes não passam de meras desculpas. Ora, se não se lhes dá tempo, não é de espantar que se recorra a todas as estratégias e mais uma para distrair e entreter as crianças, “comprando-se-lhes” o tempo ao dar-se tudo o que pedem sem questionar, com consequências trágicas na educação e na formação desses futuros adultos. E o smartphone é o substituto perfeito para fazer o papel de pai e mãe – o pai vê o futebol na televisão quando o filho lhe diz: “Pai, vamos brincar”? E o pai estende o braço para lhe entregar o smartphone enquanto diz: “Agora não, joga ou vê um vídeo”! É assim que a maioria dos filhos hoje tem tudo, só não tem aquilo que mais deseja: o tempo e a atenção dos pais! Mas podem dormir descansados pois a fatura de não se ter tempo chegará anos mais tarde, quando forem eles a não ter tempo para conceder aos pais, devolvendo-lhe em dobro aquilo que deles receberam …

Robert Keeshan, alertou para as consequências dessa falta de tempo, contando: “Uma menina, de dedo na boca e boneca nas mãos, aguarda impaciente a chegada dos pais. Quer contar uma coisa que aconteceu. Na hora, o pai chega. Mas ele, arrasado pelo stress do trabalho, muitas vezes diz à menina: “Agora não, estou ocupado”, “estou cansado” e “vai ver televisão”. Mas, se não é agora, é quando? “Mais tarde”. “Amanhã”. Mas esse “mais tarde” e esse “amanhã”, raramente chegam …

Passam-se anos, a menina cresce. Dão-lhe brinquedos, um telemóvel, roupas de marca, mas não lhe dão o que ela mais quer: algum do seu tempo. Agora tem catorze anos seus olhos estão vidrados e sentem que está envolvida nalguma coisa. “Querida, o que se passa? Fala comigo”! É tarde demais. O amor já passou por ali e foi-se … A criança que não encontra amor nem apoio quando mais precisa, tende a ir procurá-lo na adolescência em outros jovens, para substituir essa carência. E pode ser desastroso. Nessa altura, palavras, conselhos ou explicações, nada mais significam e falar de amor soa a falso, porque já não existe mais cumplicidade nem confiança na relação. Robert conclui: “Quando nós dizemos a um filho: “Agora não”, “mais tarde”, “vai ver TV” ou “não faça tantas perguntas”; quando deixamos de lhe dar aquilo que ele quer de nós, nosso tempo; quando não lhe damos atenção; não é que não nos importemos, mas só estamos demasiado ocupados para o atender com algo que dizemos ser importante e é só uma questão de prioridades”. Porque os pais são os grandes responsáveis para ensinar os filhos a reconhecer, controlar, ter empatia e lidar com os sentimentos que os acompanharão por toda a vida, ainda que algumas aptidões sejam aperfeiçoadas com os amigos ao longo da infância. E a falta de tempo não traz consequências só para a criança/adolescente, mas também para os pais que não desfrutam da companhia deles ao longo do seu crescimento. 

Felizmente, tem vindo a aumentar o número de pais que colocam os filhos como primeira prioridade, sobretudo na infância e adolescência, a altura mais crítica na sua formação, arranjando tempo para com eles estudar, explorar, brincar, descobrir, inventar e fazer todo o tipo de atividades, estabelecendo-lhes regras e criando uma cumplicidade que irá certamente durar para sempre e ficarão como boas recordações na sua memória. E, é verdade, são muito mais do que imaginamos. Ainda hoje encontrei e falei com dois Pedros, dois pais de crianças pequenas, perfeitamente sensibilizados para isto. Um demitiu-se do emprego que tinha no Porto, muito bem remunerado, a partir do momento em que foi pai, tendo vindo trabalhar para perto de casa apesar do salário ser inferior. Recuperou as cerca de três horas diárias de viagem que lhe são úteis para se dedicar ao filho o que “tem sido excecional”. O outro, com dois rapazes, reduziu o horário de trabalho para estar com eles na fase crucial, “dando-lhes tanto tempo a eles como o meu pai me deu a mim e pela importância que isso teve para ser a pessoa que hoje sou”. É curioso que esta decisão tenha sido muito criticada pelos colegas de trabalho, ao ponto de comentarem que “ele está a perder tempo a mais com os filhos”. 

