Monthly Archives: October 2018

O Latoeiro

Não nasci entre brinquedos de plástico nem sequer fui lavado em banheira de plástico, porque ainda não existia esse material que veio revolucionar a produção de embalagens, peças para automóveis, todo o tipo de acessórios, utensílios de cozinha, vasilhas e os milhares de artigos que hoje se fabricam com ele. O plástico só viria a entrar mais tarde nas nossas vidas. E então, como é que nós vivíamos, pergunta a geração de hoje? Como se transportava a água, de que eram feitas as diversas vasilhas, os brinquedos, embalagens e tantas coisas mais? Em suma, como era possível viver sem o plástico? Bem ou mal, ainda vivi muitos e bons anos sem sequer saber o que isso era. Muito bem, para benefício do planeta que ainda nem imaginava o que aí vinha para o poluir.

Bem para nós, porque apesar de não dispormos de um produto barato e moldável como o plástico, não morremos por causa disso. O facto de não haver plástico obrigava-nos a utilizar materiais que estavam disponíveis à época e a ser mais criativos. A maioria dos brinquedos eram feitos em madeira por algum habilidoso ou mesmo em casa, desde o peão ao espeto, da bilharda à fisga. Havia outros em barro como os apitos e bonecos diversos. E alguns ainda em chapa. O cântaro para ir à fonte era em barro, mais barato do que os feitos em chapa, que conhecíamos por “lata”, se bem que não saiba dizer qual o material mais usado no fabrico de vasilhas. Quem fabricava artigos em chapa (“lata”) eram chamados de “latoeiros” (e não de chapeiros).Perto da casa dos maus pais havia um, o Miro “Latas”, filho do senhor Paulino e da senhora Albertina e irmão do Alberto “espingardeiro”, herdeiro na habilidade, inteligência e criatividade. Tinha a oficina numa das onze casas do “bairro” que o meu pai mandou construir em 1951, numa conceção de habitação social avançada para a época. Não existindo a moderna maquinaria de hoje para trabalhar a chapa, toda a modelação era feita manualmente, com a ajuda de ferramentas bem rudimentares, algumas delas fabricadas por ele, tanto no fabrico de vasilhas (fosse o almude, o cântaro, o litro), como de caleiros para os telhados (e é bom lembrar que, não existindo qualquer maquinaria para cortar, dobrar e curvar a chapa, todo o trabalho era feito à mão, inclusive dar a forma arredondada ao caleiro, o que só era possível à custa de muitas marteladas…), almotolias, candeeiros, gasómetros,  funis e balsas (funil grande para trasfega do vinho), baldes para tirar água dos poços e outros utensílios.

Acendi muitas vezes a forja e dei à manivela para aquecer os ferros de soldar até pô-los em brasa. E era com estes ferros e um pouco de solda – feita ali, num cadinho, de uma mistura de estanho e chumbo em proporções de que já não me recordo – que a chapa, depois de moldada e recortada, era soldada a estanho.

Foi na sua oficina que vi nascer um cântaro de “lata” que depois de pronto revestiu com placas de cortiça virgem. Entregue à cliente, só o voltei a ver quase um mês depois nas Festas da minha terra em honra de S. Gonçalo, embrulhado em folhas de hera, à cabeça da mulher que o encomendara, apregoando a água doce e fresca (da mina). Ainda bebi um “caneco” desse refresco, de uso coletivo e sem direito a ser lavado (não deviam existir micróbios nesse tempo…), que a mãe me comprou para matar a sede. Sabia a limão e era uma maravilha …

