Vivemos tempos difíceis depois de atravessar a pandemia do Covid-19 de que ainda verdadeiramente não saímos e de sofrer por tabela as consequências da guerra na Ucrânia, com uma inflação galopante que faz mingar o valor do dinheiro no nosso bolso e que dia após dia dá para comprar menos comida para casa. Mas, por mais difícil que tenha sido o ano, por mais confuso e tresloucado que este mundo se encontre, por mais que os pais invistam mais tempo em subir cada vez mais alto na sua profissão relegando para segundo plano o tal investimento na família e por mais que se alimente esta correria louca de todos os dias sem se saber bem para onde, num atropelar do outro sem sentido, durante pelo menos um dia do ano permitimo-nos acreditar no Natal, no milagre da bondade humana em nome de um Deus feito Menino e que no ano seguinte tudo vai ser resolvido.
Sei que dizemos sempre: “Mas um dia é tão pouco em 365 dias que tem o ano”! Também sou daqueles que dizem o mesmo, mas cada um de nós tem de fazer a sua parte para que o “espírito natalício” que prevalece nos nossos corações nesta época do ano, essa alegria de estar com as pessoas de quem gostamos, esse respeito e amor pelo próximo e essa generosidade que nos enche o coração, se estenda por mais e mais dias até ocupar o ano todo.
Olho ao meu redor na sala cá de casa onde já prevalecem os enfeites dum Natal que desejo em família e penso na simplicidade de Belém, do nascimento de Jesus no seio de uma família como a nossa, que é preciso valorizar por ser quase sempre o porto de abrigo onde todos podemos voltar em momentos difíceis. E deixo-me atrair pela ternura do Menino Jesus, nascido pobre, frágil e perseguido, no meio de nós, para nos dar o seu amor. Ele é o centro do Natal e sem Ele, que Natal seria este?
É certo que as nossas fragilidades humanas foram aproveitadas para fazer incluir o Natal no calendário comercial do mundo e o marketing e a publicidade encarregaram-se de criar e recriar os mais diversos e sofisticados engodos para nos distrair do essencial, focar o acessório e levar a consumir de forma descontrolada como se fosse obrigação o ter de comprar, trocar prendas tantas vezes inúteis, atraindo a nossa atenção para as luzes dos shoppings e centros comerciais, como que sonâmbulos hipnotizados. E o Menino? Ora, o significado do Natal é uma mensagem de amor e aproximação ao próximo. Se soubermos aprender com ele, crescemos em espírito e como pessoas. Por isso, os cristãos devem estar preocupados pois o nascimento de Jesus está a perder o lugar principal a favor dum consumismo selvagem que o Pai Natal representa. Mas cabe a cada família católica explicar às crianças diante do presépio em casa que o Menino é verdadeiramente símbolo do nosso Natal, muito para além do folclore comercial.
O Natal ensina-nos que há duas formas diferentes de manifestarmos o nosso amor pelos que nos rodeiam, que fazem parte da família, do círculo de amigos ou até de desconhecidos. Uma delas, a mais difícil, é sofrer pela pessoa amada. Foi isso que Jesus fez e nos ensinou através da encarnação. A outra, a mais comum neste tempo de encontro, é o dar presentes, mas sempre que possível que sejam úteis e não fúteis.
Aproveitando o movimento consumista que assola a época de Natal, podemos ser verdadeiros cristão se quisermos entender e viver essa época como um período de agradecimento por tudo o que Cristo é e significa, além do que nos concede. E, aproveitando o papel lúdico do Pai Natal, dos presentes e das expectativas que esse período gera nas crianças, jovens e até nos adultos, devemos entender que, tal como o velhinho das barbas brancas, todos somos e temos de exercer o nosso papel de Pais e Mães Natal não só nesta época, mas também em todas as épocas do ano, dando-se, ajudando e promovendo a dignidade dos mais necessitados. E há exemplos pelo mundo que devemos seguir.
Os Correios do Brasil inteiro lançaram uma campanha de Adoção de Cartas de Natal. Há milhares de crianças que, na esperança de serem atendidas pelo “Bom Velhinho”, enviam cartas endereçadas ao Pai Natal fazendo os mais variados pedidos. Para atendê-los, os Correios lançaram mão da ajuda voluntária de cidadãos. Com o apoio de muita gente que se colocou como padrinhos e ajudantes, ao longo de anos conseguiram realizar o sonho de um milhão de crianças, sonhos que vão desde bicicletas, bonecas e demais desejos de consumo, às mais reais necessidades como material escolar, cabaz alimentar, pedido de emprego para os pais e até cura de doenças. Dizia um funcionário dos Correios, há mais de vinte anos, que “esta época e os pedidos mais diversos, são uma verdadeira dádiva de Deus, uma oportunidade única de vermos que as dificuldades que achamos que temos na vida são muito pequenas diante das muitas necessidades e dos apelos de irmãos com realidades tão diferentes”.
Em Portugal, a Make-A-Wish (satisfazer um desejo) tem por missão conseguir a realização de desejos de crianças e jovens dos 3 aos 17 anos em todo o território nacional, com doenças graves, progressivas, degenerativas e malignas, proporcionando-lhes um momento de força, alegria e esperança. Para uma criança que está gravemente doente, a realização do seu desejo tem o poder de impulsionar a esperança, e a esperança é o valor mais precioso que se lhe pode dar. Todos nós podemos (e devemos) apadrinhar esta nobre causa, ainda que para isso se utilize o consumo para conseguir levar a esperança a quem sofre. Vale a pena apadrinhar este movimento e este tempo de Natal convida a investir na satisfação de uma criança em sofrimento. De uma coisa podemos ter a certeza: de que a prenda é bem aceite, dá uma enorme alegria a quem a recebe e a recompensa de quem dá não é menor.
Neste Natal, que a alegria de dar tenha um retorno maior para quem recebe, mais ainda para quem busque o verdadeiro sentido do Natal de se fazer presente e de ser presente. E nascer com o Menino todos os dias, para a caridade e o amor ao próximo.