Ao longo da vida somos conhecidos por muito mais nomes do que aqueles que podemos imaginar, mas o mais importante é sempre o que descreve e define o nosso carácter. Como é que somos falados e conhecidos entre as pessoas com quem convivemos, sejam familiares ou amigos? E como nos chamam aqueles com quem não mantemos qualquer relação de proximidade? Ao nosso nome acrescentam uma característica positiva ou negativa para nos identificarem quando se querem referir à nossa pessoa? Num meio rural como era o nosso, para nos identificarem com mais facilidade ao nome principal associavam um apelido (José da Silva, António Magalhães), uma alcunha (Manuel Pilão, Arnaldo Carcanho), o lugar de nascença (Joaquim da Aldeia, Mário da Estrada) ou até de residência (Ribeiro da Cavadinha, Barbosa do Bacelo), o nome do pai (José do Paulino, Manuel do Carvalho ), da mãe (António da Emilinha, Ana da Albertina), uma profissão (Alberto Espingardeiro, Belmiro Latoeiro), um defeito físico (João Corcunda, Afonso Manco) e uma qualidade moral (Aninhas Bondosa, Armandina da Ajuda), física (Alzira Peituda, Cardoso do Sinal), artística (Manuel Fadista, Carlos Acordeonista) ou outra qualquer. Ao longo da vida já ouvi chamarem-me muitos nomes variados usando parcialmente um dos 4 que tenho ou juntando 2 de forma aleatória e de me “atirarem” com outros bem menos simpáticos, do calão mais suave ao mais ordinário, a maioria das vezes quando não estava presente. Em criança, associavam ao meu nome o nome da minha mãe. Depois, em adolescente, era o meu pai a emprestar-me o seu apelido. E finalmente, a partir daí, de forma mais consistente, passaram a brindar-me com os apelidos dos dois, numa justa homenagem ao dueto que me trouxe a este mundo. Para identificar mais especificamente alguma pessoa, mencionamos às vezes um sinal, um tique, uma característica especial, uma forma de conseguirmos que saibam de quem falamos. Mas entre as pessoas somos também conhecidos quase sempre pelas nossas virtudes como a seriedade, honradez, honestidade e solidariedade ou pelos nossos principais defeitos que nem vale a pena enumerar. E é verdade que, desde que me conheço, o bom nome e a boa reputação valem mais do que qualquer riqueza, se bem que, à medida que a sociedade evoluiu, e com isto não quero dizer que tenha sido para melhor, e os anos foram passando, um nome honrado, prestigiado e brioso é algo de que nem todos se podem gabar. E como ele é importante, tanto para as pessoas como para as próprias empresas … A boa reputação e bom nome, tanto de pessoas como de organizações é um elemento intangível que todos devemos prezar. A verdade é que, num universo cada vez mais competitivo, em que as informações circulam e fluem de forma muito rápida a nível global, faz sentido que a reputação de pessoas e organizações seja um ingrediente essencial. É que, sem uma reputação à prova, que transmita confiança, qualquer pessoa ou organização fica mais exposta e mais vulnerável ao intenso escrutínio dos media, redes sociais e opinião pública, como temos visto nos últimos tempos entre nós, sobretudo na classe política. E vemos também que, se não tiver um bom capital de reputação, tanto o homem mais poderoso pode cair, como a empresa mais sólida do mundo pode ser desmoronada … A boa reputação não é algo que se compre. É construída ao longo dos anos, dia a dia, por meio das boas ações e atitudes, seja no ambiente profissional, familiar ou social e quanto mais sólida e baseada no caráter, fazer o bem, no servir o próximo com integridade, menores serão os abalos que sofre. Boa reputação é dignidade, integridade, ética, honestidade e confiança na ação. É um atributo que se ganha com dificuldade e se perde com muita facilidade. Nas empresas, é um valor estratégico que gera valor e evita as crises. Não é uma questão de dinheiro ou fama, mas sim de confiança, credibilidade, respeito e admiração. Há alguns anos, nos Estados Unidos, ao ser lançada a suspeita de que um medicamento contra a dor que era usado em larga escala causava envenenamento nos doentes, houve pânico geral. Perante