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Devemos ter orgulho e ser dignos deles …

Apesar de todo o “ruído” que se tem feito ouvir, tenho orgulho em ser português, orgulho na minha nação e, muito especialmente, nessa epopeia fabulosa e feitos dos meus antepassados, algo de que todos os portugueses se deviam sentir honrados. E não me escondo para o afirmar, embora corra o risco de me chamarem colonialista, racista, extremista e, se calhar, nazi. Mais ainda, não compreendo que certa “manada” de políticos hoje ande por aí a pedir perdão e a “baixar as calças” em nome de Portugal por possíveis desmandos de outrora sem se situarem nas regras desse tempo, em vez de se penitenciarem pelos que eles próprios têm feito aos portugueses num tempo em que tinham a obrigação de saber o que é ética, honestidade, demagogia e moral. Mas não sabem, porque só aprenderam o que não deviam …

Enquanto portugueses podemos não ter muito dinheiro, não ter mil coisas de que nos orgulhar, mas seguramente os descobrimentos são o maior motivo de orgulho de nós enquanto povo.

Fernando d’Oliveira Neves escreveu um artigo relatando o ocorrido no almoço de despedida que ele, na altura secretário de estado e em substituição do ministro, ofereceu ao embaixador de Cabo Verde que estava de partida, Onésimo da Silveira. Conta ele que no final fez um brinde dizendo “as banalidades usuais” e que o embaixador retribuiu começando por dizer “eu amo a portugalidade”, seguindo-se depois um discurso sobre o tema que o deixou de “cara à banda”. O episódio “ficou-lhe atravessado”, levando-o a debruçar-se sobre o tema, “agora que tantos dislates se ouvem sobre a expansão portuguesa, esse valor que mais alto se alevantou e calou as musas”. Vale a pena trazer aqui uma parte desse texto sobre a portugalidade, uma questão que quase todos nós ignoramos e da qual, obrigatoriamente, nos deveríamos orgulhar.

“É claro que o Império Português foi colonialista e racista e mais outras práticas condenáveis de todas as sociedades humanas. Apesar de tudo, parece avisado olhar para cada época em função dos valores então prevalecentes. Vivi o bastante para ver valores considerados vitais desaparecerem e, felizmente, ver surgir novos que nunca me tinham passado pela cabeça. Mas todas as sociedades, por mais opressoras que sejam, têm vida para além dessas dimensões. A expansão portuguesa foi muito mais que isso. Foi uma das epopeias que mais mudaram a História, dando aos homens uma nova e real dimensão do mundo em que viviam. Até pelo limitado número de portugueses que a fizeram, provocou uma convivência secular sem precedentes de pessoas de todas as partes que, no quotidiano, se misturaram, fizeram amizades, riram em conjunto, beberam e comeram, ao pôr-do-sol nos cantos do mundo por onde andamos e onde muitos ficaram, trocaram experiências e puderam constatar a relatividade das suas verdades, crenças, medos e até ambições.

Não é fácil definir portugalidade. Talvez o resultado positivo desse intercâmbio seja a criação e perpetuação de laços afetivos, amizade e familiares entre gentes das mais diversas partes do mundo. As amas índias da Casa Grande poderão ser exemplo. Ou talvez não passe de uma amarga saudade doce, de uma utopia que, por vezes e alguns instantes, se transforma em realidade. Talvez seja mais simples dar exemplos concretos de gentes das mais diversas Portugalidade como estar na antecâmara do chefe do Governo de Malaca a conversar com um chinês e, de repente, ouvir este dizer: “Mas o Senhor é português? Eu também. Sou da freguesia de S. Pedro, em Singapura, e nos dias 13 de cada mês fazemos a procissão de Nossa Senhora de Fátima”. Portugalidade é chegar a Jacarta ao fim de 25 anos de hostilidade em torno de Timor, ser levado a jantar no centro histórico da cidade pelo embaixador do Brasil, amante da presença portuguesa na Indonésia, e ouvi-lo dizer que o canhão que está no meio da praça é um canhão português onde as noivas se vão fotografar no dia do casamento, porque é o símbolo da fertilidade.

Portugalidade é ser-nos dito, no Barém e no Kuwait, que os únicos edifícios de pedra que ali existem anteriores ao século XX são os fortes portugueses que ainda continuam a resistir.

