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Os malucos já tomaram conta deste manicómio

O manicómio em que se tornou este mundo ocidental em que vivo anda à deriva e, em muitas situações, os malucos já tomaram conta dele. E não há volta a dar. Eu pensava que a maioria dos homens que o habitam eram normais, racionais, conscientes do certo e do errado, com respeito pela história, pelo bem comum e pelos outros, pela sua liberdade e criatividade, vivendo em democracia, sem censura nem fingimentos. Mas aquilo que me parecia “normal” virou-se do avesso neste ocidente dominado pelo “politicamente correto” e por minorias que gritam mais alto que ninguém, com o absurdo no topo da agenda.                          Derrubaram-se monumentos, retiraram-se estátuas dos lugares onde estavam expostas por honrarem a memória de esclavagistas de eras passadas ou de descobridores de novos mundos, agora passados de “descobridores e heróis” a “colonialistas, racistas e bandidos”, como se faça algum sentido julgar atos de há mais de 500 anos com o olhar de hoje. Colocaram placas em museus a pedir perdão pela brancura das esculturas para não se entender por promoção da superioridade do povo europeu. Até uma exposição de Darwin, em Londres, teve de ser revista por algumas peças poderem ser tidas por ofensivas.

Por cá também chegou a imbecilidade com o que fizeram à estátua do Padre António Vieira e com os brasões do Jardim do Império em Lisboa, onde ainda querem mudar o nome para apagar a história. O que é isto e quem é esta gente? De que complexo sofrem os governantes que se submetem servilmente à vontade destas minorias tão (a)berrantes? Vamos agora demolir as pirâmides porque foram feitas com recurso a trabalho escravo?! Vamos derrubar todas as efígies de reis porque somos uma república?! Vamos riscar dos livros de História os nomes dos homens porque durante séculos consideraram que as mulheres eram propriedade sua, igualzinhas a uma colher de pau?! E serviria isso para impedir discriminações ou abusos futuros? Na mais recente vaga de estupidez, passaram a censurar as obras de Enid Blyton, como as aventuras dos Cinco, banidas das bibliotecas, e reescreveram livros de Agatha Christie, a rainha do crime, porque as descrições feitas então pelas escritoras, escritos com 100 anos ou mais, podem ofender os leitores de hoje. É a violação de legados que temos obrigação de preservar e que não se podem destruir. Novas edições surgiram, já revistas e reeditadas, com nomes, personagens e enredos adulterados para convertê-las em obras já “politicamente corretas”. Além da estupidez evidente, as tentativas de reescrever a História e todas as histórias, de apagar o passado para não ofender as novas gerações são ridículas e perigosas e nunca se sabe onde vão acabar. Quem ainda acredita que há bonomia nesta inenarrável escalada de imbecilidade, talvez devesse começar já a ponderar o que fazer a obras como Lolita (uma ode à pedofilia, supõe-se) ou o nosso Os Maias (um tratado ao incesto, adivinha-se) e até os Lusíadas, talvez tido por racista e uma ode à supremacia dos portugueses brancos. A que título na história Peter Pan, um personagem criado pelo escocês J. M. Barrie e que deu origem a um livro para crianças publicado em 1911, se mudaram os protagonistas que fizeram parte do original do livro e dos filmes, sendo quase todos substituídos por “não brancos”. O único branco que “sobreviveu” na história é o … “Capitão Gancho”, talvez por ser o “mau da fita”. O mesmo se passa em outras histórias infantis, fazendo com que esse monstro da indústria cinematográfica que é a Disney se tenha vergado aos protestos de algumas minorias em nome da tal “inclusão” e “não discriminação”.  Em vez de se fazer a promoção das histórias que cada raça ou povo tem, reescrevem-se as que tiveram sucesso apesar da “brancura” dos protagonistas e faz-se “integração”, adulterando aquilo que o autor criou e que não pode deixar de ser uma obra sua, que não pode nem deve ser alterada.                                    