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“Entrem pela porta principal” …

A vida está muito difícil para os ladrões. Corrigindo: para a maioria dos ladrões. Quando leio o aumento de assaltos aos entregadores de pizas, é sinal de que estão mesmo “na mó de baixo”. Assim, só “para a côdea” … O distrito do Porto é aquele onde há mais assaltos a casas, mas, em regra, muitas vezes mal sucedidos. Nalguns casos, roubam os trocos que encontram na cozinha para comprar o pão e é se querem levar algum dinheiro, o objetivo principal dos “amigos do alheio”. Em regra, estão pouco interessados em roubar a cama de casal, a velha televisão da sala ou o frigorífico cheio de ferrugem que está no canto da cozinha. Dão muito trabalho a carregar, não valem o que pesam e não são coisas que se ofereçam à namorada.

Conta-se que um homem acordou a meio da noite com um barulho vindo da sala. Levantou-se e, pé ante pé, entrou sorrateiramente, encontrando um encapuçado a abrir e fechar gavetas da mobília. “O que é que está a fazer”, perguntou firme e decidido. “Ando à procura de dinheiro”, respondeu o ladrão. Então, o dono da casa dirigiu-se ao outro móvel da sala e pôs-se a abrir gavetas. “Já agora, vou aproveitar para ver se encontro algum” … o que só confirma que assaltar casas já não é bom negócio. Dá muito trabalho arrombar a porta ou procurar uma janela mal fechada. E, à entrada pode-se levar com a vassoura ou ser corrido a tiros de caçadeira. E há para aí muitos caçadores que, não encontrando caça nos montes, aproveitam para treinar quando lhes entra um “pato” pela janela … É evidente que só podem treinar sem acertar. Caso contrário, o “pato” pode queixar-se na justiça e quem passa a “pato” é o dono, obrigado a indemnizar a “vítima”. Se o ladrão encontrar alguma nota de quinhentos euros é melhor não lhe tocar porque, se a levar, arrisca-se a ser identificado no momento em que a for trocar. É que as notas de quinhentos euros são raras, muito raras mesmo. São objeto de colecionadores. Conheço alguém que já tem três, mas registou logo os dados de cada uma. Tem os números de série e até lhes tirou fotografias, precisamente para o caso de lhes darem sumiço. Bom, também há aqueles que têm muitas, mas esses quase sempre pertencem à família profissional do assaltante, embora com outro estatuto social e outro currículo.

Cá por mim, dava um conselho aos ladrões ou candidatos a ladrão: modernizem-se. Os ladrões de sucesso dos nossos dias já não entram pela janela, mas pela porta principal. Não se escondem nem andam de cara tapada para não serem reconhecidos. Isso já é passado. Agora o ladrão a sério veste-se com fato italiano como homem de negócios que é e não pensa em roubar tostões, mas milhões. É mais fácil. Assim como a mentira, “quanto maior é, mais fácil é acreditar nela”, também o “golpe” tem de ser em grande e para isso tem de ser “assessorado” por profissionais qualificados, que o orientem nos pormenores.

Hoje somos “assaltados” em permanência, que já nem ligamos ou não damos conta. É o governo, pela mão dos políticos, que nos mete a mão no bolso sempre que compramos automóvel ou lhe enchemos o depósito, compramos tabaco, bebidas alcoólicas ou milhentos artigos de consumo corrente. São os tribunais que andam anos e anos para não resolverem e, quando resolvem, tantas vezes “validam os roubos” e “beneficiam o infrator”. São as taxas e taxinhas, as coimas, sanções, juros de mora e licenças para tudo e mais alguma coisa. É a fatura da água, da eletricidade e do gás que tem mais “custos escondidos” que a minha cadela tem de pelos. Ora, todos esses “assaltos” são efetuados por gente estudada, que mede bem a forma como “dourar a pílula” e para não “sentirmos” que “nos foram ao … bolso”. Por isso, o ladrão de hoje tem de aprender com essa gente.