Portugalidade é ouvir Samora Machel a olhar o Índico e dizer do seu orgulho quando se lembra que Vasco da Gama ali passou e, logo a seguir, afirmar num tom meio agastado, “nós é que descobrimos o Brasil e agora têm um presidente que se chama Geisel”.

Portugalidade é ouvir um goês a manifestar o seu orgulho num seu remoto antepassado agraciado com a Cruz de Cristo pela Rainha D. Maria II e outro a lembrar que o trisavô fora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Portugalidade é jantar no International Hotel do Barém onde estava a decorrer a semana gastronómica do Texas e chegar à mesa um empregado indiano vestido à cowboy, que nos diz em bom português, “boa noite” e tem na farda um dístico onde se lê o nome: Bragança.

Portugalidade é verificar que os católicos de diversos países da Indochina falam um português arcaico a que chamam “christian”, que é para eles sinónimo de português e por isso se dizem portugueses.

Portugalidade é ir ao Portuguese Setllement de Malaca e encontrar uma mistura inédita de raças, malaios, chineses, indianos e ouvi-los a cantar e a dançar o Tia Anica de Loulé, em trajes minhotos e falar um português compreensível.

Portugalidade é um liurai timorense desenterrar e entregar-nos uma bandeira portuguesa e dizer que o pai dele a enterrou quando Timor foi invadido pela Indonésia e lhe disse para a dar aos portugueses quando (não se) eles voltassem.

Portugalidade é ir ao CCB assistir a uma sessão das comemorações dos 500 anos da Descoberta do Brasil e ouvir o embaixador brasileiro Sinésio Goes, ele também historiador e cultor da portugalidade, a apresentar o chefe da maior tribo de índios do Brasil, os índios Tupi e vermos entrar um senhor com um ar jovial, envergando o casaco de tweed e um maravilhoso cocado que lhe caía pelas costas até aos calcanhares e ouvi-lo dizer com ostensivo júbilo e orgulho: “O meu nome é António Cardoso e o meu avô era de Trás-os-Montes”.

Acabou o Império colonial português e a opressão de uma nação sobre as outras. Fica na História um admirável património universal, físico e afetivo. Este último, símbolo notável de humanismo, será a portugalidade. Que Onésimo da Silveira me ensinou a amar”.

Será que cada um de nós, descendente desses heróis na sua maioria anónimos de que a história nunca falará, não devia conhecer bem a dimensão extraordinária do que eles fizeram ao aventurar-se num mundo desconhecido cheio de monstros e mitos imaginários? E mais ainda, sentirmo-nos orgulhosos e honrados por eles, esses mesmos, serem nossos antepassados, gente que qualquer povo gostaria muito de dizer que eram dos seus? Em vez de andar a diminuir a grandeza de quem foi verdadeiramente grande, saibamos ser dignos do seu exemplo e da sua herança … 

O Dia que eles não podem esquecer …

Segundo reza a história no ano 270 o imperador romano Cláudio II, achando que os homens solteiros lutavam melhor do que os casados (e vá-se lá saber porquê …), proibiu que os jovens se casassem. São Valentim, bispo da Igreja Católica, costumava realizar os casamentos e, discordando dessa decisão, desrespeitou a ordem do imperador e continuou a casar os jovens às escondidas. A solidariedade com esses casais viria a custar-lhe a vida, tendo sido decapitado no dia 14 de Fevereiro, motivo pelo qual essa data ficou para o futuro como Dia de São Valentim em sua homenagem e, por analogia, também como Dia dos Namorados por quem ele deu a vida. Ora, com o aproximar do dia doze, importante para os casais mais e menos novos, o frenesim já começou há algum tempo. Era necessário fazer planos e reservas quer fosse para o jantar romântico, dançar ou ficar instalados fora de casa (em casa basta no dia a dia), além de conseguirem as prendas desejadas. Claro que as ofertas de presentes específicos ou não para este dia são mais que muitas, desde as flores às joias, dos perfumes e cremes a roupas, de chocolates a jantares românticos e estadias por uma noite. As montras são profusamente engalanadas com corações de papel colorido, exibindo uma variedade grande de prendas para oferecer. É o isco para atrair clientes porque já está aí à porta aquele que é conhecido (ou tido) por ser o dia mais romântico do ano – O Dia dos Namorados. 

