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Somos uma cambada de invejosos?

Numa mesa cheia de mulheres a conversa era animada e cada uma contava pormenores da sua vida, num ambiente alegre e divertido. Às tantas uma delas confessou estar muito feliz porque o marido a havia surpreendido ao comprar-lhe um BMW desportivo e estava à espera que lho entregassem. Mas eis que, do nada, surge uma das “amigas de longa data”, alguém com a capacidade de deitar tudo a perder para lhe roubar aquele momento de alegria, dizendo: “Não me parece que devas estar muito feliz pois essa marca desvaloriza muito. Até dizem que os donos desses carros têm duas alegrias: Quando o compram e quando o vendem”! E de onde pensava haver alguém que lhe queria bem, veio a surpresa na forma de um comentário maldoso ou um aparente conselho contaminado de amargura e inveja.

As pessoas normalmente orgulham-se dos seus pecados capitais. Orgulham-se da gula, como se comer demais fosse uma qualidade. Gabam-se da luxúria e dos seus desempenhos sexuais. Da ira e até da avareza, dizendo que são “contidas”. Abusam da preguiça e fazem da soberba uma qualidade. Mas da inveja … não. Porque é um sinal de fraqueza e impotência o desejar algo que o outro tem. É um pecado envergonhado porque têm de reconhecer que o outro é mais ou tem mais que elas. Por isso, é o único pecado de que ninguém se orgulha nem sai por aí a dizer “eu sou invejoso”. Como define S. Tomás de Aquino, “a inveja é a tristeza pela felicidade dos outros, a exultação pela sua adversidade e a aflição pela sua prosperidade. É uma vontade de que o outro não seja feliz”. Ora, como somos animais que vivem em bandos e cada vez há mais pessoas com muito dinheiro, um corpo mais bonito, têm mais sucesso e são (ou parecem) mais felizes do que nós, precisamos de ser bem resolvidos para não ceder a essa tentação de ter inveja. Mas, como quase ninguém é bem resolvido, a começar cá por mim, acabamos por viver num mar de inveja, ou seja, somos uma cambada de invejosos. Mas a gente disfarça bem para não ficar mal visto …

“Morreu a minha mãe”, estou com cancro”, “ardeu a minha casa” ou “tive um acidente”, são situações que despertam solidariedade. Mas experimente dizer no trabalho ou à família “tenho uma vida ótima”, “comprei um carro espetacular” ou “passei as férias num hotel de 7 estrelas”. Os rostos vão-se virar porque o sucesso incomoda. Pelo contrário, o fracasso alegra-nos”. Quando um rico ou famoso cai em desgraça ou é preso, há uma onda de júbilo nas redes sociais. A inveja é universal porque ela é uma maneira de dizer que o problema é o outro porque tem mais do que eu e não admitir que fui eu que não tive competência para conquistar mais coisas. Que há gente que trabalha menos que eu e é feliz. Que há pessoas que comem de tudo e não engordam. Que há gente que sabe muito com pouco esforço. Que tem dons naturais e um corpo ótimo sem grande trabalho. Quem não fica doido de inveja desta gente?

Óscar Wilde dizia: “Qualquer um pode simpatizar com os sofrimentos de um amigo, mas é preciso que de facto se tenha muito boa índole para se simpatizar com o sucesso de um amigo”. Conta-se que uma serpente perseguia um pirilampo e, quando estava quase a comê-lo, o pirilampo disse: “Posso fazer uma pergunta”? A serpente respondeu: “Por seres tu, podes fazer”. Ele questionou: “Fiz-te alguma coisa para me comeres”? “Não”, respondeu a serpente. “Pertenço aos animais que costumas comer?”, perguntou ele outra vez. “Não”, repetiu a serpente. “Então porque é que me queres comer?” quis saber o pirilampo. “Porque não suporto ver-te brilhar”, retorquiu a serpente.

Ao que parece, também nós não gostamos de gente que brilhe à nossa volta e nos ofusque. Recordo as palavras de um homem simples do campo, agricultor de profissão. Depois de lhe ter demonstrado que, fazendo a correção da acidez do solo e aplicando uma adubação conveniente aumentara de forma significativa a produção de milho, quando lhe perguntei se no ano seguinte repetia a receita executada na experiência, ele respondeu-me: “Não, porque eu só quero que o milho do meu vizinho seja pior do que o meu”! E fiquei sem palavras nem argumentos. Quando não importa que eu ganhe muito ou pouco, mas o que interessa é só que eu ganhe mais do que aqueles que me cercam, a cegueira da inveja ultrapassa o bom senso. 