Para começar, deve pensar em grande: roubar milhões. Custa bem menos que roubar um perfume no supermercado. E onde é que estão os milhões? Nos bancos, claro. Apesar da crise, de muito boa gente ter enterrado o dinheiro no jardim ou tê-lo metido num buraco da casa, a verdade é que a maioria ainda o coloca religiosamente nessas casas que se julgam ser os “cofres-fortes” à prova de tudo. E são, à prova de quase … tudo. E por esse “quase” é que entram os ladrões a sério, até porque roubar dez milhões a um banco nem se nota. Quem vai pagar? O “Zé” do costume. Ora, como somos dez milhões, toca um euro a cada português. E alguém vai dar conta que lhe sacaram um euro do bolso por essa via? De maneira nenhuma. Pelo contrário. Se estiver numa sardinhada de S. João paga pela Junta de Freguesia (com o dinheiro do povo, diga-se), embora esteja a “ser comido” de duas maneiras, nunca vai notar nada, até porque já estará animado pelos copitos que bebeu e das “bifanas” que se abanam em cima do palco. Da mesma forma, quando o governo “injeta” mais uns largos milhões no banco onde o ladrão deu o golpe, quem é que verdadeiramente sente que algum lhe saiu do bolso? Ninguém, a não ser os “chatos” do costume. E esses “têm a mania” que dizem verdades …

Já reparou que nos maiores “assaltos” a bancos dos últimos anos no país os “ladrões” entraram sempre pela porta da frente, vestidos de fato e gravata, de sorriso nos lábios, sem se fazerem acompanhar de um “brutamontes” armado até aos dentes? E acha que iam armados? Já vi que está a dizer: “Claro que não”. Pois aí é que está enganado. Os grandes “ladrões” iam “armados” e bem. Não com metralhadoras ou

espingardas de repetição, mas com uma estratégia de roubo bem planeada, eventuais cúmplices e, provavelmente, excelentes técnicos na arte de “como roubar legalmente” e não abrir a boca para dizer asneiras. 

Se quisesse e fosse menos pedante, o Joe abria uma “escola” e fazia fortuna sem ter de “roubar” mais, só a dar dicas de como se “rouba” um país, com direito a gozação …     

Longe vá o agoiro…

A coruja é uma ave fascinante, de grande beleza, se bem que, para muita gente, ainda seja tida como de “mau agoiro”. Simboliza a sabedoria, o misticismo, o mistério, talvez por ser uma ave da noite que tem a capacidade de ver no escuro (há para aí muitas “aves da noite”, que têm outras “capacidades”, tanto na escuridão como à luz do dia …). Mas, quando eu era miúdo, ninguém gostava de ouvi-la piar à noite. É que, na tradição popular, o piar da coruja era tido como um sinal de mau agoiro, o pronúncio de que algo de ruim ia acontecer. Acreditava-se mesmo que, sempre que piava três vezes, alguém da terra ia morrer. Era como se, entre os seus predicados, estivesse o de adivinhar a morte de quem quer que seja. E, à distância de décadas, tenho de reconhecer que às vezes até tinham razão todos aqueles que acreditavam em tal presságio. Pela mesma razão que até um relógio parado está certo duas vezes ao dia, também qualquer coruja que pie todas as noites, algum dia vai acertar na morte de alguém. Pela certa. E então, todos aqueles que têm a convicção, só se vão lembrar do dia em que a coruja piou e algo de ruim aconteceu ou alguém morreu, ignorando todos os outros dias em que piou em vão…

As superstições são crenças populares, resultado do encontro entre o Homem e o sobrenatural, o que não tem explicação. As forças ocultas são vistas como capazes de interferir na vida humana. O pensamento científico e lógico e todo o conhecimento, não foi capaz de eliminar esta agonia perante certos fenómenos e encontraram-se respostas que se acreditam verdadeiras, por mais estranhas que pareçam. E o curioso é que praticamente toda a gente, mais ou menos informada, acaba condicionada por uma ou outra superstição, mesmo sem se aperceber. Entrar com o pé direito, fazer figas, não passar debaixo de um escadote, ver um gato preto, não abrir um guarda chuva dentro de casa ou não sentar treze pessoas à mesa. Quem não cedeu a uma destas crendices? Quase todas as pessoas dizem que isso não passa de superstições e até fazem chacota. 