As crianças precisam de se sentir amadas e queridas e de ver as suas necessidades atendidas. Precisam de tempo com os pais para os ver e observar enquanto exemplos e modelos. Precisam de tempo dos pais para poderem aprender, exercitar a dúvida, debate, a troca de ideias e de sentimentos e a argumentação. Mas, mais do que quantidade, é bem preciso “tempo de qualidade”. Pais eficientes são os que chegam a casa, depois dum dia de ausência, com saudades, e largam tudo para abraçar os filhos, brincar com eles e fazê-los sentir que são amados, antes de ver os e-mails, arrumar as compras ou ver televisão. Aí, sim, os filhos estão em primeiro lugar …

Um ananás “de pernas para o ar” …

Com certeza sabe que o ananás é um fruto comestível, mas o que pode não saber é que a imagem de um ananás invertido é um símbolo internacional que, há décadas, é utilizado por praticantes de swing — casais que gostam de ter relações com outros casais – para indicar discretamente o interesse em trocar de parceiros ou participar em atividades swinger. O seu uso é feito sobretudo nas férias ou viagens, em cruzeiros ou resorts, com a imagem num autocolante à porta do quarto ou no vestuário. O objetivo? Evidentemente, é para que os entendedores percebam a mensagem de forma “subtil”. 

Pois bem, talvez por já estar associado a estas “relações”, o ananás ao contrário passou a ser o símbolo da disponibilidade para o engate de homens e mulheres. Por isso, para encontrar o amor da sua vida ou ter uma relação casual pode deixar o Tinder, o Bumble e outras aplicações direcionadas para relações. Chega dos sites de encontros que se podem procurar na net para criar uma relação, seja ela qual for. Não sei se por golpe de marketing ou não, há outra forma que nasceu e cresceu em Espanha, tendo gerado muitos aderentes. Dirija-se a um supermercado Mercadona entre as 19 e as 20 horas e siga as regras. Ponha um ananás invertido no carrinho e, para encontrar as pessoas que estejam ali com o mesmo objetivo, procure outros carrinhos que tenham os ananases nessa posição. Caso queira conhecer o outro cliente, deve provocar o encontrão de carro contra carro e o ‘match‘ está dado. Se correr bem, pode sair do Mercadona com um encontro marcado. É assim que os corredores dos supermercados dessa cadeia estarão a ser usados como locais de engate. Foram muitos os espanhóis que seguiram as regras, responderam ao desafio e foram à procura do amor. Como saber se os dois têm intenções semelhantes? Antes de bater com o carrinho, olhe bem para o da outra pessoa e veja o que é que está lá dentro, além do ananás, pois há códigos específicos com os alimentos: Quem deseja uma relação séria também coloca legumes no carrinho. Mas se atirar com gomas e chocolates lá para dentro, dá a entender que deseja algo casual. Por outro lado, um pacote de alface ou uma pizza congelada, significa que essa pessoa procura uma relação curta, mas não tão passageira assim como um só encontro. Já se o objetivo é encontrar alguém para casar, o que têm de fazer é colocar um melão além do ananás. Se fingir que põe uma embalagem de gaspacho no carro de outra pessoa, também é sinal de interesse. Isto é capaz de ser mais eficaz para conhecer realmente alguém do que as tais aplicações de encontros onde, atrás de um teclado, as pessoas podem ser quem quiserem. E é sempre bom fazer com que larguem os ecrãs e brinquem mais fora de casa …

