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Seremos nós os animais mais especiais?

Como é que o urso-cinzento consegue farejar a presa a cerca de 32 Kms de distância? Como é que a sépia (peixe) muda de cor, textura e padrão completamente num segundo? E os cães como conseguem detetar cancros e ataques epiléticos? Veja-se a medusa, praticamente imortal, quando atinge a maturidade sexual regressa a pólipo vezes sem conta? Porque será que nas horas ou dias antes de uma catástrofe como um terramoto, os animais fogem para longe da área ou região que será afetada? A antecipação dos terramotos é comum a muitas espécies de animais, desde sapos a fugir do habitat, cobras a saírem dos locais onde estão a hibernar e ainda antes do seu fim, aves a voarem para longe tal como outros animais mais a retirarem-se antecipadamente das zonas de risco. Foi especialmente noticiada a disparada de elefantes asiáticos para terras altas por ocasião do terramoto seguido de um tsunami em 26 de Dezembro de 2004. Muitas vidas foram salvas graças a isso.

E qual é a nossa capacidade de previsão destes fenómenos? Zero. 

Sendo nós um animal como outros, ao afastarmo-nos da natureza fomos perdendo algumas capacidades e, neste caso, o “instinto de sobrevivência” deixou de funcionar. Vamos agora correr atrás do prejuízo usando animais para nos servirem de “alarme de catástrofes”. Eles têm capacidades extraordinárias que ultrapassam a nossa compreensão …

Lawrence Anthony tinha uma carreira bem-sucedida no ramo de seguros e comércio de imóveis. Porém, trocou tudo para dedicar a sua vida às espécies em vias de extinção.                                                                                                  Em 1999 este homem abriu os portões da Thula Thula Game Reserve, na África do Sul, para elefantes selvagens, embora não fosse esse o plano original da reserva. No entanto, deu um salto de fé e aceitou os elefantes agressivos e em risco, porque se não os acolhesse seriam mortos. Segundo ele, nunca foram fáceis de lidar já que eram conhecidos por escapar de outros recintos e agir sem controle. “Eram um grupo complicado, mas eu vi que tiveram uma vida difícil e estavam com muito medo”. Lawrence arriscou ao tomar conta destes animais majestosos e tratou-os como crianças. Usou certas palavras para os incitar e alguns gestos para mostrar que estavam muito seguros com ele. Além disso, concentrou-se principalmente na matriarca Nana para se conectar com o resto dos elefantes. Lawrence descia a cerca e implorava a Nana para não a quebrar na sua tentativa de fuga. Ele sabia que Nana não entendia o inglês, mas conseguia perceber a linguagem corporal.                                                                                             Um dia deu-se um novo começo quando Nana estendeu a tromba a Lawrence. Percebeu então que ela queria que a acariciasse e isso significava o início de um belo relacionamento. Os elefantes passaram a gostar muito de Lawrence, bem como de sua esposa François. Na verdade, tornaram-se tão próximos que os elefantes até pensavam que a casa de Lawrence também era a sua casa. Eram a família e os melhores amigos.                                      Durante anos as manadas e Lawrence estabeleceram uma grande relação entre si, mas, infelizmente, o conservacionista morreu em 2 de Março de 2012. De acordo com o New York Times, Lawrence morreu devido a um ataque cardíaco e deixou para trás a esposa e dois filhos. O homem que abandonou uma carreira em seguros e imóveis, salvara todo o tipo de animais além das manadas de Nana. Lawrence até conseguiu convencer os rebeldes africanos – que eram todos procurados como criminosos de guerra – a cuidar dos rinocerontes brancos restantes no norte. No entanto, nada se compara ao relacionamento e vínculo sagrado que ele tinha com Nana e as suas manadas.                                                                   O mais inexplicável e emocionante desta relação deu-se após o falecimento de Lawrence. Dois dias após a morte, esses animais majestosos que já não iam a casa do seu amigo há mais de ano e meio, apareceram depois de 12 horas a caminhar desde Zululand, para lhe prestarem a sua homenagem. E ficaram de vigília durante dois dias à volta da casa antes de voltarem às suas vidas lá longe, no mato. 

