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Terceira idade (parte II)

Fui abordado na rua por uma senhora questionando-me sobre o que eu havia escrito recentemente aqui, a propósito da terceira idade, pois se tinha dado algumas respostas também lhe suscitara ainda mais perguntas.

Dessa conversa, muito afável diga-se, ficou-me a sensação que não fui capaz de a fazer descer à realidade, mantendo-se naquela santa ingenuidade que faz tantas pessoas felizes. Daí voltar ao assunto até porque o tema é abundante, cada vez há mais “velhos” – também já estou na “juventude da terceira idade” – e pode ser que consiga ser mais claro.

Tenho como filosofia de vida “dar graças a Deus pelo que tenho em vez de me lamentar pelo que não tenho”. E entre essas graças está o facto de ter nascido na família em que nasci, num tempo onde em cada Lar havia um pilar à volta do qual tudo girava: A MÃE. Era ela que tomava conta das crianças e dos “velhos”, da casa e dos animais, no fundo, da vida de todos nós.

A estrutura da família alterou-se profundamente, com o casal

todo o dia fora, deixando os filhos entregues a terceiros. Tempos difíceis que obrigam a mais trabalho para fazer face a mais encargos. E mais trabalho significa menos tempo para si próprio e para os outros, a começar pelos filhos.

Por isso, se os pais já não conseguem ter tempo para as crianças, como é que o podem ter para os “velhos”? Há que reconhecer que hoje, em geral, é preciso ter um grande espírito de sacrifício, maior dose de paciência e compreensão, às vezes um abdicar de si mesmos para cuidar deles, em suma, um grande amor filial, o reconhecimento do que fizeram, o sentido de gratidão.

Mas onde fui mais questionado foi sobre os lares, das exigências na admissão, das condições destes e da forma como os idosos são tratados.

Não me posso pronunciar nem devo sobre lares clandestinos, embora perceba o porquê de aparecerem por aí como cogumelos.

Quanto aos que conheço, todos eles de Misericórdias, serão sempre “um mal necessário” mas uma das soluções para o problema do envelhecimento, da solidão e do abandono.

Regra geral com bons equipamentos, oferecem aos utentes condições hoteleiras que a maioria nunca teve e onde são tratados com humanismo, que às vezes também não chegaram a conhecer no seio da família.

Confunde-se muito as instituições de solidariedade social, como é o caso das Misericórdias, com o Estado, exigindo daquelas como se deste se tratasse.

     Pior ainda, no caso das Misericórdias há quem pense que têm muito dinheiro, porque recebem dos chamados jogos sociais, desde a lotaria ao euro milhões. E quanto dinheiro… …

     Grande engano, ilusão da publicidade enganosa que, ao que parece, nunca ninguém quis clarificar, pois a verdade é que a instituição que lucra com esses jogos é a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA, que nada tem a ver com as outras Misericórdias espalhadas pelo país.

Essa, de Lisboa, já há muito que passou a ser um instituto do estado, excelente lugar para albergue de políticos e de outros “jobs”.

As outras, salvo raras exceções, vivem e sobrevivem com o deve e o haver, com despesas a contrabalançar com receitas do dia-a-dia, de gestão rigorosa pois as que não equilibrarem as suas contas vão à falência como qualquer empresa.

No caso dos lares que cumprem as normas legais, as exigências são tais que os custos só podem ser elevados. E o papel do Estado no meio disto? Está aí para exigir mais e mais e, quando comparticipa, paga cerca de um terço do custo do idoso. E quem paga o resto?

Olhemos para a realidade dos lares da Misericórdia de Lousada e vamos a factos. O custo mensal de um utente é de cerca de mil euros num lar e de mil e duzentos euros no outro. Se o contributo da Segurança Social, na parte comparticipada, é de pouco mais de um terço, se a média daquilo que cada idoso e familiares paga é outro tanto aproximadamente, onde se vai buscar o que falta?

Em 2011 a chamada “área social”, onde estão incluídos os dois lares, teve um défice de muitos, muitos milhares de euros que a Santa Casa teve de cobrir com outras receitas. Por esta razão, na Misericórdia de Lousada seguimos o princípio de “quem pode paga o seu custo, quem não pode paga em função do que tem”.

A Misericórdia só pode e deve fazer misericórdia com os que efetivamente precisam porque se não formos suficientemente rigorosos, o défice será ainda maior.

O rigor nas admissões impõe-se mais que nunca, pelo escamotear de meios para pagarem o menos possível.

Vem-me à memória um diálogo com alguém que “precisava muito” de pôr o sogro no lar. “Passa o dia sentado na cadeira, onde até faz as suas necessidades, porque o filho que vive com ele sai de manhã e só volta à noite”, dizia-me com grande consternação.

