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Televisão, o comando é meu …

Os primeiros meios de comunicação com que tomei contacto foram o jornal “O Primeiro de Janeiro”, que o meu pai levava para casa, e a telefonia, através de um rádio enorme que estava em cima da mesinha de cabeceira do quarto dos meus pais.

No jornal via as fotografias e, depois de aprender a ler, os resultados da página do desporto, enquanto no rádio só ouvia algumas vezes o relato dos jogos do meu clube, pois preferia a vida ao ar livre e as brincadeiras de rua. Mas a rádio deixou-me imagens marcantes que guardo na memória, entre as quais os dias 13 de Maio quando a minha mãe punha o rádio à janela voltado para fora, para os vizinhos reunidos em frente da nossa casa ouvirem e participarem nas celebrações da peregrinação a Fátima, rezando ou cantando.

Era nesse momento que eu e o meu irmão nos escapávamos por detrás da casa da minha avó, para “atacar” a cerejeira da senhora Emilinha “Séria”, ocupada em seu fervor religioso. Só agora, olhando o Céu onde espero que esteja, lhe peço que me perdoe.

Outra imagem é a do meu tio Fernando sentado na cama a ouvir o relato dos jogos do seu Benfica, uma autêntica doença. À medida que o jogo decorria e o seu clube atacava, todo o seu corpo tremia em convulsões, crescentes com a aproximação da bola à baliza do adversário ou mais calmas se não desse em nada. Se fosse golo, terminavam num grito guerreiro profundo acompanhado de um salto a condizer. Numa das vezes… a cama “morreu”.

Era no rádio que a minha mãe ouvia os folhetins do “Teatro Tide” e mais tarde o “Simplesmente Maria”, rádio novelas que faziam chorar as rádio ouvintes e que foram as percursoras das atuais telenovelas.

Um dia chegou a televisão, a preto e branco, e o meu pai levou-nos à vila para vermos a primeira transmissão no Café Avenida, pois o senhor Joaquim tinha comprado uma. E foi neste café que eu e o meu irmão continuamos a ver TV, até sermos surpreendidos em casa com uma grande caixa onde vinha um aparelho igualmente grande, e podermos usufruir em privado desse milagre da tecnologia.

Com a chegada da televisão acabaram-se as cavaqueiras com a vizinhança logo após o jantar, à porta de casa. Logo aí, perdeu-se alguma coisa.

A televisão passou a fazer parte da vida de todos nós, num crescendo constante à medida que alargava os horários de transmissão, melhorava a qualidade dos aparelhos, da imagem e dos programas, agarrando-nos e criando habituações, senão mesmo dependências.

E neste processo deixamo-nos atrair como moscas ao mel, sem cuidarmos em dosear a quantidade, selecionar a qualidade, limitar horários ou travar gastos. Gradualmente espalharam-se televisões por toda a casa.

Começou-se pela sala, alargou-se à cozinha e mais tarde aos quartos e a outras dependências da casa. De tal forma que já vi uma numa casa de banho, mesmo em frente da sanita. E pela bizarria, apeteceu-me dizer ao proprietário que deveria ter montado um sensor para, quando ali estivesse a ver um jogo do seu clube, nos momentos mais emotivos como o golo, se se levantasse para celebrar, aparecesse no ecrã uma frase do tipo “cuidado que está a c… fazer fora da sanita”.

A televisão passou a comandar as nossas vidas, o nosso tempo, “educando-nos”, “instruindo-nos”, “moldando-nos os gostos e preferências”, vendendo-nos tudo desde perfumes a presidentes, contando as “suas verdades”, fazendo-nos acreditar.

Eu também espalhei televisões pelos quartos até chegar à conclusão óbvia de que uma televisão, se possível fora da área das refeições, era mais que suficiente. Ao colocarmos televisão nos quartos proporcionamos aos nossos filhos as condições para fazerem noitadas, vendo o que não lhes é recomendado, acordados quando deviam estar a dormir, enquanto nós ressonamos tranquilamente, alheados do que se passa no quarto ao lado.