Luto de Elefantes - World Of Buzz 1

Fonte: instagram

O incrível é que, não tendo ninguém “avisado” as duas manadas lideradas pela matriarca Nana da morte de Lawrence, como é que elas “souberam” disso? Ninguém sabe dizer como. Isto só vem confirmar que os animais podem sentir coisas que nós, humanos, não podemos. Mas desengane-se quem pensar que foi a única vez que Nana e as suas manadas fizeram vigília a Lawrence. Todos os anos, no dia 2 de Março, os elefantes viajam 12 horas para homenagear o seu camarada caído na esperança de que ele volte …  

Em 2009, Lawrence publicou o livro “The Elephant Whisperer” ou “O Encantador de Elefantes”, que descreve com caráter testemunhal o período em que conviveu com os elefantes na savana africana, despertando assim no leitor uma perceção diferente e sensível em relação aos animais. Numa das suas passagens, Anthony declara: “Talvez a lição mais importante que aprendi é que não há muros entre seres humanos e os elefantes, exceto aqueles que nós construímos. E, enquanto não permitimos que não apenas os elefantes, mas todas as criaturas vivas tenham um lugar ao sol, nunca poderemos sentir-nos completos” …              

A cozinha da minha avó …

A casa da minha avó materna ficava (e fica) do outro lado do caminho mesmo em frente à casa dos meus pais e era frequente eu aparecer por “aquelas bandas” quando era criança, fosse para ir aos figos na figueira que pendia um pouco sobre a casa da Emilinha “Séria”, fosse para ir aos “ameixos de aparta caroço” que pendiam sobre a mata traseira, fosse por muitas outras razões. Mas as saudades ficaram-me mais da cozinha rústica com o lar de pedra onde o lume ardia quase todo o dia. Na lareira estava sempre uma grande panela de ferro de “três pés”, a “caldeira de água quente” daquele tempo, que já era um luxo. Dali tirava-se água quente para tudo pois não havia cilindros elétricos, esquentadores ou outras modernices para aquecer água e que só viriam a chegar à aldeia muitos anos mais tarde. Aliás, nem sequer havia água canalizada, pois na casa da minha avó, como na nossa, era tirada do poço, a princípio a balde puxado com sarilho e anos mais tarde tirada a motor elétrico, outra modernice, tal como a eletricidade, fraca e com muitas falhas, que nos obrigava a usar com frequência os candeeiros a petróleo, velas e candeias. 

Na cozinha da minha avó todos os netos gostavam muito de se sentar no “preguiceiro”, uma peça de mobília fundamental numa cozinha tradicional, espécie de banco comprido com “costas” altas onde nos recostávamos com os pés no “lar” bem perto do lume. Em madeira de pinho, para além das costas o “preguiceiro” tinha “braços” para apoio e, na zona central um pequeno tampo de madeira que fazia de mesa quando se baixava e apoiava numa haste de madeira, servindo para comer, jogar ou outra coisa qualquer. Ali sentados, gozávamos dos prazeres do fogo e ficávamos a ver as mulheres cozinhar. No meio da fogueira e ao lado da panela grande de três pés havia uma “trempe” feita em ferro onde colocavam panelas e tachos para cozinhar, fosse o caldo que nos era servido em grandes “malgas” de barro, fossem as batatas cozidas com casca que muitas vezes não tinham nada para acompanhar além de um fio de azeite já que o azeite era caro, com um pouco de vinagre tinto feito num grande garrafão com vinho do quintal e uma “tripa” que mais não era senão um aglomerado de bactérias acéticas necessárias à acidificação do vinho. No tempo das castanhas aproveitava-se a fogueira para as assar, depois de cortar um canto a todas elas para não rebentarem, atiradas para o meio do fogo onde ficavam enterradas na cinza. Ao ajudar a cortar os cantos das castanhas, de malandrice deixava ir algumas inteiras para depois ver as mulheres a assustarem-se (ou a fingir) com os rebentamentos no meio da fogueira, espalhando pequenos pedaços de carvão.

No inverno era crónico ver as mulheres com “murras” nas pernas como resultado de andarem muito tempo junto do lume com elas à mostra. As murras são manchas pouco persistentes causadas pelo calor do fogo e que causam algum desconforto. Como nós, homens, andávamos de calças, não tínhamos esse problema.

O canto da cozinha por detrás do preguiceiro era o espaço onde se “fabricava” o pão, mais concretamente a broa de milho. Ali estava o forno de barro aquecido a lenha e, ao lado, a “amassadeira”. O milho era de produção própria no Campo dos Morgadinhos ou noutro mais abaixo e moído pelo moleiro dos Moinhos. Gostava de ver a minha avó misturar a farinha com água quanto baste, fermento e um pouco de sal e amassar. Às vezes ela deixava-me “meter a mão na massa” e seguia com atenção as fases seguintes, desde o aquecer do forno, o retirar das brasas e cinza, o meter o pão a cozer e o tapar da porta do forno com fezes de boi. Mas a parte mais interessante era sempre a abertura do forno e a retirada das broas já cozidas. Tinha logo direito a um naco de broa quente que me “sabia pela vida”. 