A inveja em Portugal é mais do que um sentimento: É um sistema. Os homens querem ter sempre uma casa maior, um carro mais caro, a conta mais recheada do que o vizinho do lado ou o familiar direto, ainda que para isso se endividem até ao pescoço. Em suma, é uma questão de “tamanho da gaita”. Já as mulheres querem a joia mais cara, o vestido mais raro, os sapatos exclusivos ou a prenda de aniversário mais extraordinária para a exibir (e provocar inveja) às maiores “amigas”. Ou seja, é uma questão de mais “brilho”. E a inveja não é apenas individual. Criam-se grupos de inveja e um ambiente de inveja. Isto é, quando não somos bons, também não gostamos (nem deixamos) que os outros o sejam. Acabamos todos por “dar mais importância à língua da vizinha do que à vontade secreta da nossa alma”. 

A história da inveja é antiga e já Camões rematou os Lusíadas tendo como última palavra: “inveja”. Ela é um tipo de cegueira e de dor pelo sucesso alheio, pelo que o invejoso sofre quando o colega ou amigo teve êxito e tudo fará e tentará, de forma velada ou mascarada, para denegrir ou estragar o seu sucesso e imagem. E isso revela uma verdade inconveniente: continuamos a fazer parte de uma sociedade na qual se tenta condenar ou minorar o talento e sucesso dos outros. Como diz o ditado, “a inveja é como o sapo: tem olhos grandes, mas está sempre na lama”.

Por tudo isto, alguém aconselha a termos muito cuidado ao escolher as pessoas para quem revelar os nossos sonhos e projetos. Não que a inveja por si só os invialize, mas pode influenciar negativamente. E por isso, a recomendação é de falar só com as pessoas mais íntimas ou até mesmo para ninguém se quiser estar mais seguro. E “o seguro morreu de velho” …

Descobrimentos, essa saga fabulosa …

Por tudo aquilo que tenho lido, visto e ouvido nos últimos tempos, não somos mesmo dignos nem sequer merecedores de uma legião de homens (e mulheres) que nos precederam e realizaram a fabulosa saga dos Descobrimentos. Quanto mais conheço os seus feitos e a sua tenacidade, mais assombrado fico, por um lado, pela dimensão global e mundial da epopeia que abriu portas à primeira globalização e, por outro, pela nossa ignorância, falta de orgulho, esquecimento e querer apagar ou reescrever a história e nos tivéssemos até de envergonhar pelo que alcançaram. Como é possível?

Os Descobrimentos, goste-se ou não, foi um dos períodos mais ricos da História de Portugal, com feitos gloriosos de que nos deveríamos sentir muitíssimo honrados, embora os maldizentes cá da praça queiram reduzir os Descobrimentos à escravatura e fazer tábua rasa de tudo o resto. E é absurdo querer julgar o Passado de há 500 anos ou de outra ápoca qualquer à luz das nossas conceções morais e políticas do século em que vivemos. Mas, infelizmente, muitos governantes e outros políticos, para não perderem votos ou “não fazer ondas”, deixam-se manipular e dão ouvidos a certas ideias aberrantes de grupos pequenos das redes sociais, a maioria assentes em modas ou na ideia do “politicamente correto”, levando à sua implementação. E quem, senão governos fracos, tem alinhado na desvalorização e, pior, quase condenação, dos Descobrimentos? São os novos “moralizadores”, os vigilantes da nova censura da sociedade, que querem transformar heróis em bandidos, armadas em gangues, guerreiros em criminosos. E não é que lhe vão dando ouvidos e vão fazendo o que tais minorias querem? O mais perigoso ainda é a vontade de reescrever a História, destruir e apagar a memória do passado. Dizia Deana Barroqueiro que “é o maior absurdo e o maior desastre para a civilização, porque sem o conhecimento do nosso Passado coletivo, do bom e do mau que se fez ao longo de milénios, teremos um presente sem memória” …