tão grande alarme, a empresa farmacêutica fabricante do produto assumiu de imediato a responsabilidade pelo ocorrido e das consequências daí resultantes, tendo gastado elevadas quantias em todo o processo. Os responsáveis da empresa estavam determinados em fazer o que era correto sem pensar nos custos. Embora não fosse esse o objetivo, a reação imediata e assumida da responsabilidade pela empresa viria a trazer resultados positivos no futuro. A integridade com que agiram nessa situação difícil, viria a aumentar-lhes a credibilidade, tendo isso contribuindo para que fosse escolhida como empresa de melhor reputação no país em 2001, por um conceituado jornal americano. É interessante comparar esta com uma outra empresa de pneus, ela também americana, que passou por uma situação semelhante, mas com pneus defeituosos que causaram numerosos acidentes, alguns deles fatais, até se descobrir a causa. Ao contrário dos dirigentes da empresa atrás referida, os seus diretores preferiram negar de forma categórica a sua responsabilidade e lançaram a culpa disparando em todas as direções, atribuindo-a a todo o mundo menos a si próprios. Depois de processo em cima de processo, de grandes indemnizações e acordos judiciais, a credibilidade da empresa cairia pelas ruas da amargura, um custo suplementar bem alto por não terem assumido e com isso salvaguardo o bom nome. Porque, “aquele que perde a sua reputação pelos negócios, perde os negócios e a reputação”. A nível pessoal todos conhecemos algumas pessoas por quem “podemos pôr a mão no fogo”, gente com um bom nome e merecedora da nossa confiança. Mas também conhecemos “outros”, se calhar em maior número, cujos nomes pelos quais são conhecidos não se limitam aos que têm de batismo … A boa reputação não tem preço. Pode-se passar toda uma carreira e o tempo de uma vida trabalhando para construir uma sólida reputação, um bom nome com credibilidade, honestidade e altruísmo e tudo isso pode ser destruído num instante, numa saída infeliz, na transigência sem ética, numa decisão irracional ou imoral. Warren Buffet dizia que “são necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para a destruir”. Sendo que, “na tua terra o que conta é a tua reputação e, nas outras, as tuas roupas”, não podemos nem devemos submeter-nos só a uma boa reputação se para isso tivermos de sacrificar a consciência e até o caráter. Será bom lembrar as palavras de John Wooden: “Preocupa-te mais com a tua consciência do que com a tua reputação. Porque a tua consciência é o que tu és e a tua reputação o que os outros pensam de ti. E o que os outros pensam, é um problema deles” …
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Quer conhecer as tais 36 perguntas?
Já deu uma vista de olhos ao rol de 36 perguntas que pode vir a ter de responder se quer conseguir alguma coisa da vida? Se é daqueles que ainda não se deu ao trabalho de as estudar bem para um dia destes ter as respostas na “ponta da língua” e as poder passar à “ponta da caneta”, acorde e “meta mãos à obra” que não é assim tão pesada. Há coisas muito piores e que valem bem menos do que o prémio que pode esperar no final como resultado disso. É que, se for apanhado de surpresa, pode atrapalhar-se, dar a resposta menos conveniente, “meter as mãos pelos pés”, ser mal interpretado, estragar o que pode vir a ser uma vida de sonho e a sua felicidade. Sim, porque a sua felicidade pode estar ao virar da esquina. Mas tem de fazer a parte que lhe toca pois é coisa que os outros não poderão fazer por si. A duração sugerida é de dois a quatro minutos, mas o autor da lista pôs alguma ênfase na sua recomendação: “Dois só é suficiente para ficar apavorado e quatro dá realmente algum resultado”. Mas, se ainda não conhece as perguntas que o poderão fazer feliz e que a imprensa não revelou em pormenor, eu vou revelar-lhas em primeira mão. Anote: “1 – Se pudesse escolher qualquer pessoa do mundo, quem iria querer como convidado para um jantar?
2 – Gostaria de ser famoso? De que forma?
3 – Antes de fazer um telefonema, costuma ensaiar o que vai dizer? Porquê?
