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“Adoro Boatos. Descubro coisas sobre mim que nem eu próprio sabia”!

Um dia estava num grupo de amigos em amena cavaqueira quando chegou um outro e, sem mais, disse: “Acabo de saber que morreu o Afonso”. Fez-se silêncio para, logo de seguida se fazerem os comentários habituais: “Era tão bom rapaz”, “ainda há dias o encontrei e parecia vender saúde” e outros que tais. Como o conhecia bem e à família e nem sequer tinha ouvido dizer que ele estava doente, afastei-me um pouco e liguei para o número do Afonso a ver se alguém atendia. Atendeu-me ele. “Estás a falar do reino dos vivos ou já estás do lado de lá”, perguntei eu ao ouvir a sua voz? Era mais um a ser “morto” por um boato que veio não se sabe de onde, lançado por não sei quem, nem com que intenção.

Dizia Machado de Assis que “o boato é um ente invisível e impalpável, que fala como um homem, está em toda a parte e em nenhuma, que ninguém vê de onde surge, nem onde se esconde, que traz consigo a célebre lanterna dos contos arábicos, a favor da qual se avantaja em poder e prestígio, a tudo o que é prestigioso e poderoso”.

O boato, não passa de um comportamento infantil e de satisfazer um único propósito de alimentar o nada, num “diz que disse” sem nunca se saber quem foi que “disse” e sem saber o que dizia ou se falou só pelo prazer de inventar uma história para falar e gerar burburinho para ter assunto de conversa, regra geral sem “ter paternidade”. Pode ser também a forma de dizer alguma coisa sobre aquilo que não se conhece ou criar uma trama rebuscada e intrigante que desperte a curiosidade de quem ouve, se possível envolvendo alguém conhecido ou, melhor ainda, importante na sociedade. Para que tenha mais hipóteses de ser bem-sucedido, deve conter alguns elementos verdadeiros. Já António Aleixo dizia: “P’ra mentira ser segura/ e atingir profundidade/ tem que trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade”. Ora, com a chegada das redes sociais e a coberto da liberdade e do direito à informação, o boato ganhou nova dimensão pela velocidade supersónica com que se propaga, aumentando mais ainda o interesse, perversão e até a maldade das mesmas.

Na lista dos maiores boatos, nem as figuras históricas escapam. Enquanto se dizia que “Adolf Hitler, supostamente, só tinha um testículo, também circulou que “a imperatriz da Rússia, Catarina II, a Grande, morreu quando mantinha relações com um cavalo”. Nem a família real inglesa escapou aos boatos, ao dizerem que “o príncipe Harry, não é filho do príncipe Carlos, mas sim de um oficial do exército, James Hewitt, com quem a princesa Diana teve um affair”. Entre os mais caricatos está o de que “a artista Jeniffer Lopez fez um seguro do seu famoso traseiro”, enquanto “Michael Jackson dormia dentro de uma câmara de oxigénio para viver até aos 150 anos” (ficaria bem longe). Mas a verdade é que, verdadeiros ou falsos, estes boatos espalharam-se por todo o mundo, a uma velocidade incrível.

Um boato, verdadeiro ou falso, fica para sempre na memória das pessoas e, mesmo quando acaba por ser desmentido como uma mentira comprovada, há sempre quem garanta que a história é verdadeira. Nesses casos, muitas vezes as pessoas visadas podem sofrer ao longo de muito tempo, como aconteceu com Laura, a cantora do grupo musical as “Doce”, com o boato que teria ido às urgências de um hospital de Lisboa depois de ter tido sexo anal com um jogador do Benfica.

Em Portugal, até a história está cheia de rumores, de que o mais célebre e duradouro foi o de D. Sebastião, morto na batalha de Alcácer Quibir, mas que se esperava ver regressar numa manhã de nevoeiro para salvar Portugal! Já de Carlos Paião, que nos deixou muitas músicas que ainda continuam a ser ouvidas com prazer, vítima de um acidente automóvel brutal, correu o boato que foi enterrado vivo porque “ao levantar as ossadas encontraram o caixão arranhado por dentro”, o que viria a ser desmentido pela mulher do cantor.

Vem isto a propósito do que me aconteceu recentemente. Logo pela manhã a senhora Ana desabafou: “Fiquei muito triste por saber que vai abandonar a Misericórdia e que até já lhe fizeram um jantar de despedida”. Como já nada me surpreende, levei o assunto para a brincadeira e respondi-lhe: “Sabe que eu ando a esquecer-me de algumas coisas de vez em quando. Se calhar, até me fizeram um jantar de despedida, mas confesso que não me lembro nada disso. Tenho de ir ao neurologista porque é um esquecimento muito grave”. No mesmo dia e passadas poucas horas, encontro um amigo que me disse algo parecido: “Então já deixaste a Misericórdia sem acabares os projetos que tinhas? Soube que já te fizeram um jantar de despedida. Não estava à espera que deixasses assim de repente o lugar”. Acabei por o remeter para os meus esquecimentos como o tinha feito da parte da manhã, mas fiquei intrigado como é que duas pessoas de freguesias distantes, que não se conhecem, ouviram falar de uma demissão que não aconteceu e ainda de um jantar de despedida em que ninguém participou, em que o ator principal era eu, sem que eu saiba de nada. Até me apetece utilizar uma frase conhecida: “Adoro boatos. Descubro coisas sobre mim que nem eu próprio conhecia”!