É impossível apagar aquilo que foi. E ainda bem. É conhecendo o passado que se pode criar um futuro melhor, não lhe subtraindo, amolgando e formatando aquilo que já passou à imagem da sociedade atual. Não é queimando livros e arrasando a memória que se evolui, (foi Hitler que o fez para apagar da história tudo o que fosse contrário à sua ideologia totalitária. Agora estão a querer fazer o mesmo) mas conservando-a para que todos conheçam os avanços e recuos que houve ao longo da história para chegar até aqui e qual foi o preço do que hoje se dá por adquirido e perceber quantas “montanhas” houve que transpor.                                                                                                       Numa escola de raparigas, em Inglaterra, a professora chegou à sala de aulas e disse: “Bom dia, meninas”. No final da aula um grupo de alunas protestou contra a professora por ter dito “bom dia, meninas” já que algumas delas não se “sentiam” do género feminino. E, veja-se, o protesto foi levado tão a sério, que a direção da escola, “feminina”, chamou a professora e exigiu que esta apresentasse um pedido de desculpas às “não meninas”! E ela teve de o fazer, apesar de estar a lecionar numa “escola de meninas”. Esta gente não está maluca? Ou será que os malucos já tomaram conta do “manicómio” e a maioria continua silenciosa, a dormir na forma?                                                   Stephanie Matto, ex-participante de um reality show americano, teve de parar o seu negócio inovador de venda de “peidos engarrafados” a 1.000 dólares o frasco por causa da dieta com ovos, feijões e proteína que fazia para produzir mais gases e que lhe causou complicações intestinais. A “Influencer digital” iniciou as vendas a pedido dos seus seguidores, que também lhe pediram para vender os seus sutiãs, as calcinhas, cabelo e até água usada no banho. Cada frasco, além dos gases, continha pedaços de fezes em forma de chouriço. Conseguira vender algumas centenas de milhares de dólares quando teve de parar por indicação médica, com muita pena dos clientes.                                                                            Com o corpo todo tatuado, o francês Anthony Loffredo é conhecido pelo “Projeto Alien Negro”. Tem muitos piercings e até já fez várias modificações corporais e cirurgias para conseguir a aparência do ET desejada. Removeu o nariz, orelhas e parte dos lábios. Até cortou 2 dedos da mão esquerda para se aproximar do modelo de “Alien” com que quer ser com a colaboração de médicos de deontologia duvidosa, mas ainda não está satisfeito com a sua imagem de um extraterrestre. Há cada uma!!!                                                                                                       Um deputado da Assembleia Legislativa do Brasil relatou o seguinte em plena reunião: “Aconteceu um assalto em S. Paulo. Um motorista da Uber apanhou três clientes e, no meio do caminho, os três homens, que eram os assaltantes, tentaram matar o motorista. No entanto, como ele era um antigo policial, mesmo pondo a vida em risco, reagiu e acabou por matar os três assaltantes”. A deputada Maria do Rosário, do Rio Grande do Sul, que não estava na reunião, quando soube do que aconteceu, reagiu com um comentário absurdo, que nos remete para as “tonterias” do nosso tempo e que merece ser divulgado para se ver qual o grau de loucura de alguém que está no poder e não sabe distinguir o certo do errado, ao dizer o seguinte: “Era bom que a sociedade parasse para pensar pois hoje temos três famílias a chorar por causa de um opressor. É que, no caso de ele (o motorista) não ter reagido, apenas uma família estaria a chorar. E assim, o prejuízo para a sociedade seria bem menor”.                                                                           Começo a pensar que o Hospital “Conde Ferreira” faz muita falta …

Zé do Telhado: (A)final, um homem bom?

