Vera e Artur, nomes fictícios como se percebe, juntaram os trapinhos e, depois de quase quatro anos a viverem juntos e com dois cães de companhia, decidiram casar. Cá para nós que ninguém nos ouve, ela é que tomou a decisão quando uma das amigas “deu o nó com pompa e circunstância”. Desabafou com a irmã que também tinha de conseguir e Artur, como qualquer homem que pensa ser ele que toma a decisão, depois de muitos “ses” e “mas” acabou por engolir as objeções e deu o “ámen”, ainda por cima sem aquele ar contrariado que punha quando falavam no assunto, para “não ter de a ouvir” o resto da vida. Eles (ou ela?) escolheram a igreja, “aquela quinta de eventos”, o mês de Abril de 2020, a ementa “premium”, os arranjos florais, a música, fogo de artifício e tudo o mais, para além de uma longa lista de convidados a ultrapassar os trezentos, já reduzida depois do noivo ter conseguido eliminar alguns convivas que nenhum dos dois conhecia bem nem sabia como ali tinham ido parar. Escolheram e compraram o fato e o vestido de noiva, alianças, viagem para a lua de mel nas Maldivas e todos os pormenores, desde os convites às prendinhas surpresa, sem deixar nada ao acaso. Mas, diz-se que “o homem põe e Deus dispõe”. Em Março desse ano chegou a pandemia e virou tudo do avesso. E o confinamento e todas as restrições que o acompanharam, fizeram com que só restassem duas opções ao casal Vera e Artur: escolher um novo modelo de casamento com muito poucos convidados e mesmo assim com todas as condicionantes de proteção e distanciamento ou adiar à espera de dias melhores. Ora, para quem queria o casamento espetacular como era o caso, não restou outra opção senão o adiar, acabando por ser consensual remarcarem para o mês de Setembro. Talvez as coisas já estivessem mais calmas. Artur não se opôs e até teria mais tempo para se adaptar à ideia da nova situação de vida. Conseguiram alterar a marcação na quinta dos eventos, não para um sábado como desejavam, mas para o único domingo livre na agenda e tudo passou a ser reprogramado para o novo dia, com novos convites porque os primeiros não puderam ser aproveitados, mas as alianças seriam as mesmas, se bem que tendo a gravação da primeira data, o que eles consideraram ser um pormenor sem importância.
Mas quando Setembro já estava próximo, a situação mantinha-se sem hipótese de poderem realizar o casamento conforme o planeado e fez com que voltassem a alterar a data, regressando ao mês de Abril, mas desta vez de 2021. Com isso, tiveram de se sujeitar à disponibilidade da quinta, tendo desta vez a escolha recaído numa sexta-feira pois já foram dos últimos a decidir a mudança. E voltaram a refazer o plano e os preparativos para a nova data, esperançados de que a pandemia em Abril estaria ultrapassada. Mas, à medida que os meses passavam com a situação sanitária a agravar-se e o confinamento a provocar os estragos de uma convivência intensa e anormal, aconteceu a rotura no casal e toda a relação se esfumou em poucos dias.
Ora, não há no país quem queira festejar o primeiro aniversário do Covid-19 em Portugal, embora alguns tenham “engordado” em época tão difícil. Mas os períodos de crise “nunca são maus para todos”. Daí o provérbio “não quero que ninguém morra, mas quero que a minha vida corra”. A pandemia virou-nos a vida de pernas para o ar e desfez num instante quase todos os planos e sonhos, brincando com a nossa saúde num jogo de lotaria russa onde nunca sabemos se já chegou a nossa vez. Consigo trouxe mais pobreza, exclusão, medo, quebra nas exportações, aumento da dívida pública, ansiedade, falências, stress, instabilidade, vítimas de violência doméstica, incerteza no futuro e um rasto de mortos.
Enfim, perdemos a vida que julgávamos segura, ao ponto de serem impedidos os contactos físicos como os abraços e beijos, encerradas numerosas atividades, proibidos ou reduzidos a muito poucas pessoas espetáculos e celebrações diversas como as missas, batizados e até casamentos. Foi assim que, para aqueles que, como a Vera, queriam uma cerimónia muito participada por amigos e familiares para festejar esse momento importante das suas vidas, não lhes restou outra solução senão adiar a celebração. E isso aconteceu com milhares de casais em 2020 e, ao que tudo indica, continuará a acontecer este ano, sem fim à vista. E os mais devotos por cerimónia com muitos convidados correm o risco de ver o casamento adiado eternamente, esperando-se que um pouco antes de terem netos. Há dias dizia-me a mãe de uma noiva: “A minha filha ia casar-se agora, mas só podia ter um pequeno número de convidados e a festa na quinta tinha de acabar às nove da noite. Que raio de festa ia ser essa com hora de fecho e restrições à diversão? Claro que lhe disse para a adiar”.
Em Portugal o número de casamentos tem vindo a baixar, para se vir a manter um pouco acima dos 30.000/ano na última década. Já no que diz respeito aos divórcios estamos muito bem, colocados entre os três primeiros da Europa, lugar do pódio que muito preocupa aqueles que estudam a nossa demografia. É que, por cada 100 casamentos, há em média mais de 65 divórcios, no casa e descasa que quase não dá tempo para juntar mesmo os “trapinhos”.
Com o confinamento, a pandemia veio trazer pressão à relação e nos casais com fragilidades, fechados em casa sem o escape de uma saída a jantar fora ou uma ida à praia ou ao centro comercial, elas foram agravadas ou romperam-se. Como se já não fosse suficiente o tempo indefinido em que é possível viverem juntos sem ter de casar, dando tempo para ensaiar e experimentar a vida em comum sem passar pelo casamento e todo aquele peso da responsabilidade, além dos custos da “festa”, ao atrasar as celebrações como o fez em 2020 e continua a fazer este ano, o Covid-19 permite que um número bem significativo de casais que já tinha a boda marcada como foi o caso da Vera, se separem ainda a tempo de cancelarem definitivamente o casamento, poupando na fatura da “festa”, lua de mel incluída, bem como no divórcio que viria a seguir e divisão dos “trapinhos”, que da outra forma é (quase) sempre conflituosa. A isto chama-se “divórcio antes do casamento”, que é bem mais económico, fácil e saudável que depois. E parece que não são tão poucos …
E alguém fica a perder? Claro que sim. A quinta do evento que perde uma receita. Os convidados, que perdem uma farra. Os patronos da celebração, que perdem a oportunidade de se gabar e fazer inveja à vizinha. E a estatística do país pois é menos um casamento a estragar a média nacional …