E esta “santa paz” continuou quando chegaram os computadores e a internet que, com a interatividade, mais prenderam os miúdos ao monitor e os levaram a prevaricar, noite após noite, vivendo de noite e dormindo de dia, talvez na espectativa de tirar o curso de… morcego.

A televisão ligada na zona e à hora das refeições acabou com o diálogo na família, chegando mesmo a ser motivo para brigas, sendo nós pais quem as provocamos geralmente ao exercer a autoridade paterna para ver o jogo de futebol ou a telenovela, deixando as preferências dos filhos para segundo plano.

A TV e o computador são um bem, se usados com critério e regras, mas podem virar problema se não forem doseados em função do utilizador. Que moral temos para exigir dos políticos em geral e dos governantes em particular, que regulem os mercados, o sistema bancário, etc., quando não somos capazes de dar o exemplo e fazer a regulação do que se passa em nossas casas no simples uso da TV ou do computador, que tanta importância têm na vida dos nossos filhos? Será tão difícil impor regras e fazê-las cumprir ou o nosso comodismo sobrepõe-se à nossa responsabilidade?

A educação, tal como a caridade, para ser bem feita deve começar por nós. Mas antes de querermos mudar os outros temos de nos mudar a nós próprios. É que, afinal, importa saber quem é que em casa diz: “O comando é meu”.

Procura-se: Trabalho ou emprego?

É um lugar comum dizer que vivemos tempos de crise, difíceis para todos, que nos obrigam a considerar o emprego como um bem raro, seja ele bom ou ruim. Aliás, há os que defendem mesmo que não existe trabalho ruim, porque ruim é ter que trabalhar. Também, em contrapartida, há os que afirmam que não é o trabalho que acaba com a gente, mas sim as preocupações.

Considero o desemprego um dos maiores flagelos da sociedade e, por mais exercício mental que faça, não consigo dimensionar, porque o não vivi, o drama de alguém que quer trabalhar, que precisa de o fazer para se sustentar a si e à família, que se sujeita ao que houver e só encontra respostas de “não”, “não precisamos”, “é muito velho para o lugar”, “não tem experiência” e sei lá bem mais o quê. Um homem desejoso de trabalhar e que não consegue encontrar trabalho, é dos espetáculos mais tristes que a desigualdade nos mostra à face da terra. E as consequências são conhecidas: Quebra no rendimento familiar, depressões, baixa na autoestima e desmotivação para procurar emprego. Aliás, um bom número de desempregados desmoraliza depois de várias tentativas falhadas.

Para um jovem que andou quinze, dezasseis ou mais anos a estudar, alimentando o sonho de um bom futuro, que às vezes para além da licenciatura até tira um mestrado, ver-se confrontado com a impossibilidade de encontrar trabalho na área a que se dedicou, no nível a que acha ter direito, para depois ter de concorrer a um serviço indiferenciado, sem exigência de qualquer instrução ou qualificação profissional, e onde, por paradoxo, ainda poderá ser penalizado por excesso de habilitações, é de uma frustração inimaginável.

Admiro e merecem-me todo o respeito, todos esses jovens que, não tendo saída com os seus cursos, se agarram com vontade, sem quebra de ânimo e com empenho, a qualquer trabalho que surja, por mais simples que seja.

Diariamente sou confrontado com uma verdadeira legião de licenciados de diversas áreas, à procura de um simples emprego, a maioria aceitando seja o que for, pois o que procuram é trabalhar. E na história de cada um está um drama a precisar de uma solução, uma frustração a precisar de uma saída, uma necessidade básica à espera de uma mão amiga.