Há um bom par de anos andei por terras de Angola durante alguns meses, tendo passado uma boa parte desse tempo em Malange. E a partir dali fazia incursões pela Baixa de Cassange para me dedicar ao estudo da cultura do algodão. Foi nessa região que me “cruzei” com o passado de um homem oriundo das nossas terras, onde se tornou figura mítica e ficou conhecido por Zé do Telhado. Depois de ter sido deportado para Angola na sequência de uma sentença do tribunal do Marco de Canaveses, estabeleceu-se em Malange como negociante de borracha, cera e marfim, sendo conhecido entre os angolanos como o “Kimuezo”, ou seja, o homem de barbas grandes, já que as deixara crescer desde que chegara a África. Viria a morrer em 1875 com 57 anos e uma enorme fama de homem bom, figura mítica e protetora dos mais desfavorecidos, de tal forma que ainda hoje, quase 150 anos após a sua morte, são feitas romagens à sua campa, um pequeno “mausoléu” erigido pelos naturais da longínqua aldeia de Xissa, onde morreu. 

Em 65 estive várias vezes diante do “mausoléu” e é impressionante como, passados que eram noventa anos sobre a sua morte, a sua fama de homem bom, de protetor dos mais necessitados e figura mítica, continuava viva no coração daquela gente de Angola, nessa terra onde acabou os seus dias. Ouvi-o de viva-voz da boca de alguns residentes da “sanzala”. E tanto o cuidado posto na conservação do mausoléu como o seu nome atribuído à escola local eram testemunho desse respeito e gratidão que a população local continuava a dedicar-lhe.

Zé do Telhado fora deportado para Angola, condenado pelos crimes que lhe foram imputados enquanto chefe duma quadrilha de ladrões, se bem que na mente (e talvez no coração) de uma grande parte das gentes da sua época, tenha permanecido como o “Robin dos Bosques português”, alguém que, à sua maneira e em época muito conturbada da História de Portugal, combateu as injustiças sociais e de quem, a senhora da Casa de Carrapatelo, onde levou a efeito um dos maiores assaltos, o que a torna insuspeita na sua afirmação, disse em tribunal: “Existem pessoas de bem que nunca deram às classes humildes um centésimo do que Zé do Telhado lhes deu”. 

Confesso que tenho uma atração muito grande por essa figura local, misto de bandido e benfeitor que ficou conhecida por Zé do Telhado, de que ainda ouvi falar muito na minha infância com admiração, até porque assaltou ou tentou assaltar algumas casas bem conhecidas na região. E ficou-me a curiosidade, porque não o respeito por alguém de quem ouvi muitas histórias, umas reais e outras de ficção, que o transformaram num herói aos olhos de uma criança e num mito para a sociedade.                                                                                                Aprendeu e trabalhou como capador e tratador de animais, tornou-se militar nos “Lanceiros da Rainha” em Lisboa, onde se distinguiu pela sua conduta e coragem, levando-o a tomar parte na luta pelos liberais contra os setembristas. Derrotado, fugiria para Espanha, regressando para aderir à Revolução da Maria da Fonte às ordens do general Sá da Bandeira. Nessa luta foi notável pela sua bravura, pelo que recebeu a mais alta condecoração de Portugal. 

Com a derrota da revolução, caiu em desgraça e foi expulso do exército, tendo regressado a casa pobre e marginalizado pelos vencedores, sem direito a um trabalho que lhe permitisse sustentar a família, sendo presa fácil para quem o tentava levar ao caminho dos assaltos como única saída para poder alimentar os filhos que lhe pediam pão. Foi sempre um homem com dignidade, não virando nunca a cara à luta, fosse como combatente ao serviço do reino e das causas que defendeu, quer fosse nos assaltos ou disputas nas feiras e romarias.

Como assaltante foi corajoso e cavalheiro, impondo alguns códigos de conduta ao bando com o respeito pelos mais fracos e pelas mulheres. Só roubava os ricos e fazia questão de distribuir parte do produto dos roubos pelos pobres. A benemerência do salteador ofendeu mais os poderes de então do que propriamente os roubos que fez e talvez por isso tenha sido perseguido sem tréguas. E a denúncia das injustiças sociais fizeram com que fosse tão louvado pelos pobres (e até pelos ricos), mas, sobretudo, um incómodo para o poder. 