Mas, apesar de dizerem não acreditar, quando são confrontadas com as situações, pelo sim, pelo não, não arriscam e fazem como os outros. É o futuro que está em causa e mais vale prevenir que remediar …

Ora vejamos: num casamento, a tradição (e a crendice) ainda é o que era. A noiva deve usar uma coisa nova, outra coisa velha, outra ainda emprestada e uma azul. Para quê? Para ter sorte. E, para atrair o dinheiro, deve colocar uma moeda no sapato. Ao que parece, pelo número de divórcios e gente endividada, a receita não resulta lá muito bem. Além disso, os noivos só se devem ver na cerimónia e o noivo não pode ver a sua prometida com o vestido de noiva antes do casamento. Dá azar!!! Vendo ou não vendo, o “azar” é cada vez mais frequente … O número de crendices aumentou em relação ao enlace, mas “os desastres” não são culpa das superstições …

Assim como se acredita que certas ações tais como feitiços, conjuras, rezas, maldições e outros rituais podem influenciar a nossa e a vida dos outros, também se crê que, se a orelha esquerda estiver quente e vermelha, alguém está a dizer mal de nós e se for a direita, estão a dizer bem. Para parar essa vermelhidão, temos de ir dizendo nomes de pessoas até acertarmos. Se quisermos contra-atacar, mordemos o dedo mendinho da mão esquerda e aquele que está a falar mal de nós, morderá a própria língua … 

As superstições continuam a existir em todas as sociedades e cada povo tem as suas crenças e costumes. Se os americanos temem o número treze e o mau olhado, para os chineses o número quatro é azar, enquanto na Lituánia assobiar em casa atrai os demónios. Mas são tantas as crendices, que vão de gatos pretos ao sal, de aranhas a vassouras e suas posições, de trevo de quatro folhas a atirar moedas para uma fonte, de ferraduras ao cruzar de dedos e muitas outras mais, que levadas a sério, tornariam a nossa vida insuportável.

Também acabo por ter as minhas. Sem querer, raramente deixo o volume da televisão com 13 de intensidade. Eu, para quem o treze é um número igual aos outros …

De manhã, a alergia matinal faz-me espirar meia dúzia de vezes ou mais, sem ter ninguém para me dizer “santinho”. Ora, a acreditar na crença popular, a minha alma já se separou do meu corpo. Quer isso dizer que me tornei “um desalmado”. Vejam lá no que dá espirrar … 

A beleza útil e a utilidade bela …

Sou um amante da natureza, até porque vivi a infância dividindo o tempo entre a escola, as matas e campos da aldeia. Sou defensor da criação de zonas verdes nos meios urbanos e, sobretudo, de árvores espalhadas pelos jardins, parques, praças, ruas e avenidas. Nunca são demais. E há tanta árvore bonita. Muitas delas fazem-me parar e ficar a contemplar a sua beleza. Quando em floração, algumas são um espetáculo único, como que uma pintura colorida saída da mão de Deus. Embora não sendo correto, revelador de como desvalorizamos o nosso património natural, temos tendência para “ajardinarmos” com árvores exóticas que nada têm a ver com a nossa realidade, mas, “o que é diferente, é bonito por natureza”. Quanto mais não seja, só porque são diferentes, raras ou únicas. E se formos nós a ter uma bem diferente, achamos que é o máximo. Ai a vaidade … 

