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Uma “sociedade” muito difícil …

Diz o povo que o casamento é a “sociedade” mais difícil de manter. E numa “sociedade” tão difícil como é a relação de um casal, seja ela formalizada através de “escritura pública”, o chamado casamento, seja ela informal, a dita união de facto, o risco de “dissolução” ou até mesmo de “ir à falência” é muito alto nos nossos dias, bem maior do que nas sociedades comerciais. E o elevado número de divórcios, separações e muitos outros finais da relação é o sinal evidente da grande dificuldade em encontrar nos “sócios” quantidade suficiente de respeito, diálogo, paciência, resiliência, aceitação e a capacidade de perdoar. E eu disse nos “dois sócios”. Mais ainda, as facilidades (e conveniências) dum “período experimental de utilização”, de duração indefinida, facilita e faz crescer o número de “devoluções” do outro à procedência ao mínimo incómodo, arrufo ou insatisfação. 

Todo o encanto e dificuldade para ser um casal é consequência de se juntarem duas personalidades com identidades próprias e perceções e histórias de vida diferentes, bem como desejos e projetos distintos e que pretendem ser um só. Convenhamos que não é fácil, até porque homem e mulher têm motivos de interesse diversos que raramente são coincidentes e que, mais dia menos dia, se tornam no rastilho de uma explosão caseira. Ora, estando eu do lado dos homens, cabe-me defender a sua visão, o seu olhar sobre o “outro lado”.    

Estamos no século XXI e, apesar de todos os avanços científicos e do conhecimento mais profundo do ser humano, continua-se a afirmar que para o homem, “é difícil entender as mulheres”. E, claro, é difícil entender pessoas quando elas próprias não se entendem. Mais ainda porque enquanto o homem é muito “visual” e prático, já a mulher é emocional e complexa. Confessava um marido não perceber o que se havia passado com a esposa. Quando iam sair à noite ela “descobriu” que o vestido era demasiado decotado. Voltou para trás e trocou-o por umas calças, blusa e casaco, mas ao entrar no carro apercebeu-se que os sapatos não condiziam com o resto e … regressou a casa. Bom, conseguiram arrancar quase uma hora depois. 

Quando perguntamos à mulher “o que se passa?” e ela responde “não é nada” ou, num tom seco e ríspido “naaaada” e com cara de amuada (que em gíria popular se traduz “de trombas” ou “com cara de poucos amigos”), é sinal que algo se passa. Ela sabe e nós sabemos, que algo não lhe caiu bem, que alguma coisa a incomoda. O quê? Se pensarmos que vai ser fácil descobrir “que mosca lhe mordeu”, estamos muito enganados. Em regra, é bem difícil descobrir ou tal só será possível depois de ela “fazer muitas fitas”. E vai ser precisa uma grande dose de paciência, num jogo de (falsa?) preocupação, porque é isso que ela quer. Que fiquemos preocupados. Porque ela gosta de sentir a nossa preocupação, real ou falsa, pois dá-lhe um grande prazer “assistir” ao “sofrimento” do “escravo”, como se isso seja a sua redenção. No fundo da questão, quer atenção, muita atenção quando corta dois dedos no comprimento do cabelo e temos de descobrir imediatamente o “novo look”, fazendo um elogio rasgado e sincero (porque o seu radar sabe se é sincero ou não). Tal como com o vestido novo, os sapatos ou um simples lenço do pescoço. E ai daquele que o não veja …

Se ela perguntar “este vestido faz-me gorda?”, é preciso ter cuidado a responder, porque “podemos ser presos por ter cão e presos por não ter”. A pergunta tem rasteira, porque ela tem consciência que aquele vestido a faz gorda. Ora, como ela já conhece a verdade, mas não quer ouvi-la da nossa boca, precisa de arranjar um “bode expiatório” para o facto de o ter comprado e sentir-se desapontada por lhe ficar justo demais, fazendo realçar aqueles pequenos pneus à volta da cintura. Por isso, não lhe podemos dizer que a faz gorda, porque é disso que ela está à espera para nos cair em cima dizendo que “não gostas de mim” ou “achas mesmo que sou gorda?”. Mas se cairmos também na patetice de lhe esconder a verdade, que é evidente, a reação poderá ser ainda pior com um acalorado “estás a mentir” ou “não é isso que estás a pensar”. Entre uma e outra resposta, há que escolher terceira via, alternativa, que é optar por não responder, porque nestes casos ela não quer ouvir resposta nenhuma da nossa parte. É uma pergunta somente para se ouvir, um desabafo atirado ao “vento” e, já agora, a nós. E o vento nunca lhe responde, porque é mais inteligente do que nós. Ainda podemos optar pela fuga, inventando uma desculpa bem conseguida e consistente, para não dar azo a sermos “apanhados a mentir”. O argumento de que “temos de ir urgentemente à casa de banho” ou outro bem consistente, não pode deixar dúvidas para que a saída seja airosa. E precisamos de ter consciência que a fuga pode ser um ato de coragem em muitas ocasiões … 