Zé do Telhado teve assim três fases distintas na sua vida. A primeira, como capador de animais, homem casado e militar condecorado pela sua disciplina e coragem. A segunda, como chefe de uma quadrilha de ladrões, comprovadamente empurrado pelas circunstâncias de se ter colocado às ordens do General Sá da Bandeira, aderindo à Revolução da Maria da Fonte e saído derrotado, pobre e sem hipótese de algum trabalho. E a terceira, já em Angola, como negociante e homem bom que protegia os mais desfavorecidos ao ponto de se tornar uma lenda que continua viva um século e meio depois. 

Se Zé do Telhado pudesse voltar cá, sentir-se-ia injustiçado ao saber que um assaltante e ladrão de banco fora nomeado para secretário de estado e que muitos outros governantes de honestidade e ética muito duvidosa não deixaram de o ser por isso. E perante o panorama geral do que vem acontecendo, ele invocaria a poesia de António Aleixo e assumia como sua essa quadra extraordinária:

“Sei que pareço um ladrão …

Mas há muitos que eu conheço

Que não parecendo o que são

São aquilo que eu pareço”!!!

O lado bom de envelhecer …

Ao que parece, ninguém quer envelhecer, ficar velho. Ver crescer as peles e os pelos mais do que o habitual e encolher e mingar outras partes que bem gostaria que continuassem em alta, firmes, como … a saúde. Mas tal não deixa de ser um paradoxo porque ninguém prefere a alternativa, isto é, “bater a bota” antes de entrar na terceira idade, não ver crescer os filhos, muito menos os netos. Então, é caso para perguntar: “Em que ficamos? Mas é assim tão mau ser idoso”? Será porque se diz por aí que “os anos pesam muito” e não se aguenta esse peso?

Vamos lá ver o lado positivo da questão e conhecer as vantagens de ter muitos anos, tantos que a gente já não sabe bem quantos são. Pois é, já não temos a obrigação de nos lembrar de tudo e a idade é só um pormenor. O relógio já não comanda a nossa vida e temos liberdade de horários, tanto para ficar noite dentro a ver um daqueles filmes pornográficos que, afinal, já não ajudam nada, a não ser a recordar velhas memórias – se é que ainda nos lembra de alguma coisa – como para ficar a dormir até ao meio-dia … se nos deixarem em paz. Além disso, podemos jantar às 6 horas para estar a roncar quando chegar a hora da telenovela.                                                                                              Para um elevado número, ser velho é de grande utilidade … para os filhos, quando estes precisam de alguém para tomar conta dos netos. Daí, é-se tanto mais útil quantos mais netos se tiver para tomar conta. Mas ainda é mais importante a utilidade quanto maior for o valor da sua pensão de reformado, para “reforçar” o orçamento familiar … dos filhos. Também tem grande importância para alimentar pombas e outras aves nos parques e jardins públicos, além de prestar ali um excelente serviço ao limpar os bancos com as calças sempre que se senta ou levanta …

Ser idoso tem, pelo menos, duas grandes vantagens sobre os jovens: Enquanto eles só têm uma dentadura em regra ele tem sempre duas. E quando está a ouvir uma palestra ou participar numa conversa de grupo que seja maçadora, como ouve mal, tem a possibilidade de “desligar” com facilidade e de se “ausentar” sem sair do lugar para não ter de escutar a conversa de “chacha”.

Ser velho é ter experiência, conhecimentos e sabedoria, algo que é muito respeitado e tem muito valor no Oriente, mas que cá entre nós, regra geral, não interessa nada a ninguém. É ter a certeza que as suas articulações fazem uma previsão do tempo muito mais exata do que o Serviço Nacional de Meteorologia. É poder viver sem sexo, mas não sem óculos. É descobrir que o investimento na apólice de despesas médicas começa a valer a pena. É estar seguro que os amigos já não revelam os seus segredos, por uma razão simples: não os conseguem recordar. É aprender que a hora de ir para a cama é três horas depois de ter adormecido no sofá a ver televisão. É saber que é conveniente adiar o mais possível a arrumação e limpeza do sótão ou da garagem porque, assim que o fizer, os filhos adultos vão querer lá colocar as suas tralhas.