Pessoalmente, gosto de carvalhos, especialmente do “carvalho-roble” ou “carvalho-vermelho” que (ainda) existe na nossa região onde é nativo e que cobriu o norte do país. Infelizmente, foi autenticamente dizimado ao longo dos tempos. Vi desaparecerem exemplares únicos na região, que hoje seriam considerados com facilidade “de interesse nacional”, abatidos por serem “velhos”, porque “só serviriam para cavacos” … quando afinal eram árvores únicas, de uma beleza ímpar. Entretanto, devo dizer que eu sou um utilitarista, apreciando tudo o que é belo, mas sempre que possível com o seu lado útil. Como diz o povo, “juntando o útil ao agradável”. E, talvez pelas vivências dessa infância distante, em que nas bordas dos campos havia árvores de fruto para servirem de “tutores” (suporte) aos “bardos” de videiras, quase sempre muito altos, mas que, ao mesmo tempo, produziam praticamente a única fruta que havia nessa época na minha aldeia. E dessa fruta se alimentava o dono da “Quinta”, o “caseiro da Quinta” que a cultivava, a garotada da aldeia em arremetidas clandestinas e as aves e os insetos que são parte da natureza, dessa natureza de que também só somos uma pequena parte, por mais importantes que nos julguemos. 

Bom. Mas tudo isto para dizer que esse meu lado utilitário já há muitos anos me faz sonhar com uma miscelânea de árvores de fruta e árvores ornamentais nas ruas, avenidas, praças, parques e jardins públicos. Imagino-me a fazer uma caminhada pela manhã e a parar no parque público para descansar, colher uma laranja que está ali à mão, comê-la no local e continuar o exercício matinal. Será que uma laranjeira carregada de laranjas “fica mal” na estética do parque municipal? E o mesmo se pode dizer de cerejeiras ou outras fruteiras de caroço, cuja floração, só por si, é um espetáculo de cor e beleza. Porque não essa “integração” das árvores de fruto no espaço público urbano, com a vantagem de serem uteis à sociedade ao produzirem fruta comestível? 

Algumas cidades brasileiras já fizeram a adoção desse conceito, a que chamam “Pomares Urbanos”, instalados em parques públicos, como pude constatar em Maringá, a cidade que tem o maior pomar urbano do Brasil. São a prova que é pertinente a plantação de árvores produtivas nos jardins e ruas de vilas e cidades, porque há benefícios estéticos, políticos, culturais e sociais. Aliás, a introdução das árvores de fruto nos parques e jardins também visa o resgate das aves que delas se alimentam e que de outra forma têm mais dificuldades em vingar nas zonas urbanas, ajudando a equilibrar a fauna e trazer-lhes nova vida.

Se perguntarmos a uma criança da cidade para identificar as árvores de onde vêm as maçãs ou as cerejas, os figos e as ameixas, não sabem nem conhecem, tal como não sabem em que época do ano florescem ou produzem os frutos. Com a sua introdução nos espaços públicos, a sua função também seria didática, o que nunca é demais.

Sendo múltiplas os benefícios da introdução das fruteiras nas urbes, considero que a mais interessante seria, sem dúvida, a produção de fruta, que estaria acessível e à disposição de todo o cidadão, embora mediante algumas regras para evitar abusos e que os objetivos não fossem desvirtuados. A primeira e principal seria que só se poderia colher fruta para comer no local. O “açambarcamento” seria proibido e estava sujeito a penalidade pesada, que desencorajasse tal prática. Alguém que fosse apanhado com uma quantidade anormal de fruta ali colhida, seria obrigado a ficar junto da árvore, distribuindo uma a uma a cada pessoa que por lá passasse. Seria uma humilhação, mas também uma aula de humildade. O desperdício seria proibido. Para facilitar a colheita, junto de cada árvore haveria uma “roca”, vara comprida com um sistema na ponta para colher os frutos mais altos sem ter de subir à árvore. Claro que o tipo de fruteiras teria de ser escolhido em função do local, variando da rua ou avenida, de parque ou jardim.