Tive a oportunidade de visitar Mascate, a capital do Sultanato de Omã à entrada do Golfo de Omã, onde os portugueses se implantaram e dominaram durante mais de cem anos e fiquei impressionado com as estruturas defensivas do porto construídas há mais de 400 anos e que ainda hoje permanecem de pé, bem conservadas e aproveitadas pelos governantes do Sultanato, constando de 2 fortalezas, uma cerca abaluartada, fortins e pequenas torres de vigia espalhadas nos picos dos montes mais altos ao redor do porto. Era assim que no século XVI um vasto conjunto de muralhas e baluartes adaptados àquele terreno montanhoso, defendia a povoação e o seu porto. Lá, a milhares de quilómetros da sua terra natal, como em muitos outros pontos do mundo, essas gerações de verdadeiros heróis levaram a cabo imensas construções fabulosas que ficaram ali para perpetuar a memória dos seus construtores, tantos portugueses e heróis anónimos que ali são lembrados, mas esquecidos e ignorados na sua terra. 

Joias como a Cidade Velha de Santiago, em Cabo Verde, A Fortaleza de Diu, na India, a Fortaleza de Mazagão, em Marrocos, A Igreja do Bom Jesus, na India, a Igreja e Convento de S. Francisco, no Brasil, a Igreja de S. Paulo, em Macau (China) e a Catedral de Goa, na India, são algumas das numerosíssimas obras espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Só Fortalezas são 800, mas há todo o tipo de construções a marcar o rasto dos nossos antepassados. É que a alma desses portugueses foi tão grande, que não coube na Europa e transbordou e abraçou todo o planeta, muito para além das ex-colónias, tendo chegado a lugares lá bem distantes como a Tanzânia, Irão, Bahrain, Malásia, Quénia, India, Uruguai, Gana, China e muitos, muitos outros. 

Seremos capazes de imaginar esses portugueses na sua maioria gente anónima e pobre à procura de um futuro melhor, a lançar-se numa aventura por mares desconhecidos que julgavam cheios de monstros e precipícios capazes de engolir barcos ou de sereias que os levariam à loucura ou morte? Das semanas a fio de falta de vento que fizesse avançar as caravelas e as imobilizasse enquanto apodreciam a água e os mantimentos? Das doenças para as quais não havia remédios e dos naufrágios em que os sobreviventes eram lançados nas praias de terras desconhecidas para morrer de fome ou às mãos dos indígenas?

Os Descobrimentos levaram o conhecimento do Ocidente ao Oriente e vice-versa provocando uma espantosa revolução, progresso e transformação do mundo. Nesse tempo, Portugal estava à frente de todas as nações europeias, com conhecimentos não teóricos, mas de experiências feitos. Tínhamos os melhores cientistas – geógrafos, astrónomos, cartógrafos, biólogos, físicos (médicos), boticários (farmacêuticos), engenheiros, inventores, construtores de navios e historiadores entre outros. Desfizeram-se mitos, superstições e ignorância com base nas provas dadas pela descoberta de terras e povos desconhecidos. Pela nova configuração dos continentes, os nossos navegadores desenharam, milha a milha, as cartas de marear, que espiões estrangeiros procuravam conseguir a todos o custo.

Com os Descobrimentos levados a bom porto por milhares de cidadãos anónimos, Portugal elevou-se ao topo da Europa. Pelo contrário e numa linguagem náutica, hoje “estamos a muitas milhas” dos outros países europeus e não há “bússola” que guie e trace a “rota” para “uma via” de recuperação, crescimento e riqueza. Por isso, vale a pena pensar realmente em que heróis nos podemos rever e orgulhar, sem medo, sem fantasmas, receio da má-língua ou do “politicamente correto” …

Vender um mono como artigo de luxo …

Há dias em que agarramos no comando da televisão e, por mais que mudemos de canal, nada acontece, não aparece um programa de jeito ou melhor, jeitoso. E, carregando no botão e passando de canal em canal, sem saber como nem porquê, fui cair num debate com todos os líderes dos partidos concorrentes às eleições do dia 10, com assento na Assembleia da República. E pensei cá para comigo: “Já agora, pode ser que fiques esclarecido e até aprendas alguma coisa”. Recostei-me no sofá com a cadela ao meu lado para o caso de me quererem atacar e pus o som mais alto para não perder pitada do que aqueles futuros responsáveis pelo meu futuro tinham para me dizer ou “vender”.   