Esta nova moda de engate ficou conhecida por MercaTinder e tem sido o grande assunto das redes sociais. Começou por ser uma brincadeira, mas tornou-se rapidamente num evento massivo que atrai curiosos e interessados na teoria. Mas pode provocar “congestionamentos” nas lojas do Mercadona, como aconteceu há dias em Bilbau, Espanha, e que obrigou à intervenção da polícia. A intervenção evitou que a situação se agravasse, mas, ao que parece, o caos da tendência continua, com os ananases a ficarem esgotados em muitas lojas, embora não se saiba da quantidade de ananases vendidos ou usados só para o fim, de “engates” concretizados ou recusados, de paixões assolapadas e casamentos …

O “fenómeno” é tão grande que já está a ser usado na publicidade de outras marcas. Assim, apelando à fidelidade dos seus clientes, o Lidl reagiu: “Podes ter encontros onde quiseres, mas casar é aqui”. O ALDI diz que “a lua de mel é aqui”, com referência ao mel da marca própria. A Leroy Merlin aconselha a passarem à fase seguinte. “Se a vida te dá ananases, pensa já na decoração da casa”, enquanto a cerveja Sagres aproveitou “a boleia das regras” para sugerir um encontro às 19 horas no “corredor das bebidas”. O Auchan informa que “há muitas formas de fazer um match perfeito” e mostra vários produtos com base no ananás já que “para quem gosta, é de qualquer maneira”. A Control, com um humor subtil, colocou uma imagem de um abacaxi virado ao contrário com a frase “leva este que são capazes de gostar”. Até a PSP se juntou à festa nas redes sociais com a foto dum polícia junto de um carrinho e o conselho: “Seja na via pública ou no corredor de um supermercado, conduza com precaução, respeite os limites de velocidade e faça uso dos dispositivos de segurança”.

Mas isto de engatar com produtos no carrinho de supermercado pode gerar alguma confusão: Quando uma mulher, ouvir “que belo par de melões!”, fica sem saber se estarão realmente a elogiar os dois que leva para comer ao longo da semana ou se são os “seus”. E se um tipo junto á peixaria lhe perguntar se “vai um linguado”? Vai querer comprar um ou aceita a “oferta”? Para quem fez “match” e sair do supermercado com encontro marcado, vai-lhe ser dado algum talão para eventual “troca do produto” ou direito de reclamação por ser defeituoso? E se o “usou”, ainda pode trocá-lo? Para quem aderir ao desafio, vai mudar radicalmente a sua “roupa de supermercado”, pois se até aqui vai com calças de fato de treino e uma t-shirt foleira para se sentir confortável, agora tem de pensar em usar umas coisitas da moda para conquistar, pois quem sabe se não vai conhecer o amor da sua vida entre as prateleiras dos salpicões e as promoções de queijos flamengos. Aos solteiros mais entusiasmados, aconselha-se que sigam as indicações dos nutricionistas: “Nas idas ao supermercado, nunca vão com fome” …

As notícias dão conta que os corredores do supermercado Mercadona, em Espanha, para além da sua função tradicional, são excelente local de engate, embora ainda não haja estatísticas dos resultados. Não sei, nem posso garantir que este sistema de engate, para já, tenha adesão significativa em Portugal pelo que, se for visto a passear o carrinho nos corredores dum Mercadona com o ananás dentro, de pernas para o ar, não garanto que possa vir a ser abordado numa tentativa de engate ou somente para lhe dizerem que “o seu ananás não está direito”. Neste caso, prepare uma boa desculpa para dizer qual a razão por que “não o tem direito” e saia de cabeça levantada, apesar de, provavelmente, vir com “um grande melão” … 

Tempo de piolhos, lêndeas e … chatos!

As coisas que eu não sei! Na minha santa ignorância, pensava que as infestações de piolhos nas cabeças das crianças portuguesas era coisa do passado, do meu tempo de criança. Que este tipo de infestação tinha sido erradicado no nosso país. Mas, vejam lá, pelo que li em informação especializada, é a segunda doença mais frequente em crianças, depois das constipações. Dizem que cerca de metade das crianças de todos os estratos sociais, é anualmente contaminada com piolhos, parasita que pode provocar doenças na pele, nos olhos e afeta o rendimento escolar. Estes insetos chupadores de sangue que parasitam o couro cabeludo dos seres humanos, não olham a raça, sexo ou religião. Vai tudo a eito e, atenção pais, os cabelos limpos ou curtos também não escapam. O maior contágio é por contacto direto, cabeça contra cabeça.