4 – O que constitui um dia “perfeito” para si?
5 – Quando foi a última vez que cantou sozinho? E para outra pessoa”?
Chegado aqui, tenho de parar. Está confuso, pois não era este tipo de perguntas que estava à espera? Mas então, estava à espera de quê? De conhecer as 36 perguntas que o primeiro-ministro e o governo arranjaram para “caçar” alguns futuros governantes, sem mácula e sem “esqueletos no armário”? Nada disso, pois esta é a lista das 36 perguntas do questionário resultado de uma experiência científica do psicólogo Arthur Aron e é um verdadeiro teste à intimidade de um casal ou de duas pessoas que estão interessadas em poder sê-lo, mas que não têm a certeza do sentimento que as une.
Mas se estava a pensar nas “tais perguntas” para se ir preparando no caso de um dia vir a ser convidado a ser governante, ou antes disso, para ver se passa no “teste de honestidade” enquanto candidato a tal, para não correr o risco de entrar pela “porta principal” e ter de sair logo de seguida pela “porta das traseiras” como aconteceu as “uns quantos” nos últimos tempos, eu até lhe poderia disponibilizar todo o rol de perguntas, da primeira à última, mas não me parece boa ideia e digo-lhe porquê: Este inquérito de 36 perguntas, mais do que evitar candidatos sem condições para exercer cargos de governo da coisa pública, só vai afugentar muitos candidatos válidos, pessoas de bem com prestígio e mérito, que não vão querer ver a sua vida, nem a das pessoas que lhe estão próximas, devassadas nem esparramadas em grandes parangonas nos jornais e televisões nacionais.
Claro que vai sempre haver candidatos disponíveis para esses lugares do poder, aqueles que andam na vida para o ser: os “carreiristas” dos aparelhos partidários, sem mérito ou talento, se é que isso possa ser alguma mais-valia para o lugar. E então vamos continuar a queixar-nos da má qualidade de quem nos governa …
Mas para lhe satisfazer a curiosidade dessa lista e o submeter a uma pequeníssima amostra, o que pensa se eu o convidar para jantar, mas condicionar o haver jantar ou não àquilo que responder a uma única pergunta das tais (e já nem falo de todas as 36 do inquérito)? Aí vai: “Está insolvente (falido)”? Como resposta e em bom português, era capaz de sentir-se ofendido e me mandar “àquela parte” …
A título de curiosidade e para percebermos as diferenças de postura, nos Estados Unidos, aqueles que têm objetivos políticos e pretendam vir a ocupar qualquer lugar de governação, antes de irem à “luta” e poderem ser eleitos ou escolhidos, mandam fazer uma investigação rigorosa a si próprios, onde a sua vida é espiolhada de alto a baixo na intenção de não deixar nada a descoberto, desde as relações com a família, amigos e institucionais, se descobrem todas as fragilidades da vida pública do candidato como da vida privada, ao ponto de se saber com quem se dá, que tipo de sites vê na internet, se vê pornografia, traiu a mulher ou foi traído, etc., etc.. Ali não ficam à espera que seja o seu partido ou governo a colocá-los perante um questionário de 36 perguntas com a obrigação de o preencher, para além de atestarem da sua veracidade.
Mas deixemos as 36 perguntas da política e voltemos às 36 perguntas que podem fazer as pessoas se apaixonarem. Este questionário viria a ganhar popularidade em 2015 depois da cronista de um conceituado jornal americano ter recuperado a experiência e posto em prática no encontro com um antigo colega da faculdade. Depois de 36 perguntas fizeram 4 minutos de silêncio a olharem-se nos olhos e o resulto foi: Apaixonaram-se.
Por isso, se a sua preocupação não é o poder ou não vir a ser membro do governo, mas de perceber se a sua relação com alguém tem futuro, arrisque fazer a experiência de Arthur Aron que encontra com muita facilidade na internet. Quando muito, será divertido, mas pode valer a pena e até abrir-lhe a porta da felicidade. Porque não?