Foi com o “Latoeiro” que aprendi a fabricar vinho doce, incluindo a própria “vasilha de fermentação”, que é muito interessante. Depois de uma tarde de aulas na escola primária, fui até à sua oficina e dali fomos às uvas “morangueiras” aos Morgadinhos, já maduras e com aquele cheirinho típico que nos aguça o apetite. Depois de encher a barriga, ele entrou pelo campo de milho dentro até encontrar uma abóbora, pois era costume na região semear abóboras e feijões entre o milho. Tirou então uma navalha do bolso e com ela fez um corte em quadrado na parte superior da abóbora, como se fosse uma tampa, que retirou com a ponta da lâmina. Depois, meteu a mão pelo buraco e retirou todo o miolo, incluindo as sementes, num processo rápido de limpeza eficaz, acabando por construir como que uma pequena “vasilha”. Assim preparada, foi só enchê-la com uvas “morangueiras” e esmaga-las à mão para fazer o mosto. Para completar o trabalho, foi recolocado o quadrado que servia de tampa, com um pequeno corte para entrar o ar, mas de tal forma que o lavrador se passasse por ali não se apercebia que a abóbora tinha sido “violada” e transformada numa “pipa”. Dois dias depois voltamos ao local do “crime” para beber vinho doce como o mel através duma cana da índia furada. Aprendi tão bem a lição que, por mais alguns anos, repeti a dose, mas já sem a orientação e presença do “professor”, mas de outros alunos.

Na casa ao lado trabalhava o Avelino, “pauzeiro” de profissão. Fazia manualmente os “cascos” em madeira de amieiro para a fábrica de tamancos dos Eidos Novos. Meu irmão António, eu e outros rapazes de então eramos assíduos frequentadores da casa dele, passando horas e horas junto ao “banco” do Avelino em amena conversa depois das aulas. Quando o Miro estava a trabalhar na “oficina”, também por lá nos perdíamos até porque, além de ser inteligente e perceber do ofício, também tinha jeito para a malandragem, sendo o “cérebro” das incursões que se faziam ora ao vinho doce do lagar da Quinta de Talhos, aos melões da Quinta do Souto ou às cerejas nas Cepas, para onde mobilizava o grupo. E com a cumplicidade do Avelino, de vez em quando pregava-nos uma partida, sendo a mais comum fazer sentar a “vítima” num banco de madeira preparado para o efeito. Faziam-lhe dois furos muito finos e num deles enfiavam uma agulha com o bico para cima, presa numa linha que passava pelo outro furo. Quando a “vítima” se sentada no banco, um deles puxava pela linha e esta fazia subir a agulha no buraco, picando-lhe o traseiro e fazendo com que desse um salto. Só depois de duas ou três picadelas ou dos sorrisos contidos das testemunhas é que a “vítima” descobria a razão do “desconforto” daquele banco.

Até partir para a “terra” onde não são necessários artefactos em lata, manteve-se na profissão já adaptado às novas tecnologias, aos novos materiais e à nova designação que lhe conferiram na sua profissão: picheleiro. Embora para mim, mesmo quando o encontrar naquele lugar onde não se devem fabricar vasilhas de “lata”, ele não deixará de ser o “Latoeiro”, amigavelmente o Miro “Latas”, a quem não posso deixar de agradecer as “lições” que me deu enquanto “professor”.

O fascínio pelos “exclusivos”…

Catarina (e não me perguntem se é esse o seu verdadeiro nome) deu entrada na igreja onde se realizava o casamento, confiante no sucesso que o seu vestido novo iria fazer. Era um modelo “exclusivo” que viu numa passagem de moda organizada pela boutique onde costumava comprar a sua roupa. Quando aquela modelo passou junto de si, deu-se o “clique” e viu logo que tinha de ser “aquele vestido” lindo, único exemplar da loja e, por isso, um “exclusivo” que mais ninguém teria. Fez sinal de imediato à dona da loja. O gesto que selava a compra. Só alguns dias mais tarde passou o cheque sem discutir o preço, porque os “exclusivos” não têm discussão no que toca ao valor, já depois de ter estado na loja para os “ajustes” do vestido, por forma a que ele lhe “assentasse como uma luva”. Ao lado do marido, fazia um tremendo esforço para caminhar a direito e olhar em frente com a pose altiva própria de uma rainha, pois a sua vontade pedia-lhe que olhasse de um lado para o outro e gozasse o triunfo espelhado nas expressões e nos olhares das outras, o que não lhe saía do pensamento. O marido deu-lhe passagem para se sentar num banco vazio a meio da igreja, o que fez com pose estudada de “mulher produzida”.