Confirmei-lhe que havia uma vaga para homem, que era preciso organizar o processo de admissão e veio logo a pergunta sacramental: “E quanto vai pagar”? “Em função dos seus meios”, respondi. “Mas ele só tem uma reforma de pouco mais de duzentos euros”… informou de imediato.

“Não tem problema, irá pagar 85% da reforma. Mas, espera aí, o sogro não é dono de várias quintas?” perguntei. “É sim, mas são para os filhos”, respondeu com convicção.

“Acho bem” disse eu, “ mas tendo meios próprios como tem, os filhos têm de pagar o seu custo”.

Resultado desta conversa “desesperada”: O “velho” continuou nas condições miseráveis em que estava, porque os bens que juntara ao longo de uma vida e que deveriam servir para lhe proporcionar condições dignas na velhice, já não estavam ao seu serviço. Para alívio de alguns, “o problema” faleceu um mês depois…

É este um exemplo de uma amostra significativa de familiares que têm com os idosos uma ação, e não relação, de “sangue”, no sentido literal da palavra.

Felizmente ainda há o outro lado, o dos bons exemplos, e não resisto a referir o caso de uma senhora que vinha procurar emprego.

Há três anos atrás estava a trabalhar mas, quando a sua mãe adoeceu gravemente, entre o emprego que lhe fazia falta e a falta que fazia à mãe, optou por se despedir para “olhar pela mãe”. Agora que a mãe “partira”, já podia voltar a ter emprego.

Mesmo no deserto ou no pântano, ainda há flores de rara beleza.

Terceira idade

A melhoria das condições de vida em geral e dos cuidados de saúde em particular tem aumentado a esperança de vida e, por isso mesmo, tem promovido um crescente envelhecimento da população, prevendo-se que dentro de uma década os números passarão a ser muito preocupantes.

Entrar na terceira idade é entrar no princípio do fim da existência o que, por si só, já traz uma carga de infortúnios, como as limitações físicas, perda de audição, visão, memória, raciocínio e outras, havendo ainda os que são atormentados com aspectos transcendentais e espirituais. E o pior é que muitas vezes atravessam essa porta solitários, sem apoio nem amparo dos familiares.

O ritmo de vida atual afasta a família dos idosos, para quem passam a ser um fardo, alguém a quem não podem dar atenção, muitas vezes para quem não têm espaço, nem na casa nem no coração e, por isso, sentem-se marginalizados. Já Chateaubriand dizia que “outrora a velhice era uma dignidade, mas hoje é um peso”.

O envelhecimento da população associado à evolução da vida da sociedade e à alteração da estrutura da família tem como consequência um aumento da procura de instituições da terceira idade.

Quando um idoso tem família e é institucionalizado, tende a sentir-se revoltado, só e insatisfeito, afastado do seu meio e da suas ligações sociais. É verdade que, embora ainda raros, já há aqueles que por iniciativa própria se mudam para um lar, assumindo um resto de vida com autonomia dos filhos e uma não ingerência nas suas vidas. Na realidade, os lares são uma das grandes respostas às necessidades dos idosos nos dias de hoje, numa sociedade onde lhes falta espaço e valorização.

Vem isto a propósito dos lares a que estou ligado na Santa Casa da Misericórdia de Lousada e onde constato factos, comportamentos de familiares e utentes, presença ou esquecimento de uns e alegria ou desengano de outros. Há muitos e bons exemplos de filhos, outros familiares ou simplesmente amigos, que se preocupam com o bem estar do idoso, são visitas assíduas, um apoio constante. Deus os abençoe por essa dádiva.

Em contrapartida, alguns idosos são simplesmente “despejados” no lar pela família, muitas vezes depois de completamente “despojados” dos bens que angariaram ao longo de uma vida, e votados ao esquecimento. E a instituição que tome conta deles, que é sua obrigação. Sendo um princípio da Misericórdia de que “ninguém é descriminado na admissão pela sua condição económica”, somos confrontados com familiares a escamotearem os bens para que o ónus do custo passe para a Santa Casa. E depois de “despachado” para o lar, rapidamente se desligam, deixam de aparecer e remetem-no ao esquecimento, aliviados que estão do “fardo”.