Hoje ouço falar na partilha de trabalhos em casa, dos cuidados com os filhos, outras responsabilidades e até no “comando da sociedade” o que pode não passar de uma mera intenção. É que a mulher gosta de mandar e se o parceiro não se cuida, quando der por si já estará “formatado” ao seu gosto. No que veste, porque depressa se torna no seu “gestor de imagem”, no que vê na televisão, pois ela não gosta de futebol, onde vão comer ou passear. E o seu toque também está no planeamento das férias e não só. A maioria dos homens reconhece que a palavra de ordem dentro de casa vem da mulher, além de que preferem mudar de opinião a comprar uma briga com ela …

Devemos ter sempre em conta que “a esposa é a mulher que está ao nosso lado para nos ajudar a resolver problemas … que não teríamos se não estivéssemos casados”. 

As pessoas gostam de ser enganadas

Em 1810 nasceu nos Estados Unidos um homem que viria a ficar conhecido por Phineas Barnum. Embora tenha sido autor, editor, palestrante, filantropo e até político, tornou-se um empresário de sucesso no ramo do entretenimento norte americano, sendo lembrado principalmente por promover as mais famosas fraudes e curiosidades humanas e por ter fundado o mais famoso dos circos. O circo começou por ser um museu de esquisitices e monstruosidades que atraía multidões fazendo fila, inclinando-se diante da escrava cega que tinha 161 anos de idade e amamentara George Washington, beijando a mão de Napoleão Bonaparte que media 64 centímetros de altura e comprovando que estavam bem coladinhos um ao outro os irmãos siameses Chang e Eng, além de verificarem que as três sereias tinham rabos de peixe autênticos. Barnum tornou-se o homem mais admirado pelos políticos profissionais. Ele levou à prática, melhor do que ninguém, a sua grande descoberta: “As pessoas gostam de ser enganadas”. 

Se há duzentos anos essa afirmação era verdadeira, hoje tornou-se mais verdadeira que nunca, até porque vivemos num mundo global onde a informação, boa e má, circula à velocidade da luz. Do futebol à política, das falsas notícias às promessas de ganhos grandes e fáceis, das religiões que vendem a salvação, da publicidade enganosa que dá ideia de uma coisa quando a realidade é outra, tudo é campo fértil de tentações e enganos.  

Há alguns dias um amigo teve um problema elétrico no automóvel. Como conhecia o senhor José, bom eletricista e de confiança, apesar de não o visitar já há algum tempo, foi procurá-lo. Quando o encontrou e relatou o problema, ele disse-lhe que não podia fazer nada porque tinha fechado a empresa. Nem sequer tinha material para lhe fazer o serviço. “Mas você tinha uma empresa tão boa, com tanta clientela. O que diabo aconteceu?”, perguntou-lhe muito intrigado. E então, as lágrimas começaram a correr-lhe pela cara abaixo. Constrangido, lá conseguiu dizer: “Foi a minha mulher. Meteu-se numa dessas religiões que vieram do Brasil e confiou de forma cega no bispo. Sem eu me aperceber, limpou-me mais de duzentos mil euros da conta. Quando eu quis pagar aos fornecedores estava totalmente desfalcado. Só me restou pedir a insolvência”. 

Este “filme” já o vimos noutras ocasiões, com outros protagonistas. Apesar dos avisos, há sempre quem esteja “disponível” para “embarcar” na conversa das promessas de salvação pelo “desprendimento dos bens materiais”. Só que eles fazem precisamente o contrário. E o expoente máximo e mais mediático parece ser o “bispo” Edir Macedo, dono de um autêntico império, apesar da imprensa ir denunciando as fraudes e o fausto em que vive à conta da sua capacidade oratória. Tal como Barnum, descobriram que “as pessoas gostam de ser enganadas”. Mesmo quando lhes pedem dinheiro no meio do “barulho” …

É mais fácil acreditar em coisas esquisitas e anormais do que pensar, questionar. Acontece isso com os mágicos, bruxos, cartomantes e os adivinhos. Só que o mágico confessa que faz truque, mas não revela o segredo, enquanto os outros dizem que falam com os mortos, leem a sorte e alteram o destino das pessoas só ao olharem as cartas, a bola de cristal ou as borras de café e que têm visões. E as pessoas creem, porque “preferem ser enganadas”. E o mais caricato é que é preciso muito cuidado ao dizer a verdade a essas pessoas pois não querem acreditar nela. Preferem o engano. 

