Quando acabei o curso fui fazer o estágio em Angola pois as condições oferecidas pelo estado eram excelentes quando comparadas com o que se pagava por cá, provavelmente com intenção de fixar técnicos naquela “província ultramarina”. Viagens pagas no paquete Infante D. Henrique e com um salário cinco vezes maior do que recebia aqui no “continente”, não exitei e foi uma experiência que me marcou para a vida. Chegado a Angola com mais de uma dezena de colegas, tocou-me fazer o estágio no Instituto do Algodão e tive de passar por Catete, Malange e a Baixa de Cassange, uma região imensa e com aptidões excecionais para a cultura. Viria a acompanhar um grupo de nativos numa experiência onde era atribuída uma parcela de terreno para cultivar algodão a cada um, seguindo as orientações dos técnicos e sendo-lhes fornecidos todos os meios para levarem a cultura da sementeira à colheita e até ao mercado. Quando o algodão estava pronto para ser apanhado, a empresa Cotonang que tinha a concessão exclusiva da compra do algodão na região, instalou na aldeia um ponto de recolha da produção. Cada agricultor levava os fardos de algodão, eram pesados, classificados em função da qualidade (com critérios duvidosos pois só havia aquele comprador) e o seu valor era pago imediatamente ao produtor. De repente, um nativo que em geral não tinha nada, via-se na posse de bastante dinheiro. Foi então que eu vi uma coisa espantosa: com o dinheiro na mão, o agricultor era logo rodeado por inúmeros familiares, alguns deles vindos de muito longe, filhos, irmãos, tios ou primos, homens ou mulheres, e dirigiam-se para um largo onde estavam os comerciantes (brancos) com todo o tipo de coisas para vender, desde comida e bebida para celebrar como não podia deixar de ser, a roupa, calçado, relógios, rádios, óculos, tudo o que se possa imaginar nessa época distante. Para as mulheres havia panos coloridos para se enrolarem e as bugigangas do costume. No fim dos festejos, se sobrasse algum dinheiro da colheita era milagre. A família toda usufruía do que o agricultor conseguira, pois, os africanos têm o conceito cultural de “família alargada”. Dizem que há sempre alguém, algum tio ou primo que precisa de dinheiro e têm de ajudar. Nunca chegam a poupar nada. É a velha tradição africana: “divide o que tens com os outros membros da família, do clã, da tribo”. Aquele que viola este princípio autocondena-se ao ostracismo. Achei esta tradição excecional. O conceito da “família alargada” não é só africano. Existe também na Ásia, Índia e na América Latina. Diz o escritor Gonçalo Cadilhe que “só os ocidentais é que casam tarde, divorciam-se cedo, desaparecem no anonimato das grandes cidades, põem as suas crianças no jardim-de-infância a partir de poucos meses de idade, os seus velhos nas casas de repouso e nos lares e trocam os deveres comunitários pelos prazeres individuais”. O sentimento de família, comunidade e de solidariedade perde-se num individualismo e egoísmo exacerbados, centrados no eu e não no outro. À nossa moda, já tivemos o conceito de “família alargada” traduzido na solidariedade das comunidades rurais quase extintas. Mas, pouco a pouco esse espírito comunitário e solidário foi desaparecendo e hoje não passa de uma memória do passado. Ficaram as instituições de solidariedade social para suprir algumas carências e passamos a olhar o estado como uma vaca onde a maioria possa mamar. Venderam-nos a ideia do Estado Providência que a todos tudo provia, mas este faliu e ficou em legado o Estado Social para servir uma sociedade egoísta e centrada em si própria, que exige tudo sem admitir que lhe peçam algo em troca e demasiadas vezes sem consciência de que é cada um daqueles que trabalha no duro que financia o sistema. O que pagamos ou prescindimos de receber deveria servir para ajudar quem precisa e para termos amparo se nos virmos em maus lençóis. Mas essa lógica de precaução e visão de longo prazo sucumbiram ao individualismo, sob o comando de quem vê as funções governativas como uma saída profissional e oportunismo pessoal e não como uma missão nobre de serviço aos outros. Transformaram o meio num fim. Assim, ganhar eleições e