Boatos causam problemas há séculos. A questão é que antigamente não havia internet e outros meios para comprovar se era verdadeiro ou falso. No entanto, o problema atual é precisamente a internet, pois hoje, com as redes sociais, uma notícia pode espalhar-se muito rapidamente e tornar-se numa verdade sem nunca o ter sido. E, tal como naquela frase bem conhecida, a verdade é que “o … visado é sempre o último a saber”.

Há um velho ditado que diz: “Deves comprar o boato e vender as notícias”. E isso quer dizer, hoje mais do que nunca e fruto do elevado poder de difusão do boato ou aquilo a que chamam de “falsas notícias”, que temos a obrigação de escrutinar bem as “histórias que ouvimos ou lemos, tentando distinguir o que é verdade do que não passa de mentira.

Quando somos confrontados com uma informação nova e com impacto, tendemos a funcionar como uma “caixa de ressonância”, isto é, passando-a de imediato para outra ou outras pessoas, seja num “boca a boca”, seja no simples carregar de uma tecla para a fazer replicar não sei quantas vezes à velocidade da luz. Mesmo quando a informação parece exagerada ou estranha, nem sempre refletimos um pouco e paramos para pensar no que pode ou não ter de verdade e acabamos por ser agentes disseminadores de boatos, quase sempre sem consciência de o ser. Quanto menos questionarmos a informação e mais a passarmos para a frente, maior proporção ela ganhará. E é fácil, até porque nada se espalha com maior rapidez do que um boato. Já Winston Churchill dizia que “uma mentira roda meio mundo antes da verdade ter tempo de vestir as calças”.

Mas há momentos em que o boato não deve ser contestado, como é o caso: “Se correr o boato de que morreste, aceita-o bem, porque doi menos” … 

Casamento, essa sociedade difícil …

No casamento, a promessa de “até que a morte nos separe” é cada vez mais uma promessa que não vai ser cumprida pelos casais, pois está claro que o número de divórcios em Portugal continua a aumentar de ano para ano ao ponto de ter sido quase igual ao dos casamentos em 2020. Até parece que estão a dar ouvidos a Erasmo de Roterdão por ele um dia ter dito que se “deve respeitar o casamento enquanto é um purgatório e dissolvê-lo quando se tornar um inferno”. Este estado de coisas confirma a opinião de Albert Einstein quando nos dizia que “o casamento é a tentativa malsucedida de extrair algo duradouro de um acidente”. Porém, se alguém quiser ter mais chances de alcançar a felicidade, deve seguir o conselho de F. Nietzsche: “Se os esposos não vivessem juntos, haveria mais matrimónios felizes”.

No casamento enquanto as mulheres procuram uma relação de amor, os homens querem constituir uma família. Elas encaram a separação como consequência do fim do amor, enquanto eles, apesar da relação não ser um mar de rosas, acham que o divórcio não se justifica já que, bem ou mal, têm uma família. E estas diferenças, causa principal dos divórcios, provam que o sexo oposto é isso mesmo – “oposto”. Mudou a relação com os tempos: A fidelidade incondicional virou “enquanto se ama” e o juramento solene a “consciência do provisório”. Os álbuns de fotografias ganharam novos atores: padrastos, madrastas, meios-irmãos e outros que tais. Parte dos lares têm um dos pais ausentes e os avós criam e educam os netos e financiam os filhos. Na intimidade, a sexualidade libertou-se da reprodução graças aos anticoncetivos. A sexologia, antes uma perversão e até anormalidade, virou ciência. O prazer (ou sua promessa) passou a ser grande negócio, o imaginário sexual uma máquina de vendas. A sexualidade tornou-se pública e fez exibir o sexo através das redes sociais e meios de comunicação social. Homens e mulheres, se antes eram malcheirosos e sujos, hoje já são perfumados. No passado, muito castos, agora, nus e exibicionistas.

Será que Leonard da Vinci tinha razão ao dizer que “o casamento é como enfiar a mão num saco de serpentes na esperança de apanhar uma enguia”? Ou Arnaldo Jabor com: “O primeiro ano é o mais difícil. Os restantes, são impossíveis”? 