Mas se formos à política a coisa é igual ou pior. Veja-se o louco que esteve à frente de um país como os Estados Unidos, comportou-se como um elefante anormal no meio de uma loja de louças e, mesmo assim, quase metade da população americana continua a estar do seu lado, acreditando sem questionar nos milhares de mentiras que lhes impingiu ao longo do seu mandato. Aliás, nem precisamos de ir lá fora para encontrar “artistas” que, pela sua capacidade oratória, têm vendido todo o tipo de “banha da cobra”, angariando numerosos “crentes”, adeptos incondicionais que não questionam, que não se interrogam se é verdade ou mentira o que lhes sai da boca e nem se dão ao trabalho de pensar. É o mais fácil. Há mentiras vestidas de verdade e verdades irrefutáveis em que não acreditam. Quando são condenados pela justiça, cumprem prisão, voltam e são reeleitos precisamente por aqueles de quem se aproveitaram. O que se pode esperar? Estes políticos são uma espécie de “santos”, cartomantes ou bruxos em que as pessoas querem acreditar. Por isso, vão-lhes dando algumas “migalhas”, para dar credibilidade à mentira. Tal como dizia António Aleixo: “P’ra mentira ser segura/ e atingir profundidade/ tem que trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade”.

Os “pregadores e vendedores” de grandes ganhos financeiros são um outro bom (mas mau) exemplo de que “gostamos de ser enganados” ou ainda de “nos querermos enganar a nós próprios”. E isso acontece mais nos períodos de crise económica, porque a falta de dinheiro faz com que as pessoas estejam “abertas” às tais “soluções milagrosas”, com promessas de ganhos muito acima da média. Aliás, já Hitler em 1925 no seu livro Mein Kampf diz: “as massas serão mais facilmente vítimas de uma grande mentira do que de uma pequena”. E isto ainda é válido nos nossos dias, porque as pessoas acreditam no que querem acreditar, quando têm de acreditar. Daí que, nas questões financeiras, quanto maior é a proposta de ganhos possíveis, maior é a apetência em aderir à solução proposta. Foi assim que este país viu surgir a D. Branca e todos os seus “discípulos”, seguidores dos princípios básicos que ela utilizou, mas com “outra sofisticação e uma melhor qualidade de imagem”. Os “herdeiros da filosofia” mantiveram a mentira num nível alto com os “10% de juros prometidos ao mês, e até mais”, o que aniquilava toda e qualquer “dúvida” que pudesse pairar na cabeça interessada de gente “obcecada, cega pela tentação de ganhos fáceis”, o que, normalmente, impede de ver além da “promessa fantástica”. E, pelo contrário, é uma rendição de quem quer ser enganado.

Eu sou uma pessoa como qualquer outra e sempre estive exposto às mesmas rasteiras, erros, tentações e defeitos dos seres humanos. Há ocasiões que penso no número de vezes que me deixei ir na “oratória milagreira”, na “ilusão de ganhos mirabolantes”, nas “promessas de políticos demagógicos”, no “conto do vigário” ou outra mentira bem travestida de verdade, por não querer ver o evidente, não questionar, pensar, nem pôr a razão a controlar a emoção. Francamente, quantas vezes também terei pedido para ser enganado?

O esquecimento é a morte antecipada

Os últimos dias têm vindo a confirmar aquilo que eu já sabia há muito tempo, mas que não queria reconhecer na dimensão devida: que sou um “grande acumulador de lixo”. Essa confirmação devo-a, em parte, à pandemia, porque me tem obrigado a conter e ficar mais tempo em casa, dando bom uso a esse tempo de confinamento, especialmente ao “correr de fio a pavio” algumas divisões, identificando a tralha que se acumula em todo o lado, fazendo a separação do que é ou não útil e mandando para o lixo o que já era lixo há muitos anos. A verdade é que, ao fim de uma semana, ainda nem sequer saí do escritório e dum pequeno arrumo, tendo-me limitado a separar papelada e material eletrónico desatualizado. Ao “passar a pente fino” estantes, gavetas, armários, caixas, sacos, pastas, arquivos e embalagens diversas, foi como viajar no tempo, recordar momentos, relembrar razões que me levaram a conservar isto e aquilo, enfim, arranjar desculpas por não ter enviado tanta coisa há mais tempo para o caixote do lixo. Livros, relatórios, orçamentos, contratos, faturas, notificações, folhetos, revistas, cadernos, agendas, projetos e todo o tipo de documentos já com muitos anos de arquivo, desta vez foram “arquivados” de vez em caixas de cartão com destino ao Ecocentro. Ao todo, mais de 300 Kgs de papel para reciclar, um crédito a abater na conta da água e alívio cá em casa. Já no material eletrónico foram televisões, monitores, leitores de CD e DVD, walkman, rádios, telemóveis desde o “tijolo” aos mais recentes, antenas, carregadores, despertadores, cassetes, vários relógios e todo o tipo de cabos que as empresas vão trocando permanentemente para nos obrigarem a comprar novos. Enfim, lixo.