manter o poder passou a ser o objetivo final da distribuição massiva de subsídios e o Estado Social foi inchando para tentar dar algo a todos, tornado instrumento para ajudar a ganhar eleições e a criar uma sociedade de dependentes do estado. Para os que de facto precisariam de ser apoiados e não tendo a chamada “família alargada” a quem recorrer, vai sobrando cada vez menos, o que aumenta o fosso entre os que têm alternativa e vontade de fazer e os que ficam à espera do que alguém decide que merecem. Entretanto exigimos equilíbrio entre vida pessoal e profissional, mas quase não estamos disponíveis para atender um pedido de ajuda de um colega aflito. Recusamos trabalhar ao fim de semana, mas exige-se que nos levem as compras à porta ao domingo à noite. Queremos que a justiça castigue aqueles que roubam, enganam e prevaricam, mas praticamos e promovemos a cultura do jeitinho, partilhando favores, músicas, filmes, jornais e passwords, e alimentamos uma economia paralela quando arranjamos o carro ou fazemos obras sem fatura. Recusamos aceitar empresas que não promovam a sustentabilidade, mas não queremos pagar mais pela embalagem de vidro ou pelos produtos biológicos. Pregamos a economia circular e a luta contra o desperdício, mas não descansamos enquanto não tivermos o novo iPhone apesar de possuir o modelo anterior ainda novo. Recusamos as roupas, calçado e outros artigos da moda do ano anterior apesar de boas para comprar o que a moda dita, como recusamos quase sempre os restos do jantar da véspera sem olhar ao desperdício contra o qual berramos. Estamos na primeira fila na luta pelo meio ambiente e pela defesa dos recursos naturais, mas desperdiçamos água, eletricidade, alimentos, montanhas de roupas e tantos outros bens como se não houvesse amanhã. Todos queremos viver melhor, com mais conforto e qualidade de vida e por isso exigimos mais direitos, condições de vida e respostas para todos os nossos problemas. Mas poucos estarão dispostos a procurar ser, eles próprios, agentes ativos da mudança, o exemplo daquilo que apregoam com veemência, mas sem coerência. Porque somos muito exigentes com os outros, como se eles fossem os únicos responsáveis e negligenciamos as nossas responsabilidades como se isso não fosse também connosco. Poucos reconhecem que a sua ação, parecendo insignificante, pode ter efeito imediato e reflexo nos outros. E ainda mais escassos os que, sabendo-o, estão dispostos a agir. Sobretudo se o dano não os toca diretamente. Que importa que haja pessoas que cegaram e se tornaram dependentes à espera de uma simples operação às cataratas, se a maioria vê bem? Quem se rala que as novas tabelas do imposto de circulação vá tirar mais dinheiro a quem tem carros antigos, se uns quantos até vão beneficiar no IRS? O que interessa a quem está a receber apoio às rendas que quem recebe pensões de alimentos só tenha direito a uma pequena fração dessa prestação, mesmo que os seus rendimentos reais sejam miseráveis? Sobra-nos o Estado Social que deveria prover só a quem precisa e não ser “fonte de produção” de dependentes do estado tornando aquele insustentável e injusto. E, por isso mesmo, com “prazo de validade” …
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A vida é uma forma de sofrimento
A partir do momento que perdemos a inocência natural da infância, percebemos que a vida é uma forma de sofrimento, um amontoado de problemas que se sucedem continuamente. O rico sofre por causa das suas riquezas enquanto o pobre sofre por causa da sua pobreza. As pessoas sem família sofrem por não terem família enquanto as pessoas com família sofrem por causa desta. Aqueles que procuram os prazeres terrenos sofrem por causa dos prazeres terrenos, mas os que se abstêm desses prazeres sofrem pela sua abstenção. E até o ditado diz: “Quem tem filhos tem cadilhos e quem não tem cadilhos tem”. Dizia-me o meu filho que futebol é sofrimento porque, quando assiste a um jogo do seu clube, se ele está a perder sofre, mas se está a ganhar, continua a sofrer com medo de que o adversário marque a qualquer momento e inverta o resultado. Mas não sendo o sofrimento todo igual, a verdade é que todos nós temos