E ninguém quer ficar em casa, especialmente as mulheres. Claro que os homens têm de ir na onda quer queiram quer não, embora tantas vezes sem vontade nenhuma. E mais: coitado daquele que se atreva a esquecer esse dia tão especial: “Está feito ao bife”. É que elas exigem do seu par, namorado, marido ou conhecido de ocasião (ou mesmo que nunca se tenham visto uma única vez) que o Dia dos Namorados seja comemorado “à maneira”, uma ocasião para os casais trocarem mensagens, presentes, votos e fazerem as mais diversas surpresas, uma forma de comemorar o amor, o desejo de o alcançar ou de o usar como motivo para uma noite divertida. Vendo bem, é a altura certa para o homem sair com a namorada, ainda que a sua mulher tenha de ficar em casa e vá jantar com as amigas. É que não pode haver lugar a confusões pois uma coisa é “entretenimento” e a outra é “trabalho” e, como diz o ditado, “trabalho é trabalho e conhaque é conhaque” …

Duas mulheres ainda jovens estavam paradas diante duma montra decorada com artigos alusivos a esse Dia. Enquanto uma delas se deleitava a ver a gama de perfumes e peças diversas de joalharia, a outra, muito mais realista, criticava o aproveitamento comercial e o facto de ser mais um motivo para o negócio, criando “tradições de oferta”, artigos especiais do Dia, como se fossem uma necessidade imperiosa. Dizia mesmo que tanto para ela como para o namorado, aquele era um dia normal e recusavam-se a aderir a essa tradição consumista. “Onde é que tu e o Afonso vão no Dia dos Namorados”, perguntava a mais realista? E a outra, de sorriso aberto respondeu-lhe: “Ele ainda não me disse, mas eu já sei que vamos jantar e passar a noite num hotel no Porto. Para ele não se esquecer deste dia eu pedi a uma amiga comum que lhe “avivasse a memória” a tempo das reservas e foi na hora certa”. 

Para vermos como é importante para muitas mulheres comemorar ou aproveitar este dia (ou noite) para uma boa farra, devo referir o caso da senhora Ana Catarina. Não tendo companheiro, namorado, marido ou um simples conhecido disponível para servir de ama seca, publicou um anúncio no “facebook”, muito explícito e revelador das suas “necessidades” urgentes e imperiosas para o 12/2, o único dia do ano em que nenhuma mulher pode ficar só e em casa. Dizia o seu anúncio: “PROCURA-SE NAMORADO PARA DIA DE SÃO VALENTIM”. E até “postou” que o seu estado de espírito é de “divertida”. Presumo bem que sim, até porque Ana Catarina só tem um pouquinho mais de sessenta anos de idade, mas conserva todas as suas “necessidades” românticas, fisiológicas, de sociabilização, intercâmbio ou o que quer que se lhes chame, inteiramente intactas … Os potenciais candidatos e leitores da sua publicação foram-na avisando: “Põe-te a pau que vão fazer fila” e “não te vão faltar pretendentes”. Ainda a aconselharam a concorrer ao “carro do amor”, se bem que alguém lhe sugeriu que se o “carro do amor” não resultasse, podia tentar no “OLX” …

Enquanto em casa me contavam a história da publicação da senhora Ana no “facebook” e as reações que obteve, a Luísa parecia não estar a escutar. Mas, às tantas, saiu do silêncio e disse uma das suas: “Para apagar o fogo, o melhor é ela ir aos bombeiros” …

Enquanto em Portugal o presente mais oferecido às namoradas é um ramo de rosas vermelhas, na Alemanha a tradição manda oferecer um … porco! Sim, o “porco da sorte”. Já os brasileiros comemoram o Dia dos Namorados em Junho, véspera de S. João. E passaram a fazê-lo nesse dia porque um publicitário apercebendo-se que esse mês era muito fraco para o comércio, propôs aos responsáveis locais mudar o Dia dos Namorados para o mês de Junho, sendo o objetivo comercial conseguido. Do publicitário ficou célebre a sua frase promocional da comemoração: “Não é com beijos que se prova o amor”, além de uma outra com o mesmo sentido: “Não se esqueçam, amor com amor se paga”. Afinal uma intenção comercial que está sempre bem presente nestes “dias” de festa e que nos leva a consumir, consumir, consumir. 