Lembro-me daquela filha que ao ser-lhe comunicada a morte do pai e o dia do funeral disse não ter tempo para tal pois tinha de tratar do seu casamento ou dos herdeiros que nunca quiseram saber da mãe, mas que apareceram para brigar por uns brincos. Dizia-me um utente, já de idade avançada, marcado por estes abandonos: “Sabe, os filhos esperam algo de nós mas nós nada podemos esperar deles”. Não conseguindo substituir de todo a casa da família, os Lares são um porto de abrigo, a segurança no entardecer e o evitar de um dos maiores castigos do ser humano que é o envelhecer e morrer sozinho.

O senhor Neto das Finanças merece-o bem

Os topónimos são os nomes de um lugar, sítio ou povoação e as suas origens são muito diversas, a partir do latim, do grego ou do árabe, com nomes de pessoas, árvores, plantas, rios e até mesmo relacionados com o relevo e acidentes do solo e outros.

Foi assim que, ao longo de séculos, surgiram os nomes dos países, regiões, cidades, vilas, aldeias e lugares, que serviram de referência a gerações e gerações, num processo sempre evolutivo. Só que essa evolução natural virou há pouco tempo entre nós em obrigação legal, para fazer face às exigências da modernização tecnológica e não só.

Como consequência disso, nas zonas rurais, como é o caso de Lousada, os lugares e caminhos da nossa infância tiveram de ser promovidos a ruas, avenidas, becos ou vielas e batizados, com a atribuição dos chamados “números de polícia”, processo esse que trouxe incómodos e prejuízos a muita gente porque, a partir de certa altura os CTT deixaram de entregar a correspondência que não tivesse o novo endereço completo. Ainda hoje há quem esteja a ser penalizado por isso.

Se nos núcleos urbanos a maioria das vias já tinha designação, as grandes alterações verificaram-se principalmente nas freguesias rurais onde, regra geral, era o lugar e não a rua, que era rei e senhor. E foi aí que houve alterações significativas, algumas efectuadas com ponderação enquanto outras foram feitas de forma que não lembraria ao diabo.

Foi com agrado que vi que a designação de muitos dos lugares da minha meninice foi mantida, embora alterando o lugar para rua. Sinal de bom senso, de respeito pelo passado, de preservação das memórias e do seu significado para muita gente. Só não percebi porque é que alguns desses caminhos, que não passam de vielas, pomposamente passaram a chamar-se avenidas.

Em contraponto, foi com tristeza que vi desaparecer os nomes de muitos outros lugares da minha infância, referências do meu passado, para serem substituídos por nomes de pessoas sem qualquer sentido.

Pensava que a toponímica nominal era para honrar e perpetuar figuras que, por uma ou por outra razão, se destacaram na sociedade, cultural, social ou desportivamente. Mas não, alguns autarcas fizeram tábua rasa deste princípio, “apagaram” o histórico do lugar, batizando as “novas” ruas com nomes de pessoas que, na sua maioria, nada fizeram por ninguém, nalguns casos mesmo que o seu registo devia ser apagado da nossa memória coletiva tal foi o seu mau contributo à sociedade, talvez tendo como únicos critérios o facto de terem existido ou de serem da família.

Mas tudo isto vem a propósito de alguém que, esse sim, merece que o seu nome não seja esquecido pelos lousadenses, pelo muito que ajudou pessoas e empresas desta terra, no recato do seu gabinete.

Homem simples e de excelente trato, José Francisco Neto, mais conhecido por senhor Neto das Finanças, soube humanizar uma função e um cargo que, regra geral, é visto pela população com respeito e algum terror.

Recebia de igual modo ricos e pobres e para as dificuldades de cada um procurava encontrar a solução mais adequada à sua condição de contribuinte, protegendo-o o mais possível, sem esquecer a sua responsabilidade para com o estado.

Muitas empresas mantiveram-se em atividade porque ele soube encontrar o equilíbrio entre a ação fiscal e a precária capacidade de cumprimento daquelas, e muito mais contribuintes individuais encontraram nele a saída para o seu problema, dentro do quadro legal.

Trabalhou alguns anos mais para além da idade da reforma e, paradoxalmente, a doença que o vitimaria manifestou-se de forma violenta no seu último dia de trabalho, roubando-lhe o direito ao gozo de uma merecida aposentação.

Um grupo de cidadãos que o não esqueceram irão prestar-lhe no dia 7 de Julho o seu tributo, através de uma missa na Capela do Senhor dos Aflitos e de romagem ao cemitério, relembrando a sua pessoa e o Homem. Ainda bem que há quem tenha memória.

Embora pareça banalizada a toponímica pelo que atrás referi, ainda penso que o batismo de uma rua com o nome de alguém é uma homenagem e uma forma de honrar a sua memória, a memória, como dizia Camões, “daqueles que por obras valorosas se foram da lei da morte libertando”. E o senhor Neto das Finanças merece-o bem.