No inverno, depois da matança do porco, a base do saco da chaminé ficava atravessada por três varas carregadas de salpicões e chouriças de sangue, além de presuntos e outras partes do porco a precisarem de ser defumadas depois de salgadas, para se conservarem. Às vezes tínhamos direito a provar para saber se estavam em condições de ser consumidas. Por nós, estavam sempre.

No Natal, com a “mesa” do preguiceiro montada, eu sentava-me de um lado e o meu irmão do outro e jogávamos o jogo do “rapa” usando um pequeno pião de quatro lados. Em cada lado havia uma letra: R (Rapa), T (Tira), D (Deixa) e P (Põe). Jogávamos a pinhões com casca que conseguíamos num pinheiro manso grande na mata atrás da casa da minha avó. Eu era perito a subir pelo tronco do pinheiro, agarrado à casca (nalguns, como só conseguia abraçar metade da árvore, era agarrado à casca rugosa que trepava) e apanhava as pinhas de onde extraía posteriormente os pinhões. Para começar o jogo, eu e o meu irmão colocávamos em cima da mesa do preguiceiro um pinhão cada e fazíamos rodopiar à vez o “Rapa”, o pequeno pião. Quando saía o R, “rapava” os pinhões sobre a mesa. O T dava direito a tirar um pinhão. O D era para deixar tudo como estava. E o P queria dizer que éramos obrigados a pôr lá um pinhão. E ali ficávamos horas seguidas a jogar, alternando com mais “jogadores” interessados. Quando fora de jogo, aproveitávamos para comer os pinhões ganhos a jogar, partindo-os com uma pedra sobre o lar. A Noite de Natal “convidava-nos” a ficar por ali logo a partir do almoço porque durante a tarde faziam-se as rabanadas de mel e os formigos, uma coisa fora do comum pelo que aguardávamos pacientemente para ver e “provar” aquelas doçuras que eram de “comer e chorar por mais”. E a espera valia a pena …

Estas memórias vieram-me à cabeça enquanto observava algumas crianças insatisfeitas com os diversos jogos que tinham para brincar e, mais tarde, resmungando diante de um lanche muito bem aviado. Fiquei a pensar que hoje valorizam pouco ou nada o muito que lhes é dado, grande parte das vezes sem terem necessidade sequer de pedir. É que os pais, no seu desejo de darem aos filhos tudo e mais alguma coisa do bom e do melhor, numa competição implacável com outros pais, sejam familiares, amigos, vizinhos ou simples conhecidos, fazem do brinquedo mais caro à gulodice mais sofisticada uma coisa comum e comum, que faz passar a mensagem errada aos “beneficiários” de que são coisas sem valor. E, para quem nem sequer teve de pedir, são mesmo. Pelo contrário, num outro tempo em que havia muito pouco, dava-se importância a tudo, nada se desperdiçava e ficava-se grato pelo que se recebia e tinha, fosse para comer ou brincar …   

Para mim, não. Preferia emigrar …

A natureza colocou pelos no nosso corpo e dele fazem parte, quer se queira, quer não. Porquê? Porque sendo todos muito diferentes, em comum todos eles servem para nos proteger, seja da radiação solar, frio, calor, fricção da pele, infeções devido a pequenos cortes e até de doenças. Cabelos, sobrancelhas, cílios ou pelos da região pubiana, dos ouvidos, nariz, axilas ou qualquer outra parte do corpo, cada um tem funções específicas, seja na diminuição de queimaduras nas virilhas, seja na diminuição da fricção existente no contacto de pele com pele do ato sexual ou de uma coisa tão simples como andar, seja a criação de uma barreira contra as bactérias e muitas outras funções.

Quando garoto, os pelos no homem eram sinal de masculinidade e nas mulheres, em menor quantidade, eram … naturais. Aliás, como a maior parte dos corpos femininos andavam tapados, a estética não se colocava. Mas, sobretudo a partir da industrialização com a saída das mulheres para o mercado de trabalho, a subida das saias e à medida que foram aumentando os centímetros quadrados do corpo feminino a nu, a propaganda começou por convencer as mulheres que os pelos são um “embaraço” e a indústria criou e vendeu os primeiros cremes e aparelhos depilatórios para elas. E a mentalização levou que estas passassem a interiorizar que pelos são feios, sujos e masculinos. Foi então que alastrou o conceito estético feminino de hoje alicerçado na publicidade, imprensa, moda, televisão, cinema e, anos mais tarde, no erotismo e pornografia, levando-as a rituais regulares de purificação daquilo que consideram ser uma maldição feminina, num sacrifício supremo em nome do “padrão estético” e da aceitação. Deixaram de ter escolha e de ser donas do seu corpo. 