Por cá, existem algumas ameixieiras plantadas ao longo dos passeios. A cor das folhas e a floração tornam-nas bonitas e dão beleza à rua. No entanto, o tipo de frutos não será o mais aconselhado ao local pois em regra, acabam por cair de maduros e ficam “esborrachados” nos passeios ao caírem como granadas, deixando-os sujos e com mau aspeto.    

Para melhor divulgação e facilidade de encontrar as árvores de fruta, poderia mesmo fazer-se um mapa ou aplicação com a localização virtual de cada árvore, como acontece nalgumas cidades brasileiras, indicando ainda o tipo de fruta e época de maturação. Já estou a ver alguns “clientes”, de mapa na mão a darem a sua voltinha pelo parque depois do almoço para comerem a sobremesa, com a família atrás. Fomentava o exercício, uma melhor digestão, além de contribuir para uma alimentação saudável com tal suplemento alimentar. E para que a função didática fosse mais além, uma placa de identificação em cada árvore seria importante, com as informações mais relevantes sobre a árvore e a fruta. Julgo que só os pássaros dispensariam a leitura do “cardápio” antes de meterem o bico na sobremesa … 

A beleza é indispensável na nossa vida, tal como os alimentos e, neste caso, a fruta. Com a associação de árvores frutícolas e ornamentais, teríamos “uma beleza útil e uma utilidade bela”. Ou seja, o melhor dos dois mundos …

O “Caminho” faz-se caminhando …

O que faz alguém pegar numa mochila às costas com meia dúzia de coisas essenciais para o seu dia a dia e “fazer-se à estrada” sem mais, tendo um objetivo que está a duzentos e quarenta quilómetros de distância? Sempre são duzentos e quarenta mil metros que, “à pata”, correspondem a mais de quatrocentos mil passos … como se fosse já ali. Há muita gente que o faz. Muito mais gente do que nós podemos imaginar. E os motivos são muito diversos. Há os que o fazem porque são desportistas, amadores ou profissionais, amantes do exercício físico. Visam a melhoria da condição física e, eventualmente, alguma competição. Nunca fui um desses. 

Depois temos os que gostam de fazer caminhadas, uma forma de conhecer zonas inacessíveis e que os municípios têm promovido com a criação de trilhos mais ou menos bem tratados. Arrastado pelo casal Teresa e Agostinho, já fui um deles (e de vez em quando ainda sou) pelo prazer da descoberta, do encontro com a natureza, de trocar o tradicional circuito turístico no conforto dum automóvel pelo trilho de terra, às vezes muito mal assinalado, percorrido passo a passo. Foi assim que “vi com outros olhos” a ilha da Madeira em dose dupla, as ilhas do Pico e S. Jorge nos Açores e alguns locais isolados cá no continente. 

Muito pouco, se comparado com aquilo que aqueles dois felizardos já percorreram enquanto caminhantes pela caminhada, pela beleza da natureza que defendem, pelo gosto de conhecer. E há os outros, na sua maioria amadores sem a prática diária de andar muitos quilómetros, que se põem a caminho pela sua religiosidade para cumprir uma promessa, como é o caso de Fátima, um ponto de destino para imensa gente.

Na semana anterior ao dia doze dos meses de Maio a Outubro, pelas estradas e caminhos do país é comum verem-se homens e mulheres de coletes refletores, tendo Fátima como destino. Movidos pela fé, para cumprir uma promessa ou pela simples devoção a Maria, novos e velhos partem dos quatro cantos do país, engolindo quilómetros e vencendo o cansaço. Rezam o terço, sofrem, cantam, animam-se uns aos outros e carregam os seus males e os dos seus, na esperança da Senhora de Fátima os ajudar. Se há quem caminhe dez quilómetros ou menos, há também quem passe dos trezentos. A Luísa já cumpriu a sua promessa e foi peregrina de Lousada a Fátima. 