A democratização do divórcio, apesar de caro, tornou o casamento muito mais transitório. É que, ao fim de 3 a 4 anos, um e outro, dão o casamento por garantido: preferem dormir a ter sexo, passam horas a ver futebol ou telenovelas na televisão sem ter tempo para falar ou dizer sequer “amo-te”. Entram no modo “rotina”. Até a porta da casa de banho deixam aberta enquanto a usam. Então aos 5 a 7 anos, como já sabem tudo um sobre o outro e a atração sexual “cai em desgraça”, pensam ter um filho para salvar o matrimónio, se bem que a criança é um ser e não um “dispositivo de resgate”. Já dizia um humorista que “quando um casal de recém-casados sorri, toda a gente sabe porquê. Quando um casal com mais de 10 anos de casamento sorri, toda a gente pergunta porquê”!!!

Os humoristas brasileiros são sarcásticos sobre o casamento. Juca Chaves diz que “quando um homem abre a porta do carro à esposa, podemos estar certos de uma coisa: ou o carro é novo ou é o amante”. Chico Anísio defende que os “solteiros deviam pagar mais impostos. Não é justo que alguns homens sejam mais felizes do que os outros”. Já Tom Jobim: “Quando me casei, descobri a felicidade. Mas aí, já era tarde demais”. Também Nelson Rodrigues disse que “na Antiguidade, os sacrifícios faziam-se no altar. Atualmente, esse costume perdura”! 

Mas, o casamento é uma das maiores instituições da Humanidade. E,

apesar do aumento constante do número de divórcios, a maioria das pessoas continua a querer casar-se, ter filhos, uma família e manter uma relação heterossexual, monogâmica, estável e permanente. Ora, isso é tão verdade que, para muita gente, quando o casamento falha tenta de novo acreditando que ainda é possível. Dizia Pablo Neruda: “Casar segunda vez, é o triunfo da esperança sobre a experiência”. 

No entanto, hoje tudo conspira contra o casamento, sendo a própria sociedade que o deseja a criar condições antagónicas que “batem de frente” com a vontade de quem quer casar, a começar pela promoção do espírito individualista. Ora, é um “quebra-cabeças” querer fazer estimular o espírito de família quando se exalta o elogio do indivíduo e assim, os apelos à realização pessoal “chocam” com os sacrifícios necessários à vida a dois e criam expectativas incompatíveis entre si. O casamento significa obrigações, renúncia de objetivos pessoais em função da família, filhos, parentes, etc. … E é aí que, às vezes, “a porca torce o rabo”. Por isso compara-se o matrimónio a um submarino: Às vezes consegue flutuar, mas a tendência é afundar …  

Mas há mais dificuldades. A tradição fez do sexo algo pecaminoso e impuro, mas isso foi alterado para um liberalismo com o aumento de sexo pré-marital, vida sexual mais livre (em especial nas mulheres), menos preconceitos e maior exigência numa relação satisfatória. Este clima é promovido pelos meios de comunicação social, redes sociais e artes. Hoje não se compra um carro, assiste a telenovela, filme ou até programa de televisão para crianças sem que o apelo sexual esteja presente, tal como está no dia a dia a sensualidade e erotização e se vende a imagem de “festa” ausente de compromissos. É a contradição clara entre o casamento monogâmico indissolúvel e uma atordoante liberdade sexual, que torna difícil cumprir as regras da monogamia. Há também a emancipação feminina que procura igualdade entre homens e mulheres quanto à livre expressão sexual e à diminuição da chamada “dupla moral” que conferia ao homem amplas liberdades e muito poucas à mulher, o que significa uma crescente diminuição na diferença no número de relações extramaritais entre os homens e as mulheres. 

Além disso, vivemos na “era do descartável”: roupa, copos, refeições, eletrodomésticos, carros, ritmos de vida e moda, vêm e vão numa sucessão de “compra, usa e deita fora”. Esse conceito não ficou pelas coisas materiais e estendeu-se às relações pessoais. Assim, logo ao primeiro sinal de “defeito”, “todas” elas, indiscriminadamente, são consideradas “sem conserto” e têm de ser trocadas. É assim que a promessa feita diante do altar esbarra na atração para gozar sempre “novas paixões arrebatadoras” e torna-se igual à promessa eleitoral dum político que, quando é eleito, sabe que dificilmente consegue cumpri-la.

É claro que o casamento é uma sociedade muito difícil e exige amor, compreensão, cedências, sacrifícios, paciência e inteligência. Ela não deve pensar que ele é nojento só porque se “peida” e tem de conviver com isso porque vai acontecer muito. Aliás, antes de casar com ele devia ouvi-lo mastigar e, se vir que consegue aguentar esse barulho, vá em frente com o casamento. E ele não a deve considerar patética só porque é obcecada pelas cores da pele, tinta das unhas, manicure, esteticista, cabeleireira, dietas, além de milhentos produtos de beleza que ocupam quase toda a casa de banho. É que, homens e mulheres, são assim mesmo. O resto, é conversa. Quer um conselho? Case e vai ver que “o casamento consegue fazer de duas pessoas uma só. Mas o difícil é determinar qual delas será” … 

Por isso, dirigido aos homens vai um conselho do “outro” Sócrates: “Certamente, casa-te. Se conseguires uma boa esposa, serás feliz; se apanhares uma ruim, tornar-te-ás um filósofo”.