Desde então, sofisticaram-se métodos, aumentou a exigência de uma pele “limpa” e todas as “armas” eram válidas para a conseguir: Laser, cremes, cera, lâminas e múltiplos aparelhos num negócio crescente. A verdade é que os homens criaram uma “mulher padrão” totalmente depilada (como as castanhas de outrora), caso contrário não seriam “consumíveis” pelo olhar masculino. Enquanto nos homens os pelos significavam poder e masculinidade, nas mulheres a depilação era o símbolo da feminilidade e fragilidade. Assim foi construída a imagem do corpo da mulher: limpinho de pelos, pele suave (pelos cremes) à custa de muita dor, sofrimento e consequências no pós-depilatório.

Já nos homens os pelos não eram (nem são) considerados nojentos e feios, embora tenham as mesmas funções e sejam mais abundantes. E enquanto nas mulheres a depilação passou a ser uma obrigação, em alguns homens levados pela corrente da efeminização, é opção, mas não uma necessidade. Ninguém olha de lado um homem de calções e pelos nas pernas nem nos rimos do emaranhado de pelos no peito ou na axila. Já nas mulheres tornaram-se inaceitáveis para a sociedade e mentalidade de hoje, tornando-as quase proscritas … 

É verdade que as mulheres vivem apavoradas com “esses malfadados pelos”: Correm a depilar-se quando se aproxima o tempo de ir à praia ou chega o verão. Vestem calças em vez de saias por terem pelos nas pernas. Plantam-se diante do espelho catando cada um e julgam-se. Enquanto isso, como o mercado para os produtos e serviços que são essenciais na depilação precisava de crescer para além das mulheres, os homens passaram a ser “formatados” em novos conceitos como o metrossexual, que retrata a “sintonia do homem heterossexual com o seu lado feminino” e vive nas grandes metrópoles, com preocupação excessiva na sua aparência, o que até há pouco tempo era anormal e tido como próprio de um homossexual. Com a adesão a este novo tipo de apresentação masculina por parte de algumas vedetas, o conceito cresceu e com ele a depilação masculina, no todo ou em parte. Jovens são o terreno onde o mercado procura crescer, conquistando crentes vendendo a ideia de que é moderno e higiénico, o mesmo que se usou para atrair as mulheres.

Dizia uma reputada especialista na matéria: “À pergunta “porque nos depilamos?”, lá vem a maior mentira: porque é mais higiénico. Logo a seguir, a segunda mentira: os pelos são feios. E, finalmente, a terceira: é uma escolha minha”. A verdadeira razão da depilação é a pressão social, que não tem deixado outra escolha às mulheres (e agora a um certo grupo de homens). Curiosamente, na altura em que assistimos a uma adesão crescente à depilação por parte dos homens, sobretudo os mais jovens, assiste-se ao nascimento de um movimento feminino em sentido contrário, naquilo que consideram ser “retomar a posse do corpo” e o direito de recusar a depilação sem qualquer complexo pelo facto de ter pelos, que consideram naturais, livrando-se desse sacrifício crónico e regular que é o ato depilatório.

Quando penso em depilação masculina até os pelos se arrepiam e não sei como é que eles sentem o que eu sinto. É verdade que eles sabem que os defendo “com unhas e dentes” e até nem concebo arrancar um único, quanto mais puxar a “carpete” inteira à força! Quando muito, a aparadela do costume, seja ela na cabeça, nariz ou outro local onde se tornem demasiado grandes e a ultrapassar os limites do razoável. Em nome da moda, pressão social ou do que quer que seja, é preciso ter-se uma certa dose de loucura para os arrancar à força, sujeitos à dor e a um sofrimento voluntário. A mim é que não me apanham! E se um dia, por mais absurdo que pareça, vier a ser obrigatório, emigro … 

Nisto da depilação cada um deve ter o direito de escolher livremente se quer arrancar, rapar, queimar, aparar ou deixar crescer livremente a “penugem”, tal como já o fazem em tantas “decorações” (?) seja com todo o tipo de grafitis a preto e branco ou coloridos nos locais mais bizarros e secretos da pele, seja por apêndices metálicos pendurados ou enterrados em posições e partes do corpo mais ou menos visíveis. E essa escolha para ser livre devia ser consciente, mas em regra, não se faz mais do que alinhar pelas modas, copiar os “tiques” da vedeta A ou B e, o mais comum, ser induzido pela publicidade, marketing e os outros meios que a indústria e os media utilizam para nos manipular. E só não seremos levados a regressar aos usos e costumes do Homem das Cavernas, peludos e desnudados, por não interessar ao negócio e muito menos aos “manipuladores desta sociedade de consumo” em que vivemos e de que somos meras “marionetes” …