Se em criança coçasse a cabeça, a primeira coisa que a minha mãe me perguntava era: Tens piolhos? E seguia-se o trabalho de inspecionar a minha cabeça para ver se os bichinhos já se tinham instalado entre o cabelo. A infestação de piolhos era muito comum e compreende-se, já que as regras sanitárias e de higiene eram o que eram. E, quando um aluno os apanhava, era certo e sabido que se espalhavam à turma. E como é que se matavam? Não pensem que havia os remédios e loções tópicas para tratar os piolhos que se compram na farmácia atualmente. Não, nada disso. Em regra eram mortos pela unha do polegar direito da mãe ou da avó. As mulheres eram especialistas em “catar os piolhos e as lêndeas”. Para tal, havia um ritual que seguiam passo a passo: depois de voltar da escola, sentavam a criança à sua frente numa posição mais baixa para poder ver bem a parte superior da cabeça, que “passavam a pente fino” para detetar e eliminar qualquer piolho ou lêndea, caso contrário a infestação voltava a descontrolar-se. É daí que vem a expressão “a pente fino”, porque nessa altura usava-se um pente de dupla face, dentes finos e juntinhos, para apanhar não só os piolhos como as lêndeas – se as lêndeas, que não são mais do que os ovos dos piolhos e ficam agarradas ao cabelo, não forem tratadas e tiradas na totalidade, ao fim do sétimo dia nasce um novo piolho que cresce rapidamente e, a partir do 19º dia, pode pôr mais de 15 lêndeas por dia, durante 10 dias, até morrer ao 32º dia de vida, fazendo com que a infestação se agrave rapidamente.

Os piolhos são insetos parasitas, sem asas, que precisam de hospedeiro como o ser humano para completar o ciclo de vida, podendo alojar-se no couro cabeludo (mais frequente), corpo, pestanas e região púbica e a infestação faz-se por contacto entre cabelos ou partilha de objetos infetados e afeta principalmente as crianças em idade escolar.

Um dia, antes de irmos para as aulas, eu e mais três colegas de escola passamos pelo local onde tinha estado acampado um grupo de ciganos que abalara no dia anterior. Como entre outras coisas deixaram um velho saco de serapilheira, nós andamos a brincar com o saco até irmos para a escola e o resultado foi uma enorme infestação de piolhos. De tal forma que, sempre que tínhamos um intervalo, por mais pequeno que fosse, passávamos o tempo todo a inclinar a cabeça sobre o tampo da carteira e a sacudir o cabelo em cima. Os piolhos caíam no tampo e nós fazíamos o que víamos as nossas mães fazer: matá-los com a unha do indicador. Mas, por mais piolhos que matássemos, não conseguíamos eliminar a infestação até porque as lêndeas ficam agarradas ao cabelo e só em casa a mãe ou outra mulher em sua substituição, tinha paciência e sabia tratar do assunto completamente e com “profissionalismo”.

Anos mais tarde passou a aparecer nas festas e, sobretudo, nas feiras, montado numa motorizada, um homem de Meinedo conhecido por “Ministro”, a vender um pó com o slogan “mata toda a bicharada” e que era aplicado na cabeça das crianças infetadas. Presumo que o pó tenha sido o DDT, o primeiro grande inseticida do mercado de pesticidas, que foi usado na agricultura durante muitos anos para combater várias pragas e que viria a ser retirado do mercado por ser perigoso para o ser humano. O certo é que, entre outras coisas, andou a ser espalhado na cabeça de milhões de crianças e terá matado muito mais piolhos … 

Nesse tempo, também era comum o aparecimento de outra espécie de piolho, geralmente encontrado nos pelos pubianos, conhecidos por “chatos”. Também são sugadores de sangue como os outros e causam comichão na pele. De modo geral, os chatos são transmitidos por meio do contato sexual a partir de alguém que esteja contaminado. E é por conta da transmissão pelo contato íntimo que o chato é considerado uma DST (doença sexualmente transmissível). 