Depois entrei no material da Luísa, todo arrumado em caixas que fui abrindo e selecionando. Bem, não foi propriamente selecionar, pois pouco restou daquilo tudo. Dos seus arquivos escolares dos muitos anos de ensino em várias escolas, ficaram as fotografias dos alunos de algumas classes, crianças que hoje são homens e mulheres, apesar    

de, para ela, permanecerem crianças para sempre. De certo modo, dei comigo a pensar que lhe “apaguei o passado”, se bem que ela já o terá perdido desde o dia em que sofreu o derrame cerebral. A ligação que foi mantendo a esse passado manifestava-se nas manhãs em que me dizia que tinha de se levantar para ir à escola ou nas visitas que uma colega lhe fez durante vários anos após ter adoecido e mais duas ou três pessoas. Fora isso, não há outra ligação às escolas por onde passou e às pessoas com quem conviveu nesse longo período de vida.

Enquanto rasgava papeis, selecionava livros ou carregava caixas de velhos equipamentos eletrónicos, fui refletindo sobre a importância do afastamento e do esquecimento, uma espécie de morte antecipada que acontece frequentemente com as pessoas que atingem uma idade avançada e que, por várias razões a começar pela saúde, têm de ficar mais em casa, viver mais recolhidos. Lentamente, muitas vezes de forma quase impercetível, as visitas inicialmente normais vão sendo cada vez mais espaçadas, passando a raras, para serem substituídas por chamadas telefónicas que depois escasseiam, até se perder a “ligação” por completo. Por outro lado, as outras pessoas da mesma geração vão envelhecendo também, perdem a mobilidade e isso não ajuda a encontrarem-se com regularidade. E os mais novos já não conhecem, já nem sabem de quem se trata. 

Quando faleceu o senhor José Dias, um empresário de enorme importância em Lousada e que marcou uma época, apercebi-me que é essa a realidade. Para alguém como ele que deu emprego a muita gente criando oportunidades de uma vida melhor, que foi um dos três maiores industrias de Lousada, apoiou instituições e pessoas tornando-se uma figura importante na terra, ter na “despedida final” muito poucas pessoas a acompanhá-lo à sua última morada, seria algo que eu não imaginaria. Mas a verdade é que, se hoje perguntar aqui na sua terra quem era José Dias, a maior parte abana a cabeça e diz que não sabe. Só algumas pessoas de idade que viveram no seu tempo responderão à pergunta. A verdade é que, lamentavelmente, o senhor Dias foi praticamente esquecido na terra por quem tanto fez quando ainda estava vivo. “Morreu“ na memória dos conterrâneos muito antes da sua morte física. Aliás, o povo tem uma expressão que diz tudo: “Quem não é visto, não é lembrado”.

No seu caso, como acontece com muitas outras pessoas que se reformam e retiram da atividade vivendo mais recolhidas em casa, foi esquecido por uma parte dos que o conheciam e ainda estão vivos e foi ignorado pelos mais novos a quem nada dizia. E o certo é que, se pessoas como ele fizeram o que fizeram e depressa foram esquecidas ou passaram praticamente ao anonimato, que dizer do cidadão comum? É uma lei da vida muito injusta para as pessoas que merecem ser lembradas e confesso que, quando mais novo, acreditava que não era assim. Por isso defendi a necessidade de termos memória enquanto sociedade, se bem que hoje, mais que nunca, tenho consciência que rapidamente seremos esquecidos, sendo os filhos (e nem todos) o último “livro” onde nós seremos memória. Se pensarmos bem nisso, talvez sejamos menos arrogantes, convencidos, estúpidos e imbecis.

Defendi aqui nestas crónicas que algumas pessoas deveriam ver o seu nome perpetuado numa rua, praça ou bairro por tudo aquilo que fizeram e deram à sociedade, sendo uma delas o senhor José Dias cujo nome deveria ficar para sempre no parque industrial existente nas instalações fabris que construiu. No entanto, já duvido de mim mesmo, pois questiono quantas pessoas saberão quem foi Sá e Melo ou o Visconde de Alentem que dão nome a arruamentos da vila. 

O doutor Abílio Alves Moreira cujo nome serviu para batizar o bairro social local, contava muitas vezes o que determinada figura pública, que não consegui identificar, dizia ao saber que pretendiam fazer isso com ele: “Se acham que eu fiz alguma coisa de útil, que me imitem. Prefiro isso a ter o meu nome na placa de uma rua, que só servirá para mijatório de cães e pasmaceira de vadios” …