De médico e louco, todos temos um pouco …
Dizem os médicos que tenho uma tendinite no ombro e ela de vez em quando faz questão de me lembrar que continua ali para me chatear e fazer gemer. E eu gemo, faço fisioterapia ou tomo um medicamento prescrito pelo médico para a acalmar. Há alguns dias, quando estava num desses momentos de crise a massajar o ombro na tentativa de aliviar a dor, alguém do lado disse-me: “Eu também andava com uma dor no braço e o médico deu-me uns comprimidos que me fizeram desaparecer a dor num instante. Porque é que não tomas já um”?
É vulgar termos ao lado um familiar, amigo ou colega de trabalho que, para um problema de saúde, disponibiliza um medicamento na hora ou, no mínimo, prescreve o que é que devemos tomar porque foi o medicamento que resultou com ele em determinada situação, que até pode não ser igual à nossa. E no caso de recusarmos o conselho ou medicamento, ainda que de forma diplomática, pode ficar amuado, sentindo a rejeição como uma afronta, como se os seus “serviços” não sejam valorizados, quando a intenção era só de ajudar.
Desde sempre houve esse espírito de entreajuda. Só que, se noutro tempo se limitava a recomendar uma “mezinha”, um chá de cidreira, camomila, limonete ou tília, “talhar o pulso” ou outra parte do corpo, “endireitar a espinhela” e até uma ida ao “bruxo”, nos dias de hoje o desenvolvimento da medicina, muito em particular da farmacologia, para além da vasta informação obtida no “Dr. Google” (onde se sabe tudo de tudo), é frequente encontrar em alguém que nos é próximo um aconselhamento terapêutico ou até assistencial na hora, mesmo que não profissional, com medicação que diz “apropriada” para o nosso caso. As mulheres são as mais “eficientes” pois, para além de se disporem com mais facilidade a ajudar, têm um leque mais vasto de um “suposto conhecimento médico” e são mais prevenidas porque trazem sempre consigo um stock de medicação “muito bem aviado” – para alguma coisa servem as bolsas enormes que trazem às costas – e são elas que “prescrevem” às pessoas em sofrimento o que devem tomar, com base na sua experiência pessoal, numa vontade de ser útil ao próximo e num “Deus queira que dê certo”. É assim ou por decisão própria, que nos automedicamos frequentemente, às vezes correndo riscos sérios sem o saber.
Por alguma razão surgiu o ditado popular que “de médico e louco, todos temos um pouco”. É que temos uma tendência geral para “dar receitas” a toda a hora. Se alguém ao nosso lado diz que está com dor de cabeça, a “receita” é instintiva: “Toma Ben-U-Ron que isso passa”. Mas se a dor é num braço ou na perna, o “médico de serviço” ao lado recomenda um “Brufen” porque além do efeito analgésico (tira a dor) também é anti-inflamatório. Se outrora houvesse alguém a espirrar o diagnóstico era “estás constipado” e a receita um “mete-te já na cama, toma um chá quente com mel e agasalha-te” ou, mais resumidamente, um “abafa-te, avinha-te e abifa-te”. Mas hoje, como já estamos muito “formatados” no receituário farmacológico, não são as mezinhas que aconselhamos, mas antes um “Atarax” que faz parar o pingo do nariz e alivia a respiração. Mais ainda, já somos suficientemente capazes de aconselhar ao nosso vizinho e “paciente” que precisa de ser operado às varizes, tirar as cataratas, arrancar o dente ou meter uma prótese da anca, caso contrário cada vez anda com mais dificuldade e maiores serão as suas dores a caminhar. Pensando bem, esta nossa “veia de médico” deveria dar-nos para aconselhar os “pacientes” a procurar conselhos de quem é realmente responsável, em vez de estarmos a querer impingir receitas baseadas em conhecimentos de “Espírito Santo de orelha”. E há riscos, mesmo em medicamentos de consumo corrente como é o caso do “Paracetamol” (Ben-U-Ron), um dos que é mais vendido (e sugerido por nós, leigos), pois a sua utilização em excesso pode levar a complicações.