Durante a pandemia aumentaram os relatos das infestações de piolhos nas crianças, mas como ainda existe alguma vergonha em se falar neste assunto em público e em que se saiba quem passou a quem primeiro – um tabu que ainda existe – pode levar a que, se alguém descobrir que um filho tem piolhos, não avise na escola de imediato nem peça ajuda se for caso disso. Muitos pais tratam o assunto com recato sem recurso a apoios existentes para não se exporem como se tal fosse condenável. Dizia um pediatra que “às vezes até parece que isto é terceiro-mundo, mas infelizmente ainda não conseguimos erradicar esta infestação, que

ameaça tornar-se uma “praga”. Para esta situação, contribui o “medo de falar do assunto”, pois para muitos “ter piolhos é sinal de porcaria”. Mas, “não falar sobre o assunto “é contribuir para que a situação se eternize e infernize”.

Confesso que tive piolhos, e muitos, e não morri, nem me envergonhei. Era (e parece continuar a ser) normal. Pelo contrário, matei muitos à “unhada”, embora a maior tarefa fosse da minha mãe. Se os médicos ainda não resolveram de vez o problema em Portugal, é porque os piolhos continuam a andar por aí e a passar de cabeça em cabeça. Por isso, vá por mim, ajude a erradicá-los. Não tenha vergonha de procurar ajuda e avisar a escola se lhe calharem em sorte, porque “quem não procura não encontra”. Nem caia na tentação de meter a cabeça do filho debaixo de água para afogar a bicharada, pois é mais fácil afogar o seu “rebento” do que afogar os piolhos. E, já agora, faço votos para que não “apanhe uma camada de chatos” num dos sítios mais recatados do corpo, porque isso pode significar que “mijou fora do penico”. E aí, a conversa será outra …

Somos bons a não cumprir regras …

Há uma coisa que faz parte do nosso ADN, da nossa maneira de ser, de estar na vida e viver em sociedade: Nós não gostamos de cumprir as regras. Porque o que tem piada é fazer precisamente o contrário do que deve ser feito. O “herói” (pensa ele) é aquele que não cumpre, que não “liga puto” às regras e normas e “está-se a borrifar”. 

Numa sociedade civilizada a ordem e a segurança predominam, por forma a que os cidadãos vivam de forma pacífica. Para tal, tiveram de abrir mão de certas liberdades proporcionando um equilíbrio entre a liberdade individual e a segurança coletiva, permitindo a introdução de regras que impedem um ambiente de caos e medo, regras que vão sendo moldadas de acordo com o progresso e transformação da sociedade. Mas, em função daquilo que vemos, é caso para perguntar: As regras são para cumprir, para “encaixilhar” ou “para inglês ver”? Porque é que os pais querem ir de carro até dentro d a sala de aula para “depositar” ou “levantar” os filhos, mas, como não conseguem, ficam em 1ª. fila, 2ª. fila e, se possível, em 3ª fila, em cima de passeios, rotundas, passadeiras, à frente de garagens e até em propriedades privadas, sem qualquer respeito pelas normas de civismo? 

Porque é que na rotunda em frente do hospital de Lousada é comum ver carros parados, fechados e sem ninguém dentro porque o dono foi ao Centro de Saúde e ali fica até que seja atendido, impedindo a passagem a quem quiser dar a volta completa à rotunda? 

Porque é que vemos tantas vezes na rua carros em segunda fila a bloquear o trânsito, com a desculpa de “é só um minutinho”?

Porque é que temos de escutar o barulho ensurdecedor de uma festa animada até às tantas da manhã no apartamento do lado, de cima ou de baixo ou na casa do vizinho em qualquer dia da semana e que não dá hipótese de dormir, nem a quem trabalha cedo no dia seguinte?