O templo foi-se enchendo com muitos outros convidados e, pouco antes da noiva fazer a sua entrada pela porta do fundo ao som da marcha nupcial, quem surgiu vindo da lateral foi um enorme “pesadelo” para a sua autoestima e uma grande “machadada” na sua vaidade: “Outra convidada com um vestido rigorosamente igual ao seu”. Até os sapatos eram parecidos com os que trazia calçados. Como era possível? O seu vestido “era um exclusivo”, não podia haver outro igual. Fora enganada pela dona da loja de quem era “amiga” há tantos anos? A cara transfigurou-se em poucos segundos. A imodéstia e riso superior deram lugar ao ar de surpresa pelo inesperado, acabando num rosto fechado, revoltado e desejoso de vingança. Precisava de um bode expiatório onde despejar a sua raiva. Quando o marido lhe disse qualquer coisa ao ouvido, fuzilou-o com o olhar. Num instante ele passou de “bengala a vítima”. Mas lá se aguentou até ao final da cerimónia. No entanto, quando saía do seu lugar para se dirigir à entrada da igreja e aguardar a passagem do novo casal, deu de caras com outro vestido igual ao seu “pendurado” no corpo de uma jovem convidada ao fundo da igreja. Mais tarde confessou ter desejado que se abrisse um buraco para desaparecer e fugir daquela situação tão incómoda e constrangedora que nunca lhe acontecera.

E acabou por ser condescendente e até sentir pena das outras duas convidadas, suas “sósias de traje” e “companheiras de desdita”, que deviam ter sentido a mesma humilhação que ela sentiu. Pois é. São histórias da vida dos “exclusivos” …

O ser humano é assim mesmo. Quer estar no “topo da pirâmide”, no lugar único onde todos o invejem. Para isso precisa de ter aquilo que todos desejam, mas mais ninguém tem.  Daí adorar “arrear” modelos de roupa exclusivos e únicos, calçar “ferraduras” com entalhes em ouro que não são acessíveis ao comum dos mortais, conduzir e ser dono daquela “carroça” da Ferrari, modelo F12 TRS de que só foram fabricados dois exemplares, frequentar o “tal” clube de empresários muito exclusivo e de acesso extremamente restrito, ter casa e morar no condomínio residencial só para gente privilegiada, fazer as suas refeições em restaurantes “gourmet” de “Chefe” premiado com duas “estrelas Michelin”, enfim, usufruir de “exclusivos”, se possível algo que mais ninguém possua ou seja de acesso limitado a determinados indivíduos selecionados. Faz parte da natureza humana querer ser único e diferente dos outros.

O caso das roupas é um bom exemplo, esquecendo-se as clientes que os tais “modelos únicos” o são naquela loja, mas não no país todo. Porque, quem os produz, não se limita a fabricar só um exemplar, que teria de ser demasiado caro. Assim, faz uns quantos de que vende um em cada vila ou cidade, batizando-o de “exclusivo”. E é, naquela loja. E é, o único a ser vendido naquela terra. Só que, à procura do vestido ideal para um casamento ou para outra cerimónia qualquer, uma mulher corre “este mundo e o outro” feita detetive e acaba por encontrar um exemplar seja onde for. E depois há “incidentes” como o da Catarina, muitos outros que conheço e muitíssimos mais de que nem faço ideia…

Mas a obsessão pelos exclusivos não é um “exclusivo” das mulheres. O pessoal do sexo masculino também anseia poder usufruir. Quantos homens não querem fazer parte do “tal clube privativo” onde só se entra por convite e condicionado à aprovação dos outros, apesar da “joia” de entrada custar uma fortuna? São clubes de acesso exclusivo, limitado somente a “alguns”, onde “eleitos” só convivem com outros “eleitos”. É algo como estar no Olimpo, onde só os doze Deuses da Mitologia Grega convivem entre si … E como faz bem ao ego ser “algum” dos eleitos, porque não um dos “deuses”!!! Nesse, como em outros, a maioria dos “exclusivos” pelos quais os homens “correm” têm como objetivo o negócio, o estar num outro nível de contactos que dão acesso a maiores interesses comerciais. O “Ego” a pensar no “bolso”. Já as mulheres, perseguem os “exclusivos” pelo exclusivo, esse desejo íntimo de possuírem o que mais nenhuma tem, de ser a “rainha do baile” na “dança da vida”.