Para um idoso e reformado, receber um valor mensal sem ter de ir ao trabalho é como passar de empregado a patrão, com uma semana de seis sábados e um domingo e por isso com a chatice de não ter tempo suficiente para fazer qualquer coisa, ainda que seja trocar a lâmpada que se fundiu. 

Porque, durante a semana, de segunda a sexta, não faz nada e ao sábado e domingo, descansa do trabalho da semana. Além disso, tem filas próprias, prioritárias, em muitas repartições públicas, que não usa para não o olharem como velho ou ficarem a resmungar por ter “passado à frente” dos outros que já lá estavam há horas. Mas bom, bom, são os descontos nos transportes públicos, museus e em muitos outros locais, quase sempre de cinquenta por cento, melhor do que os descontos nos supermercados do Pingo Doce no Dia do Trabalhador.

Está provado que o idoso devia voltar à escola e ter aulas para saber como ser um velho feliz. Na maior parte dos casos tinha um bem: já não havia a mãe para lhe puxar as orelhas se se portasse mal. Mas ia aprender a não se meter na vida dos filhos nem a dar palpites sobre o casamento deles, muito menos a tomar partido ou a querer interferir na educação dos netos. A conviver com a nora ou genro, pois foi uma escolha do filho ou filha. A não ser um velho rabugento, porque se já não querem um velho, quanto mais se for um chato que vive a falar do “seu tempo” e das suas doenças, de que ninguém quer saber nada. A desligar-se dos telejornais e das notícias chocantes que só o vão incomodar quando, afinal, não conseguirá resolver mesmo nada e a ver só o que o diverte e anima. E, sobretudo, a nunca deixar nenhum “problema” para os seus filhos, a ser alegre e agradecido por ter chegado a idoso, pois muitos outros ficaram pelo caminho e a deixar saudades quando partir, em vez de alívio por ter demorado tanto …

Sorria, faça sorrir, não deixe para ninguém “aquele vinho bom” que tem guardado para uma ocasião especial, pois ocasião especial é o dia que está a viver. Lembre-se que o cabelo grisalho já não se respeita. Pinta-se. E que andar de mota e beber umas cervejinhas com idade avançada dá a oportunidade de conhecer mulheres atraentes e muito inteligentes. Um amigo meu já conheceu assim duas médicas, quatro enfermeiras e várias socorristas do INEM …

Pois eu, que vivi em oito décadas diferentes, dois séculos diferentes e dois milénios diferentes, só tenho de estar grato a Deus e àqueles que me ajudaram nesta caminhada, apesar dos altos e baixos da estrada, por ter envelhecido. Foi uma dádiva que não rejeito, apesar de ter nascido numa sociedade rural, pobre e difícil, mas rica em valores. Sim, passei por muita coisa, mas tive uma vida maravilhosa. Pertenço a uma geração que viveu uma infância analógica e uma idade adulta digital. Pertenço a uma geração que viveu e testemunhou muito mais coisas que qualquer outra geração viveu em todas as dimensões da vida. E isso só foi possível por ter envelhecido, por ser idoso e chegar àquilo que sou, com orgulho e sem o estigma da palavra: Velho.

Há gente resolvida. Bem ou mal …

Há gente que, perante o vislumbre de uma oportunidade ainda que se possa dizer absurda, a agarra com as duas mãos. Aliás, é costume dizer-se que “o difícil faz-se e o impossível, embora com um pouco mais de dificuldade, também se faz”. E a prová-lo está esta história mirabolante que mais parece uma invenção fantástica do que uma história passada na Inglaterra, um país tido por bem organizado. Oh se é: “No exterior do England’s Bristol Zoo, dos Jardins Zoológicos mais velhos do mundo, existe um parque de estacionamento próximo com capacidade para 150 automóveis e 8 autocarros. Ora, durante 25 anos a cobrança dos estacionamentos foi efetuada por um cobrador só, mas muito simpático. As taxas, pagas em libras, correspondiam a 1,40 euros para os automóveis e a 7,00 euros para os autocarros.