A facilidade de acesso à informação convenceu muito boa gente que basta ler artigos na net e consultar a Wikipédia para ser especialista e estar abalizado a emitir opiniões e prescrever receituário. E já vimos isso de forma assustadora em muitos órgãos de informação durante a crise pandémica, onde toda a gente tinha opinião sobre assuntos que pertencem à esfera médica. Políticos, sociólogos, psicólogos, artistas, jornalistas e muitas outras pessoas cujo contacto com um hospital se limitou a estar sentado numa sala de espera, gente que não percebe patavina do assunto, permitiram-se emitir opiniões sobre as vacinas, defendendo o não à vacinação, fazendo crer que quem nada percebe são os cientistas e estudiosos que as desenvolveram. E os exemplos piores vieram de responsáveis mundiais como Trump, Bolsonaro e outros, ao darem a sua opinião de leigos com estatuto de autoridade médica sobre como controlar a pandemia. Trump chegou a sugerir que se injetasse desinfetante pelos brônquios dos infetados, tendo sido registados muitos casos de intoxicações em gente que seguiu a sua sugestão. Já agora, qualquer um pode ter um blogue com aspeto muito sério e profissional onde ensina a emagrecer numa semana, a fazer exercício para deixar de usar óculos, eliminar a queda do cabelo e outras maleitas humanas. E tudo cientificamente comprovado. Se de médico e louco todos temos um pouco, não se pode confundir a sabedoria popular genuína, baseada na tradição e transmitida de geração em geração com o conhecimento à pressa e sem critério nos média ou em qualquer site da moda.
Bom seria que fôssemos capazes de evoluir na medicina tradicional e desenvolver os conhecimentos milenares, pois é verdade que muitas receitas de raízes, ervas e larvas usadas antigamente na cura das doenças começam a ser aceites na medicina alopática e homeopática. E os banhos de imersão, sangrias e a aplicação de larvas para curar as feridas, além de sanguessugas que voltam a ser usadas como terapia.
Bom seria que a medicina tradicional encontrasse solução para a dor de cotovelo, a ganância, o egoísmo e a falta de humanidade. Era certo ter clientela garantida …
A morte é o nosso maior “tabu” …
A morte tornou-se no maior tabu da nossa sociedade. Nem sexo nem drogas se lhe comparam. Ver, ouvir ou até, simplesmente, falar dela, é algo de que fugimos “como o diabo da cruz”. Se quando eu era criança a maioria das pessoas quase sempre morria em casa, no meio das suas coisas, no seu ambiente e rodeado pela família, pouco a pouco e de forma sub-reptícia começou-se a empurrar esse fenómeno porta fora, a afastá-lo para o mais longe possível ao contrário da vivência desse tempo, de tal forma que agora a maioria das vezes a morte só acontece nos hospitais e lares ou noutras instituições, mas sempre e sempre longe de casa. Começamos por expulsá-la das nossas vidas e depois também, das nossas conversas. Deixou de ser falada, tornou-se invisível. Até deixamos de pronunciar o seu nome como se tivesse peçonha. A morte passou a ser uma estranha para nós e sempre que nos é possível, só estabelecemos algum contacto à distância de uma mensagem de condolências, de um acompanhamento afastado no cortejo fúnebre. E agora passamos a vida a evitá-la, a negá-la e a viver num “faz-de-conta” como se a morte não existisse. E a nem falar nela como se o simples falar a possa atrair. Ora, se ela é uma certeza, uma inevitabilidade, não seria muito mais racional prepararmo-nos para o momento em que nos bater à porta? Mas não é assim e o medo de a encarar com naturalidade, assusta-nos e bloqueia-nos, fazendo com que deixemos sempre tudo para depois. Ora, como é inevitável, não pode ser considerada uma derrota da pessoa e nem uma vitória da doença ou do que quer que seja que a faz acontecer. Nada disso, já que é simplesmente a vida ou o seu fim, de que faz parte integrante. Desperdiçamos tempo e vivemos como se não fôssemos morrer, nem hoje nem nunca, negando a realidade que nos vai surgir no caminho e trocando as prioridades. E mais tarde vem um “Ah, se eu soubesse o que sei hoje”? Só quando chegam algumas doenças