Esta é efetivamente a geração mais instruída, mas também não deixa de ser a mais desprotegida e com menos emprego de sempre, a quem foram criadas espectativas elevadas mas que foram remetidas, em grande número, para o caixote das desilusões. E então todos aqueles que perderam o emprego em idade mais ou menos avançada, que são considerados novos para se reformarem e velhos para trabalhar? Quantos dramas para quem tinha a sua vida organizada e planificada e de um dia para o outro viu ruir o seu mundo, as suas certezas, a sua segurança, o seu bem estar? Quanto sofrimento por esta situação, em muitos casos silencioso e escondido, envergonhado por nunca se ter imaginado assim?

Rezo para que não falte o ânimo a todos os que sentem na pele esse flagelo destes tempos que é o desemprego, para que consigam levantar-se e seguir em frente, recomeçar com mais energia, voltar a ter vida própria.

Percebo ainda muito bem o sentimento dos que partem para outras paragens porque no seu país não têm oportunidade de trabalhar, de serem úteis, de dar o seu contributo. Demos-lhe ferramentas de trabalho especiais, mas que só servirão para produzir riqueza para outros.

Tudo isto vem a propósito do emprego e do seu valor nos dias de hoje, para justificar o absurdo do que relato a seguir. Há algum tempo atrás na Instituição a que estou ligado, tivemos de proceder ao recrutamento de duas funcionárias para tratar de idosos. Esse recrutamento processou-se da forma habitual, com entrevistas a cerca de vinte candidatas e a admissão das duas melhor pontuadas.

Até aqui, tudo normal. As duas novas funcionárias começaram a trabalhar numa segunda feira mas no dia seguinte já não apareceram ao serviço, nem tiveram educação e respeito para se justificarem. Chamamos de imediato as duas seguintes que começaram a trabalhar na quarta feira mas, ao outro dia, já só compareceu uma.

Em resumo, para ocupar dois lugares, repito, dois lugares, tivemos de chamar seis pessoas que diziam precisar de emprego. Provavelmente era isso, diziam precisar de emprego, não de trabalho. Ou então, ao ouvirem que “o trabalho duro nunca matou ninguém”, interrogaram-se: “Para quê arriscar”? Por este e outros absurdos do género com que me tenho deparado nestes tempos tão difíceis, onde ainda há quem procure emprego e não trabalho, quem procure salário e não responsabilidades, quem procure direitos e não deveres, parece-me ser importante que aos jovens, para além da instrução, se lhes ensine algo muito precioso: Hábitos de trabalho. Porque, como é comum dizer-se, “o único lugar conhecido onde o Sucesso vem antes do Trabalho é no … Dicionário”.

Os acumuladores de lixo

Nasci em plena Segunda Guerra Mundial e por ela fiquei marcado, não pela guerra em si, de que não tenho memória alguma, mas pela falta de todo o tipo de bens, pelo racionamento, por um tempo de nada haver e tudo ter valor por mais pequeno que fosse. Por isso fiquei com o hábito de apanhar e guardar tudo, desde um prego a um pedaço de madeira, porque me poderia ser útil amanhã. Diziam-me “guarda o que não presta que encontrarás o que te é preciso” e como era um tempo de haver muito pouco, todo o pouco era muito.

Com o surto industrial local, desde a FAMO, à ESTOFEX e à “KISPO” – e desculpem-me por me referir à marca e não à empresa, mas foi aquela que ficou na memória do povo – chegou a criação de emprego e a produção de riqueza, que levou à urbanização, puxando pela indústria de construção civil e de todos os sectores desta atividade e de outras, num crescendo permanente até ao final do século passado. E essa espiral ascendente de criação de riqueza rapidamente se fez acompanhar do seu irmão: O consumo.

Começou por se comprar tudo o que eram bens essenciais, a que se tinha um acesso limitado até então, mas rapidamente se estendeu a todo o tipo de bens. Comprou-se casa e carro, móveis e eletrodomésticos cada vez mais sofisticados, compraram-se máquinas fotográficas e de filmar, chegaram os telemóveis e compraram-se de todos os tipos, dos Iphones a Ipads sem preocupações com o “Ai podes?”, com os bancos a empurrarem o dinheiro pela porta fora oferecendo crédito barato, com publicidade como “tenha tudo com que sempre sonhou”, “vá de férias e pague depois”, etc., etc.. E até veio a CEE para nos “dar” dinheiro a rodos, que alimentou o consumo de produtos vendidos pelos nossos “dadores”, fazendo com que o dinheiro voltasse ao bolso de onde saiu.