Como sou muito crédulo, ainda pensei que iria assistir a um debate insosso e sem graça, com cada um dos candidatos a explicar as suas propostas e do seu partido para resolver os problemas da saúde e do SNS, que solução traziam no bolso para arranjar algumas centenas de milhares de habitações de um dia para o outro, a preços baixos e nas grandes cidades, que ideia luminosa tinham nas suas cabecinhas para que houvesse justiça igual para todos, qual a magia que traziam no bolso para elevar o padrão de qualidade do nosso ensino, o que iam fazer para calar os polícias, guardas prisionais, professores, forças armadas, bombeiros, médicos, enfermeiros, técnicos de exames de diagnóstico e mais não sei quantos profissionais que têm passado os últimos tempos a pregar no deserto, enquanto nos deixam à porta dos hospitais, escolas, tribunais e de tantas outras instituições do estado. Mas eu estava muito enganado porque a conversa não me deixou dormir. O debate animou até porque a cada pergunta vinha uma resposta que não era uma resposta, mas sim uma coisa que se queria dizer sobre aquilo que o outro disse, fez ou não fez. Melhor ainda, para animar o debate, interrompiam-se uns aos outros e esse excelente apresentador que é o Carlos Daniel viu-se e desejou-se para meter na ordem aquele “bando de crianças malcomportadas” que, na escola, levariam dois açoites (antigamente, pois agora é a professora que leva). Até admito que um ou dois dos intervenientes eram mais “certinhos” e conseguiram, numa ou outra ocasião, dizer aquilo que se propunham fazer numa ou duas matérias, se bem que nos fica a dúvida se não passava de “olha para o que eu digo pois não é o que eu faço”.

O primeiro e único protagonista foi o ativista da Climáximo quando entrou pelo palco dentro a pregar a sua mensagem e interrompeu o debate por breves instantes. Mas, coitado do rapaz, ninguém lhe deu grande importância, talvez à espera de que algum outro protagonista sobressaísse naquela noite, o que não veio a acontecer para minha grande desilusão. E eu nem sabia que estava iludido … 

Com aqueles “piropos” que os “jogadores” trocavam entre si, o tempo de jogo útil foi pouco e acho que o Carlos Daniel, como “árbitro” desse jogo, devia ter dado mais algum tempo suplementar para compensar, pois assim “foram beneficiados os infratores”. Mas, pensando bem, seria prolongar um “jogo” em que os protagonistas se estavam a “arrastar” sem “dar uma para a caixa”. Assim, o “árbitro” decidiu bem em acabar com o sofrimento do nosso “castigo” …

Tal como algumas anedotas ligeiras, os debates são mais ou menos previsíveis e não alteram significativamente nem os argumentos dos protagonistas, nem a nossa visão sobre a realidade, mas, ao contrário das anedotas, estes debates não nos fazem sorrir e até nos deixam maldispostos. É certo que a população está cansada de promessas falsas, de palavras vazias e de ser enganada. Prometeram-lhe um médico de família para todos os portugueses e aumentou o número de pessoas sem médico. Prometeram melhorar os salários e saiu-lhes uma inflação alta. Prometeram-lhes um ensino de qualidade e é o que é. Prometeram-lhes recuperar as listas de espera para cirurgias e o raio das listas não param de crescer. Aqui, acho que o problema é dos portugueses estarem a adoecer mais e por isso a culpa é deles. E até nos prometeram que o Infarmed vinha para o Porto como bandeira da descentralização e o Porto vê o Infarmed por um canudo.

As eleições trazem esperança, mas não tarda a frustração. O eleitor está cada vez mais farto dos políticos, consolidando a ideia de que os políticos são todos iguais, pois prometem e não cumprem. Na eleição seguinte, aparecem novamente feitos anjos como se tivessem sido lavados por dentro e por fora e que é desta vez que vão fazer “o que ainda não foi feito” (por eles). E isso faz-me lembrar uma frase que alguns atribuem a Einstein: “Insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Com a pandemia, diz-se que “o que é ruim ficou pior”. Não sei se esse slogan se refere ao estado do país, à vida dos portugueses ou aos candidatos requentados, mas o povo lá tem as suas razões. Deveria haver uma lei a obrigar os políticos a cumprir o que prometem ou então seriam “irradiados” como jogadores indisciplinados, que não cumprem as regras. Assim, não voltariam a tentar enganar e serviam de exemplo. 

Mas parece que a coisa funciona ao contrário e os que mais prometem (e que não cumprem) são precisamente os que mais “vendem”, o que não é de admirar neste tempo em que o marketing e a publicidade conseguem “vender qualquer mono como artigo de luxo”. E o curioso é que há sempre quem compre …