graves, acidentes, epidemias ou pandemias como a provocada pela Covid-19 e ela nos bate à porta sem avisar nem pedir licença, como que saímos da ilusão em que vivemos de que somos mais fortes que ela, na fantasia de que a podemos fintar ou até enganar. E aí a questão não é ser ou não ser mais forte que ela, porque ela faz parte de nós e nós dela e é isso que temos de interiorizar. Se virmos bem, evitamos dizer a palavra “morrer” ou “morto”, como se as palavras tenham “lepra”. Quase sempre são substituídas por um “falecer” e “falecido”, por “finar-se” e “finado”, quando não o simples “foi-se”, “apagou-se” ou “já não está entre nós”. E para os religiosos, um “está com Deus”. O velório era em casa do morto, por mais humilde que fosse e muitas vezes não tinha um mínimo de condições, a começar pela largura das portas, quase sempre insuficientes para passar o caixão. Era preciso inventar para tirar o caixão de casa com o morto dentro, pois não se podia pedir ao falecido para se levantar, sair de casa pelo seu pé até fazerem sair o caixão de lado e sem a tampa, para voltar a “instalar-se” comodamente e de novo no seu último “fato”. Mas era a sua casa, para a vida e até para a morte. Tantas vezes ficava no “seu” quarto durante uma noite por não haver uma sala, velado pelos familiares, amigos, vizinhos e conterrâneos, que se revezavam durante a noite quase sempre aquecida com uma garrafa de bagaço. E era dali que partia para a sua última cerimónia religiosa na igreja local e depois para o cemitério. Não havia traumas por se ver o caixão e o corpo do morto. Lembro-me de José Barbosa da Mota, um homem que veio do Alto Minho para ganhar a vida entre Macieira e Aveleda, até a morte o levar. Vivia sozinho e logo que juntou algum dinheiro, comprou um caixão que colocou atrás da porta de entrada da casa humilde onde vivia, para garantir que teria um “fato” à medida. Durante anos viveu e conviveu com ele sem qualquer assombramento. Ora, também o tempo acabou por empurrar o velório para fora pois a sociedade foi criando gradualmente espaços externos para se depositar o corpo, as chamadas “capelas” ou “casas mortuárias”, evitando que ao sair do hospital ou Lar tenha de passar por sua casa e “devassar” o espaço que era seu, mas já deixou de ser, como se isso viesse a deixar algum “assombramento” em casa. E todos aderimos a este processo porque mantem o morto à distância, é mais “higiénico” dizem, dá um certo “alívio” por não ter de se viver com ele mais 24 horas seguidas, pelo menos, e torna mais leve todo este processo doloroso que é a perda e separação de um ente querido. Enquanto antigamente as crianças vivenciavam e eram inteiradas na realidade da morte, integrando na prática os rituais fúnebres a partir do funeral (e eram sempre muitas as que faziam parte das “cruzadas” e acompanhavam o morto à igreja e depois ao cemitério), hoje foram afastadas e “protegidas” para não sofrerem traumas psicológicos com consequências na sua saúde (ficando em casa agarradas ao telemóvel ou computador que as pode atrofiar bem mais que um funeral), coisa em que ninguém pensava no meu tempo de criança sempre que tive e tivemos de participar em tantos funerais mesmo quando o morto não pertencia à família. Até essa proteção e distanciamento excessivos a que as crianças hoje estão sujeitas acabam por não ser benéficas e nem sequer as ajudar a crescer. Séneca dizia que “erramos ao ver a morte à nossa frente como um acontecimento futuro, enquanto parte dela já ficou para trás, pois cada hora do nosso passado já pertence à morte”. Devemos temer menos a morte e muito mais uma vida insuficiente, inútil ou vivida pela metade. Temos de aprender a viver como deve ser, para saber morrer bem. E de perceber que a morte nos dá uma lição grandiosa: de que tudo é transitório. Porque chegamos aqui nus, ganhamos um mundo de bens, mas, ao partir, voltamos a ir sem nada, completamente nus. E, para além de tudo, seguir o conselho de Freud: “Se queres poder suportar esta vida, tens de estar pronto para aceitar a morte”. Porque se não fizermos a aceitação da morte, não seremos verdadeiramente livres nesta vida …