Os comércios multiplicaram-se a um ritmo alucinante, seguindo-se-lhes as cadeias de supermercados que nos acabaram de arrasar as bolsas com o aliciamento à compra do supérfluo. Alguém do ramo dizia-me que a sua especialidade era “vender o que as pessoas não precisam”.

O desenvolvimento industrial levou a um excesso de oferta e esta a uma massificação do consumo, alimentada pela comunicação que, através da coação psicológica realizada pela publicidade, veio desenvolver a cultura de massas, ao que foi chamado “industrialização do espírito” e a “colonização da alma”, atirando-nos rapidamente para uma típica sociedade de consumo em substituição da sociedade de subsistência.

Passou a consumir-se tudo o que está na moda apenas como forma de integração social, numa estratégia da indústria que, mais do que na produção de mercadorias, investiu no aumento da procura, isto é, em produzir consumidores.

Cada um de nós passou a ser “capital humano”, sendo promovido a trabalhador e a consumidor e, sem percebermos, procedemos como peças de uma máquina (a sociedade de consumo), cujo funcionamento não compreendemos. A partir de certa altura já não consumimos coisas, somente “marcas”, já não nos vendem produtos, vendem-nos “estilos de vida” de acordo com os “critérios do mercado”. Nesta sociedade, passamos a ser consumidores sem vontade própria, sujeitos ao prazer do consumo, escravos das estratégias do marketing agressivo e das facilidades de crédito das empresas e dos bancos.

Compramos o que precisávamos e o que não precisávamos, da roupa ao calçado, dos “palácios” às “bombas”, das viagens às prendas, das enciclopédias às colchas de linho a prestações. Até compramos os nossos filhos ao dar-lhes tudo o que pediam só para não nos chatearem porque não tínhamos tempo para lhes dar.

E nós compramos, compramos, compramos, embora para isso tivemos de correr mais, trabalhar mais, e pôr a mulher e até os filhos a correr também mais, para satisfazer “falsas necessidades” que o marketing foi inventando e reinventando, fazendo de nós escravos sem correntes.

Muitas vezes o meu amigo Agostinho me perguntava: – “Esta gente vai toda a correr para onde”? E nesse comprar, comprar, fomos enchendo a casa dos chamados bens, construímos anexos que também enchemos, e até ocupamos quintal ou jardim. E vem todo este rebobinar do nosso percurso comum porque cheguei à conclusão que teria muito melhor qualidade de vida se me desfizesse de 80% da tralha que tenho em casa.

Aliviado deste “excesso de peso”, teria a minha viagem mais simplificada, precisando de menos casa e menos anexos, em conclusão, viveria melhor. Olhando para trás, friamente, dou-me conta de que após a industrialização, fomos “formatados” para consumir. E ao massificar o consumo, perdemo-nos como indivíduos. E o que nos ficou deste consumismo?

Uma quantidade de bugigangas espalhadas por cima dos móveis ou, já por falta de espaço, encafuadas em vitrines ou em caixotes, que só são um estorvo. E pergunto-me: – Que é isto? Os móveis “despromovidos”, enfiados nos anexos à espera de “reabilitação”, os eletrodomésticos encostados, as taças, centros de mesa e arranjos, os armários a rebentar com roupas ociosas por não serem utilizadas, os sapatos, as maquinetas de cozinha que serviram enquanto foram novidade, as louças nunca usadas, as bicicletas e outras maquinetas para fazer exercício físico. Toldes e guarda sois, sacos camas e tendas de campismo, coleções de livros, de porcelanas e de sei lá o quê, berbequins e outros afins, ferramentas, bidões e floreiras, consolas e telemóveis em uso e desuso, etc., etc., etc..