Pensando bem, acho que os governantes podiam aproveitar a ideia e replicar o Dia dos Namorados por forma a que se comemorasse de quinze em quinze dias, pois seriam muitas as vantagens: Promovia-se a restauração e o alojamento dando um forte contributo ao turismo interno para compensar a falta de turistas estrangeiros; fomentava-se os relacionamentos numa altura em que o número de casamentos cai de ano para ano; e à “boleia”, talvez um bom número de casais no “entusiasmo” do momento e com os calores do álcool, pudesse vir a “fabricar” alguma criança, intencionalmente, “por acidente” ou até “por tropeção”, o que seria um contributo importante para aumentar a natalidade que tem andado pelas ruas da amargura. E uma ajudinha destas vinha a calhar, para compensar a falta de mão de obra …

Nem as pequenas coisas mudamos …

A “Joana” sofre de um problema renal hereditário que a obriga a ir com certa regularidade a consultas da especialidade no Hospital de S. João, no Porto, onde anda a ser acompanhada, além de ter de ali fazer também análises e outros exames. Dizia-me ela hoje que na próxima semana vai ao Porto de propósito só para marcar o dia em que vai efetuar as próximas análises de rotina. “E não pode fazer a marcação pelo telefone para evitar uma viagem de Lousada ao Porto e volta”, perguntei eu armado em fino como se tivesse descoberto a pólvora? “Já tentei por diversas vezes, mas lá ninguém atende o telefone. Já cheguei a passar horas a tentar e não adiantou nada”, respondeu-me desalentada. Como achava que tinha soluções para tanto absurdo, eu não desarmei: “E já experimentou enviar um e-mail a pedir que lhe façam a marcação. Se não tiverem tempo de lhe responder durante as horas mais movimentadas, no final do dia têm a obrigação de lhe dar resposta”. Mas ela enterrou as minhas ilusões: “Eu também já tentei fazer a marcação por e-mail e nem sequer se dignaram responder-me a nenhum deles. 

E pior, já lá fui várias vezes a consultas marcadas e só quando cheguei ao balcão para ser atendido é que me informaram que não iria haver consulta por uma razão qualquer, sem nunca se preocuparem em telefonar antes avisando para não ir e evitar ter de fazer estes quilómetros todos. Vamos nós daqui para o Porto e, além de perder uma manhã ou tarde, ainda temos as despesas da viagem por nossa conta! Ninguém se preocupa connosco, se podemos ou não pagar viagens para lá e para cá sem utilidade que nos obrigam a fazer quando parte delas podiam ser evitadas com uma simples chamada ou e-mail. Não têm respeito nenhum pelo cidadão anónimo. Somos só números na máquina trituradora que só se preocupa com estatísticas bonitas para os políticos nos atirarem à cara em época de eleições”.

Fiquei sem mais “truques na manga” das minhas ilusões. Na realidade há tanta coisa que não faz sentido com o que sucede a esta e todas as outras “Joanas”, a começar por alguém ser capaz de pôr os meios de comunicação dos serviços públicos a funcionar em benefício de todos nós e o mesmo é dizer, do país. Porque quando o estado nos obriga a fazer quilómetros só para “queimar combustível e pneus”, poluir por incompetência, alguma coisa vai mal. Na era digital não se percebe como é que o estado tem esses meios “bloqueados”, claramente por falta de organização sem se conseguir mudar – e parece mesmo que nem estão preocupados com isso. Estamos condenados a ficar mais próximos dos africanos e mais afastados da Europa com que tantos políticos enchem a boca, mas que só a vemos “por um canudo”, na televisão ou se formos para “fora de portas”.