Porque é que temos de ver mobiliário urbano danificado, destruído ou “borrado de tinta”, seja em parques infantis, jardins públicos ou sinais de trânsito e tantos outros, com prejuízo de quem os usa e de toda a sociedade que tem de pagar os “custos dos artistas”?

Porque será que temos de ver estátuas destruídas, símbolos do país arrancados por vândalos que “têm o direito à ofensa”, mas não têm problemas em ofender?

Porque é que, apesar dos muitos contentores e ecopontos espalhados por aí, vemos tanto lixo espalhado no chão sem respeito nenhum?

E porque será que é muito frequente ver abrir-se o vidro de um carro em andamento para se lançar “beatas” acesas, com possibilidade de consequências trágicas, restos de comida e todo o tipo de lixo?

Para tudo isto há regras, normas e até leis, que estão mais ou menos bem feitas, mas não servem para “porra” nenhuma. Se não houver consequências sérias e efetivas, a maioria está-se a “borrifar” para elas. Dizemo-nos “civilizados”, mas só queremos liberdade para fazer o que quisermos ainda que seja não cumprir as regras. Não tenhamos dúvidas, nós estamos muito atentos quando “os outros” atrancam a nossa rua, nos impedem de passar e nos fazem esperar sem sequer pedir desculpa; despejam lixo à nossa porta; estacionam ou param e isso nos prejudica; borram ou estragam o nosso portão; mijam ou se aninham junto à nossa porta para “arrear o calhau”; ou se é o nosso vizinho que faz uma festa (sem nos convidar) e a música berra até às tantas da manhã tendo nós de ir trabalhar enquanto eles curam a ressaca da noitada. E nessas alturas nós sabemos muito bem dizer que está mal, que as autoridades deviam intervir, aplicar multas, etc., etc. Mas se formos nós a prevaricar, somos muito condescendentes connosco e até achamos que a regra podia cumprir-se ou não pois a “coisa” nem tinha grande importância …

Tal como cá, em Singapura há regras, normas e leis. Também não se pode atravessar a rua numa passadeira com o sinal vermelho. Nem mesmo às 4 horas da manhã sem trânsito nenhum. A essa hora, em Portugal alguém espera que mude para verde para poder atravessar? Ninguém. Lá, também ninguém … atravessa. Porque se atravessar com o sinal vermelho, vai passar uns dias de “férias na gaiola”. E se cuspir no chão ou atirar a beata à rua? Vai dentro. Já nem falo em respeitar aquilo que não lhe pertence. Duas pessoas minhas amigas foram jantar fora e uma quando chegou ao hotel apalpou os bolsos e viu que se esquecera da carteira e do telemóvel. Virou-se para o amigo e disse: “Deixei o telemóvel e a carteira no restaurante, mas não tem mal. Amanhã vou lá buscá-los”. E ao outro dia estava tudo lá. Se fosse em Portugal, com toda a certeza encontravam o lugar onde os deixaram. No entanto, lá não houve quem lhes tocasse porque sabem que são apanhados e que as consequências são muito sérias. 

A primeira vez que fui à Suíça foi à cerca de 40 anos, tendo ficado alojado duas noites no apartamento de um padre nosso conterrâneo. Éramos nove “clientes”, deitados de forma improvisada no chão do apartamento. Nas duas noites, antes das 22 horas, teve o cuidado de nos pedir para, a partir dessa hora, não fazermos barulho nenhum. Dizia ele, “nem sequer deixar cair um lápis ao chão”, pois, se tal acontecesse, não demorava muito a ter a polícia à porta. É a regra, para as pessoas poderem descansar, pois, ao outro dia têm de se levantar cedo para ir trabalhar. A exigência de não fazer barulho a partir dessa hora é tal que a lei impõe que “os homens não podem urinar de pé a partir das 22 horas”, o que já acontece em mais alguns países. Em alguns, pode-se até tirar licença para prolongar a festa. Só até às 23 horas. Dizia-me um emigrante que, quando chegou às 23 h, continuou. Dois minutos depois tinha a polícia à porta. São as regras. Tudo envolve regras para vivermos numa sociedade civilizada e têm de ser cumpridas ou isto torna-se uma selva. Seja a conduzir, dispor de equipamentos públicos, viver em condomínio, trabalhar, passear e educar o cão, contribuir para a limpeza em todos os lados, respeitar as filas, saber viver em comunidade. Não as cumprir, contribui para a perda da nossa qualidade de vida e se o tentarmos impedir, podemos ser insultados, ameaçados ou intimidados. Uns dirão que é culpa da Justiça, outros da Polícia e outros ainda dos políticos. É fatalidade e temos de a aceitar, encolher os ombros e esperar que passe? Dizemos que é falta de civismo, o cimento de uma sociedade, atribuindo-a aos políticos e suas políticas. Mas a falta de civismo e educação é culpa nossa, dos pais e os maus exemplos são tantos que não cabem nesta crónica e são a escola onde os filhos aprendem a fazer o mesmo …