Há muitos anos, quando estudava em Coimbra, fiz o caminho a partir dali e regressei à boleia na caixa de carga de uma camioneta, entre melões e melancias. Em regra, quem se mete à estrada a caminho de Fátima é devoto e é a fé o seu alento. E que alento …

Há ainda o caso especial dos Caminhos de Santiago, que move todos os anos inúmeros peregrinos, numa multiplicidade de motivações única que vão das religiosas às espirituais, das de simples caminheiro a retiro místico, de turista da natureza a encontro consigo mesmo. Já há muitos anos ouço falar nos Caminhos de Santiago, mas nunca senti “o chamamento”, nem sequer curiosidade de conhecer o mito que os envolve, a transformação que provocam em tanta gente que, por uma ou outra razão, se aventurou a partir de um ponto mais ou menos distante de Compostela. No entanto, de há um ano a esta parte, tenho “tropeçado” com bastantes pessoas que já fizeram “o Caminho” e com muitíssimas mais que sonham vir a fazê-lo. O denominador comum nos relatos é que todos dizem ter sido o “Caminho da sua vida”. Mais: sonham poder voltar. Foi desta forma que o meu interesse despertou e passei a ler histórias, relatos, conselhos e reportagens de quem se fez à estrada e passou por essa “experiência redentora”, nas palavras dos peregrinos. Muitos deles são profundos e emocionantes, fazendo com que, aqui e ali, tivesse de parar para limpar as lágrimas. É certo, fiquei “agarrado”. Decidi que tinha de fazer “o Caminho”. A partir de onde e como, haveria de pensar nisso. E quando? O mais depressa possível. Não podia perder tempo, porque já não tenho tempo para esperar muito tempo.

Para quem acredita em “sinais”, aconteceu. Pouco depois de tomar a decisão, recebi uma mensagem vinda dos Açores: o meu primo Nuno desafiava-me a partir para Compostela, fazendo “o Caminho” a partir do Porto. Coincidência? Sinal? Cada um acredita naquilo em que quer acreditar. Para mim, era o Sinal, com significado. O aviso de que devia “fazer-me à estrada”. Todos aqueles com quem falei são unânimes ao dizerem que, tal como na vida, cada um “faz o seu Caminho”, feito de solidariedade e solidão, de sofrimento e descoberta, de reflexão e partilha. E encontrei entre eles religiosos e devotos no cumprimento de alguma promessa ou devoção a Santiago, outros cujo objetivo foi uma vivência espiritual, mística, num encontro consigo mesmo e até quem foi na onda por curiosidade e chegou transformado. Mas não é algo que se possa fazer de ânimo leve, sem um preço … 

Não fiz promessa a Santiago, mas vou partir como peregrino, sem a pressão de ter de lá chegar em data certa, nem sequer de lá chegar já. Vamos ver até onde a “máquina” aguenta e logo se verá. Se ficar em qualquer ponto da estrada por qualquer imponderável, ou porque o físico não aguentou, voltarei para o retomar e levar até ao fim. E não será isso que me vai tirar o sono. Mas que vou lá chegar, vou …

Com menos preparação do que seria aconselhável e de mochila às costas, farei do “Caminho” um tempo de paragem na “corrida de cada dia”, sem a pressão e a pressa diária de chegar seja lá onde for. Serei mais um peregrino a ter Santiago como patrono nesta peregrinação a terras de Espanha. 

O que espero? Mais do que conseguir carregar-me até Santiago, ser capaz de refletir e meditar sobre o “meu Caminho”, o que ainda posso fazer neste “entardecer” para aligeirar o de outros e ser capaz de fazer a “aceitação” dos “percalços” que vou encontrar no resto do “trilho” que me falta percorrer, sem culpas, sem revolta … E, se o conseguir, serei “um milagre de Santiago” …