Afinal, além de um típico “carneiro” do rebanho da sociedade de consumo, tornei-me também num “ACUMULADOR DE LIXO”.

O consumismo conduziu-me até aqui e ao olhar para trás, para aquele miúdo que só tinha dois pares de calças remendadas, penso que poderia viver várias décadas mais, sem precisar de comprar roupa, se aproveitasse a que tenho tão bem quanto devia. Mas a sociedade que criamos vive deste ciclo vicioso: As empresas fabricam produtos, empregando pessoas, a quem pagam salários, para lhe comprarem os produtos.

Conclusão: A empresa fabrica produtos e consumidores. Com a mecanização, a automatização e a robotização produziu-se mais e mais com menos mão de obra, em excesso, levando-nos a consumir mais e, consequentemente, a trazer mais lixo para casa, com a agravante de passarmos a ser dispensáveis, melhor, descartáveis, afinal, também lixo.

Até sempre Sr. Dias

Não tenho inclinação para a história porque não tive nenhum professor que me despertasse o interesse pela matéria, antes pelo contrário, a forma como esta disciplina me foi ensinada era, em gíria estudantil, uma “seca”.

A minha aprendizagem desta matéria teria sido muito melhor se me tivesse sido incutida motivação, que não aconteceu, e se tivesse sido valorizada a compreensão em detrimento da memorização. Não sendo matéria da minha especialidade, já há uns meses que me propus fazer um pequeno exercício de memória no que à história diz respeito a propósito de três homens, três empresários que, em meu entender, se tornaram personalidades, ao destacarem-se e deixarem a sua marca em Lousada durante o século XX e a quem o concelho muito deve e vai continuar a dever ao longo do século XXI. Mas, um acontecimento imprevisto fez-me alterar essa intenção, levando-me a escrever hoje, somente sobre um deles.

É sempre subjetivo referir da maior ou menor importância de uma pessoa, até porque alguns são considerados grandes porque “também lhes mediram o pedestal”. No entanto falamos de quem fez obra, de factos que não podem nem devem ser esquecidos, de homens que tiveram a ver com a vida de muita gente e que por isso têm de merecer o nosso respeito e cujos nomes devem ser preservados na história de Lousada. Um empresário é alguém que exerce profissionalmente uma atividade económica organizada para a produção de bens e serviços.

Sem empresários não há empresas, sem empresas não há emprego – que tanta falta faz hoje a centenas de milhares de pessoas em Portugal – sem emprego não há criação de riqueza. Muito vilipendiados e raramente adorados, os empresários são quase sempre mal amados, tidos como um mal necessário, sujeitos à inveja e à calúnia, até porque são quase sempre considerados ricos, mesmo que o não sejam. É verdade que há bons e maus, alguns com formação e capacidade mas muito mais sem qualquer preparação para tal, e que acabam por denegrir a imagem geral do grupo.

Um empresário é um homem de ação, ação esta que não vem do pensamento mas da disposição de assumir responsabilidades. E um bom empresário é um homem que as assume. Nestas breves linhas falo de um empresário, de um homem que, por tudo o que fez, passou a ser uma das personalidades de Lousada do século passado.

E falo especialmente dele porque, hoje mesmo, último sábado de Outubro, fui surpreendido com a notícia que o Manuel Mendonça me deu: Faleceu o senhor JOSÉ DOMINGOS DE ARAÚJO DIAS, mais conhecido por senhor Dias, da ESTOFEX, e o seu funeral já se realizou ontem. E disse-me ainda que ficou muito admirado porque estiveram poucas pessoas no cemitério de Cristelos, no funeral de um homem que merecia a homenagem de muita gente de Lousada.

Fiquei triste não só pela morte do último dos três grandes empresários de Lousada do século passado – os outros foram os senhores Jaime Pinto de Moura e Hans Isler – mas também por não ter estado presente na sua última viagem neste nosso mundo. E só não estive lá, porque não soube.