Insistir no “porreirismo nacional” onde se pode cumprir ou não as regras porque isso é que é “porreiro” e agrada aos jovens, numa falta de civismo crónica do país e que se vem agravando graças à falta de educação para o civismo, vai conduzir-nos a um de dois cenários: Ou somos capazes como pais de reverter a situação cívica do país ou um dia destes vem-se pedir um estado policial tipo Singapura, onde o incumprimento das regras não se coloca porque “a besta” que há em cada um de nós é eliminada de forma drástica. E aí, já se cumprem as regras todas …

Onde para o orgulho português?

Já não se veste a bandeira nacional nem se canta “A Portuguesa” a não ser que haja um jogo da seleção ou quando Portugal se destaca nalgum evento de importância internacional. A última vez que tal aconteceu com uma dimensão verdadeiramente nacional, foi durante o Euro 2004, realizado em Portugal. E, goste-se ou não se goste do homem, o então selecionador nacional Luiz Scolari fez aquilo que se julgava improvável: desafiou e conseguiu puxar o orgulho nacional ao de cima e fazer com que a grande maioria dos portugueses desfraldasse uma bandeira em suas casas ou onde quer que fosse, um dos símbolos de Portugal, “puxando” pela nossa seleção e acreditando que ela poderia ganhar. Ele usou o seu conhecimento prático daquilo que fazem os brasileiros aquando do campeonato do mundo de futebol e até em muitas outras manifestações. Mas “foi sol de pouca dura” pois mal acabou no Euro, as bandeiras foram sendo retiradas das janelas e recolhidas, desaparecendo entre o lixo caseiro. E o orgulho português desapareceu e voltou a ser enterrado com elas, sem que se vislumbre qualquer tentativa de vir a ser ressuscitado, depois de “acusado” de criminoso pelo atual presidente da república e outros políticos de meia tigela …

Uma das recordações que guardo das viagens aos Estados Unidos e que me impressionou muito, foi o facto de a bandeira do país estar, dia e noite, em todos os lugares. Não tem como não ver. Dentro das casas e fora delas, sejam mansões ou simples barracões. Está nas ruas, nos carros, igrejas, lojas e até nos cemitérios. Veem-se nos barcos, pontes, vestuário e nos alimentos. Seja em zonas urbanas, nas rodovias ou no meio do nada, lá está ela com suas cores, listas e estrelas. As escolas americanas, todas, exibem a sua bandeira, grande ou pequena, porque faz parte da vida de todos, sejam americanos, imigrantes ou turistas. E isso significa amor à pátria, independentemente dos partidos políticos, clubes desportivos, raça, cor ou religião. Não é obrigatório, é sim uma questão cultural. O velho na camioneta velha usa a bandeira nacional sempre. E se a maior potência mundial leva isso muito a sério, porque é que nós não aprendemos com eles a ter orgulho nos nossos símbolos e no nosso país?