Regresso. Os peludos estão de volta…

Para o bem e para o mal, somos animais peludos. Muito peludos. Uns mais que outros, mas todos cobertos de pelo, embora não tanto como os ursos, os burros e os macacos. Mas fazemos figuras de urso quanto baste, somos chamados de “burros” tantas vezes que até há quem chegue a pensar que é mesmo “burro” e fazemos muitas macacadas, o que só reforça a teoria de podermos ser “primos” deles. Por tudo isso, há quem já não questione se é verdade ou mentira essa questão das afinidades familiares … Em épocas passadas, um homem que se dissesse ser homem, tinha de ser peludo. Bem peludo. Porque se o não fosse, corria o risco de ser chamado de “maricas”. Mas, como esta vida é feita de mudança, ainda que seja para pior, já há muito homem a eliminar tudo o que é pelo nalgumas zonas do corpo. Modas. Sinais dos tempos …

A ciência provou que somos tão peludos como os chimpanzés, pois temos sensivelmente o mesmo número de pelos em cada centímetro quadrado. Só que o nosso é mais fino e curto. E ao pensar em nós como seres peludos, há uma coisa que me intriga: Se os pelos que temos na cabeça se chamam “cabelos”, porque é que os pelos dos braços não são “bracelos” e os das pernas “pernelos”? Já nem falo dos “peitelos”, dos “cuelos” e outros mais, conforme a zona do corpo onde floresçam …

Alguns pelos não dão trabalho. Em geral crescem pouco e quase nos esquecemos deles, apesar de nos cobrirem o corpo. Mas, todos os que estão do pescoço para cima, são motivo de preocupação constante tanto de homens como de mulheres. Se para nós os pelos da cara são os “que nos dão água pela barba”, rapando, aparando ou tratando, já para elas são os pelos da cabeça a sua maior preocupação e que as obriga a lavar, frisar, pintar, ondular, alisar, fazer madeixas e sei lá bem que mais, regularmente, porque são o fator essencial do visual que não pode ser desleixado nem sequer deixado ao acaso. Cabelos, são o remate que pode fazer toda a diferença nessa “montra” que é a cabeça das mulheres. São motivo para atrair ou afastar o sexo oposto (a presa), de inveja ou satisfação das outras (a concorrência), além de ser fator de autoconfiança ou insegurança. Se na mulher os cabelos são tidos como uma boa preocupação porque podem dar excelente contributo ao visual, todos os outros pelos com o decorrer dos anos e das modas passaram a “inimigo”, pelo que têm de ser exterminados, tal e qual as ervas daninhas nas culturas.

Daí as mulheres (e não só) se sujeitarem a depilações regulares e totais, muito sofridas quando através da cera quente (tecnicamente designadas por epilações) ou bastante menos dolorosas com os novos métodos a laser. Mas, umas ou outras, estão sempre entre as preocupações femininas, muito especialmente com o aproximar do verão pois não podem existir pelos a “espreitar” nas franjas dos biquínis, debaixo dos braços ou noutras partes do corpo que não na cabeça. Já lá vai o tempo das “mulheres de bigode”, havendo até algumas que chegavam a ser exibidas no circo como atração.

E os homens, que tinham no rapar da cara um trabalho diário, estão a seguir modas pouco ortodoxas ao deixar crescer a barba tipo “jihadista” e fazer cortes mais ou menos regulares do cabelo, agora com moda à “Kim Jong Um”. Um “modelo” estranho para ser copiado … mas gostos são gostos.