Um dia, após 25 anos consecutivos e regulares sem nenhuma falta ao trabalho, o cobrador simplesmente não apareceu. Perante a ausência, a administração daquele Jardim Zoológico telefonou para a Câmara Municipal e solicitou que enviassem outro cobrador. Aí, a Câmara fez uma pequena pesquisa e respondeu que o estacionamento do Zoo era da responsabilidade do próprio Zoo, não dela. Então, a administração do Zoo reafirmou dizendo que aquele cobrador era um empregado da Câmara. E em resposta a Câmara escreveu-lhes que o cobrador desse estacionamento jamais fizera parte dos seus quadros e que nunca lhe tinham pagado qualquer ordenado …

Enquanto decorria esta troca de comunicações entre a Câmara e os responsáveis do Zoológico, descansando na sua bonita residência num lugar qualquer da costa do sul de Espanha, existia um homem que, ao que tudo indica, instalou no parque de estacionamento do Zoo uma máquina de cobrança por sua conta e então, com toda a naturalidade, começou a aparecer todos os dias, fazendo a cobrança e guardando as taxas de estacionamento, estimadas em 560 euros por dia … durante 25 anos!!! Considerando que ele fazia a cobrança todos os dias da semana, deve ter arrecadado algo como um pouco mais de 5 milhões de euros, isentos de impostos ou taxas. E o interessante de toda a história é que ninguém sabe o seu nome, nem quem é e nem sequer onde vive” …!!!

Se a história se tivesse passado num país africano, provavelmente os leitores teriam um pensamento comum: “Só em África”. Mas, não, isto passou-se no nosso Ocidente civilizado. Eu diria: “Chico-esperto” …

Da mesma forma, perante uma situação inesperada, há quem tenha boa capacidade de “desenrascanço” sem avaliar as consequências do meio usado para a resolver. E lembrei-me da história que aconteceu com um médico amigo aqui mesmo na nossa região e no improviso impensável para resolver uma “situação de urgência”:                                                                  No tempo em que a saúde pública fazia muita medicina ao domicílio, um médico local, na altura ainda jovem, antes de sair do Centro de Saúde onde trabalhava para fazer a sua ronda de consultas, mandou carimbar as receitas que entendeu necessárias para que os doentes, depois de consultados, não tivessem de lá ir fazê-lo e assim poderem aviá-las diretamente na farmácia. Nesse dia, como tinha um amigo mais velho já reformado sem nada para se ocupar e sabendo que ele gostava de dar uma volta, convidou-o para o acompanhar e também conversarem, o que fez com prazer. Numa das primeiras paragens, enquanto o médico entrou em casa do doente para fazer a consulta, o amigo ficou no carro à espera. Depois de acabada a visita, o médico regressou ao carro e encontrou o seu amigo meio constrangido e com uma novidade para lhe contar: “Doutor, o senhor desculpe, mas já não tem nenhuma receita carimbada”. “Mas o que é que aconteceu já que eu ainda só gastei 2 receitas”, perguntou o médico admirado. “Ó doutor, enquanto foi ver o seu doente o meu intestino deu-me sinal e eu não tive outro remédio senão ir ali atrás daquela árvore fazer o “serviço”. Como o único papel que havia aqui eram precisamente as suas receitas, tive de as gastar todas para conseguir limpar o rabo”. Incrédulo com a forma como as receitas tinham sido “aviadas”, ao médico (e amigo do aflito), não restou outro remédio senão voltar ao Centro de Saúde carimbar mais algumas porque as outras “já haviam sido duplamente carimbadas” e tinham perdido a “validade” para ser aviadas na farmácia” … Ainda hoje vejo o brilho nos olhos do médico sempre que falamos neste episódio caricato e absurdo com o amigo que, em “situação” apertada, soube desenrascar-se e que ele recorda como um acontecimento hilariante.                                                                         Se há pessoas que numa situação anormal bloqueiam e ficam sem capacidade de reação, há outras que veem logo uma oportunidade ou encontram de imediato uma saída ainda que não seja muito ortodoxa e são capazes de improvisar com um sentido de responsabilidade que deixa muito a desejar, embora consigam resolver os imbróglios que criaram com alguma despreocupação. É o caso do protagonista desta história incrível, ocorrida em terras africanas:

