Nos meios rurais como era o nosso, todas as pessoas tinham um rosto que se conhecia e um nome que se dizia ao cumprimentar. A maioria era gente pobre que trabalhava e sonhava um dia ter uma vida melhor. Gente que trabalhava de sol a sol, de horário variável conforme a luz do dia. Aprendia-se desde bem cedo na família a poupar, a não exigir o que não se podia ter, a não estragar nem desperdiçar e a não fingir que se era rico quando nem sequer se era remediado. Numa sociedade que vivia da agricultura como era esta, havia muito pouco para comer, comprar, distribuir. Estriava-se roupa nova só na Páscoa ou Natal, quando se estriava. E mesmo assim as pessoas eram alegres epartilhavam as coisas da horta e até os pedintes não iam embora só com palavras e promessas. Ao chegarem as indústrias, primeiro a Estofex que até deu regalias sociais e emprego a mulheres, e mais tarde a Fabinter, a riqueza começou a ser distribuída por quem nunca a vira. As famílias apostaram toda a sua poupança na construção de casa para viver, grande parte das vezes feita aos fins de semana num terreno de família com a ajuda de familiares e amigos, num hoje ajudo-te eu e amanhã ajudas-me tu, com muito suor e sacrifício, ao longo de anos, para terem um teto seu. E fizeram-no aprendendo a viver com o muito ou pouco que tinham. E só com isso.
Mas “o tempo é feito de mudança” e as pessoas começaram a aprender na nova escola que ensina a comprar sem dinheiro. A dependência de um ordenado certo tornou-se moeda corrente; a procura dum trabalho no Estado era garantia de segurança para o futuro; e a emigração para o estrangeiro abria um mundo de oportunidades pois até dava para ter automóvel e fazer casa nova na terra, enquanto por cá “não se saía da cepa torta”. Chegou-se, então, a um tempo de melhor nível de vida, por vezes vida sem grande nível e com mais aparências que realidade. E de repente tudo foi mudando com muitos encargos, rendimentos incertos. Poupanças e hábitos de moderação deixaram de fazer parte da história pessoal e familiar. Com a crise veio o desemprego, as casas entregues ao banco, aumentou a pobreza e mesmo as vidas remediadas viraram falta do essencial numa realidade dolorosa. Toda a gente se queixa, a inflação escalou preços que já não recuam mais, o trabalho precário mantém-se, os recibos verdes continuam a fazer história, a fila dos que procuram cada dia o Banco Alimentar e batem à porta das instituições de solidariedade social cresceu e já não há capacidade para responder às necessidades mais prementes. Com 2 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza com menos de 591 euros, cerca de 380 mil desempregados, uma dívida pública a rondar os 280 mil milhões de euros e uma dívida total do estado e privados à volta dos 800 mil milhões, não se pode dizer que somos um país rico. Vamos lá, talvez remediado …
E, apesar duma certa recuperação, muita gente ainda não acordou ou finge que nada mudou. Quem, viva cá dentro ou vindo de fora, observar o que por aí se vê, não deixa de pensar que parecemos um país de gente rica, que dá nota pública de opulência. São caros, mas temos um parque automóvel rico que faz inveja aos pobres, telemóveis aos montes, dos mais caros e sofisticados, só roupa de marca, férias no estrangeiro nos locais mais badalados, lua-de-mel em países exóticos, consumos altos, habitações de luxo que são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Dizia-me um amigo da área financeira que “muitos vivem a crédito por conta do amanhã, com a casa, carro, barco e salário penhorados. Já só falta penhorar os filhos. Virados de pernas para o ar, já não cai um tostão furado” …
Neste contexto, os tiques de riquismo são ofensivos, as cedências ao supérfluo tornam-se escandalosas e os exibicionismos patéticos são tidos por provocadores. Todos são chamados, à medida de cada um, a entrar no processo da recuperação necessária e urgente do país. Não é trabalho apenas dos governantes. Pouco ou nada se conseguirá se cada um não se impuser a si próprio atitudes de certa austeridade e gestos de partilha e a quem governa decisões justas e exemplo convincente. Urge que todos digamos, de modo consequente, que somos pessoas responsáveis e solidárias, irmãos e cidadãos com iguais direitos e deveres.
Mas é verdade que os governantes deveriam ser os primeiros a dar o exemplo para, pelo exemplo, enquanto cidadãos e enquanto decisores políticos, mobilizarem todos os outros. Como cidadãos, deixando de aprovar para si e usufruir de mordomias e benesses escandalosas que chocam o cidadão comum, num aproveitamento dos recursos públicos que provoca risos de chacota nos nossos parceiros do norte da Europa. E, por essa razão, são um péssimo exemplo. É como aquele pai que se farta de dizer ao filho “não roubes”, mas que passa a vida a fazer isso mesmo à sua frente. E o miúdo vai olhar para o que o pai faz e não para o que o pai diz!
Mas os tiques de riquismo nos políticos confundem-se com a estupidez e inconsciência, já para não falar na incompetência, de quem governa e gere o que é de todos sem nunca ter gerido nada na vida. Daí termos visto o desmando e esbanjamento de dinheiro na renacionalização da TAP que custou aos cofres públicos muitos milhares de milhões de euros, só, mas só por razões políticas. E o mesmo aconteceu com a Efacec, que não nos levou tanto como a TAP, mas mesmo assim foram muitas centenas de milhões pagos por nós, contribuintes. Mas essa mania de que somos ricos levou outros figurantes a realizar o Euro 2004, com a construção de 10 estádios que custaram 650 milhões de euros. Vinte anos depois, quase todos eles ainda não estão pagos e às autarquias continuam a chegar pesadas faturas. E todos os grandes negócios de estado que têm sido um manjar no banquete da corrupção e tráfico de influências?
Se fosse a enumerar as muitas obras mandadas executar tanto pelo estado central como pelas autarquias, parte delas de interesse muito duvidoso ou ruinoso, quando nem sequer chegaram a sair do papel, mas consumiram muito dinheiro, por incompetência total, tiques de riquismo ou interesses inconfessáveis dos decisores políticos, tinha de escrever vários artigos e dar-vos cabo da paciência …
Mais: como somos ricos, o anterior governo “abraçou” todos os povos das nossas antigas colónias ao decretar que podem vir para Portugal e são recebidos com direito de residência automática e todos os direitos na saúde e sociais como qualquer cidadão português, com um subsídio mensal de 750 € durante dois anos mesmo que seja vadio. “Sem nunca ter contribuído para o sistema”. Mas nós pagamos por eles. Por isso se sabe que são cada vez mais os que nunca cá viveram, mas precisando de uma cirurgia, fazer um parto ou tratamento, pedem o estatuto de residente ou até passaporte português para o fazerem cá, à custa do “Zé Povinho”, de cujo exemple mais badalado é o caso das “gêmeas brasileiras”. Mas nós pagamos por eles. São estes tiques de riquismo dos nossos governantes que nos deveriam fazer pensar!
Com gente desta, com “tiques” de que somos um país rico onde o dinheiro sobra, temos que ter muito medo de vir a ficar cada vez mais pobres …