Ora, alguns homens, para copiarem figuras mediáticas que gostam de ser diferentes – e, como todo o mundo quer ser diferente como eles, acabam por ficar totalmente uniformizados – também começaram a eliminar os pelos, copiando o sexo feminino. Assim apareceram os “metrossexuais” que, pouco a pouco, foram passando a “mensagem” e “convertendo” o povo meio cá, meio lá e até machões, quase sempre por influência da parceira a quem convinha agradar, para estar na moda. “O Ronaldo também se depila e fica giro. Que peitorais”. Só que o namorado não faz exercício nenhum e tem os peitorais descaídos, mostrando um corpo que nada tem de escultura grega …

Mas as modas chegam cá sempre mais tarde e às vezes demoram a ser aceites. Ora, a depilação masculina, especialmente a íntima, ainda provoca caretas nelas e vergonha neles. E, entretanto, a oportunidade passa e a moda “já está noutra”. Foi assim que um conceituado jornal americano anunciou em título: “Coloquem as lâminas e a cera na prateleira. Depois da moda do metrossexual, do lumbersexual, das barbas e do rabo de cavalo, os homens querem-se peludos. Homem que é homem tem pelos no peito”. Algures, pelo caminho, a “pele de bebé” substituiu os pelos e os homens começaram a fazer a depilação para agradar às mulheres, mostrar o corpo, seguir a moda. Mas isso mudou e os pelos no peito estão de volta e recomendam-se, por mais que isso desagrade aos gigantes do mercado das laminas e máquinas depilatórias e às indústrias de cosmética. É essa a razão pela qual voltaram os modelos masculinos de camisa aberta e pelos no peito.

Curiosamente, o regresso dos pelos é o resultado de influência da cultura gay, dum grupo chamado “Bear”, que celebram os pelos no corpo masculino. E ainda das mulheres que gostam de homem e não de um “boneco de plástico”. Além de que os pelos retomam a sua função de proteger as zonas onde aparecem, especialmente as axilas e zona púbica, pois a sua eliminação traz alguns problemas de pele. Mas é bom lembrar que, quando se fala de manter os pelos, também estão em causa outros, só que aparados e cortados por forma a não saírem em tufos enormes do nariz, com ranhetas à mistura, ou das orelhas, embrulhados em cera …

Com a “cambalhota” da moda que exige o regresso dos pelos ao corpo dos homens, há uma vantagem: já ficam preparados para mudanças futuras da moda. É que nunca ninguém sabe se ela, de repente, exige que se façam “tranças” nos pelos das axilas ou doutra parte qualquer. Há que esperar tudo das vedetas, para serem diferentes …

mais que um dever, uma obrigação…

Tenho de reconhecer que já não sou o mesmo dos meus tempos de criança e adolescente. Há coisas que perdi, valores de que fui abrindo um pouco a mão, princípios e normas morais e sociais em que já não sou bem o mesmo. É o caso do cumprimentar, essa norma de cortesia que implica comunicação, educação e simpatia. Se quando novo não deixava de desejar um “bom dia”, “boa tarde” ou perguntar “como tem passado” a qualquer pessoa da aldeia, hoje passo pela grande maioria “como cão por vinha vindimada, calado como um rato”. A desculpa, se é que ainda me desculpo, é de que não as conheço e elas nem sequer dão oportunidade de as cumprimentar de tão fechadas que vão. Não serei eu que também estou fechado?

Quanto vale um cumprimento, um “olá”, um “passou bem?”, um olhar, um aperto de mão ou um sorriso? Custam tão pouco se é que têm custos, distribuem-se gratuitamente e não há dinheiro que os pague. Em contrapartida, são contagiantes, abrem portas, rostos, sorrisos, um mundo melhor. Não precisamos de ser todos amigos e andar por aí aos abraços e beijos a quem conhecemos ou não. Mas, a verdade é que ser agradável e educado é uma questão de cortesia e simpatia.

Se há coisas que me deixam saudades desses tempos de criança, era essa relação entre as pessoas da terra, essa impossibilidade de se passar por alguém sem dizer “boa tarde Sãozinha”, “como está o seu filho?” ou outra palavra qualquer como elo a ligar seres humanos, colocando-os em sintonia. Os homens, ao cumprimentar alguém tiravam o chapéu e faziam uma pequena vénia com a cabeça e o busto. Se estivessem a fumar, ficavam com o cigarro na mão. Os pobres, mais humildes, não punham o chapéu enquanto falavam com quem tivesse um pouco mais que eles, a não ser que lhe dissessem “ponha o chapéu”. Mas era impensável passar por alguém sem cumprimentar, sem perguntar pela família ou até por um animal doente. As mulheres personalizavam mais, tratando o outro pelo nome. “Olá Miquinhas, como está do reumatismo?” ou “boa tarde senhor João?”. Interessavam-se uns pelos outros no cumprimentar do dia a dia, como se fossem todos da mesma família. E eram …