No Zimbabué, o motorista de um autocarro que transportava vinte doentes mentais parou no caminho para tomar uma bebida num bar ilegal. Ao regressar ao autocarro, descobriu que os doentes que era suposto levar de Harare para Beltway, tinham fugido. Não querendo admitir a sua negligência, o condutor foi até à paragem de autocarro mais próxima e ofereceu a todos aqueles que lá se encontravam uma viagem grátis. Assim, com o autocarro cheio, levou-os diretamente ao hospital psiquiátrico para onde devia ter transportado os 20 doentes com problemas mentais, agora fugitivos, informando os médicos logo à chegada que os doentes eram muito instáveis, com tendências para fantasias bizarras. 

Esta “cortina de fumo” lançada para encobrir a realidade, levaria a que a verdade só viesse a ser descoberta três dias depois” … 

Uma “telenovela” fileira em horário nobre …

Sou do tempo em que não havia televisão, muito menos telenovelas. A única coisa parecida com isso eram as radionovelas, tendo-me ficado na memória a primeira chamada de “Simplesmente, Maria”, que fazia com que as mulheres (e alguns homens) ficassem coladas ao rádio, de lágrima no olho. Já as telenovelas chegaram a Portugal pela mão dos brasileiros com “Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado. Novidade em Portugal. O país parava para não perder pitada de um enredo bem conseguido e assistir ao desempenho de atores brilhantes na pele de personagens como Nacib, Tonico Bastos, Mundinho, o temido coronel Ramiro Bastos e a dona do Bataclan, Maria Machadão. Seguiram-se outras com desempenhos fabulosos como no Roque Santeiro com as personagens Sinhozinho Malta e Viúva Purcina e na Tieta do Agreste, mas mais nenhuma atingiu as audiências da primeira.                                As novelas instalaram-se nas televisões portuguesas, inicialmente as brasileiras e depois as portuguesas, tendo estas começado com Vila Faia. E vieram para ficar. Os especialistas nesta matéria dizem que há um conjunto de ingredientes para que tenham sucesso: Na base, uma boa história de amor, uma vilania bem desenhada e o retrato da nossa sociedade em geral com traições, mentiras, jogos de interesse e poder, dinheiro e todo o tipo de sentimentos, até os menos dignos. O mais importante é surpreender, provocar choque, jogar com o inesperado em reviravolta da ação. A verdade é que os produtores nacionais de telenovelas aprenderam depressa com o modelo importado do Brasil e realizaram excelentes trabalhos, com audiências a ultrapassar as suas congéneres importadas, se bem que manifestamente inferiores a esse tempo do “Gabriela, cravo e canela”. No entanto, este género de produção tem mantido uma clientela fiel entre nós, que não resiste a assistir diariamente aos avanços e recuos de uma boa história.                              Ora, nos últimos tempos, as telenovelas ganharam um concorrente de peso em Portugal, que tem mantido os muitos espectadores atentos ao desenrolar da “teia de acontecimentos” que se vão sucedendo a um ritmo alucinante e surpreendente, fazendo lembrar o que acontecia por cá só para ver uma Gabriela despudorada ou um Tonico Bastos a pentear o seu fino bigode. Trata-se de uma espécie de romance misto de policial e político, nada mais que uma verdadeira telenovela da vida real com “um elenco de peso” a desempenhar o papel de algumas personagens importantes da vida nacional, onde não tem faltado enredo quanto baste, mentiras, traições, acusações, o uso e abuso do poder, tráfico de influências, jogos de bastidores, péssima gestão da coisa pública, num espetáculo de incompetência e com revelações extraordinárias pelo absurdo, com roubos que, se calhar, não o foram, onde nem faltaram agressões físicas e verbais com intervenção da PSP e Polícia Judiciária, para além da ação excecional do SIS, as “secretas” portuguesas. Ora, o ritmo é tal, que os espectadores todos os dias se devem perguntar: “O que raio se vai ficar a saber mais hoje”? E tudo é importante para aumentar as audiências, dia após dia. E espera-se de cada audição “novas revelações”, para manter a emoção.                                                                                                  