É certo que para um grande número de lousadenses o nome do senhor José Dias já nada lhes diz, pois nasceram ou cresceram nas últimas três décadas, quando ele já se retirara para o Porto, e mais tarde para Gaia, onde passou a viver uma vida mais tranquila, muito em função da sua doença. Mas ainda há muita gente que com ele privou, trabalhou ou que dele usufruiu benesses, mas quero crer que não souberam da sua morte, tal como eu.

Há três tipos de pessoas: As que fazem, as que veem fazer e as que perguntam o que aconteceu. José Dias foi um daqueles que fez, e fez obra grande, tendo construído há cerca de cinquenta anos uma das maiores unidades fabris de Lousada, senão mesmo a maior de sempre: A ESTOFEX.

Um homem de grandes conhecimentos, muito viajado e conhecedor do mundo no tempo em que o mundo se resumia quase ao nosso “quintal”, era um visionário e um sonhador. Viveu a sua vida entre Portugal e o Brasil, muito beneficiando dessa dupla vivência de que soube colher o melhor dos dois mundos.

Iniciou a atividade da ESTOFEX num edifício da FAMO, mudando-se mais tarde para instalações industriais próprias por detrás desta e bem dentro da vila, com a atividade centrada no fabrico de móveis e estofos de linhas modernas, uma revolução para a época. A unidade fabril cresceu quase meteoricamente, em dimensão fabril e equipamentos dos mais modernos de então, surpreendendo o comum dos cidadãos pelo avanço tecnológico, impar na região. Deu emprego a um grande número de pessoas – “na hora da saída da fábrica, era um rio de gente” dizia-me um antigo operário – num período em que a industrialização começava a dar os primeiros passos no concelho e na região, gente essa na sua maioria sem preparação nem formação profissional, mas que rapidamente se adaptou à função.

O crescimento da empresa deu-se na década de sessenta, atingindo o auge na seguinte, mas nesta vida tudo nasce, cresce, vive e morre e o período conturbado e de crise que se seguiu à revolução de Abril e as grandes dificuldades que vivemos então, foram-lhe adversas, acabando por a levar ao encerramento. No entanto, as instalações que edificou ficaram de pé, apesar de esventradas, e anos depois viriam a ser transformadas no parque industrial que é hoje, abrigo de várias empresas industriais, comerciais e de serviços, só possível porque um homem como ele teve a coragem suficiente para arriscar tanto.

Como empresário, para além de dar emprego a muitos trabalhadores, trouxe um conceito novo: O das preocupações sociais com aqueles que trabalhavam na empresa. Era um verdadeiro lousadense e amava profundamente a sua terra onde, para além de ter construído aquela grande empresa que foi a ESTOFEX, assumiu diversas responsabilidades na comunidade, a maior das quais como presidente da assembleia municipal, cargo que exerceu com grande nível.

Sempre disponível para ajudar, deu a mão a muita gente e a várias instituições locais, patrocinando eventos e organizações, como benemérito que foi. Era um homem inteligente e de uma cultura invulgar, que viveu as últimas décadas rodeado de livros, deleitando-se com a poesia, cultivando as amizades, uma espécie rara neste mundo descartável, que acabou de partir para o canto das memórias, quase esquecido na sua Lousada querida, onde quis deixar os seus restos mortais já que há muito lhe entregara o coração.

Ainda há relativamente pouco tempo, doou à Biblioteca Municipal de Lousada um valioso espólio, que ocupa a sala com o seu nome. Pessoalmente, aqui deixo o meu preito de homenagem ao Homem, que admirei pelo que foi, pelo que fez, pelo que sonhou.

Para mim será sempre um dos três grandes Empresários de Lousada do século XX, diria mesmo, uma das Personalidades marcantes desse período, e a história local deve-lhe isso. E para que o concelho não repita a injustiça que foi feita a um outro Empresário, seria a altura própria de batizar o parque industrial de hoje, instalado na sua unidade fabril de ontem, para perpetuar o nome de JOSÉ DIAS no amanhã, porque sem ele nunca haveria parque.