Agora tenta-se justificar o que se passa em muitos serviços públicos com a pandemia, o “bode expiatório” para a incompetência. Porque, das duas uma: ou os telefones estão avariados há mais de um ano ou quem está por lá é … “surdo”. E ser “surdo” pode não querer dizer que ouve mal …

Portugal é um país pequeno, com cerca de dez milhões de habitantes, mas com uma grande parte da sociedade habituada a viver à sombra do estado. Por isso, quando os políticos nos querem vender reformas da administração pública, temos de desconfiar já que as reformas em geral afetam direta ou indiretamente grande parte do eleitorado, o que provoca desconforto nos cidadãos que vivem à conta do dinheiro público. Assim, as reformas não são boas para eleições: o país pode ganhar, mas os políticos facilmente perdem eleitores e eleições. Isso nenhum político quer …

Os bloqueios funcionais do setor público são demasiados e alguns não lembram ao diabo, mas também não há quem os queira alterar por mais simples que isso seja. Lembro-me do que se passa com a Instituição onde colaboro. Como a Instituição tem vários protocolos com a Segurança Social, de vez em quando sou notificado para, na qualidade de seu responsável, ir ao Centro Regional no Porto assinar um novo protocolo ou a renovação de outro. E o que acontece comigo acontece com dezenas de responsáveis doutras instituições. Se antes da pandemia nos juntavam em rebanho numa das salas do organismo e, depois de uma pequena preleção para vender “a banha da cobra do costume”, chamavam um a um para assinar o nome na última página do documento e, eventualmente, rabiscar uma rúbrica nas outras, o covid-19 fez com que agora sejamos convocados de 5 em 5 minutos para manter o distanciamento, como nas provas de contrarrelógio no ciclismo, colocam-nos o protocolo à frente, assinamos e está feito. Só falta o “pode ir embora”. Como acho uma enorme estupidez fazer que dúzias de pessoas se tenham de deslocar ao Porto idos de mais longe ou mais perto a troco de uma assinatura, por diversas vezes tenho manifestado a minha discordância por este desperdício de tempo e dinheiro, dizendo aos mais ou menos responsáveis da Segurança Social que lhes bastava enviar o documento pelo correio que seria devolvido na volta assinado. Ou ainda melhor, a “assinatura digital” seria a solução ideal, pois é usada, válida e segura para documentos bem mais importantes. 

E nem este tempo de pandemia que obriga ao distanciamento social e à redução de contactos faz com que se acenda a “luzinha da compreensão” naquelas cabeças e percebam de uma vez por todas que é necessária mais eficiência, mais produtividade e cortar no desperdício. Para um país onde a produtividade anda “pelas ruas da amargura”, os governantes já se deviam ter apercebido que o estado, nos seus diversos níveis, é sem dúvida dos maiores bloqueios à sua melhoria. E só quem tem de percorrer muitas dessas “capelas” se apercebe que em muitas delas existem “pequenos ditadores” para quem as coisas têm de ser como eles querem e estão habituados a ser e não como é mais funcional e sirva melhor o interesse dos cidadãos, “esses chatos” que só reclamam e nunca estão satisfeitos com nada, embora não passem de “refilões”. Até ao dia em que se cansem de ser “só refilões” …    

Pernas, para que vos quero …

Quando se falava de “boas pernas” a minha avó dizia a lengalenga: “pernas são canelas e canelas … porra p’ra elas”. E da mesma forma, perante umas pernas esqueléticas ou mal feitas, havia um comentário habitual: “Com estas pernas não passavas em Guimarães”. E o porquê desse “não passavas em Guimarães”? Compreendia-se bem na altura porque Guimarães já era então a capital da indústria de cutelaria em Portugal – fabrico de talheres. Ora, como os cabos das facas, garfos e colheres eram feitos em osso, daí a alusão de que “aquelas pernas não passavam em Guimarães” porque, como eram pouco mais que “osso”, só podiam servir para o fabrico de “cabos” para talheres.

As pernas são uma parte muito importante do nosso corpo pois são o seu sustentáculo e estão sujeitas, diariamente, a um enorme esforço. Suportam todo o nosso peso em qualquer terreno e em qualquer situação, além das cargas que carregamos. São elas que nos conferem autonomia, agilidade e destreza e nos levam de um ponto ao outro.

Quando era criança não tinha oportunidade de ver pernas sem que estivessem cobertas de pano, por mais velho que fosse. Nos homens, com calças de cotim e nas mulheres saias e saiotes até ao tornozelo. Só a jogar futebol os homens vestiam calções, quando havia. Como as mulheres não jogavam a bola, não havia nada para ninguém. Só na praia, para quem conseguia ir à praia (a grande maioria nunca viu o mar) e só daqueles que tivessem calções ou fatos de banho, que não eram muitos.