Dizia-me um americano comum: “Eu tenho uma bandeira desfraldada no meu jardim porque sou patriota e amo este país. E expor a bandeira é a minha maneira de dizer obrigado”. E um brasileiro que trabalha lá: “Eu acho linda a maneira como os americanos defendem o seu país e como eles dizem sempre “que Deus abençoe a América”. O patriotismo dos americanos é inquestionável e a sua fidelidade, respeito e orgulho pela bandeira americana está-lhes no sangue. E ensina-se nas escolas às crianças, todos os dias, com a turma toda de pé com a mão direita sobre o coração, a homenagear a bandeira e a recitar o Juramento de Fidelidade: “Prometo fidelidade à bandeira dos Estados Unidos da América e à República que ela representa, uma nação sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos”. Tudo isto hoje seria impensável em Portugal, porque os governantes de esquerda e até de direita, são os primeiros a ter vergonha de defender esses símbolos do país e puxar pelo nosso patriotismo, com medo de perder as clientelas marginais. Dificilmente se fala de amar os símbolos de Portugal, seja a bandeira ou o hino nacional, sem ser acusado de racismo, xenofobismo e mais uns quantos “ismos” do dicionário e não se assume que é só uma questão de ser patriota e de manifestar amor, dedicação e orgulho pela pátria. Nada tem a ver com política, partidos, raças ou religiões. “Gosto do meu país”, sem mais nada, é o que eu quero dizer ao cantar o hino nacional ou empunhar a nossa bandeira. Claro que há partidos, grupos organizados e ideologias que agem como se fossem os seus donos, os únicos a ter o direito de os usar, mas sempre vai haver essa tentação enquanto não houver uma maioria de portugueses a assumir os símbolos como seus, sem qualquer conotação que não seja o amor a Portugal e os use sem complexos ou outra ligação que não seja à sua pátria. 

Há já alguns dias que me tenho dado à pachorra de percorrer Lousada e outros concelhos até ao Porto, à procura de bandeiras de Portugal orgulhosa e permanentemente desfraldadas. Para minha desilusão não vi um único edifício público com a bandeira nacional. Nem as câmaras municipais, nem juntas de freguesia, nem escolas do ensino básico ou superior, nem nenhum organismo ou instituição. Zero, zero bandeiras. Provavelmente condicionados por uma legislação envergonhada que despromove a bandeira nacional, seja para poupar o tecido que vem da China (ou as próprias bandeiras como aconteceu em 2004) ou evitar o trabalho de a içar de manhã e arriar antes do pôr do sol pois pode-se constipar se dormir fora. Nem casas particulares ou lojas, cafés, bares, armazéns ou o que quer que seja. Bandeira nacional vi uma a acenar-me do alto de uma vedação, como que a dizer “sou filha única”, talvez esquecida. Vi algumas bandeiras brasileiras através das janelas, que marcam uma diferença. Talvez se a seleção nacional de futebol ainda estivesse na corrida de alguma coisa eu pudesse ver mais algumas a acenar-me. E só no domingo as vi hasteadas em duas câmaras durante o dia. Como diz o povo, “e é para quem quer” …

Napoleão Bonaparte dizia que “o amor à pátria é a primeira virtude do homem civilizado”. E tinha razão por que o patriotismo é o sentimento de orgulho, amor, devoção à pátria e ao povo de que fazemos parte. E apesar do mundo se ter tornado global, nós somos aquilo que vivemos e onde vivemos e nós fizemo-nos aqui.

Ainda há dias dois emigrantes a trabalhar na Suíça me disseram que, mal se reformem, regressam a Portugal e à terra que os viu nascer, porque “esta é a sua casa”, a casa onde nasceram e querem morrer. Muitos deles são quem sente e manifesta mais orgulho no seu país, na sua bandeira e não têm vergonha de a usar e exibir. Porque por cá, pouco ou nada se tem feito, especialmente com as gerações mais novas, o que traz consigo um afastamento cada vez maior dos símbolos nacionais, que têm dividido o povo mais do que o têm aproximado. 

50 anos depois da revolução, a letra dos primeiros versos do hino nacional tem perfeita atualidade:

          “Heróis do mar, nobre Povo, 

           Nação valente, imortal. 

           Levantai hoje de novo, 

          O esplendor de Portugal” …