de sofrer. Daí que, a dor e a perda são inevitáveis e deveríamos deixar de tentar resistir-lhe e aceitá-las sem negação e sem vitimização. Nós sofremos pela simples razão de que o sofrimento é útil na nossa vida. É a forma que a natureza encontrou para nos levar a mudar. Se andar descalço cá em casa e der um pontapé descuidado num móvel que estava quieto e não se meteu comigo, vou dar um berro e soltar um palavrão contra o móvel “que não teve culpas no cartório”. Mas, por muito que a odeie, esta dor é útil. É a dor que nos ensina a não ser descuidados e a prestar mais atenção, especialmente quando somos jovens. Mostra-nos o que é bom e o que é mau. Também nos ajuda a compreender e conformar-nos com as nossas limitações. Ensina-nos a não fazer asneiras, a não tocar no lado afiado da faca porque corta e magoa, a não pôr a mão no fogo ou no disco do fogão quente porque queima, a não enfiar um objeto metálico numa tomada elétrica pois dá choque e a ter cuidado com uma agulha ou qualquer coisa afiada porque pica. Assim, nem sempre é benéfico evitar a dor, viver numa redoma com todas as necessidades e desejos satisfeitos, visto que a dor pode, por vezes, ser de importância vital para o nosso bem-estar. Tal como a dor física, também a dor psicológica nos traz sofrimento e é sinal de que algo não está bem. Se a namorada de quem gostávamos muito de repente nos trocar por outro, sentimos a dor da perda e da traição, que não é menor do que a dor física. E também essa dor nem sempre é má ou indesejável. Assim como a pancada com o dedo do pé no móvel nos ensina a não esbarrar com este ou outros, também a dor emocional da rejeição ou do fracasso, ensina-nos a evitar os mesmos erros no futuro. Ora, numa sociedade que cada vez mais se tenta proteger dos inevitáveis desconfortos da vida, perdem-se os benefícios de experimentar doses saudáveis de dor, uma perda que pode desligar-nos da realidade do mundo que nos rodeia. E não há uma vida sem dor, nem sem problemas. Não existe. Temos de aceitar a ideia de que teremos sempre de sofrer alguma coisa. Façamos o que fizermos, a vida é composta por muita coisa pois a par dos sucessos, ganhos, alegrias e da própria vida, também tem à mistura as perdas, fracassos, remorsos e até a morte. Por isso, a partir do momento que aceitarmos com naturalidade todo o sofrimento que a vida nos atira, sem revolta nem vitimização, estaremos em condições de ultrapassar a dor. Os problemas são uma constante da vida e dela fazem parte. Quando resolvemos um problema muitas vezes estamos a criar outro. Se eu comprar um carro a crédito para resolver o transporte pessoal, passo a ter o problema da prestação mensal. Se pagar a inscrição no ginásio para resolver a falta de condição física, crio problemas novos porque tenho de me levantar cedo para chegar a horas, de suar durante uma hora ou mais na elítica, passadeira e outras máquinas de tortura para abater a barriga e criar músculo. Não podemos esperar uma vida sem problemas. Isso não existe. Apenas são trocados ou sofrem alterações tipo “upgrades”. Em vez disso, vamos pedir uma vida cheia de bons problemas. E, sejam quais forem os problemas, só há uma forma de seguir em frente: resolvê-los para ser feliz. Infelizmente, para muitos de nós a vida não parece ser tão simples e arranjamos dificuldades ao adotar uma postura de negação do problema ou de vitimização. Ora, isso não ajuda a resolver nada. Ao negar a realidade, escondemos o problema, nada mais, e ao vitimizarmo-nos procurando culpar os outros ou as circunstâncias externas pelos nossos problemas para nos sentirmos melhor a curto prazo, acumulamos raiva e desespero. Normalmente as pessoas culpam os outros pelos seus problemas pela simples razão de que é fácil e sabe bem, ao passo que resolvê-los é difícil e frequentemente desagradável. Quanto mais tempo evitarmos e mais tempo ficarmos entorpecidos, mais doloroso será quando nos decidirmos enfrentar as nossas questões. Os nossos problemas são recorrentes e inevitáveis. A pessoa com que casamos é a pessoa com quem brigamos. A casa que compramos é a casa que temos de reparar. O emprego de sonho que arranjamos é o que nos causa