À medida que fui crescendo, as saias foram mingando lentamente, começando por deixar ver os tornozelos, o que já era um avanço extraordinário. Mas não ficaram por aí e à medida que iam encolhendo, as canelas vieram a seguir. Quando a fasquia chegou ao joelho já eu era adulto e fartara-me de esperar para ver como eram. As pernas dos homens continuaram escondidas e ainda bem, porque são peludas e feias (para o meu gosto). Mas quando a estilista Mary Quant teve a ideia brilhantíssima de lançar a moda da minissaia – um pedaço de pano diminuto que mudou o guarda-roupa feminino, com uma camisola justa e botas altas, na década de 60 – é que consegui ver verdadeiramente aquilo que só poderia imaginar: pernas de mulher quase completamente nuas a passear na rua. Era um escândalo para os mais velhos, mas um prazer enorme para a malta da minha idade que anos atrás já se contentava só com os tornozelos. Era caso para se dizer, “como as coisas mudam”!!! E, falando por mim, mudaram para melhor. Encheram de felicidade (e outras coisas mais) o nosso mundo masculino. A partir do aparecimento da minissaia, só houve razões para os homens “festejarem” as ousadas propostas da moda, estação após estação, ano após ano, mais ainda tendo em conta todos os cuidados que as mulheres passaram a ter com os “sustentáculos do corpo”, pois ter pernas saudáveis, bonitas e torneadas passaram a ser o sonho da maioria delas. Será bom lembrar que nem todas as pernas femininas mereciam (e merecem) uma minissaia (seria mais aconselhável nalguns casos que continuassem resguardadas), mas temos de entender que a vontade de andar na moda sobrepõe-se muitas vezes à capacidade de avaliação das “condicionantes” …

Sejamos francos: admiro umas pernas de homem pela sua condição atlética e por conseguirem bater recordes atrás de recordes, como se essa possibilidade seja infinita. Há que lhes reconhecer o mérito, mas não passam de “pernas” mais ou menos musculosas, mais ou menos peludas, algumas a verem-se desenhadas as diversas veias de sangue. Serão bons modelos para artistas, especialmente para escultores do tempo dos gregos e romanos. Não mais que isso. É que, pernas que merecem ser apreciadas só mesmo as de mulher. Como dizia Millôr Fernandes, “anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que na mulher fica muito melhor”. Aliás, acrescentava a propósito da tentação dos homens admirarem essa e outras partes “interessantes” delas, algo que acho importante: “Não devemos resistir às tentações, pois elas podem não voltar. Se é gostoso, faz logo. Amanhã pode ser ilegal ou não haver”. Aliás, temos de estar muito atentos porque se diz que “uma mulher de pernas cruzadas é sempre mais perigosa que um homem de braços cruzados”. E há quem não perceba porquê …

No tempo da monarquia o desejo dos homens era muito modesto, já que sonhavam (e contentavam) com a visão de tornozelos femininos ou, já surreal, os joelhos. Eram contidos nas suas pretensões, pois as pernas nuas em público eram um escândalo. Atualmente na cultura ocidental, promove-se a visualização da coxa feminina, que no Médio Oriente continua a ser escandaloso e indecente. A ampla aceitação social das mulheres que mostram as pernas nuas em público afetou a perceção dos homens de tal forma que, segundo um estudo recente, “eles consideram que as mulheres são mais atraentes e agradáveis fisicamente quando vestem calções e saias mais curtas”.   

As pernas são sempre uma ferramenta que qualquer ladrão deve ter bem preparada para, quando for preciso, “pôr-se a milhas” ou “dar às de vila Diogo” e razão ao ditado: “Pernas para que vos quero”.

Como em (quase) tudo na vida, só damos realmente valor e a atenção ao que temos ou damos como adquirido, quando nos falha ou falta. E, no caso das pernas, quer como veículo de carga do corpo e elemento de beleza, não são exceção. Sem elas aptas a carregar-nos daqui para ali, de manhã à noite, todos os dias, semanas, meses, anos, enfim, uma vida, é que percebemos a importância de as cuidar e de lhe dar toda a atenção. Porque não devemos querer menos peso nas costas, mas sim

pernas mais fortes …