Ao passarem os anos e com as mudanças profundas da sociedade, o aumento da população e a urbanização das massas, esse espírito de comunidade foi-se desgastando, como se gastam as roupas, os pneus do carro, as pedras da calçada e os “valores” (incluindo o dinheiro). Vivemos amontoados em aglomerados urbanos onde tantas vezes andamos tão perto uns dos outros, senão mesmo aos encontrões, mas tão distantes, que nem nos apercebemos de quem se cruza connosco. Por isso, “esquecemo-nos” de cumprimentar o vizinho da frente com quem nos cruzamos todos os dias, a senhora de baixo, o varredor da rua ou o empregado de café que nos atende com amabilidade. Entramos num autocarro apinhado de gente e que fazemos? Olhamos para a janela ou enfiamos a cabeça entre as páginas de uma revista sem esboçar um sorriso sequer para qualquer dos companheiros de viagem. Aliás, nem damos por eles, porque “são invisíveis”. Já nem sequer vemos as pessoas que partilham com nós um mesmo espaço em simultâneo. Andamos “sós no meio da multidão”. E o mais triste é que nos “sentimos sós”, o que é um paradoxo.

O cumprimento é uma forma de saudação amigável entre as pessoas, que normalmente é acompanhado de algum gesto ou fala. Varia de país para país e até de região para região dentro do mesmo país. Em França cumprimenta-se com um beijo em Brest, dois em Toulouse e quatro em Nantes, sem que os lábios toquem o rosto, mas façam o estalido. Entre nós, o cumprimento mais comum é o aperto de mão, sendo o beijo e o abraço reservado a familiares e amigos. Mas cada país tem os seus hábitos. Penso que se cumprimentasse alguém como o fazem os maoris da Nova Zelândia, encostando o nariz e a testa ao outro, chamavam-me maluco ou davam-me um murro. Confesso que não estou interessado numa coisa nem noutra. No cumprimento, o “toque” é importante, seja pelo aperto da mão, o toque do punho, o beijo, o abraço. Conseguimos comunicar e entender muito melhor através dum simples “toque” as manifestações de carinho, simpatia, solidariedade, alegria e muitas outras emoções. Como nos sentimos confortados e próximos quando nos colocam a mão no ombro?

O cumprimento representa muito mais que um gesto de cortesia. Com ele, procura-se também atrair simpatia e arranjar um clima de amabilidade e até cumplicidade, sendo verdadeiramente importante nas relações sociais. Um aperto de mão também pode revelar muito dos seus intervenientes, através da linguagem corporal, da firmeza, do contacto visual. Podem ir dos frouxos e com a mão mole como um polvo morto, que manifestam insegurança e baixa autoestima, aos “quebra ossos”, de quem controla a situação; dos que só dão a ponta dos dedos, sinal de manter distância, aos que agarram até o cotovelo e se aproximam, dizendo-se íntimos; ou do apressado, manifestando desconsideração e falta de tempo para o outro, ao de mão cheia, com a mão esquerda cobrindo as mãos, em sinal de carinho. Sem esquecer a importância do contacto visual, olhos nos olhos, e do sorriso, capaz de animar o coração de qualquer mortal.

Quanto vale um abraço a alguém que está assustado, perdido ou em baixo? Como se sente uma mãe quando alguém se preocupa com a saúde do seu filho doente? Que importância tem um aperto de mão ao porteiro, ao varredor e àqueles que são “invisíveis” para a maioria das pessoas que por eles passam? Ser cordial e dar atenção àqueles com quem nos cruzamos no dia a dia, só nos acrescenta e um simples sorriso, um olá ou um aceno pode fazer toda a diferença. Distraídos, absortos ou fechados não contribuímos rigorosamente com nada, nem para os outros, nem para nós. E cumprimentar custa tão pouco e pode valer tanto…