stress. Esta é uma pílula difícil de engolir, porque nos agrada a ideia de que existe a forma suprema de felicidade que pode ser atingida, de que podemos aliviar sempre todo o nosso sofrimento e de nos sentirmos realizados e satisfeitos com as nossas vidas para sempre. Mas não podemos. As pessoas querem um corpo magnífico, mas isso só é possível com a muita dor e o esforço de viver no ginásio, hora após hora, e planear e controlar ao pormenor tudo o que come. As pessoas querem lançar o seu negócio, mas ninguém tem sucesso se não se sujeitar ao risco, aos fracassos repetidos, à incerteza, às horas insanas devotadas a algo que pode não render nada. As pessoas querem um parceiro, marido ou mulher, mas não se atrai alguém maravilhoso sem aceitar tensões, superar rejeições e diferenças. O que determina o sucesso não é “de que quer desfrutar?”, mas “que dor deseja suportar?”. O prazer é a questão fácil, todos o queremos. A questão é “qual a dor que quero suportar?”. Porque não há recompensa sem luta nem vitória sem batalha. As pessoas que lutam e sofrem no ginásio são as que correm triatlos e têm abdominais esculpidos. Quantos de nós, sentados na comodidade do sofá, não os invejamos? Mas não queremos a dor do seu sofrimento, mas só o resultado. E não há colheita sem o trabalho e o sofrimento de quem cultiva …
Entre a franqueza honesta e as delicadezas falsas …
Em 2009 M. Manson largou o apartamento onde vivia e partiu numa viagem pelo mundo que o levaria a viver temporariamente em 55 países como nómada digital a alimentar o seu blogue. Nessa viagem, em 2011 viajou para São Petersburgo, na Rússia. Nas suas palavras, “a comida era péssima, o tempo era péssimo e o meu apartamento era péssimo. Nada funcionava. Era tudo caríssimo. As pessoas eram malcriadas e tinham um cheiro esquisito. Ninguém sorria e todos bebiam demasiado. E, contudo, adorei. Foi uma das minhas viagens favoritas”. Porque existe um sem cerimónia na cultura da região que, normalmente, desagrada aos ocidentais. Não há delicadezas falsas nem as tiradas verbais polidas, mas que não dizem nada. Não se sorri para estranhos nem se finge gostar de algo de que não se gosta. Porque ali, se uma coisa é estúpida as pessoas dizem que é estúpida. Se alguém está a ser cretino, dizem-lhe que está a ser cretino. Se gostam de uma pessoa e estão a passar um bom bocado com ela, dizem-lhe que gostam dela e que estão a passar um bom bocado. Não importa se a pessoa é um amigo, um estranho ou alguém que acabou de se conhecer cinco minutos antes na rua. Durante a primeira semana ficou desconfortável com esta realidade. Teve um encontro num café com uma rapariga russa e três minutos depois de estarem sentados juntos ela olhou-o cara a cara e, sem rodeios, disse-lhe que o que ele acabara de dizer era estúpido. Quase se engasgou com a bebida. Não falou de forma exaltada, mas disse-o, apenas, como um facto trivial fosse ele o estado do tempo no dia ou o número que calçava. Mas ele ficou chocado, pois essa franqueza no Ocidente era considerada muito ofensiva, especialmente vindo de alguém que acabamos de conhecer. Mas era assim com toda a gente. Todos lhe pareciam constantemente rudes e a sua mente ocidental mimada sentia-se atacada por todos os lados. Mas, à medida que as semanas passavam, habituou-se àquela franqueza clara, tal como se habituou aos pores do sol à meia-noite e à vodca que se bebia como água gelada. E depois começou a apreciá-la exatamente pelo que era: expressão não adulterada. Honestidade no verdadeiro sentido da palavra. Comunicação sem condições, sem segundas intenções, sem motivo ulterior, nada de conversa fiada de um qualquer vendedor ou com o desejo desesperado de querer ser apreciado. Diz ele que, após anos de viagem, foi provavelmente no lugar menos americano de todos os lugares, que experimentou pela primeira vez um gosto particular de liberdade: a capacidade de dizer tudo o que pensava e sentia, sem receio de repercussões, sem medo de ofender ou chocar a outra pessoa desde que fosse honesto e dissesse o que sentia e não o que era conveniente para lhe agradar. Sentiu uma estranha forma de libertação através da aceitação da rejeição. E, sendo