Tudo começou quando alguém “pôs a boca no trombone” ao saber que uma tal Alexandra Reis, nomeada para secretária de estado do Tesouro, “papara” meio milhão de euros por ser despedida da TAP, tendo logo de seguida sido “encaixada” na gestão de outra empresa pública. Daí a saber-se que fora uma ilegalidade, que ela até se tentara despedir antes sem indemnização, que o ministro começou por dizer que não sabia de nada tendo até sacrificado um secretário de estado, para depois confessar que, afinal, sabia de tudo e até aprovara o valor da indemnização. E caiu o ministro. Mas, diz-se: “rei morto, rei posto”. Saiu um e entrou outro da mesma fornada, com os mesmos tiques. Na comissão de inquérito a CEO francesa da TAP disse ter participado em reunião antes com um grupo parlamentar para “acertar” as perguntas e respostas nessa comissão, em mais um jogo para tornear a verdade. E a CEO e o presidente do conselho de administração foram postos no “olho da rua”, sem se avaliar previamente se havia ou não razões para tal, como “bodes expiatórios” para acalmar ânimos e abriu-se a porta a novas indemnizações que vão ser pagas pelo “Zé” do costume. Como as surpresas nesta “telenovela da vida real” não paravam, soube-se que no ministério do novo ministro houve cenas próprias de um filme policial barato, com gritos, fecho das portas, sequestro, roubo ou não, pancadaria, chamada das forças de segurança com recurso a outros ministros e até envolvimento do SIS, as secretas de que ninguém fala, mas que aqui toda a gente falou. E na comissão de inquérito alguns dos intervenientes mais mediáticos disseram “a sua verdade”, muito bem ensaiada, para o espetáculo televisivo continuar a ter grandes audiências. Como numa telenovela, alguns “atores” fizeram questão de “representar” um determinado papel, sem grande preocupação pela verdade nem pelos interesses do país, com acusações muito bem ensaiadas. Enfim, estamos na presença de uma verdadeira “telenovela mexicana” de muito baixa qualidade, num local onde nunca deveriam ocorrer cenas tão tristes, colocando a instituição pública ao nível de um tasco ou de uma boîte foleira.                                                                      Presumo que o espectador comum ao assistir a este triste espetáculo fique dividido em função da sua sintonia ou não com o “artista” que conta a sua versão da “história”, perante este rol de amor e ódio, de fidelidade e traições, de falsas verdades e mentiras, da ética ou mais propriamente da falta dela, tal como da ausência total do “sentido de estado” que deveria ser o apanágio principal de quem nos governa.  Como “telenovela” foleira em horário nobre tem todos os ingredientes para ter um grande sucesso e as televisões devem estar a deliciar-se com todo este “material” que lhe é fornecido pelos intervenientes e que tem dado para horas e horas de emissão, “à borla”.                                                                                   E tudo o que se ouviu neste folhetim seria motivo para nos divertir se o que está em causa não afetasse a vida de todos nós. Ficou exposto o amadorismo duma governação, a fragilidade das estruturas do poder tomadas de assalto pela “rapaziada das jotas”, a displicência com que se consome o dinheiro dos nossos impostos em intervenções como é o caso da TAP onde já se enterraram mais de 4 mil milhões, sem que haja consequências para quem tomou a decisão de derreter todo este dinheiro. Uma ponta do iceberg que nos pode afundar a todos? E para quem olha o que este triste espetáculo significa, fica incrédulo ao ver uma casa a arder, pois está em causa o bom funcionamento das instituições. Como dizia António Capinha no Diário de Notícias, “Há lodo no cais. Alguém vai ter de limpar toda essa porcaria! E depressa”.