Estava à mesa com três senhoras jovens, bonitas e recém-casadas e o tema da conversa era ter ou não ter filhos, mostrando-se todas inclinadas para o não, considerando o estado do mundo em que vivemos. Às tantas, uma delas pediu-me diretamente o conselho: “Acha que devo ou não ter filhos”?
Respondi-lhe fazendo algumas considerações sobre os prós e os contras, mas realcei que a opção do sim deveria implicar que os pais se dispusessem a dar tempo aos filhos, desde o berço até ao fim. E que esse tempo não podia nunca ser comprado, porque eles deveriam ser a primeira prioridade.
Tempo para os ouvir quando chegam da escola queixando-se do colega ou da professora ou para falar do golo que marcaram, tempo para assistir às suas festas, representações, jogos ou o que quer que seja, tempo para os acompanhar, para brincar com eles, para ser seu confidente, para rir e chorar com eles, para sentir as suas tristezas e alegrias, em resumo, tempo, tempo, tempo.
Como a conversa foi breve, eu é que não tive tempo, e também não me ocorreu no momento, para lhe dizer que implicava outra coisa: Saber dizer “Não”.
O “Não” na hora certa é saudável e prepara mais para a vida do que o comodismo de um “Sim”. É que a criança em natureza, não tem noção de limites, cabendo aos adultos indicar-lhos, o que é fundamental na educação.
Os filhos precisam de aprender que são os pais que comandam porque, se estes cedem a todas as chantagens, acabam por ficarem reféns. Os pais tornaram-se reféns das birras, dos amuos, dos gritos dos filhos, que aprenderam depressa, usando-os especialmente quando têm plateia para fazer chantagem sobre eles, que acabam por ceder para se não sujeitarem ao constrangimento público desse espetáculo.
As gerações de pais dos últimos vinte a trinta anos, entre as quais está a minha, correram e correm, para darem aos filhos este mundo e o outro, boas escolas, aulas de tudo, consolas, computadores e telemóveis topo de gama, carro, entradas em concertos e roupa de marca. Os filhos pedem e os pais submetem-se e correm para satisfazer o desejo da criança ou adolescente, mesmo sem poderem, para não desiludirem o seu pequeno reizinho, como verdadeiros súbditos. E a contrapartida que os pais recebem é um tratamento desrespeitoso, sem limites, sem valores, unicamente feito de exigências.
Vem isto a propósito do desabafo triste que uma mãe teve há dias numa loja local. Dizia ela que teve de abdicar de ir a uma consulta e tratamento médico de que precisava muito, para poder comprar roupa para uma filha, isto é, um vestido para uma festa a que a filha ia no sábado e outro vestido para um casamento no dia seguinte. Questionada porque é que não lhe tinha comprado um único vestido para os dois eventos, respondeu que não podia ser, porque a filha exigia um para cada momento.
Porque não sabe dizer “NÃO”, esta senhora submeteu-se à vontade da sua “Princesa” ao comprar-lhe os dois vestidos, deixando os cuidados da sua saúde para depois porque o dinheiro não chegava para as duas coisas. E neste andar, vão seguir-se mais e mais exigências, porque a hora de dizer “Não” tarda a chegar.
Ao ouvir este caso, veio-me à memória um extraordinário trabalho de Mia Couto, intitulado “Um dia isto tinha de acontecer”, de que transcrevo algumas passagens.
Nele diz que “está à rasca a geração dos pais que educou os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os das dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida”. “Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e seguintes … quiseram dar aos seus filhos o melhor.”
“… proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre … mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º. Automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso…”
“…durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.”
“Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego,… A vaquinha emagreceu, feneceu, secou. Foi então que os pais ficaram à rasca.”
“Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas…”
“Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar o restaurante aos filhos…”
“São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade…”
“São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer “não”. É um não que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades…”
Será que nós, pais, fomos aquela figura à qual na hora dos problemas sérios, os filhos puderam recorrer porque sabiam encontrar segurança, proteção, colo, um bom ouvinte e uma melhor palavra ou, pelo contrário, fomos pais ausentes, que lhe compramos esse tempo pagando para os não ouvir, absorvidos com o corre, corre de todos os dias e alheados deles? Ou somos reféns, como esta mãe, submetidos à tirania e ditadura das suas exigências, dos seus caprichos, do mundo irreal que criaram e onde vivem?
Daí a importância de saber dizer “Não”. Mas saber dizer “Não” com educação e subtileza é uma arte que pode e deve ser desenvolvida, até porque dizer “Não” com violência ou agressividade é o que qualquer idiota consegue fazer.