alguém a quem faltava muito este gênero de expressão desempoeirada durante a maior parte da vida, embriagou-se nela como … bem, como se esta fosse a mais requintada vodca que já bebera. Quando chegou ao fim o mês que passou em São Petersburgo conforme programara, não queria ir embora. E nada do que sentiu tem a ver com o sistema político e muito menos com os governantes e criminosos de guerra de hoje, mas com o povo da região onde viveu. Viajar é uma excelente ferramenta de desenvolvimento pessoal pois retira-nos dos valores da nossa cultura e mostra-nos que, noutras sociedades, pode viver-se com valores completamente diferentes e, ainda assim, funcionar e não se odiar a si mesmas. Esta exposição a valores culturais e critérios diferentes força-nos então a reexaminar o que parece óbvio na nossa vida e a considerar que, talvez, este não seja afinal o melhor modo de viver. Neste caso, o povo desta região russa fez-lhe ver e reexaminar a comunicação de treta e a falsidade que são tão comuns na cultura ocidental e perguntar a si mesmo se esta não estaria, de certa forma, a tornar-nos mais inseguros em relação uns aos outros e a prejudicar a nossa intimidade. O seu professor de russo tinha uma teoria interessante sobre estas grandes diferenças entre as duas culturas: “Tendo vivido sob o comunismo durante tantas gerações, com poucas ou nenhumas oportunidades económicas e engaiolada numa cultura de medo em relação ao sistema governante, a sociedade desta região descobriu que a moeda mais importante era a confiança. E, para construir confiança, é preciso ser honesto. Isso significa que, quando as coisas são uma porcaria, isso é dito abertamente e sem desculpas. As demonstrações de honestidade desagradável eram compensadas pelo simples facto de serem necessárias para a sobrevivência – as pessoas tinham de saber em quem podiam e não podiam confiar e tinham de o saber depressa. Porém, no Ocidente “livre”, continuou o seu professor de russo, “existe uma abundância de oportunidades económicas, tantas que se tornou muito mais valioso uma pessoa apresentar-se de uma certa maneira, ainda que falsa, do que ser efetivamente dessa maneira. A confiança perdeu o seu valor. A aparência e a capacidade de venda tornaram-se formas de expressão mais vantajosas. Conhecer muitas pessoas superficialmente é mais benéfico do que conhecer poucas intimamente. Foi por isso que se tornou muito normal nas culturas ocidentais, sorrir e dizer coisas de cortesia, mesmo que não sentidas, dizer pequenas mentiras inocentes e concordar com alguém mesmo que não se concorde. É por isso que as pessoas aprendem a fingir que são amigas de outras de quem nem sequer gostam, a comprar coisas que, de facto, não querem. É o sistema económico que promove estas ilusões. A grande desvantagem é que, no Ocidente, nunca se sabe se é possível confiar completamente na pessoa com quem falamos. Por vezes, isto acontece mesmo entre bons amigos ou familiares. Existe uma tal pressão para se ser apreciado que, muitas vezes, as pessoas reconfiguram completamente a sua personalidade, dependendo de com quem estão a lidar e das intenções que têm”. Ainda há dias me dizia um amigo que a sua frontalidade em dizer as verdades a qualquer pessoa, sem meias palavras nem dourar a pílula, tem-lhe trazido bastantes dissabores porque há quem não as queira ouvir. Mas ele não gosta de fingir que está tudo bem quando não está, que gosta do que não gosta, que tem de elogiar o que não merece um elogio. Dizia-me ainda que “se finge muito, abraça-se e beija-se quem se detesta porque é conveniente e, logo de seguida, nas suas costas, se dizer o que realmente se pensa. Olhando para este confronto de atitudes culturais antagónicas e sem introduzir na equação a toxidade dos governantes, será caso para perguntar qual das duas deveríamos escolher: se a atitude franca e honesta do povo daquela região russa ou a atitude das sociedades ocidentais feita de delicadezas falsas onde é mais importante parecer que ser, com muita falsidade e hipocrisia que tantas vezes só deixa palavras de conveniência, não sinceras, que não correspondem aos sentimentos nem à prática de todos os dias …